J.S.Bach (1685-1750): Concertos para Violino – Freiburger Barockorchester // PQP – Originals – Julia Fischer & ASMF

J. S. Bach

Concertos para Violino

Freiburger Barockorchester

No fundo de minha memória literária havia uma lembrança de que Carlos Drummond de Andrade gostava demais dos Concertos para Violino de Bach. Lembro-me também que minha gravação preferida era a do Grumiaux, que era esnobada solenemente pelo meu amigo PM, fã incondicional do Eduard Melkus.

Eram dias em que tínhamos apenas duas ou três versões entre as quais escolher. Pois é, havia também Bach com o sotaque russo de Oistrakh.

Mas, voltando ao Carlos Drummond de Andrade, quanto mais eu imaginava o poeta gostando dos Concertos de Bach, mais eu gostava dos Concertos e mais eu gostava do poeta.

Só faltava encontrar a prova de que o poeta, ao chegar em casa, cansado de mais um dia exaustivo na repartição, ia logo tirando os sapatos e ligando a vitrola. Qual gravação ele ouviria?

Bom, após uma busca cuidadosa, se não cheguei a uma prova do fato mencionado, cheguei a uma forte evidência na figura da deliciosa crônica que não resisto e transcrevo a seguir. Se você chegou até aqui, leia a crônica. Vale a pena!

No aeroporto, uma crônica de Carlos Drummond de Andrade

Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras, e, a bem dizer, não se digne de pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.

Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e oriental, e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.

Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho; tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores.

Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de sono – e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia – eram respeitadas como ritos sagrados, a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos.

Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da tevê. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.

Objetos que visse em nossa mão, requisitava-os. Gosta de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis — porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.

Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade — e, até, que a nossa amizade lhe conferia caráter necessário de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.

Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.

Gostaria muito de saber como o poeta reagiria a esta gravação dos Concertos para Violino de Bach que vos trago aqui. Bach com sotaque alemão! Ach so!

A Freiburger Orchester adota a prática de performance historicamente informada. Assim, temos um som translúcido, com cordas um pouco adstringentes, mas ainda lindamente agradáveis. Isso sem contar que a produção do disco é excelente, muito bem gravado. Para completar o programa, um Concerto para três Violinos, transcrição do Concerto para três Cravos. Tudo indica, o Concerto para três Cravos é uma transcrição de um Concerto para três Violinos, agora perdido. Um pouco confuso, mas acho que você entendeu. Caso contrário, apenas escute o álbum.

Você poderá ler uma crítica equilibrada aqui.

Johann Sebastian Bach (1685-1750)

Concerto para dois violinos em ré menor, BWV 1043

  1. Vivace
  2. Largo ma non tanto
  3. Allegro

Concerto para violino em mi maior, BWV 1042

  1. Allegro
  2. Adagio
  3. Allegro assai

Concerto para violino em lá menor, BWV 1041

  1. Sem indicação de tempo
  2. Andante
  3. Allegro assai

Concerto para três violinos em ré maior, BWV 1064R

  1. Sem indicação de tempo
  2. Adagio
  3. Allegro
Gottfried Von Der Goltz, violino (BWV 1043, 1042, 1064R)
Petra Müllejans, Violino (1042, 1041, 1064R)
Anne Katharina Schreiber, violino (1064R)

Freiburger Barockorchester

Gravação: Paulussaal, Freiburg

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FLAC | 354 MB

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MP3 | 320 KBPS | 142 MB

Esta postagem foi possível graças à colaboração do amigo HM! Valeu, Marcelo!


Para dar uma oportunidade aos nossos seguidores de comparar a grandiosidade da música de Bach, que admite diferentes abordagens com igual efeito apaixonante, reapresento um post da autoria de CARLINUS . Como o post teve seus arquivos (rapidamente) mandados para o espaço cibernético, entra em ação nosso selo PQP-Originals para restaurá-los. O post foi feito em 5 de agosto de 2010 e recebeu 8 comentários que você poderá ler aqui.

J. S. Bach

Concertos para Violino

Academy of St. Martin-in-the-Fields

Julia Fischer

Não faz mal que eu e PQP esbarremos na mesma intenção: postar Bach.  O grande diferencial é que ele é filho do homem; e, eu, um reles mortal apócrifo. Ele se muniu de uma japonesa com ares lascivos; e, eu, de uma alemã com os ares frescos da mocidade, Julia Fischer. Eu não tencionava postar este CD no dia de hoje. Tinha outros planos. Mas resolvi disponibilizar este registro, que já estava comigo há algum tempo.  Julinha Fischer com suas habilidades de violinista jovem, conseguiu me cativar. Estes concertos para violino me deixaram com uma impressão que somente a arte é capaz de remir o mundo de suas feiúras. Ontem à noite eu vi mais uma vez ao filme Dias de Nietzsche em Turim, do brasileiro Júlio Bressane. O diretor conseguiu fazer um extraordinário trabalho sobre a estadia de Nietzsche naquela cidade, antes do colapso que o paralisaria até o ano de sua morte, 1900. O filósofo passeia pela cidade e encanta-se com o clima, com a arquitetura sóbria e despretenciosa, com a lascividade das esculturas clássicas, que em tudo o convida à contemplação. A certa altura ele diz: “Se não fosse a arte, a vida seria um erro”. Que frase fantástica! Somente a arte nos torna mais humanos. Afasta-nos da mediocridade e nos faz sonhar com um mundo cheio de razões reais. A arte de Bach é habitada por verdades delicadas. E isso me faz muito bem nesta noite de brisa suave aqui no Planalto Central. Não deixe ouvir este ótimo registro de Johann Sebastian Bach. Agora é só comparar o Bach de minha alemã (Julia Fischer) com o Bach da japonesa (Akiko Suwanai) de PQP. Boa apreciação!

Julia Fischer

Johann Sebastian Bach (1685-1750)

Concerto para dois violinos em ré menor, BWV 1043

  1. Vivace
  2. Largo ma non tanto
  3. Allegro

Concerto para violino em lá menor, BWV 1041

  1. Sem indicação de tempo
  2. Andante
  3. Allegro assai

Concerto para violino em mi maior, BWV 1042

  1. Allegro
  2. Adagio
  3. Allegro assai

Concerto para violino e oboé em ré menor, BWV 1060

  1. Allegro
  2. Adagio
  3. Alegro

Julia Fischer, violino

Alexander Sitkovetsky, violino

Andrey Rubtsov, oboé

Academy of St Martin in the Fields

Produção: Sebastian Stein

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FLAC | 303 MB

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MP3 | 320 KBPS | 144 MB

Aproveite!

René Denon

PS: PQP-Originals tentará restaurar a postagem do PQP mencionada por Carlinus.

2 comments / Add your comment below

  1. Em 2017 ouvi pela primeira vez este álbum da Freiburger Barockorchester, provavelmente de maneira displicente, afinal não fiquei animado e, na verdade, só entendia o primeiro movimento da segunda obra do disco; agora, provocado por esta sua postagem, que ainda traz Drummond, não paro de escutá-lo! Certas passagens aparecem no cotidiano como lembranças de sonho. Grato! Sobre o segundo texto, a referência a Nietzsche me lembrou de um trecho de Ecce homo segundo o qual ele diz que, sem a música de Wagner, sua juventude teria sido insuportável, diz ainda que Chopin é o melhor de todos.

    1. Caríssimo Otavio Ferraz!
      Não imaginas o quanto seu comentário me alegra! Já imaginava que esta postagem estava lá soterrada pelas pilhas de tantas outras e você a resgatou, a nomeou e ela apareceu mais uma vez.
      Hoje vou dormir ouvindo os concertos de Bach e, se tiver sorte, adormecerei durante o movimento lento do concerto para dois violinos!
      Eu concordo com o Nietzsche integralmente sobre Chopin…
      Mas isso ficará para outro dia.
      Hoje reinam Bach e Drummond!
      Abraços fortes do
      René Denon

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