Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) – Quartetos de Cordas I – reload

Nota: esta postagem, assim como todas as demais com obras de Heitor Villa-Lobos, não contém links para arquivos de áudio, pelos motivos expostos AQUI

 

Se for mesmo brasileiro, você baixará, ouvirá e comprará este grande CD que atualmente pode ser obtido inclusive em mp3. O Quarteto Bessler-Reis realiza notável trabalho interpretando os quartetos de Villa. Não é um CD rotineiro ou esquecível, é algo que demonstra perfeita intimidade com a obra, algo de que deveríamos nos orgulhar de ter após tantas gravações insatisfatórias – às vezes desafinadas – de nosso maior compositor. Certamente, esta é uma das melhores postagens que realizamos até hoje. Abaixo, copiei para vocês o excelente texto de Michel Bessler que retirei do site da Kuarup. (Link fora do ar atualmente)

Villa-Lobos é, sem dúvida, o mais importante e o mais conhecido compositor brasileiro da chamada música clássica. Soube como pouquíssimos outros refletir o jeito musical de sua gente, criando uma vastíssima obra de dimensão nacional e universal.

Durante muitos anos, Villa-Lobos foi conhecido pelo esplendor tropical e selvagem de suas grandes massas sonoras. Obras como o “Amazonas” e o “Uirapuru” se notabilizaram por esse caráter pujante e grandioso. Sua gravação das Bachianas Brasileiras na França acrescentou a esta imagem sinfônica, contrastada apenas por sua obra para violão solo, popularizada por Segóvia, e para piano, lançada por Rubinstein.

É pois bastante recente o interesse pela produção villa-lobiana de câmara, apesar desta abranger um terço de toda a sua obra, que conta oficialmente com 1.500 partituras já catalogadas (e outras 300 de que se tem notícia porém não se localizou a parte escrita). São 27 duos, sete trios, 20 quartetos, quatro quintetos, dois quintetos duplos, dois sextetos, dois septetos, três octetos, um noneto, e uma infinidade de peças avulsas para canto com acompanhamento, pequenas formações orquestrais e/ou corais, e suas obras para piano solo (229 peças) e violão solo (41 peças). Além da obra pianística e violonística, dos Choros e Bachianas de câmara e das canções mais conhecidas, esta gravação da integral dos seus 17 Quartetos de Cordas tem contribuído para desvendar este “outro lado de Villa-Lobos.”

O interesse do Quarteto Bessler-Reis pelos Quartetos de Villa-Lobos existe desde sua criação em 1978, quando buscava um autor brasileiro que reforçasse a identidade do conjunto. Chegou a gravar o 1º e o 5º pela EMI-Odeon, e o registro da integral sempre foi seu desejo desde esta época.

A associação com a Kuarup, que já editara os Choros de Câmara, a Obra Completa para Violão, e diversas outras peças do Villa, acabou viabilizando o projeto, que está saindo na Europa pela Chant du Monde.

Neste mergulho dentro da obra deste compositor absolutamente original, no início tudo estava por se descobrir. A própria cultura quartetística, primordialmente haydniana, serviu pouco para compreender e transmitir a linguagem musical deste louco genial, apesar dos quartetos de Haydn terem sido o estopim de sua paixão pelo gênero.

A primeira leitura das partituras (acadêmicas na escrita e indicações) surpreende pela forma nada convencional, assim como sua primeira audição certamente surpreende a muitos ouvintes. Mas quanto mais se convive com estas peças, mais se descobre que sua lógica é extremamente complexa mas é lógica, que seu caos aparente é muito mais a recusa da forma que o desconhecimento dela.

É bem verdade que Villa-Lobos não era exatamente um perfecionista. Escrevia caudalosamente, todos os dias, em qualquer situação. Os amigos deixavam suas crianças para Villa tomar conta, e em meio delas, com o rádio ligado, ele escrevia música, com as partituras espalhadas pelo chão.

Um velho companheiro conta que foi visitá-lo em seu apartamento no centro do Rio de Janeiro, no dia em que a construção do prédio vizinho estava em sua fase mais ruidosa. Britadeiras e bate-estacas soavam numa percussão infernal. Ficou surpreso de ver Villa-Lobos absorto e escrevendo música naquelas condições. Ficou mais surpreso ainda quando o barulho cessou de repente (era hora de almoço dos trabalhadores) e Villa subitamente parou, e visivelmente chateado, exclamou: “Pronto, me escapou a inspiração…”

Neste afã de registrar velozmente suas idéias, Villa-Lobos às vezes cometia enganos, principalmente quando se tratava de transpor um trecho para outra tonalidade. Muitos desses enganos, que são comumente atribuídos ao seu “exotismo” harmônico, não passam de simples acidentes de escrita. Nestas gravações procurou-se corrigir estes pequenos deslizes, sempre que claramente identificados.

Existia pouca referência estética anterior sobre a interpretação destes quartetos, pois as gravações realizadas, com honrosas exceções, ou estavam impregnadas pelos maneirismos típicos da época ou foram feitas por conjuntos com pouca ou nenhuma referência cultural brasileira. Nos mêses em que o Quarteto deu início à preparação destas gravações, o espanto inicial foi dando lugar a uma compreensão cada vez mais íntima, na medida em que seus membros, três deles brasileiros com vivência da nossa riquíssima música popular, foram aos poucos se identificando às fontes de inspiração de Villa-Lobos.

Estas estão impregnadas pela música popular urbana, sobretudo pela seresta e pelo choro do Rio de Janeiro. Muitas estruturas rítmicas vêm do samba negro. Outras presenças fortes são os temas folclóricos do Nordeste, com as escalas modais dos seus menestréis. E o lado cênico da música: Villa-Lobos procura criar inúmeros ambientes sonoros diferentes que evocam ora uma floresta tropical ora o que ele achava que devia ser o ambiente dançante numa taba de índios primitivos.

Tocou muito violoncelo, inclusive para sobreviver em certa fase de sua vida, e guardou um carinho muito especial por este instrumento, o que se nota com bastante clareza nestas peças. Como instrumentista de corda e profundo conhecedor de seus recursos, ele não poupa os executantes. A complexa poliritmia utilizada em vários quartetos, o caráter contrapontístico e o virtuosismo técnico tornam essas obras difíceis em sua execução, exigindo um penoso preparo de cada um dos membros do quarteto. Este conjunto de obras foi composto no decorrer de toda sua vida, em 4 períodos: os quatro primeiros quartetos de 1915 a 1917; o quinto em 1931, depois de um intervalo de 14 anos; o sexto em 1938; e a partir de 1942 levou 15 anos para escrever os outros 11. Morreu em 1959, deixando escritos alguns compassos de um 18º quarteto, e diversas declarações públicas de que seus quartetos eram a melhor coisa que ele tinha escrito.

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O primeiro quarteto foi composto em 1915, e teve sua primeira audição em fevereiro do mesmo ano na cidade de Nova Friburgo, perto do Rio de Janeiro. Nesta primeira experiência, Villa-Lobos reuniu um conjunto de 6 pequenas peças, alternadamente lentas e vivas, que formam na realidade mais uma suite do que um quarteto formal.

Apesar da simplicidade da forma já é possível perceber nesta obra algumas idéias embrionárias que seriam desenvolvidas e elaboradas ao longo da série dos quartetos. A Cantilena, em tempo andante, lembra uma canção seresteira em que a melodia, apresentada pelo primeiro violino, se faz acompanhar por intervenções em forma de imitação.

A Brincadeira, um allegreto scherzando, é o contraponto de uma melodia e sua inversão (1º e 2º violinos) acompanhados pelo pizzicatto do violoncelo e viola; seu caráter poderia ser definido como uma espécie de polca brasileira. O Canto Lírico, moderato, é um solo de viola bordado por um contracanto do 1º violino que acaba por assumir a melodia para devolvê-la no final à viola.

A Cançoneta, andantino quasi allegretto, apresenta uma cantoria dos violinos acompanhada pelo ritmo obstinado do violoncelo em tercinas. Sua seção central nos lembra “O Trenzinho do Caipira,” da “Bachianas nº2,” escrito 15 anos mais tarde. A Melancolia, em tempo lento, é formada por uma melodia apresentada pelo violoncelo e tomada pelo primeiro violino, interrompida apenas por uma seção central, inquieta e agitada, retornando ao seu caráter melancólico no final.

O último movimento, nitidamente inspirado na forma da fuga, tem no entanto um tratamento oposto à arquitetura grandiosa das fugas do barroco, período pelo qual Villa não escondia sua fascinação. Com um espírito alegre e saltitante, ilustra com propriedade o nome dado ao movimento: Saltando como um Saci.

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O segundo quarteto, composto no mesmo ano, é bem distinto do primeiro. Pode-se afirmar que Villa-Lobos começou tudo de novo, partindo de uma nova posição, ou concepção, em seu projeto nascente. Enquanto o 1º quarteto é composto de peças até certo ponto despretenciosas, o segundo retoma os movimentos tradicionais: allegro non troppo, scherzo, andante e allegro deciso que, com algumas variantes, se manterão até o último quarteto.
Sua elaboração é muito mais complexa. O tratamento dado às vozes é muito mais polifônico, as dissonâncias mais ousadas e a inventiva rítmica mais rica e original. Revelam um Villa-Lobos procurando unir seus anseios de liberdade e inovação às correntes contemporâneas do pensamento, da estética e da vivência musical européia da época.

O primeiro movimento, cuja idéia inicial é apresentada pela viola, possui um caráter extremamente lírico e apaixonado que novamente evoca a seresta brasileira. Este tema, enriquecido por outras idéias e tratado polifônicamente, percorre todo o movimento diluindo-se nos harmônicos dos últimos compassos.

No segundo movimento, Villa-Lobos emprega efeitos tímbricos com larga utilização de arpejos obstinados e harmônicos sempre tocados “con surdina”, criando uma atmosfera fantástica. Sente-se aqui uma forte influência impressionista.

O terceiro movimento, utilizando livremente células do primeiro, se desenvolve num clima de improviso em que as imitações ocorrem constantemente. É lírico e cantante, e transcorre num clima de grande serenidade, somente interrompida pelo “piu mosso” central.
O último movimento, que progride de um allegro a um prestíssimo, apresenta inicialmente um rítmo espanhol típico, trabalhado em grandes alternâncias dinâmicas. O Presto em 10/8, engenhosamente concebido, apresenta a alternância de pequenos desenhos entre pares de instrumentos, ouvindo-se paralelamente um canto obstinado executado pelos outros dois. O movimento se encerra com o prestíssimo em trêmulos sul-ponticello (efeito caracterizado por uma sonoridade metálica) que retoma o tema inicial do primeiro movimento em clima de grande inquietação.

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Ao contrário da reviravolta ocorrida entre o 1º e o 2º quartetos, no 3º se verifica uma clara evolução, principalmente no que se refere ao 1º movimento. Sua escrita revela uma maior preocupação com a transparência e o uso da polifonia de maneira mais equilibrada. A utilização dos intervalos de quartas paralelas passa a ser sistemática tanto nas melodias quanto nos acompanhamentos. É aqui, em 1916, que Villa-Lobos começa a consolidar um estilo de forte marca pessoal que caracterizará toda a sua obra, desfazendo-se cada vez mais das influências européias.

No segundo movimento, num virtuosístico e original emprego de pizzicattos alternados com arco, cria efeitos inesperados e originais. É em razão deste movimento que este quarteto é popularmente conhecido como o “Quarteto das Pipocas”.

O Adagio, com surdina virada, como indica o autor, quase recitativo, é cheio de magia e impregnado de uma serena, porém misteriosa, atmosfera tropical. No último movimento, allegro con fuoco, o espírito selvagem contrasta com expressivas e tranquilas linhas melódicas. Aqui o compositor encontra a linguagem adequada para exprimir na forma quarteto o temperamento fogoso e tropical encontrado em suas obras sinfônicas e corais.

Michel Bessler, janeiro 91

Villa-Lobos – Quartetos de Cordas 1 2 3 – Quarteto Bessler-Reis

01 Quarteto de Cordas nº 1 – Cantilena (Andante) (Heitor Villa-Lobos) 02:52
02 Quarteto de Cordas nº 1 – Brincadeira (Allegretto Scherzando) (Heitor Villa-Lobos) 01:10
03 Quarteto de Cordas nº 1 – Canto Lírico (Moderato) (Heitor Villa-Lobos) 04:24
04 Quarteto de Cordas nº 1 – Cançoneta (Andantino Quasi Allegretto) (Heitor Villa-Lobos) 02:40
05 Quarteto de Cordas nº 1 – Melancolia (Lento) (Heitor Villa-Lobos) 06:35
06 Quarteto de Cordas nº 1 – Saltando Como um Saci (Allegro) (Heitor Villa-Lobos) 03:36

07 Quarteto de Cordas nº 2 – Allegro non Troppo (Heitor Villa-Lobos) 05:17
08 Quarteto de Cordas nº 2 – Scherzo (Allegro) (Heitor Villa-Lobos) 03:00
09 Quarteto de Cordas nº 2 – Andante (Heitor Villa-Lobos) 04:10
10 Quarteto de Cordas nº 2 – Allegro Deciso-Final (Prestissimo) (Heitor Villa-Lobos) 07:10

11 Quarteto de Cordas nº 3 – Allegro non Troppo (Heitor Villa-Lobos) 06:00
12 Quarteto de Cordas nº 3 – Molto Vivo (Heitor Villa-Lobos) 05:30
13 Quarteto de Cordas nº 3 – Molto Adagio (Heitor Villa-Lobos) 07:06
14 Quarteto de Cordas nº 3 – Allegro con Fuoco (Heitor Villa-Lobos) 06:45

Quarteto Bessler-Reis:
Bernardo Bessler (1º violino),
Michel Bessler (2º violino),
Marie-Christine Springuel (viola),
Alceu Reis (violoncelo)

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10 comments / Add your comment below

  1. Parabens pelo blog, realmente muito bom, gostaria de dar um conselho pra você de um projeto que eu conheci, do Marcelo Bratke e Camerata Vale Musica, um prijeto chamdo “Alma Brasileira” que na verdade são algumas interpretações do grande Heitor Villa-Lobos, achei uns vidios no youtube, e tambem fiquei sabendo que do dia 18 a 20 de abril eles se apresentam em São Paulo no auditório ibirapuera,apos esse show a turne segue pro Japão, sei la se você é de São Paulo da uma conferida que vale muito a pena !
    bom realmente adorei seu blog !
    vou voltar para comentar outras fezes!

  2. Momento SAC: Não tem nada com o Villa, mas eu queria saber se alguém do blog tem a Symphonie ‘Indigo’ para cordas da Fraçoise Choveaux, que eu não acho em lugar nenhum.

    A Dna. Choveaux é uma francesa que deve ter uns 50 anos, mas parece que não é muito famosa… eu fiquei conhecendo essa sinfonia no Festival Música Nova desse ano, aqui em Santos, tocada pela Orquestra Sinfônica Municipal de Santos, com chuva e vento fortes fora do teatro que não tem lá a melhor acústica possível, apesar de ser bonito, o que não tem nada a ver com acústica também; mas até que os ruídos casaram com a música. John Cage teria se deleitado.

    Nesse concerto também estreou uma canção para soprano e orquestra, cujo nome eu não lembro, do Gilberto Mendes, que estava presente…

  3. Eu acabei de adiquirir as sinfonias de mahler com a Bavarian Synphonic Orchestra, com Rafael Kubelik na regencia e Todas as obras para orgão de bah. Se vc se interessar eu tenho o enorme prazer de fazer o upload e disponibilizar o link axo que é o que eu posso fazer para ajudar esse blog que me faz comprar 1 hd por ano 😀

  4. Parabéns pelo blog ! Muito organizado e rico ! Porém não estou conseguindo descomprimir os quartetos . Aparece a mensagem que este arquivo não é um arquivo .rar . Alguém mais está tendo esse problema ? Grato !

  5. Oi Rafaela,
    entendo muito bem tua reação. Isto é muito comum com música mais moderna.
    Creio que, se não queres desistir, a única solução para a situação é ouvir as mesmas músicas repetidas vezes, até que lhe fiquem familiares. Aí começas a gostar delas.
    Isto é o contrário do que diz N. Harnoncourt, que acha que a maior emoção na música é ouví-la pela primeira vez, pois aí ainda tem o efeito surpresa, que desaparece com músicas conhecidas.
    Isto pode ser verdade ao se ouvir música ao vivo, em um concerto. Mas, para gostar de uma música ouvida em casa, acho que é o contrário.

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