Papa Ratz ensina música para vocês, tolinhos

Cidade do Vaticano, 29 Abr (EFE).- O papa Bento XVI transformou-se num consagrado crítico musical com seu livro “Lodate Dio con arte“, que compila os seus discursos e outros escritos sobre arte e, especialmente, sobre música.

A Música de Ratzinger

O Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação para a Fé (ex-Santo Ofício) num ensaio consagrado à liturgia, em 11 de Fevereiro de 2001, criticou severamente a música rock e pop e manifestou reservas em relação à ópera que acusa de ter “corroído o sagrado” de tal modo que – cita – o papa Pio X “tentou afastar a música de ópera da liturgia”, donde se deduz que ela é claramente desajustada à salvação da alma.

Eu já tinha desconfiado que certa música é a “expressão de paixões elementares” e que “o ritmo perturba os espíritos”, estimula os sentidos e conduz à luxúria. Salvou-me de pecar a dureza de ouvido que tinha por defeito e, afinal, era bênção.

Mas nunca uma tão relevante autoridade eclesiástica tinha sido tão clara quanto aos malefícios da música, descontada a que se destina à glorificação do Senhor, à encomendação das almas ou a cerimónias litúrgicas, outrora com o piedoso sacrifício dos sopranistas.

Espero que o gregoriano, sobretudo se destinado à missa cantada, bem como o Requiem, apesar do valor melódico, possam ressarcir-nos a alma dos danos causados pelo frenesim da valsa, a volúpia do tango ou a euforia de certos concertos profanos.

Só agora, mercê das avisadas palavras de Sua Eminência, me interrogo sobre a acção deletéria do Rigoleto ou da Traviata, dos pensamentos pecaminosos que Aida ou Otelo poderão ter desencadeado em donzelas – para só falar de Verdi – ou dos instintos acordados pela Flauta Encantada, de Mozart, ou pelo Fidélio, de Beethoven! E não me venham com a desculpa de que há diferenças entre a ópera dramática e a cómica, ou entre esta e a ópera bufa.

A música, geralmente personificada na figura de uma mulher coroada de loiros, com uma lira ou outro qualquer instrumento musical na mão, já nos devia alertar para o pecado oculto na harmonia dos sons.

Sua Eminência fez bem na denúncia. Espera-se agora que, à semelhança das listas que publicou com os pecados veniais e mortais e respectivas informações complementares para os distinguir, meta ombros à tarefa ciclópica de catalogar as várias músicas e os numerosos instrumentos em função do seu potencial pecaminoso.

Penso que a música sacra é sempre de louvar (desde que dispensados os eunucos), enquanto a música de câmara, a ser executada em reuniões íntimas, é de pôr no índex. Na música instrumental, embora o adjectivo seja suspeito, talvez não haja grande mal, mas quanto à música cifrada não tenho dúvidas de que transporta uma potencial subversão.

Nos instrumentos há-os virtuosos, como o sino, o xilofone, as castanholas e quase todos os de percussão, deixando-me algumas dúvidas, mais por causa do nome, o berimbau.

Nos de corda, excepção para o contrabaixo e, eventualmente, o piano (excluídas perigosas execuções a quatro mãos) quase todos têm riscos a evitar. A lira, o banjo, a cítara, o bandolim e o violino produzem sons que conduzem à exacerbação dos sentidos.

Mas perigosos mesmo – a meu ver – são os instrumentos de sopro. Abro uma excepção para os órgãos de tubos que nas catedrais se destinam a glorificar o Altíssimo. Todos os outros me parecem pecaminosos. A flauta, o clarim, o fagote, o pífaro e a ocarina estimulam directamente os lábios e, desde o contacto eventualmente afrodisíaco aos sons facilmente lascivos, tudo se conjuga para amolecer a vigilância e deixar-nos escravizar pelos sentidos. Nem o acordeão, a corneta de pistões ou a gaita-de-foles me merecem confiança.

Apreciemos o toque das trindades dos sinos dos campanários e glorifiquemos o Senhor no doce chilrear dos passarinhos. Cuidado com a música e, sobretudo, com os efeitos luminosos associados. Estejamos atentos às palavras sábias do Cardeal Ratzinger.

(Retirado daqui)

Publicado por PQP

11 comments / Add your comment below

  1. Olha…Um dia, feliz da vida, comecei a ler “O Jogo das Contas de Vidro”, do Hesse, e não é que logo nas páginas iniciais há uma ardente defesa da música de Bach e dos classicismo vienense (não tão ardente) contra tudo o que veio a partir do romantismo e que seria futo de uma época decadente?! Até mesmo antigas escrituras chinesas eram invocadas para dar maior autoridade à esta defesa da pureza matemática da música…Juro que fiquei me sentindo péssimo ao ouvir “A Sagração da Primavera”, ou a 10º Sinfonia de Shostakovich, por exemplo…Pouco tempo depois, fui ler um romance espírita (sou kardecista), que apontava como indício de degeneração numa antiga civlização que habitou a Terra, a sensualidade rítmica que sua música começou a manifestar…KKKKKKK.

    1. Religião à parte, em geral o ambiente kardecista é de péssimo gosto artístico. Frequentei por vários anos. Pararam em Chopin e Renoir. Gostam de Enya. Consideram Picasso degenerado. Não poderiam ser mais conservadores. Não à toa o espiritismo é a doutrina religiosa oficial da classe média urbana brasileira.

  2. O sr Ratz,um burocrata das internas da igreja, é um homem de

    grande coerência.Só um sujeito com este entendimento sobre o

    sagrado e a música que o expressa teria o desassombro de o-

    tar e silenciar sobre as lambanças de seus prelados.Funk

    pancadão ,então nem pensar né seu Ratz.

    p

    né Ratz?

  3. A maior prova de que a ópera desperta sentimentos passionais altamente culpáveis, é que Wagner era um dissipado, traía sua esposa, teve casos e mais casos, não queria nem saber de quem era a mulher, pegou até a de amigos, que devasso! Tristan und Isolde é um perigo, deveria ser proibida, censurada, aliás, deveriam recolher e queimar todas as partituras dessa ópera demoníaca. Onde que se viu louvar a paixão entre um homem e uma mulher? De acordo com nossa Santa Igreja, o melhor é o amor entre um padre e um menino.

  4. Nossa, José Eduardo, e eu nem chego a pertencer à classe média…rsrs. Eu não sei se consideram Picasso degenerado, não sei se têm um credo estético definido e inflexível…Acho que são muito abertos em relação a isto, como com tudo o mais.

  5. Mas o Hesse tem um gosto ainda mais limitado, a julgar pelo romance que citei acima…E tinha uma queda pelas filosofias e religiões orientais…Me lembro de algo que li sobra música chinesa, que se relciona com os fragmentos de textos chineses antigos que tratam sobre música (apócrifos ou não), que são transcritos em “O Jogo das Contas de Vidro”: a música chinesa nunca é excitante ou vibrante, é sempre moderada. Agora cito as passagens do romance, espero que me perdoem…rs: “As nações decadentes e os homens maduros para o declínio não se privam da música, mas sua música não é jovial. Por isto, quanto mais ruidosa é a música, tanto mais melancólicos se tornam os homens, tanto mais decadente o país, tanto maior a queda do príncipe. Desse modo a essência da música também se perde.” E ainda: “O que todos os sagrados príncipes apreciavam na música era a sua jovialidade. Os tiranos Chieh e Chou Hsin executavam música ruidosa. Consideravam belas as sonoridades fortes, e interessante a ação da quantidade maciça. Aspiravam a sonoridades novas e raras, a sons nunca ouvidos por nenhum ouvido; procuravam superar-se um ao outro e excederam todas as medidas e metas.” E eu poderia multiplicar as invectivas contra a “música ruidosa, excitada, colérica”, e as advertências sobre seus efeitos nefastos não apenas sobre as pessoas, como sobre Estados e sobre a própria Natureza…E ainda as obscuras “explicações” sobre em que consistiria a música “salutar”, digamos, e em que repousaria sua excência, numa linguagem que, ao que parece, deriva dos discursos taoístas…Apelar para este tipo de autoridade misteriosa e venerável (porque misteriosa) te deixa culpado ao ouvir “A Sagração Da Primavera”, ou a Missa dos Mortos de Berlioz, por exemplo…Desculpem tanta besteira…kkkkkkkkkkk

  6. Talvez a música ideal ao taoísmo seja John Cage e outros experimentalistas do meio do século. Cage com certeza, já que sua obra se guia pela idéia de não-ação e aleatoriedade. O que disse sobre o texto lembrar a República, é porque tem um trecho no livro sobre música, onde fala que as harmonias lamentosas e moles devem ser excluídas. O músico só deveria usar os modos Dórico e Frígio (que devem ser diferentes dos atuais). Qualquer outro modo seria nocivo ao espírito.

  7. Acho que a música chinesa de inspiração taoísta jamais se pareceu com qualquer obra de Cage, mas tampouco com a música de Bach…

Deixe um comentário para emilio Cancelar resposta