Alfred Schnittke (1934-1998): Symphony No. 1 — The Ten Symphonies

coverMO-NU-MEN-TAL! . É o mínimo que se pode dizer sobre esta sinfonia. Schnittke quando a compôs estava em progressão geométrica em direção ao seu auge. Ainda não havia atingido a perfeição de seu poliestilismo, mas já tinha mais do que o necessário para chocar.

Barroco, romântico, clássico. E até algumas tendências modernas contemporâneas como aleatoriedade na música e minimalismo. Todas esses estilos são encontrados nessa sinfonia, só para citar alguns. Alex Ross, em um texto maravilhoso sobre Schnittke, chama o compositor de “conhecedor do caos”. É a melhor alcunha possível para um louco que cria uma sinfonia de tamanha magnitude.

Primeiro pela sua duração “mahleriana”, como diz Tom Service. Segundo pelo teatro embutido em sua execução: na partitura é indicado um momento para que os músicos deixem e voltem ao palco, talvez fazendo uma crítica ao ritual tradicional das salas de orquestra? Terceiro pela fusão imensa de referências diretas e indiretas, além da mescla de diferentes estilos como jazz, dodecafonismo e música aleatória.

Mais do que ouvir essa música, ela é preciso ser pensada. Existem dezenas de outras obras de Schnittke cujo material musical é muito mais agradável. Se você espera escutar isso como se escuta uma sonata de Beethoven, caia fora. Aqui devemos pensar! O que ele quer dizer com esses metais pesadíssimos? E essas palmas no meio da sinfonia? E esse tema? Etc. Puxem o filósofo de dentro de vocês.

Uma coisa que me vem à mente ao ouvir essa sinfonia é pensar como que a partir de tantas referências (Beethoven, Haydn, Tchaikovsky, Strauss, Chopin, Bach, etc.) Schnittke mistura toda a tradição clássica da música até então e, ao fazer isso, anuncia o pós-modernismo. É como se o compositor se visse sem saída, e então, para criar uma, junta todas as saídas que haviam tomado até então. Mas pensar a história da música daquele momento como sem uma nova saída, é nada mais que consequência da ideologia pós-moderna de fim da história, ou seja, como se a história do homem não tivesse mais para onde ir além de repetir mais do mesmo.

Schnittke não foi o único que padeceu desse mal. Se olharmos para as primeiras composições de Arvo Pärt, perceberemos a mesma incerteza. Mas independentemente do niilismo do homem moderno acerca de se a história acabou ou não, as sociedades continuam e continuarão a mudar enquanto existir a espécie humana. Não é a toa que Schnittke se reencontra no final da vida numa certa “espiritualidade” musical, embora conservando elementos de seu poliestilismo. Arvo Pärt faz a mesma coisa. Todo homem nas artes, na política ou na ciência que se encontrar na mesma encruzilhada, não poderá resistir ao movimento contínuo da história. Mostrarei isso à vocês em todo o movimento… digamos, dialético (em transformação) das sinfonias de Schnittke.

Schnittke: The Ten Symphonies

CD 1

Alfred Schnittke (1934-1998):

Symphony No. 1
01 1. Senza Tempo. Moderato
02 2. Allegretto
03 3. Lento
04 4. Lento. Allegro
05 5. Applause

Royal Stockholm Philharmonic Orchestra
Leif Segerstam, conductor
Åke Lännerholm, trombone
Carl-Axel Dominique, piano (jazz improvisation)
Ben Kallenberg, violin (jazz improvisation)

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Schnittke, perdido em pensamentos.
Schnittke, perdido em pensamentos.

Luke

6 comments / Add your comment below

  1. bom… num site especializadissimo como este nao posso nem pensar em comentar o material musical… mas, arrisco algumas considerações sobre a historia. me parece que a perda de caminhos, para a humanidade, é proposital e vem da perda de contacto com o simbolo. nao me parece gratuito que Jung tenha sido preterido por Freud (cuja teoria, se comparada com Jung, tem a profundidade de um pires)… tudo bem se tem algum resultado terapeutico (no um para um)… uma ferramenta a mais. mas nao traz a solução coletiva. e ai me parece contraditorio dizer que a musica (ou qualquer outra arte) deva ser pensada. a maxima aqui é: Penso, logo nao é arte. porque a arte esta no campo do simbolo e simbolo nao pode ser pensado, senao é signo. acho que essa ´perda’ do contacto com o simbolo (veja ate mesmo a substituiçao dos simbolos do Cristo pelos da ciencia e poder) decorre de uma planejada desestruturaçao social, com perda de qualquer referencia… o que resulta nesse caos que estamos conhecendo. ha poucos dias, aqui no site, li os comentarios elogiosos sobre a 9a de Beethoven… uma obra universal que já foi executada em varios lugares em varios tempos (mesmo que com propositos diferentes, politicos ou nao). isso da a Beethoven (dentre outras coisas) o carater universal, esperado da Arte. acho muito dificil que esta obra do Schnittke tenha essa profundidade… ja que retrata um beco sem saida, conforme o texto. bom… vou ouvir a serie de sinfonias com atençao e lendo os comentarios… quem sabe nao mudo de ideia? por enquanto, recomendo ouvir a releitura de Carmina Burana feita ha poucos dias no RJ: https://www.facebook.com/anaterra.viana/videos/1318861441488185/ 🙂

    1. Que excelente comentário. Seria pretensioso da minha parte dizer que tirou as palavras da minha boca, pois eu não seria capaz de escrever tão bem, e nem de pensar tão profundamente nesta questão. O que me ocorreu, ao ler o texto inicial do Luke Chevalier, foi apenas algo como: “meu Deus, quanta habilidade verbal é necessária para justificar a cacofonia?”

      1. Caro Mario
        Minha esposa é Analista Junguiana e ficou admirada com o conteúdo do teu texto.
        Caro Luke
        Obrigado pela postagem e pela aula musical.
        Um forte abraço para vocês. Dirceu.

    2. Sinta-se sempre à vontade para comentar! Por isso disse que deveria ser pensada, é o que estamos fazendo agora.
      Vamos lá, concordo e discordo com você que exista uma perda com o simbólico. Acho que na verdade os símbolos estão em transformação mais rápida do que eram, por exemplo, do século XIX pra trás. Por isso, é mais difícil que um símbolo consiga hoje em dia ganhar caráter universal.
      Devemos lembrar que o simbólico faz parte da estrutura social.
      Quando digo que Schnittke se vê sem saída, quero também dizer que ele está em um estado liminar entre toda estrutura de símbolos que eram usados na música até então, e entre transformações recentes desses símbolos e dessa superestrutura.
      O simbólico de hoje em dia é fragmentado em pequenas estruturas e como universal (ou superestrutural) temos apenas aquilo todos aqueles símbolos que já foram estabelecidos há séculos (como a nona de Beethoven).
      Um exemplo de como essa sinfonia de Schnittke nunca será um símbolo universal é o comentário do Leonardo por exemplo, que a vê como cacofonia. Mas contraditoriamente, Schnittke tenta fazer justamente isso, e de certa forma, consegue, pois exprime o caos de nossos tempos num símbolo perfeito de pós-modernidade. O que melhor não representa nossos tempos “pós-modernos” se não coisas caóticas, atonais, cinzentas e barulhentas? A pós-modernidade, na verdade, existe apenas enquanto símbolo de uma condição ideológica, não material, por isso digo que isso passará, e perceberemos isso na música de Schnittke (sendo que na música de Pärt já é evidente).

  2. A história realmente nunca terminará. O que já terminou graças a Deus (ou pelo menos já foi superado como teoria) é a idéia de que o progresso ocorre sempre de modo natural em direção a algo melhor e portanto é sempre desejável.

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