PUBLICADA ORIGINALMENTE EM 24/7/2015
Quem foi Antonio Guedes Barbosa?
Um pianista paraibano, pessoense, que estudou com ninguém menos que Arrau e Horowitz, viveu a maior parte de sua carreira nos Estados Unidos e foi fulminado por um infarto com meros cinquenta anos?
Sim, respostas corretas.
Nada disso, no entanto, poderia prepará-los para o estupor de escutá-lo pela primeira vez. Façam um favor a si mesmos: baixem a gravação dos scherzi de Chopin logo abaixo e, depois de escutá-la, digam-me se não tenho razão.
O sujeito tocava DEMAIS. Era um verdadeiro MONSTRO do teclado.
E se vocês virarem instantaneamente tietes dele, como eu virei ao conhecer seu talento há já um quarto de século, certamente quererão mais, não é?
Pois é aí que vem a surpresa:
NÃO TEM MAIS.
Isso mesmo:
NÃO.
TEM.
MAIS.
Quer dizer, até tem, mas não muito: uma gravação das valsas e das mazurcas de Chopin, um álbum de Liszt, as Bachianas Brasileiras no. 4 (todas lançadas pelo falecido selo Kuarup Classics), esta gravação dos scherzi que ora lhes apresento (“ripada” de um LP), as sonatas nos. 2 e 3 de Chopin (disponíveis no YouTube, também a partir de um LP), e um que outro vídeo pingado pelo YouTube.
E só.
O sujeito foi um dos maiores pianistas do seu tempo, mas tudo o que a gente encontra sobre ele é um punhado de gravações, menções a outras, e algumas notas biográficas esparsas.
Eu acho isso uma desgraça inexplicável. Pior ainda: fora um que outro melômano fanático, parece que poucos já ouviram falar dele.
Consta que ele gravou para o selo Connoisseur Society, dos Estados Unidos, pelo qual lançou, entre outros, os LPs dos scherzos e das sonatas já citados. Procurei em toda parte o catálogo de tal gravadora, sem encontrá-lo. Daí me lembrei da clássica gravação do tcheco Ivan Moravec tocando os noturnos de Chopin, que também era da Connoisseur e que encontrei republicada pela Nonesuch. Naveguei pelo catálogo desta outra, salivando de expectativa, e tudo o que encontrei de Barbosa foi…
NADA.
N-A-D-A
Com o perdão por meu desabafo, que terá que ser em maiúsculas, sublinhado e em negrito, eu pergunto:
– ONDE FORAM PARAR AS GRAVAÇÕES DO GRANDE PIANISTA PARAIBANO ANTONIO GUEDES BARBOSA???
Destruídas por alguém? Sumiram? Estarão guardadas a sete chaves? Ou no limbo por conta de algum imbróglio familiar ou com alguma gravadora?
Enquanto eu preparo sua paradigmática gravação das valsas de Chopin para uma próxima postagem, vocês tentam resolver minha doída dúvida, enchendo a caixa de comentários esclarecedores.
ooOoo
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
01 – Canções Polonesas, Op. 74 – No. 1: “Życzenie ” (transcrição de Franz Liszt, S.480 no. 1)
02 – Scherzo no.1 em Si menor, Op. 20
03 – Scherzo no .2 em Si bemol menor, Op. 31
04 – Scherzo no. 3 em Dó sustenido menor, Op. 39
05 – Scherzo no. 4 em Mi maior, Op. 54
06 – Canções Polonesas, Op. 74 – No. 12: “Moja pieszczotka” (transcrição de Franz Liszt, S.480 no. 5)
Antonio Guedes Barbosa, piano
LP do selo Connoisseur Society (New York, EUA), dos anos 70.
NOTA: já avisei que se trata de uma gravação “ripada” do vinil, não avisei? Não reclamem dos estalidos, portanto, e agradeçam pela oportunidade de escutarem um mestre em ação!
Convidamos os fãs do Mestre Esquecido a acompanharem o GRUPO “ANTONIO GUEDES BARBOSA” no Facebook.
Vassily [revalidado em 15/1/2021]
Eu tive a oportunidade de ouvir o Antonio em alguns concertos e em master class. A sonata n.3 de Chopin com ele não tinha pra mais ninguém. Lí certa vez em uma revista americana especializada que a gravação dele foi escolhida a melhor de todas.
A nossa mídia divulga isso? Quantos aficionados por arte têm conhecimento deste e de outros talentos domésticos? Estou iniciando uma busca por artistas talentosos ignorados por nossas instituições e, consequentemente, por nós, amantes da boa música e outros ramos da atividade artística.
Isto é fato. Pelo menos aqui em Recife. Recentemente o Nelson Freire fez recital no Teatro Guararapes. Na mídia ? Nem uma nota. Se não é o “Feiss”, tinha perdido. É assim por aqui. Por outro lado, show do “Aviões do Forró” aparece a cada 15 minutos. Vergonha.
Concordo com tudo o que foi dito aqui sobre o grande Antônio Guedes Barbosa e ainda acrescento que a sua gravação para as Valsas de Chopin é sem sombra de dúvida o melhor registro que já encontrei dessas obras. Acredito que Antônio Guedes e o também já falecido Roberto Szidon, são dois grandes pianistas injustiçados pela memória nacional. Precisam ser (re)descobertos URGENTEMENTE !!!
Eu não sabia que o Szidon havia falecido… Mas, com todo respeito devido aos que se foram, nunca o considerei de primeiro time, não: eu o achava um rolo compressor, barulhento, gritalhão, mas sem sutileza e sem alma. Assisti ao vivo em Curitiba nos anos 70, e as gravações me mantiveram com a mesma impressão.
Nelson Freire, sim, acho farinha de outro saco.
E sem esquecer que temos uma grande tradição de pianistas mulheres, né?
É realmente inacreditável, embora não surpreendente, o pouco caso que se dá ao talento brasileiro em nossa própria casa. Vassily, você me incentivou a fazer minhas garimpagens por artistas esquecidos brasileiros ou não. Abraço.
Em tempo: eu viajo e me deleito neste blog; minha gratidão pelos seus mantenedores.
Merecidíssima homenagem a um grande mestre de fato negligenciado pela memória. Formidável pianista. Grato pela rara gravação.
Nos anos 70, não sei direito a data, assisti um recital dele, no Teatro Santa Isabel, no Recife. Ele tocou quase duas horas para uma plateia de não mais de 80 pessoas, boquiabertas e encantadas. Ao terminar, desceu à plateia e conversou com alguns de nós. Desde então nunca mais ouvi falar nele. Até este momento não tinha conhecimento que existiam gravações dele. Obrigado por mais esse deleite.
Quanto ao fato de ser um vinil ripado, caro Vassily, precisamos pedir ao mestre Avicenna que hora dessas organize uma oficina de ripagem para quem de nós puder participar – pois ele é um mestre. Quem ouve as ripagens dele nem desconfia. Ele me deu umas aulas em 2010, e aí eu comecei a ripar os cerca de 40 vinis que havia salvo para isso – aí mudanças na minha vida interromperam o processo, e até hoje não reencontrei nem tempo nem espaço para retomar o processo. Com isso, acho que até já esqueci a técnica – além de que o Avicenna jura que se aperfeiçoou ainda mais depois disso!
Por isso minha ideia de uma oficina… se é que um dia as circunstâncias vão nos permitir!
Estou pronto para a oficina! Enquanto ela não vem, podem mandar as ripagens no PQPShare ou outro hospedeiro que tento melhorar. Será um prazer!!!!!!!
Assisti a uma apresentação dele no Parque do Ibirapuera, em 1989, acompanhado por não sei qual orquestra, possivelmente a Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo. Tocou o Concerto para Piano nº 2 de Rachmaninov. Confesso que na época eu não era muito fá do Rach, então não prestei muita atenção ao espetáculo. Mas ainda havia outro motivo pelo qual eu não prestei muita atenção ao concerto, lembro que terminaram tocando a famigerada Abertura 1812 de Tchaikovsky. Enfim, na época eu estava paquerando (ainda usam essa expressão?) uma colega de serviço, que estava lá comigo naquela tarde de domingo (e não, infelizmente não rolou nada.). Na verdade, não lembro nem do nome dela. Mas do Guedes Barbosa tocando todo de branco o Rach 2 eu lembro.
Esse esquecimento acontece com muitos grandes artistas. Na verdade se pensarmos probabilisticamente, existe muito mais chance de que os melhores pianistas, poetas, compositores, escritores, etc. tenham sido esquecidos na história, do que tenham se tornado alguém a quem a posteridade vai prestar as devidas honras. Agora no século XXI a coisa piora, qualquer sortudo sem muito talento pode ganhar alguma fama (mesmo que temporária devido à seu pouco talento), enquanto muitos artistas de grande talento não conseguem apoio financeiro e social adequados, e acabam deixando pouco ou quase nada para que os bons apreciadores das artes possam honra-los.
Eu o vi tocar umas duas ou três vezes no Municipal do Rio, lá pelo meio dos anos 80; numa certa noite ele tocou uma peça de Villa para piano e orquestra na primeira parte (Choros No. 11, se não me falha a memória) e eletrizou a plateia na segunda parte apresentando um Totentanz absolutamente incrível, arrepiante, totalmente inesperado até mesmo para o público fiel dele: ele realmente se soltou naquela apresentação e entregou à plateia uma concepção histórica da obra de Liszt. Infelizmente naquela época eu já não tinha mais, ou não estava funcionando, o meu mísero mini-gravador portátil de fita K7. Até hoje fico imaginando se alguém teria feito uma gravação daquele concerto. O Villa também foi algo, óbvio!!! Engraçado: não me lembro nem da orquestra e nem do regente, mas todos foram incríveis.
Se não me falha a memória, lembro de ter lido que foi justamente esta gravação dos Scherzi de Chopin que chamou a atenção do Horowitz.
E as Sonatas 2 & 3, o que dizer? Para mim são modelares, perfeitas.
Gravação extraordinária! Grande performance!! Obrigado por compartilhar
Virtuoso do piano. Contagiante interpretação e sonoridade.
Obrigado pela surpresa e um abração para a equipe do PQP.
Lamentavelmete desconhecido por mim….Um virtuoso !!!!
Fico imaginando quantos “virtuosos” ficam desconhecidos e ” transparentes”, nesse mundão de Deus…!!!
Abraços
Opa, esqueci do principal…
Grandioso pianista, incrivel execução!!!
Obrigado pelo post
Fico contente com que a surpresa que Antônio lhe causou tenha sido semelhante àquela que tive ao ouvi-lo pela primeira vez. Em breve publicaremos sua discografia restante. Volte sempre!
O brilho de seu toque é inigualável. Com Szidon, formam a vanguarda do piano poético brasileiro.
Quando Horowitz o elogiou em público (e foi o único elogio público de Horowitz a um pianista), Martha Argerich entrou em depressão.
Tanto no Spotify como na Apple Musica tem as Valsas e Mazurkas de Chopin além da Sonata “Dante”, todas pela Kuarup, todas excepcionais.
Participei do Concurso de Piano na Bahia, Salvador, em 1960. Lá estava brilhando, Antônio Guedes Barbosa. Merecia o primeiro prêmio: foi o segundo colocado. O primeiro, foi para Eduardo Hazan que abriu mão da bolsa de estudos na Europa, em favor do Antônio Guedes, já que o Eduardo já estudava em Viena. Ficou Eduardo em primeiro, Antônio, em segundo e Elyanna Caldas em terceiro. Anos mais tarde Antônio tocou no Conservatório Pernambucano de Música que eu dirigia na época. Já havia gravado o Cd das Mazurkas. Pianista sensível, virtuose do teclado, se vivo fosse, estaria no primeiro plano dos intérpretes brasileiros