Jennifer Bate escolheu gravar as obras para órgão de Messiaen na Catedral de Beauvais, que sem dúvida tem uma acústica excepcional. É a igreja com o teto mais alto do mundo, 15 metros maior que o da Catedral Notre Dame de Paris. Dedicada a São Pedro, talvez a ideia tenha sido rivalizar com a Basílica do mesmo santo no Vaticano. Começou a ser construída em 1225 e teve seu primeiro grande colapso em 1284 após uma tempestade. Nunca foi acabada devido aos altos gastos e aos problemas estruturais para manter em pé uma igreja tão alta e pesada.
Com a palavra o escritor americano Henry Adams:
A Catedral de Beauvais é a mais surpreendente tentativa de glória arquitetônica de todos os tempos. É um edifício de pedra construído tão alto que não suporta seu próprio peso, então cai de vez em quando, ou é reforçado com vigas de madeira ou com estruturas de ferro. É muito bonito, embora incompleto. Apesar de sua beleza e ambição, muito charmosas, nós sentimos que é uma tentativa fracassada, o que não diminui seu charme, e que é a última palavra do puro Gótico.
(Carta de 1895)
Você deve primeiro tentar livrar-se da ideia tradicional de que o gótico é uma expressão intencional de melancolia religiosa. O que movia os arquitetos góticos era a necessidade de luz. Eles precisavam de luz e sempre mais luz, até que sacrificassem a segurança e o senso comum ao tentar obtê-la. Eles converteram suas paredes em janelas, levantaram os tetos, diminuíram os pilares, até que suas igrejas não pudessem mais ficar em pé. Você verá o limite em Beauvais.
Sabendo por uma enorme experiência precisamente onde as tensões viriam, os arquitetos do século 13 ampliaram a sua escala até o ponto máximo de resistência material, aliviando a carga e distribuindo o fardo até para as calhas e as gárgulas que parecem meros ornamentos. E cada centímetro de material, de cima a baixo, da cripta à abóbada, do homem a Deus, do universo ao átomo, teve sua tarefa, dando suporte onde era necessário o suporte, ou peso onde a concentração se sentia, mas sempre com a condição de mostrar visivelmente as linhas gerais que levavam à unidade e as curvas que controlavam a divergência, de modo que uma única ideia controlava todas as linhas.
(do livro Mont-Saint-Michel and Chartres)
Ou ainda, para o ateu José Saramago: “No interior de uma grande catedral vazia, se levantarmos os olhos para as abóbadas, para as obras superiores, temos a impressão de que ela é mais alta do que a altura a que vemos o céu num campo aberto.”
O órgão de Beauvais tem alguns tubos antigos que estão lá desde 1530, outros são de 1827, mas após ser bombardeado em 1940, passou por uma restauração completa em 1979. O instrumento atual é uma mistura de materiais novos e antigos, como a música de Messiaen, aliás.
Ao ouvir, aos 6:08 de Les choses visibles et invisibles (no volume 3, postado semana passada), as notas graves ocupando todo o espaço da catedral, ou ouvindo os cantos de pássaros ecoando por todos os lados como em uma floresta no 4º movimento destas Meditações, só posso elogiar a escolha do órgão e do local para a gravação dessa integral.
No encarte dos álbuns desta integral aparecem em inglês os textos que Messiaen escreveu para explicar em detalhes cada uma de suas obras. Traduzir e resumir cada um dos nove movimentos das Meditações sobre o Mistério da Santíssima Trindade seria tão difícil quanto resumir o dogma católico da Trindade. Ressalto apenas que Messiaen utiliza um tema para o Pai, um para o Filho, um para o Espírito Santo, um para o verbo ser, e por aí vai… Com passagens de canto gregoriano e outras de pássaros. Uma mistura do novo com o antigo, como definido já em 1931 pelo próprio compositor:
“Creio que hoje, ao invés de destruir o sistema tonal, é preciso enriquecê-lo.”
Méditations sur le mystère de la Sainte Trinité
1. Méditation I
2. Méditation II
3. Méditation III
4. Méditation IV
5. Méditation V
6. Méditation VI
7. Méditation VII
8. Méditation VIII
9. Méditation IX
Recorded in 1980/81
Grandes Orgues de la Cathédrale Saint Pierre, Beauvais, France
BAIXE AQUI – FLAC (DOWNLOAD HERE – FLAC)
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Pleyel
Que hino essa série. E ótimo texto de acompanhamento, me fez ficar mais interessado por essa gravação.