Em memória de Michael Gielen
(* 20/07/1927 – † 08/03/2019)
Michael Gielen nasceu em uma família de artistas, em Dresden. A família mudou-se em 1940 para Buenos Aires, onde ele cresceu em meio a uma elite de músicos ali exilados. Estudou piano com Erwin Leuchter, que fora assistente de Anton Weber (talvez venha daí seu interesse constante por composição e por música de seu próprio tempo) e ouviu um enorme repertório de ópera regido por Fritz Busch. Trabalhou no Teatro Colón como acompanhante nos ensaios, onde teve contato com artistas como Kirsten Flagstad, Erich Kleiber e Wilhelm Furtwängler.
Retornou para a Europa em 1950 onde assumiu vários cargos como diretor de ópera e de orquestra. Entre estas posições destacam-se a de Diretor da Geral de Música da Ópera de Frankfurt e regente da Sinfonieorchester des Südwestfunks, Baden-Baden. Como esta orquestra era subsidiada pela Rádio Estatal Alemã, pode promover música de seu próprio tempo. Também com esta orquestra deixou registro de vários ciclos de sinfonias, entre eles de Mahler e de Beethoven.
Mahler – Sinfonia No. 9
A ideia de morte perpassa toda a obra de Mahler, mas há uma convergência no caso desta sinfonia, composta nos verões (europeus) de 1908 e 1909. Em 1907 Mahler teve que lidar com duas catástrofes pessoais – a morte de sua filha Maria Anna Mahler, de apenas quatro anos, e o diagnóstico de sua doença cardíaca. Coloque tudo isto junto com o fato de que ele estaria escrevendo sua nona sinfonia. Ele que já havia evitado este número chamando sua obra anterior de canção – Das Lied von der Erde, obra na qual a brevidade da vida humana é colocada em oposição à natureza, que ficará para sempre (ewig).
Eu sei que colocando assim, você pode achar que vai encontrar uma música dilacerante, angustiada, como um bando de carpideiras… Não é exatamente isso. A peça demanda sim, muita atenção do ouvinte, mas a ideia geral é de aceitação, de transcendência.
Mahler, que já havia levado o modelo de sinfonia aos extremos com sua oitava, a Sinfonia dos Mil, aqui retorna ao padrão de quatro movimentos e uma peça puramente orquestral. Mas, a ordem dos movimentos é menos usual. O primeiro e o último são enormes movimentos lentos: Andante comodo e um Adagio. Estes fazem a moldura de dois outros movimentos mais curtos.
A primeira vez que ouvi esta sinfonia foi um bootleg, um CD italiano com uma gravação pirata com Klemperer regendo não sei mais qual orquestra. Ainda me lembro do impacto causado pelo primeiro movimento, que me soa como uma enorme desconstrução. A música quase para, levanta-se, segue, terrível. Os quatro ou cinco últimos minutos são especialmente tocantes. Veja o que disse deste movimento, um crítico, logo após a première (regida por Bruno Walter): Se alguém deseja aprender a chorar, deveria ouvir o primeiro movimento desta sinfonia, a grande, maravilhosa canção do adeus para sempre.
No segundo movimento temos uma das marcas registradas de Mahler, ritmos de danças rústicas. No caso, Ländler, dança austríaca, entrecortada por uma valsa. Mas estas danças são aquelas que ninguém que dançar. Não deixe de notar a orquestração, muitas trompas e outros sopros. A ironia que permeia este movimento segue no próximo, um Rondó Burlesco. Depois deste tempestuoso conflito musical (cheio de contraponto e alguma selvageria), o Adagio final. A resolução de tudo que foi proposto pelos movimentos anteriores se dá neste imenso movimento que não termina, mas se dissolve. Transição entre a desolação do adeus para a transcendência posterior. Mais ou menos isso, segundo Bruno Walter.
Apesar de tudo, música composta só se realiza quando é executada. Ao longo destes mais de cem anos que a sinfonia vem sendo executada (sua première foi em 26 de junho de 1912, sob a regência de Bruno Walter), diferentes gerçaões de músicos e regentes têm dado sua interpretação desta monumental e significativa sinfonia, passando por Haitink, Bernstein, Karajan e, mais recentemente, Rattle e Dudamel. Mas hoje, as homenagens são para Michael Gielen (1927 – 2019).
Gustav Mahler (1860 – 1911)
Sinfonia No. 9, em ré maior
- Andante comodo
- Im Tempo eines gemächlichen Ländlers. Etwas täppisch und sehr derb
- Rondo-Burleske: Allegro assai. Sehr trotzig
- Sehr langsam und noch zurückhaltend
Sinfonieorchester des Südwestfunks Baden-Baden
Michael Gielen
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Aproveite!
René Denon