Dmitri Shostakovich (1906-1975) – Concerto para violino e orquestra No. 1 em Lá menor, Op. 77 (Op.99) e Concerto para violino e orquestra No. 2 em Dó sustenido menor, Op. 129

Hoje, como não estou para brincadeira, vou logo sacando minha pistola e desferindo estampidos estraçalhadores; lampejos de fogo e fumaça polvorenta podem se verificar saindo do coldre. Claro, estou brincando. Estou usando essa linguagem bélica, marcial, de combate, para deixar claro que este CD é estonteante. O Shosta de Rostropovich emociona. Existe um rasgo trágico e de silêncio nas obras de Shostakovich que me prende a ele. Não é música para saraus e sim para velórios. Para reflexões firmes e atordoantes. Música para embalar eventos tenebrosos. Shosta foi um artista que soube como ninguém transpor para a sua arte os gritos de agonia que pervagavam em sua alma. E Stálin sabia impigir terror. Quando a agressão não era física, surgia de forma psicológica. Imagine você viver em um país em que as liberdades democráticas são suspensas – “em sentido burguês”, para usar um termo de Caio Prado Jr.

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Em todos os locais há “olheiros” a vigiarem os seus paços. A sensação de que tudo aquilo que você fala ao telefone está sendo ouvido por uma terceira pessoa. Que para sair do país é preciso pedir autorização das autoridades que regem o Estado. Ao voltar de sua viagem, seu passaporte é recolhido. De repente você nota que seus familiares, conhecidos e amigos estão sumindo misteriosamente. Uma onda impetuosa parece avançar em sua direção. Todos são levados, arrastados por ela, que não se detém em obstáculos. Você vive com o medo na alma. Uma sensação de asfixia lhe invade. Aquilo que você faz é vistoriado por olhos invisíveis. Uma serpente que não se mostra, que não pode ser apunhalada, envolve-lhe a cintura. Esmaga-lhe os ossos. Comprime as suas energias. Nem mesmo o sono você consegue divisar. O único meio que existe de você verbalizar qualquer coisa é com a arte, que deve ser direcionada para determinados fins. Era assim que Shosta vivia na União Soviética. Sob Stálin, Shosta amargou horas de intensa agonia. Alex Ross conta-nos um episódio bastante ilustrativo para mostrar como Shostakovich vivia. Em 1949, Shosta foi ao Estados Unidos – enviado por Stálin – e foi feito de “mártir” – e logo ele, o grande Shosta! Durate uma conferência promovida por certos grupos, que davam ensejo às primeiras disputas ideológicas durante a Guerra Fria, Shosta fez um discurso e alguém leu para ele. “O pronunciamento atacou Stravinski por ter traído sua Rússia natal e se aliado às hordas dos modernistas reacionários. ‘Seu começo foi promissor, mas […] suas aridez moral se revela em seus escritos abertamente niilistas, deixando claras a falta de sentido e a ausência de conteúdo de suas criações. Stravinski não tem medo desse profundo abismo espiritual que o separa da vida do povo’. O discurso prosseguiu denunciando ‘novos aspirantes à dominação mundial, agora empenhados em reviver a teoria e a prática do fascismo’. Essa ‘camarilha de semeadores de discórdias’ – provavelmente os guerreiros frios da administração Truman – estava engajado no desenvolvimento de armas de destruição em massa que barravam o caminho para a paz mundial”. E uma dose de execessiva de humilhação a Shosta foi encetada por um tal Nabokov, seu desafeto e inimigo do comunismo. Ross diz assim: “O fato de saber que Shostakovich não tinha liberdade para se expressar não evitou que Nabokov o forçasse a falar. O imigrante se levantou e perguntou se Shostakovich endossava a condenação de Jdánov a compositores como Stravinski, Schoenberg e Hindmith. Shostakovich não teve escolha a não ser responder: “Estou de pleno acordo com as afirmações feitas pelo Pravda”. Décadas depois, Arthur Miller era atormentado pela lembrança daquele momento de humilhação para Shostakovich: : ‘Deus sabe o que ele estava pensando naquele recinto, que rachaduras fendiam o seu espiríto'”. Não deixe de ouvir. Boa apreciação!

Dmitri Shostakovich (1906-1975) – Concerto para violino e orquestra No. 1 em Lá menor, Op. 77 (Op.99) e Concerto para violino e orquestra No. 2 em Dó sustenido menor, Op. 129

Concerto para violino e orquestra No. 1 em Lá menor, Op. 77 (Op.99)
01. Nocturne: Moderato
02. Scherzo: Allegro
03. Passacaglia: Andante
04. Burlesque: Allegro con brio

Concerto para violino e orquestra No. 2 em Dó sustenido menor, Op. 129
05. Moderato
06. Adagio
07. Adagio – Allegro

London Symphony Orchestra
Mstilav Rostropovich, regente
Maxin Vengerov, violino

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Carlinus

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