Em comemoração ao 4º Aniversário do Blog P. Q. P. Bach, quero compartilhar com nossos leitores essa maravilhosa gravação com árias virtuosísticas do Padre Ruivo, além de um texto bastante interessante retirado de um encarte de um vinil antigo. O texto nos apresenta uma noção da rivalidade entre Antonio Vivaldi e Benedetto Marcello. Vale a pena ouvir e ler.
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Na época de Vivaldi o gênero operístico estava numa fase de glória. Havia em Veneza dez teatros; encenavam-se anualmente pelo menos sessenta espetáculos. Certas características básicas eram comuns a quase todos eles: a opulência dos cenários, o luxo das vestimentas e o virtuosismo dos cantores. Esses elementos Satisfaziam as exigências do público. A música propriamente dita assumia importância secundária.
Apesar de seus encargos na direção musical da “Pietà” e do trabalho de criar peças instrumentais, Vivaldi ainda encontrava tempo para compor óperas (em média uma por ano), dirigir a sua encenação, fazer a cenografia, reger a orquestra e cuidar dos detalhes administrativos. Sucediam-se os êxitos e, em conseqüência, os compromissos. Mantendo contato permanente com as cidades de Ferrara, Mântua, Verona, Florença e Ancona, o “Padre Ruivo” supervisionava à distância a organização dos espetáculos, exercendo também a função de empresário. Era um personagem único no cenário musical e desfrutava um prestígio extraordinário.
Tinha bom senso bastante para não tentar introduzir inovações revolucionárias na ópera. O gosto do público era muito definido e arraigado para que sua iniciativa pessoal pudesse modificá-lo, Entretanto, por trabalhar cuidadosamente a parte musical das suas peças, recebia o rótulo de modernista, bem como ataques mordazes da crítica.
Num desses libelos, embora não mencionasse diretamente o nome de Vivaldi, pois usou o anagrama “Aldiviva”, o compositor Benedetto Marcello o satirizou sem piedade, através de uma definição do que era necessário para um músico ser atual e conquistar sucesso. Dizia ele: “O moderno compositor de música não deverá ter conhecimento algum das regras de bem compor, salvo alguns princípios universais e práticos. Pouco deverá saber ler, muito menos escrever e, por conseguinte, não compreenderá a língua latina. Da mesma forma, não se perceberá as propriedades dos instrumentos de arco, se for tocador de cravo; e se tocar instrumentos de arco e sopro não se preocupará em entender de clavicórdio. Antes de por mãos à obra, visitará as virtuoses e lhes prometerá adaptar-se às suas particularidades. Evitará com empenho a leitura de todo o libreto, para não se atrapalhar; ao contrário, comporá verso por verso, servindo-se dos motivos já preparados para a moda do ano e, se as referidas árias não combinarem com as notas (o que costuma acontecer frequentemente), atormentará de novo o poeta até ficar plenamente satisfeito. O moderno regente, se der lições a alguma virtuose de ópera, deverá aconselhá-la a pronunciar mal e, para esse fim, ensinar-lhe-á grande quantidade de quebras de dicção e de passagens, a fim de que não se entenda palavra alguma, contribuindo, assim, para o destaque e a melhor compreensão da música. O moderno compositor adulará com a maior prudência todas as virtuoses da ópera, afirmando a cada uma delas que a obra só se mantem de pé graças à virtude da cantora, e dirá o mesmo a cada um dos músicos executantes, a todo comparsa, figurante, etc…”
Não obstante o sarcasmo de Marcello, as criações de Vivaldi para vozes atingiam nível muito bom. Em Veneza, dezoito das suas óperas tiveram êxito inicial confirmado por constantes apresentações. A encenação de “Ipermestra”, composta pelo padre veneziano, realizou em 1727 algo que já era considerado praticamente impossível em Florença: a restauração das periclitantes finanças do teatro local. E em Roma, os entusiastas aguardavam com ansiedade os trabalhos operísticos do Mestre Vivaldi, depois que ele aí regera “Ercole sul Termodonte” (1723), “Il Giustino” e “Tigrane” (1724).
Fonte: Trecho retirado de encarte da
Coleção Grandes Compositores da Música Universal (1968)
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Vivaldi: Pyrotechnics – Opera Arias
01. Catone In Utica: Come In Vano Il Mare Irato (05:27)
02. Semiramide: E Prigioniero E Re (04:55)
03. La Fida Ninfa: Alma Oppressa (05:10)
04. Griselda: Agitata Da Due Venti (05:20)
05. La Fida Ninfa: Destin Nemico….Destin Avaro (05:55)
06. Il Labbro Ti Lusinga (07:29)
07. Ipermestra: Vibro Il Ferro (03:50)
08. Farnace: No, Ch’amar Non È Fallo In Cor Guerriero….Quell’usignolo (07:50)
09. Tito Manlio: Splender Fra ‘l Cieco Orror (04:49)
10. Rosmira Fedele: Vorrei Dirti Il Mio Dolore (06:52)
11. Catone In Utica: Chi Può Nelle Sventure….Nella Foresta (07:25)
12. Farnace: Ricordati Che Sei (03:43)
13. Sin Nel Placido Soggiorno (06:50)
Europa Galante (orchestra)
Vivica Genaux, mezzo-soprano
Fabio Biondi, violin, direction
Marcelo Stravinsky
Excelente postagem!
Só esta musica:
Catone In Utica: Come In Vano Il Mare Irato
ja vale o album!
BRAVO!
Obrigado, pessoal. Realmente é uma excelente gravação, o álbum foi escolhido a dedo. Vivaldi é um grande mestre, e eu, particularmente gosto muito de sua música. Mas confesso que só escolhi postar Vivaldi, porque queria muito divulgar esse texto, interessantíssimo, que aborda a rivalidade entre Vivaldi e Marcello.
Pelo amor de deus, troca de servidor! ha 4 dias to tentando baixar esse album e o rapidshare nao deixa…
Esse texto do Marcello é realmente muito interessante. Para os que querem aprofundar, achei nesse link o tratado compledo do qual esssa passagem foi retirada: http://www.liberliber.it/biblioteca/m/marcello/index.htm (pg 10 do texto em Italiano)
Ao meu ver o que vemos também nessa crítica de Marcello e na música é o início do fim do barroco, entendido como “seconda pratica” onde o texto tem a primasia. Talvez não seja exagerado dizer que na metade do século XVII, com Vivaldi e Hande etc.., estamos mais próximos da vocalidade e virtuosismo de Rossini do que o drama de Monteverdi.
Obrigado pela postagem dos CDs!
Obrigado pela contribuição, Raoni!