Dia desses foi postado pelo mano PQP Bach uma gravação deste bom velhinho, Günter Wand, creio que da Nona de Bruckner. Resolvi então procurar e achei suas gravações das sinfonias de Brahms.
Amo, adoro e venero estas sinfonias, e não canso de procurar outras versões delas. Já devo ter umas 6, pelo menos. E ainda procuro aquela que poderei considerar definitiva. Toscanini, Fürtwangler, Karajan, Bernstein, Abbado, Wand, Klemperer, Jochum, todos eles sem exceção deram suas contribuições. Não consegui estabelecer um ranking entre estas gravações, nem pretendi fazê-lo, pois os vejo de diferentes perspectivas. Alguns críticos consideram as gravações de Toscanini e de Fürtwangler imbatíveis. Porém os métodos de gravação da época ainda eram precários, e por mais que os engenheiros de som trabalhassem, não conseguiam fazer milagres. Os outros acima citados viram a evolução das gravações, a criação do estéreo, do som digital.
Vejo nas obras dele um embate constante entre a razão e a emoção, e dependendo do regente, vemos este conflito quase que explícito. Por exemplo, o primeiro e o quarto movimentos da Sinfonia nº1, este último já discutido aqui no blog. Wand nos brinda com uma gravação impecável do ponto de vista do equilíbrio e dinâmica. O registro da massa orquestral nos momentos mais expressivos não soa tão grandiloquente quanto ao que Karajan imprimiu à Filarmônica de Berlim (tremo ao lembrar da abertura da primeira sinfonia na sua gravação dos anos 80), ou o Bernstein, um pouco mais contido, é verdade, à Filarmônica de Viena, porém acho que o resultado soou mais agradável, não tão assustador quando a de Herr Karajan. Wand é grande em todos os sentidos. Conseguiu colocar a excelente NDR Sinfonieorchester nos níveis de excelência de outras orquestras tradicionais alemãs, e a sonoridade que ele consegue extrair é exemplar, contando também com a ajuda da engenharia de som da RCA.
Deixem-me contar uma pequena crônica de minha vida, que se passou há exatos 20 anos atrás, quando morava em São Paulo. Minha casa tinha uma varanda nos fundos, de onde tinhamos uma vista privilegiada do bairro da Aclimação. Certo final de tarde de sábado, sozinho em casa, coloquei minha velha fita cassete da Sinfonia nº1 com o Karajan no walkman, sentei-me em uma cadeira, e fiquei ali ouvindo o velho Herbert regendo a sua Filarmônica de Berlim. Senti minha alma ser transportada para outra dimensão. Naquele dia fui agraciado com um pôr-de-sol de outubro deslumbrante, com nuvens assustadoras no céu, e quando soavam os timpanos da orquestra parecia que era a voz de Deus querendo falar comigo, ou pelo menos tentando. Não, não fumei nem tomei nada antes, e não arrisco dizer que foi uma experiência quase mística. Aqueles foram um dos momentos mais marcantes de minha vida. Nunca mais consegui experimentar a mesma emoção. Já ouvi esta sinfonia milhares de vezes, e ouvirei quantas mais forem possíveis, mas sei que nunca mais ter a mesma sensação.
Com relação á terceira sinfonia, bem, só tenho a dizer que se Brahms só tivesse composto o terceiro e o quarto movimentos desta sinfonia já teria dado sua contribuição para história da música ocidental. É uma sinfonia romântica em sua essência, talvez a mais desavergonhadamente romântica das quatro. Seu terceiro movimento é de um lirismo pungente, emocionante, quase nos leva às lágrimas. Nela Brahms extravasa suas emoções.
Espero que apreciem.
Johannes Brahms – Symphonies 1 & 3 – Günter Wand – NDR Sinfonieorchester
01 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – I. Un poco sostenuto, Allegro
02 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – II. Andante sostenuto
03 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – III. Un poco allegretto e grazioso
04 – Brahms Symphony No.1 in C minor, Op.68 – IV. Adagio non troppo ma con brio
05 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – I. Allegro con brio
06 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – II. Andante
07 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – III. Poco allegretto
08 – Brahms Symphony No.3 in F, Op.90 – IV. Allegro
NDR-Sinfonieorchester
Günter Wand – Director
FDPBach
Caro FDP Bach:
Depois de uma introdução “ranulfiana” e proustiana como a acima não há como não baixar estas sinfonias. Não preciso dizer que Brahms é um dos meus compositores prediletos não obstante minha predileção ter mais moradas que a casa do Pai…
Como escrevi alhures há pouco, downlonding!
Curiosamente, Adriano, estou com o meu exemplar da “Sombra das Raparigas em Flor” na minha frente, procurando uma determinada passagem em que o personagem descreve suas sensações sobre uma determinada música (a famosa pequena frase de Veituel (acho que é assim que se escreve)).
Ando mudando de postura em algumas situações. Estou fazendo minhas as palavras de Sêneca: “Podes me indicar alguém que dê valor ao seu tempo, valorize o seu dia, entenda que se morre diariamente? Nisso, pois, falhamos: pensamos que a morte é coisa do futuro, mas parte dela já é coisa do passado. Qualquer tempo que já passou pertence à morte. (…) aproveita todas as horas; serás menos dependente do amanhã, se te lançares ao presente. Enquanto adiamos, a vida se vai. Todas as coisas nos são alheias, só o tempo é nosso”.
Obrigado mais uma vez.
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Caro FDP Bach:
É belíssimo o trecho de Sêneca que citaste. O autor se ampara em Horácio: “carpe diem, nec minimum credula postero”. Li-o novamente e vou saboreá-lo durante o dia pois há nele Proust também.
Quanto à pequena frase de vinteuil (se não me engano, inspirado em César Frank), em várias passagens da Recherche ela é citada, sempre associada ao lesbianismo da paixão do autor, Albertine.
Com o devido respeito, quem vos escreve conhece toda esta obra do “menino de Combray”.
Nunca tive experiências místicas, mas posso dizer que a Nº 1 de Brahms é minha sinfonia preferida e que concordo com o sujeitinho abaixo:
http://miltonribeiro.opsblog.org/2009/03/09/minha-sinfonia-preferida-da/
Há outras interpretações de Brahms que merecem ser ouvidas – Carlo Maria Giulini e Karl Böhm.
Quanto ao terceiro movimento da terceira sinfonia, creio que não há palavra melhor para expressá-lo que pungente!
Oi, Adriano, realmente eu já tinha lido que a peça era inspirada em Cesar Frank. Li a Recherche na tradução do Quintana, há muito anos atrás. Claro que preciso ler novamente, e os volumes já estão devidamente separados.
Caro FDP Bach:
Por não saber se você lera toda a Recherche é que usei da licença “com o devido respeito”. Levei 14 anos para ler toda a obra, li-a junto com outros livros. Se há um livro que posso dizer que mudou minha vida ou marcou-me profundamente foi este.
Li ainda uma biografia do “menino da madeleine” e tenho outra, que encontrei numa livraria em Curitiba, que tem fotos das pessoas que inspiraram os personagens da obra.
Caro PQP Bach:
Belo texto o contido no link acima. O que me assombra é o conhecimento que um homem deve ter, e a sensibilidade musical, para compor uma sinfonia tão densa e delicada.
Entre os grandes maestros citados
Entre os regentes citados, acho que falta um bom de bola – Sergiu Celibidache! Estou certo ou errado em inclui-lo na lista?
Acho que estás certíssimo, Lucas. Na verdade, FDP concordará que a lista é maior: Mravinsky, Fricsay, Boulez, Haitink, Ozawa e outros, talvez muitos outros. (Eu acho que Rattle é um gênio, desculpem).
É como costumo dizer quando me perguntam sobre meus compositores preferidos: são uns cem. Claro que há o quarteto de ouro, mas é “muito impossível” limitar-se a eles.
A subjetividade é impressionante, porque os gostos são inexplicáveis, creio. Oiço frequentemente as 4 sinfonias de Brahms. Às vezes apetece ouvir uma delas pelo maestro tal. Outras vezes, outra pelo mesmo maestro ou a mesma por outro, a variedade é enorme. Se tivesse de escolher um ciclo, por um só maestro, em que as 4 sinfonias soam perfeitas, a mim, claro está, escolheria o Kurt Sanderling com a Berliner Sinfonie Orchester (não confundir com a filarmónica). Fica a dica do meu gosto, discutível, muito discutível, como todos.
Alguém sabe o que aconteceu com as postagens com composições do Villa-Lobos? Procuro como um louco desde manhã e não encontrei nenhuma, nem o marcador com o seu nome aparece…
Acho que houve um erro de interpretação do meu texto. Não falei que apenas aqueles regentes me interessam, e sim que são aquelas as gravações que possuo e que pretendo postar com o tempo. Se fosse listar meus regentes favoritos a lista seria bem maior. O que pretendo, no correr das próximas postagens é oferecer aos senhores estes intérpretes cuja gravação possuo. Inclusive, estou me organizando com o Carlinus para ser um projeto em parceria, já que nossos interesses são comuns com relação a esse repertório.
Vinicius.
Logo que meu estômago melhorar, explicarei o que houve com a cultura nacional em nosso blog. Sim, você ir imaginando: nosso maior compositor NÃO PODE ser divulgado, devendo ser mantido SECRETO em seu pais.
Puta merda, FDP, você me deixou em condição vunerável. Após um texto delicioso, escrito em tese dicrônica com relação às gravações das sinfonias de Brahms, fiquei sem saber o que fazer. Aturdido. Sou obrigado a baixar e ouvir. Ainda não tenho o material postado com Günther Wand, regente para a qual somente restam adjetivos e predicados.
Obrigado!
Como disse PQP acima:
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Se reclama tanto que a cultura nacional não tem permeabilidade entre nossos patrícios (até a ponto de julgarem que o povo brasileiro é ignorante) e quando surge uma das poucas iniciativas de divulgação da verdadeira Música brasileira ela é obrigada a calar-se?
Não entendo( talvez seja eu idiota) como podem querer manter um compositor da importância de Villa-Lobos nos alçapões do desconhecimento e visar apenas o lucro, lucro este que verdadeiramente não lhes pertencem, pois que são frutos da criativaidade de alguém que sei que estaria envergonhado com tal decisão, alguém que lutou pela educação musical em nossa pátria e sabia que só se pode ensinar àquele que está encantado pelo que estuda.
Às vezes tenho pena dos artistas verdadeiros pela mesquinharia deste mundo…
Pensei em perguntar, ao ler o post, se fdp gosta das interpretações de Rattle, vi o comentário acima do pqp sobre ele, e fica aqui a curiosidade, caso o conheça com Brahms, fpd.
Tenho as gravações ao vivo de Furtwangler e a berliner, anos 40 e 50… ahhh, se a engenharia de som fosse um pouco mais moderna… são maravilhosas mesmo sem grande engenharia. Como voce já disse por aí, a 4 de Brahms com Carlos Kleiber é um primor. Já ouvi algumas com Celibidache e uma gravação da 3 e 4 com Szell e a Cleveland, gostei de ambas, aqui do site já baixei a 1 com Jochum e tenho a 3 com Berstein que é uma maravilha. Que venha Gunter Wand.
Não a nada mais deslumbrante do que se caracterizar com seu maior vínculo, a música nos eleva as alturas, nos reveste sobre um entrosamento incomparável. Sem a menor duvida, nada pode se submeter a alterar nossos instintos com tão vasta facilidade do que essa contribuição de clareza emocional. Brahms é um compositor inspirador, não a como não se favorecer com suas composições.
Grato pela revalidação. Fiquei encantado com a versão do Abbado cujos links foram recentemente revalidados. Se existisse um paraíso, deveria ser aquele solo de trompa do último movimento da primeira sinfonia o tema de entrada. Aliás, se existir um paraíso, espero que existam orquestras lá, se não será um tédio.
Verdade.
Meu caro, atrevo-me a acrescentar mais nomes: para mim Davis é imbatível na sinf.3, e Haitink na sinf.2 (ah, o último movimento desta!).
Mas o motivo desta mensagem, além de agradecer, é implorar que disponibilize para nós, mortais, as outras sinfonias do barbudo com o G. Wand!
E já vou “downloadar”…
Olá, confesso que acordei super feliz com esse tempo maravilhoso que faz,pois assim posso ouvir Wagner como ele merece, já havia separado meu Tristão com Birgit Nilson e meu Parsifal(que seria o proximo DVD a ouvir), porem quando vi essa gravação de Brahms desisti e cá estou, amo a gravação de Celibidache, mas essa não deixa nada a desejar!!!.. Muito obrigado!!
Tenho a primeira e sexta de Beethoven com o Gunter Wand, excelentes também, vou procurar ouvir o Brahms com ele.
O Wand com Brahms não é tão bom quanto é com Bruckner, na minha opinião, mas faz um bom trabalho, sem dúvida. Já o Karajan, não gosto das obras de Brahms com ele, acho que acelera muito nos tempos e não expressa o equilíbrio típico de Brahms. Para mim, Bernstein é o melhor nessas sinfonias. Mas Giulini, Haitink, Böhm, Jochum, Rattle, Levine, entre outros, também merecem ser ouvidos.