175 anos do nascimento de Antonio Carlos Gomes
Odaléa: IM-PER-DÍ-VEL !!!
Se fôssemos colocar um subtítulo para Odaléa (ou Condor), seria provavelmente “a ópera injustiçada”. Aqui Antonio Carlos Gomes está no auge de seu refinamento orquestral e melódico, mas a peça não emplacou: foi a obra certa no momento mais errado…
Gomes aceitou a encomenda de Cesare e Enrico Corti de uma ópera para a temporada de 1891 no Scala de Milão. Foi escolhido num cenário em que as grandes editoras de música que dominavam a cena milanesa (Riccordi e Sonzogno) estavam em ferrenha disputa, por ser respeitado e por não ter contrato com nenhuma delas. Junto com a encomenda, já lhe foi entregue o libreto de Mario Canti para musicar. A história de Canti se passa em Samarcanda (cidade antiquíssima, de cultura persa, no atual Uzbequistão), onde a rainha, Odaléa, se apaixona por Condor, chefe das hordas que invadem seu país. Traindo seus patrícios, Condor é ameaçado, assim como Odaléa, e a única maneira de salvar sua amada é sacrificando sua própria vida para abater a fúria dos invasores.
Carlos Gomes alterou o nome original da ópera de Condor para Odaléa, tendo em vista possíveis apresentações na França, onde o nome do protagonista criaria um terrível cacófato com “con d’or” (ou cone de ouro, o apelido que se dava à região pubiana feminina, eufemizando aqui o termo)…
A ópera estreou em 1891 no Scalla com um elenco de primeira categoria, mas foi recebida com frieza pelo público. Um ano antes, subia ao palco a Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, uma revolução nos cânones operísticos italianos de então, que faria cair no gosto do público o formato dos veristas, da Giovane Scuola. Carlos Gomes introduziu em Odaléa mais inovações, mas a sua peça não era tão avançada como a de Mascagni: a crítica, sem uma análise aprofundada da partitura, estampou Gomes como um compositor tradicional demais. Ainda assim, a ópera teve dez récitas e foi a segunda mais assistidas no Scalla em 1891. Gomes a apresentou no mesmo ano no Rio de Janeiro, mas sua imagem, tão ligada ao imperador D. Pedro II, deposto pouco tempo antes, também fez com que o público e a crítica cariocas o vissem como um profissional antiquado, analisando-o pela sua postura política, e não pela sua música.
Dessa forma, Odaléa/Condor, foi apresentada apenas por uma temporada no Brasil e duas na Itália em todo o século XIX, e executada poucas vezes no século XX. Com o distanciamento que só o tempo proporciona, críticos e musicólogos têm afirmado que Condor é uma ópera das mais bem elaboradas de Carlos Gomes. É perceptível que ele buscava um caminho novo e o estava encontrando, aproximando-se da escola francesa.
Como na Fosca, percebe-se no Condor um esforço consciente de renovação formal. Há soluções harmônicas e empregos vocais que mostram o quanto Gomes acompanhava as modificações introduzidas pelos veristas no idioma do melodrama italiano – e que, na verdade, ele antecipara nas páginas mais inovadoras da Fosca ou da Maria Tudor. Haja vista a tessitura ousada do “Vampe folgori, rivolte!”, na entrada de Odalea no início do ato III, seguida da declamação entrecortada de “Febre fatal, sogno crudel d’ebra follìa!”, marcada andante cantabile con grande passione. (…). Há também, lado a lado do reconhecível estilo melódico do compositor – aqui tão inspirado quanto no Schiavo – um refinamento de expressão que mostra Gomes em dia com a ópera francesa, de que Condor retém o modelo: a elegância da música faz pensar em Gounod, Saint-Saëns, Massenet.
Um dos sinais da atenção à escola francesa, é o grande cuidado de Gomes – traço também presente na nova escola – em caracterizar musicalmente os ambientes (isso, de resto, já fora anunciado pela “Alvorada” do Escravo). O ambientismo do Condor está presente nos temas de sabor oriental que ele utiliza. Mas a escrita orquestral é muito bem trabalhada, não só no Prelúdio, no Noturno que introduz o ato III, ou no balé. mas também no acompanhamento instrumental, muito elaborado, e de alto grau de autonomia em relação à linha vocal.
O melodismo de Gomes está lá, sim, mas com movimentos mais flexíveis. O corte dos temas é menos tradicional do que no Guarany; menos popularesco do que no Salvator Rosa. Levam um passo à frente a madura expressão da Maria Tudor e do Schiavo. Há em Condor, em suma, a busca visível de um novo roteiro estético; ou, como diz Andrade Muricy, “não um ‘canto de cisne’, mas uma indistinta, tateante aurora”.
Condor/Odalea tem divisão em números muito tênue. Tende para a estrutura em blocos contínuos que Verdi consolidara no Otello; e, nesse sentido, confirma uma tendência já perceptível no autor desde o Guarany. Além da predominância, já observada, do tipo de vocalidade que faz a voz ascender subitamente do registro central para a região aguda – técnica que vai proliferar no Verismo –, é característica no Condor a preocupação com um tipo de declamação que valorize a clara pronúncia das palavras. E esse é outro ponto em que está intimamente associada à nova escola.
Condor/Odaléa é a ópera mais sucinta e mais ágil de Carlos Gomes. Tem também algumas das suas páginas mais bem escritas. Aqueles dez anos de hiato entre Maria Tudor (1879) e Lo Schiavo (1889) possibilitaram um grande refinamento na orquestração gomiana. As peças instrumentais, a abertura (que anuncia o oriente num delicado solo de harpa), o noturno e o balé são de uma beleza ímpar, e os trechos cantados são obras de muito esmero. A gravação, aviso, é ruim. Não pelos solistas, nem pela orquestra (Armando Belardi sempre se cercou de gente competente), mas pela captação quase caseira; é, no entanto, a única gravação que conheço, por isso não tiraria d forma alguma o “imperdível” lá do início.
Mas esqueça essas falhas, deixe-se levar pelas melodias magistrais desta última ópera de Carlos Gomes, coloque os problemas de lado e viaje para terras distantes na música de Nhô Tonico!
Semana que vem e na próxima, a última peça (disponibilizarei duas gravações): o Oratório Colombo, que, embora não seja, incluímos na categoria das óperas.
Bom, chega de lenga-lenga! Ouça! Ouça!
Odalea/Condor (1891)
Antonio Carlos Gomes (1836-1896)
Libreto original: Mário Canti
Ato I – 01 Prelúdio
Ato I – 02 Nele Regno delle Rose
Ato I – 03 Dell’Arme il Segnal
Ato I – 04 Aquila Pellegrina che Fendi L’etra a Vol
Ato I – 05 Dea Celeste Ideal
Ato II – 06 Già L’Albappar Fedeli Alla Preghiera
Ato II – 07 Orda Crudel Feroce
Ato II – 08 Orda Selvaggia
Ato II – 09 Vedo Commossa Ell’é
Ato III – 10 Noturno
Ato III – 11 Quanto Silenzio a me D’Intorno
Ato III – 12 Avea Sulatana Altera
Ato III – 13 Ti Vedo Ognor, intua Follia Sublime
Ato III – 14 Le mie stelle salutano in Te
Ato III – 15 Fissami in volto, Dimmi
Odalea – Renata Lucci, soprano
Condor – Sérgio Albertini, tenor
Adin – Niza de Castro Tank, soprano
Zuleida – Tereza Boschetti, mezzo-soprano
Almazor – Benedito Silva, baixo
O Mufti – Jairo Vaz, baixo
Orquestra e Coro do Teatro Municipal de São Paulo
Armando Belardi, regente
Sala Cidade de São Paulo, 1986
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE 75Mb (CD, cartaz, info e resumo da ópera)
Mas deixe um comentário. Menos de 3% dos usuários nos escrevem. Ô, solidão…
Ouça! Deleite-se!
“Outros cães uivam para a lua. Treinei o meu para tocar Bach”
Parabéns, Bach, pelos 327 anos (embora este seja um post sobre Carlos Gomes)!
Bisnaga
Injustiçada mesmo, Bisnaga. Legal a história do título. Quem poderia imaginar?
“Curtir”
Dei uma pesquisada e dois sites apontaram que tem (para vender) uma gravação de 2002, em Manaus, regida por Luiz Fernando Malheiro. No entanto, não sei se os sites em questão são confiáveis ou não ou se tal gravação existe mesmo.
Oi, José Daniel.
Hou, mesmo uma gravação institucional feita pelo Luís Fernando Malheiro, para ser distribuída em instituições públicas, mas que sempre tem gente que consegue vender. Lauro Machado Gomes a classifica como a melhor gravação da obra. Me passe os sites. Fiquei interessado…
Olá. Desculpe pela demora em responder, não tinha visto sua resposta.
Eis dois sites (já na página do Gomes):
http://premiereopera.com/search.aspx?find=Gomes
http://search.store.yahoo.net/yhst-5204590820466/cgi-bin/nsearch?query=Gomes&searchsubmit=Go&vwcatalog=yhst-5204590820466&.autodone=http%3A%2F%2Fwww.operapassion.com%2F
Se forem honestos, tem bastante material do Gomes lá e outras gravações mais difícieis de encontrar de outros compositores também.
Abraços.
Encomendei essa gravação ao Premiere Opera e ainda não recebi. Já fazem duas semanas.
Gracias por su trabajo! he conocido el mejor de la música erudita y mucho de la Música Brasileña, estas cosas que pone acá san casi imposibles de arreglar en mi ciudad!
La Música Brasileña es, desde los primeros tiempos, MARAVILLOSA.
¿De que país eres? Vamos poner “La Pasión Segín San Marcos”, del argentino Golijov, nel día de Pascoa. Uno autor hispanohablante más en P.Q.P. Bach.
Voces pedem tanto para a gente comentar que, mesmo sem ter muito o que dizer (além de agradece-los pelas postagens), hoje irei comentar aqui!
Descobri o blog logo quando comecei a escutar música erudita, e tenho certeza que voces foram uma importante peça para que eu me interessasse cada vez mais, seja através dos textos de cada postagem, seja pelo material disponibilizado. Obrigado, e abraços!
Valeu, Renata!
Comigo são 4% escrevendo, rsrsrrs Mais um fã =P
Maravilhosa!! Amo esse site!! Obrigado por trazer tanta cultura para nós… principalmente as musicas dos compositores brasileiros!! Eu queria encontrar os librettos traduzidos das óperas do Carlos Gomes… Só encontro o Guarani… :/
É uma tragédia. Não se encontram mesmo… Muito difícil…