O presente cd é uma contribuição do Sensemaya, que encarecidamente nos enviou os arquivos e pediu que postássemos alguns comentários dele sobre a obra. Mas, antes de passar a eles, gostaria de fazer também eu alguns comentários.
É particularmente impressionante a quantidade de excelentes compositoras na Romênia. Não sei bem o motivo (e sei que o comentário tende a ser bastante subjetivo e embasado de maneira um tanto torta), mas elas me parecem ser em maior número e de uma qualidade difícil de ver por aí. Enquanto eu costumo achar uma ou duas interessantes por país, na Romênia me cativam vários nomes, entre as quais eu destacaria a aqui presente, Doina Rotaru, o primeiro nome da música contemporânea romena que conheci, Mihaela Stanculescu-Vosganian, Maia Ciobanu, Violeta Dinescu, Irinel Anghel, Myriam Marbé. Aos poucos pretendo postá-las aqui para ver se concordam comigo.
Rotaru trabalha de uma maneira impressionante com diferentes sonoridades, dando sentido e concatenações lógicas e expressivas inesperadas para sons que costumam aparecer aqui e ali na música de vanguarda com um ar de alheamento. É uma música que carrega um forte peso onírico, mítico, que vai nos envolvendo numa ambiência cheia de referências folclóricas e orientais.
Seguindo agora com a apresentação do Sensemaya:
Doina Rotaru está entre os compositores romenos vivos mais significativos. Nasceu em Bucareste, em 1951, e estudou com Tiberiu Olah [nome central da vanguarda romena dos anos 50/60, junto com Niculescu, Vieru e Stroe] em sua cidade natal e com Theo Loevendie em Amsterdã.
Sua ampla produção é sobretudo de sinfonias, concertos e peças solo com especial preferência pela flauta e pelo saxofone. É considerada representativa de música arquetipalista, isto é, música baseada em símbolos, números e fórmulas musicais folclóricas. Este disco contem obras escritas e interpretadas por Daniel Kientzy.
Masques et Miroires- Concerto nº2 para saxofone e orquestra (2006) é vagamente inspirado pelo conto filosófico de Borges “O espelho e a máscara”. Há variações musicais e emocionais do mesmo material, refletindo conceitos de beleza, sacrifício e pecado.
Colinda (2005) é uma peça curta e simples, baseada em canções de natal romenas.
Matanga (2005) é inspirado por um elefante (matanga em sânscrito). A obra foi escrita para saxofone contrabaixo e seis percussionistas.
Obsessivo (2008), para saxofones e sons eletrônicos, é também baseado em conceitos de variação emocional de um motivo musical circular, repetido durante a obra.
Reina (1995), para saxofone soprano e sons eletrônicos, é baseado em em conceito de doina romena – um canto de saudade. O trabalho é dedicado a Reina Portuondo e seu marido, Daniel Kientzy.
En revant …au saxophone (2003), para voz, saxofone e sons eletrônicos, é baseado em um texto de Malraux. A obra trabalha com a capacidade emocional da música, tornando “calorosa” uma ideia musical fria e plácida.
Seven levels to the sky (1993), Concerto nº1 para saxofone e orquestra
Duas ideias residem na base deste concerto: a ascensão da alma, passando por sete níveis de céu superpostos para que se alcance paz, e a ideia de um único som que ouvimos no início.
Boa audição!
Doina Rotaru (1951- )
01 Masques et miroires (2006), Concerto n° 2 para saxofone(s) e orquestra
Daniel Kientzy, saxofones (sopranino, alto, barítono)
Horia Andreescu, regente
Orchestra Camera Radio
02 Colinda (2005) para saxofone, harpa, celesta, percussão e trio de cordas
Daniel Kientzy, saxofone (barítono)
Ensemble Pentruloc
Bogdan Voda, regente
03 Matanga (2005), para saxofone contrabaixo e 6 percussionistas
Daniel Kientzy, saxofone (contrabaixo)
Ensemble Game
Alexandru Matei, regente
04 Obsessivo (2008), para saxofones e sons eletrônicos
Trio PROmoZICA:
Reina Portuondo, sons eletrônicos
Daniel Kientzy, saxophone (soprano, tenor)
Cornelia Petroiu, viola
05 Reina (1995), para saxofone soprano e sons eletrônicos
Meta Duo:
Reina Portuondo, sons eletrônicos
Daniel Kientzy, saxophone (soprano)
06 En revant …au saxophone (2003), para voz, saxofone e sons eletrônicos – Texto de André Malraux
Meta Trio:
Reina Portuondo, sons eletrônicos
Daniel Kientzy, saxophone (soprano, tenor)
Yumi Nara, voz
07 Seven levels to the sky (1993), Concerto nº1 para saxofone e orquestra
Daniel Kientzy, saxofones (barítono, soprano, alto)
Orchestra Filarmonica de Stat “Transilvania”
Emil Simon, regente
itadakimasu/Sensemaya
Caro itadakimasu:
Já baixei e estou ouvindo Doina Rotaru. Agradecimentos a Sensemaya por ceder as gravações também. Percebi que o intérprete é o mesmo de “The Romanian Saxophone”.
É interessante que a música clássica oriunda desta região da Europa seja tão diferente da mesma música composta em outros lugares do Ocidente. Enquanto penso nisto lembro-me de Béla Bartók. A combinação de sons e as pausas, a densidade que invariavelmente conduz-nos à angústia e ao medo, e de repente o silêncio e um instrumento baixinho, lá no fundo, feito o barulho surdo do sangue correndo atrás de nosso ouvido que é sucedido por sons quase inaudíveis que induzem-nos ao suspense, e adiante uma explosão, mas não uma força que não mais se contém, como em Brahms ou Beethoven, mas algo selvagem, que não se importa com a harmonia, rápido e curto. Já percebi oscilações como estas em Shostakovich, mas estas são mais comedidas, e não ultrapassam a harmonia.
Se alguém se interessar, dê uma olhada neste site de músicas típicas desta região:
http://www.dunav.org.il/dunav_fridays.html#all
Algumas músicas gregas vão ao encontro destas características que indiquei, além-ocidente.
Em suma, é uma música que desafia, seduz e, itadakimasu! já estou degustando.
Caro Adriano,
o Daniel Kientzy é um nome muito importante dentro da música romena contemporânea. É enorme o número de obras (e muitas, muitas mesmo, são boas) a ele dedicadas. O que conheço de música romena para saxofone é mais do que o que eu conheço do resto do mundo. Por essas e outras, o kientzy será uma figura bastante comum em meus posts de romenos.
Sobre a Doina Rotaru, mais do que angústia e medo, a música dela me passa uma sensação muito ritualística (uma sacralidade sem Deus), de um mundo onírico, místico, do qual nunca a vejo sair. Há um quê de impalpável nisso (e isso torna a música um tanto quanto escura), embora seja ao mesmo tempo muito pervasiva, muito envolvente. É uma música áspera e lírica ao mesmo tempo (e com raras exceções, confesso que só consigo fruir bem o lirismo que seja de alguma maneira áspero, de forma que uma polidez extrema não o faça plástico demais, o que me induziria a achá-lo ou forçado ou fake).
From my slight portuguese I understand that the issue is the originality of this music-and Romanian music in general.It’s true.Doina Rotaru’s music is considered the most representative of the archetipal school-as I said in my introduction-i.e a kind of postmodern language which reiteraites an archaic language-let’s say a musical language before the musical language-melted in a modern patterns.One of these musical signes of the past is the “bocet” i.e mourning song for the departed.It consists of short sounds-a kind of staccato-continued by a long sound unstable tonally.It’s true,you have a ritualistic sensation,without God,how Itadakimasu said,because the music aims at a deeper level of subconscious,in the Youngian meaning of commun cultural values shared by all mankind.The same music awakens the same thoughts and sensations to you,Brasilian born and to me Romanian born.That’s the beauty,and the mistery…
eu nunca tinha ouvido isso, mas a sensação é de familiaridade, tem algo aí que conheço há muito tempo.