Bertolt Brecht, Máximo Gorki e Hanns Eisler? O que o maior dramaturgo do século XX tem a ver com um dos escritores russos mais lidos em todo o mundo e um compositor alemão praticamente esquecido? Ora, é fácil, a obra “A Mãe” (Die Mutter).
Gorki foi quem escreveu o romance, que fez e ainda faz muito sucesso em todo o mundo. Brecht fez uma adaptação para o teatro, a qual eu estou louco para ler, e Eisler pegou a peça de Brecht como se fosse um libreto e fez uma cantata.
A história desta obra — seja o romance, a peça ou a cantata — se passa na Russia czarista, pré revolução de 1905, e conta a história de uma mãe que, vendo seu filho parando de ir pra bebedeira, estudando e levando amigos bondosos e barbudos pra casa, começa a se preocupar seriamente e então busca saber mais do socialismo que eles tanto falam. Apesar de eu estar apresentando-a desta forma levemente cômica, “Die Mutter” é uma obra bastante tocante. Não é que ela seja dramática — não há nada de um drama burguês nela — mas é tocante pois consegue mostrar a realidade do ponto de vista da classe trabalhadora, em sua ignorância, anseios e dificuldades. Também mostra toda a nobreza de espírito daqueles que dedicam suas vidas à luta por um mundo melhor.
Nenhuma obra seria mais adequada para homenagear o mês de Abril, que foi de extrema importância na história da Revolução Russa. Foi no dia 16 deste mês que Lenin, há 100 anos atrás, volta à Russia após um um longo exílio e é bem recebido na Estação Finlândia em um dos momentos mais famosos da história, que é quando ele exclama: “Todo Poder aos Sovietes!”. Poucos dias depois Lenin publicaria as Teses de Abril, analisou os acontecimentos políticos e expôs as táticas e a estratégia que deveria ser seguida pelos bolcheviques. Ao perceber que os sovietes (conselhos) que haviam surgido na revolução de fevereiro eram o instrumento adequado para realizar a revolução socialista, Lenin muda a estratégia: ao invés de apoiar a consolidação da revolução burguesa de Fevereiro, os bolcheviques deveriam a partir dali preparar o terreno para realizar a revolução socialista. A grandeza de Lenin reside em outros fatos além desse, como também perceber o caráter permanente da revolução, ir contra todo o pessimismo da conjuntura, ir contra a guerra capitalista que se arrastava, etc.
Muitos julgaram Lenin louco, mas alguns meses depois a revolução se concretizava, da forma teorizada por Lenin. Em nenhum momento na história alguém conseguiu realizar na prática o que teorizou. É pouco ou querem mais?
A adaptação de Eisler, apesar de nada ter a ver com a Revolução Russa, tem muito a ver com o socialismo. A obra tem elementos neoclássicos claros, e é uma das primeiras obras do realismo socialista. No meio de uma Europa entre-guerras marcada por vários compositores de vanguarda, o realismo socialista foi um movimento contraditório que era marcado internamente pelo progresso na concepção de mundo mas o atraso da evolução da forma. Hanns Eisler soube mediar bem essa contradição; temos vez ou outra uma aproximação com o dodecafonismo de Schoenberg, sem chegar à nada demasiadamente abstrato ou academicista, como por exemplo o trecho “Lob der dritten Sache” (tributo às causas das classes baixas). Talvez para facilitar, a obra toda é seguida de um narrador que vai contando a história, quase como um oratório tradicional.
Hanns Eisler teve uma longa relação artística com Bertolt Brecht durante boa parte da sua vida, assim como Kurt Weil. Sua obra pode nos empolgar desse espírito tão presente na obra de Gorki, a nobreza de lutar por algo que visa libertar os explorados, e o poder que uma convicção como essa tem de transformar as pessoas.
Hanns Eisler (1898-1962): Die Mutter
Die Mutter Op. 25
Versão 1 (1950-51)
1 Wie Die Krähe
2 Das Lied Von Der Suppe
3 Der Zerissene Rock
4 Gedanken Über Die Rote Fahne
5 Lob Des Kommunismus
6 Lob Des Lernens
7 Lob Eines Revolutionärs
8 Im Gefängnis Zu Singen
9 Lob Der Wlassowas
10 Lob Der Dritten Sache
11 Grabrede
12 Steh Auf!
13 Lob Der Dialektik
Berliner Ensemble
Ernst Busch
Versão 2 (1969-1972)
1 Ouvertüre
2 Wie Die Krähe
3 Das Lied Von Der Suppe
4 Der Zerissene Rock
5 Gedanken Über Die Rote Fahne
6 Lob Des Kommunismus
7 Lob Des Lernens
8 Lob Eines Revolutionärs
9 Im Gefängnis Zu Singen
10 Lob Der Wlassowas
11 Lob Der Dritten Sache
12 Grabrede
13 Steh Auf!
14 Lob Der Dialektik ( Suite Nr. 4 Op. 30 )
15 Marsch Der Jugend, Die Das Wort Hat (Nr. 3)
16 Finale (Grave – Pesante – Allegro) (Nr. 4)
Rundfunk-Sinfonie-Orchester Berlin
Heinz Rögner, conductor
Luke
Brilhante teu texto, Luke, e brilhante a obra! Volta triunfante! (se não estou enganado, fazia um tempinho que o senhor não passava por essas bandas). Volte sempre!
CURIOSÍSSIMO para ouvir essa obra, caro colega!
Pena que só poderei baixar amanhã!