Hoje é o aniversário de Béla Bartók. Não poderia deixar passar em branco a data de nascimento de meu segundo compositor preferido. O Castelo do Barba Azul é única ópera de Bartók. É uma versão moderna da lenda européia sobre o cruel príncipe Barba Azul e suas esposas desaparecidas. Aqui, trata-se de uma metáfora para a impossibilidade de amor entre homens e mulheres. A crítica portuguesa Marta Neves publicou um esclarecedor artigo sobre uma apresentação da ópera ocorrida naquele país. Transcrevo-a aqui:
Ópera de Béla Bartók abre hoje o ciclo “Novas Músicas”
Sete portas escondem os mais recônditos e obscuros segredos do Duque Barba Azul. A sua quarta mulher, Judite, chega ao seu castelo e pretende desvendar esses mistérios. Para isso terá que abrir cada uma das portas, dando início a um drama psicológico fascinante, com encenação de João Henriques e cenografia de Pedro Cabrita Reis .
“O Castelo do Duque Barba Azul”, do húngaro Béla Bartók (ver texto ao lado) – considerada a mais impressionante ópera escrita no início do século XX -, dá hoje início, às 21 horas, ao ciclo “Novas Músicas”, na Casa da Música (CM), no Porto. O bilhete para a ópera em um acto – protagonizada pela meio-soprano Sally Burgess e pelo barítono Andrea Silvestrelli, acompanhados pela Orquestra Nacional do Porto -, e legendada em português, custa 15 euros.
João Henriques – que se sente perante “uma obra lírica sinfónica por excelência” – confessou que este trabalho foi um “grande desafio”. Sobretudo porque o jovem encenador teve de contar com “uma condicionante muito especial”, que foi a instalação de Pedro Cabrita Reis, colocada por cima do palco da Sala Suggia.
Nesta “versão semi-cénica”, João Henriques confessou que o seu “dispositivo foi muito inspirado no painel de Pedro Cabrita Reis”. E, por sua vez, o artista plástico foi encontrar estímulo à própria ópera de Béla Bartók.
O resultado “da viagem desta quarta mulher ao inconsciente do Barba Azul” é uma combinação perfeita de estímulo aos sentidos, onde toda a geometria cénica, criada a partir de sete portas que se vão abrindo, comunica com a policromia do painel.
O segredo das sete portas
Na narrativa, este encontro é notório quando Judite, acabada de chegar ao castelo de Barba Azul, fica intrigada com sete portas fechadas à chave. Dominada pela curiosidade sobre o segredo que esconde cada uma das áreas, exige que o marido lhe dê as chaves.
A partir do momento que Judite começa por abrir a primeira porta, onde encontra a câmara da tortura, o jogo de luzes vai projectando para o espaço aberto de cada porta as cores sequenciais do painel de Pedro Cabrita Reis. Por esta altura, o vermelho garrido vai desenhando na atmosfera “as paredes do castelo manchadas de sangue”.
Depois de descoberta a armadura do Duque, com “milhares de armas bárbaras e horripilantes”, Judite vê-se perante o brilho amarelo do tesouro do Duque, repleto de “moedas douradas, preciosos diamantes, esmeraldas, rubis e mantos de veludo”.
Balada sobre a vida interior
O suspense sobre o que está por detrás de cada porta sobrepõe-se à rotina da acção. No entanto, só depois da revelação de um jardim”, do reino que está por detrás da quinta porta, e de um lago feito de lágrimas, é que a narrativa intensa e profunda explode de forma angustiante.
Béla Balázs, autor do libreto que deu origem à ópera de Béla Bartók proferiu esta curiosa afirmação “A minha balada é sobre a vida interior. O castelo do Barba Azul não é um castelo de pedras. O castelo é a sua alma. É solitário, escuro e secreto: o castelo de portas fechadas”.
Ao interesse exclusivo de Balázs no drama psicológico, o encenador João Henriques acrescentou a sua visão pessoal à ópera. “Para mim, o Duque Barba Azul passou por todo o tipo de experiências nas suas múltiplas vivências”. E acrescentou “Por isso, é que as três mulheres (meras figurantes) são uma criança, uma mulher normal e um homem”.
Fechando o círculo que envolve o drama, a orquestração – sob direcção de Christoph König – confere a cada momento em que se desvenda cada mistério um significado específico com tratamento harmónico correspondente. A cada porta aberta, uma reacção ao que se vê reflectido por detrás dela.
Observação importante: nesta gravação da Naxos, os locais que o Barba Azul e Judith ocupam na imagem estereofônica do CD são correspondentes a seus movimentos entre as sete portas. Som nas caixas!
Béla Bartók – A Kekszakallu herceg vara (Bluebeard’s Castle), BB 62
1. Megerkeztunk (We have arrived) (Bluebeard, Judith) 00:03:59
2. Ez a Kekszekallu vara! (This is Bluebeard’s castle!) (Judith, Bluebeard) 00:05:25
3. Nagy csukott ajtokat latok (I see large closed doors) (Judith, Bluebeard) 00:05:23
4. Jaj! (1. Ajto) (Oh! (Door 1)) (Judith, Bluebeard) 00:04:13
5. Mit latsz? (2. Ajto) (What do you see? (Door 2)) (Bluebeard, Judith) 00:04:23
6. O be sok kincs! (3. Ajto) (Oh, how much treasure! (Door 3)) (Judith, Bluebeard) 00:02:23
7. Oh! Viragok! (4. Ajto) (Oh, flowers! (Door 4)) (Judith, Bluebeard) 00:04:39
8. Nezd, hogy derul mar a varam (5. Ajto) (See how my castle brightens (Door 5)) (Bluebeard, Judith) 00:06:14
9. Csendes feher tavat latok (6. Ajto) (I see a silent white lake (Door 6)) (Judith, Bluebeard) 00:04:42
10. Az utolsot nem nyitom ki (I won’t open the last one) (Bluebeard, Judith) 00:04:05
11. Tudom, tudom, Kekszakallu (I know, I know, Bluebeard) (Judith, Bluebeard) 00:03:32
12. Lasd a regi asszonyokat (7. Ajto) (Look at the women of the past (Door 7)) (Bluebeard, Judith) 00:08:46
Gustav Belacek, bass
Andrea Melath, mezzo-soprano
Bournemouth Symphony Orchestra
Marin Alsop, Conductor
Total Playing Time: 00:57:44
Caro PQP:
embora aqui seja espaço para comentar Bártok, preciso deixar uma palavra sobre uma outra música que venho ouvindo, graças a você.
São os quartetos de cordas de Beethoven.
Baixei a integral postada aqui no site.
Não seria exagero dizer que nunca tive experiência musical mais intensa.
Há algo de absolutamente trágico nesses quartetos (os finais, especialmente) misturado a uma tal doçura, remansos outonais em meio relâmpagos afirmativos.
Mas não sinto ânimo para continuar tentando pôr em palavras o sentimento dessa música. A palavra está muito aquém.
Só queria deixar registrado o meu absoluto fascínio por Beethoven.
E a gratidáo a quem posibilitou tal descoberta.
Obrigado.
Mais uma observação:
Hoje, quarta feira, é 26 de março, não?
Se não me engano, Beethoven morreu em 26 de março de 1827.
Há 181 anos, portanto.
Não seria, portanto, conveniente uma postagem beethoveniana?
O texto poderia começar assim:
“Como lembrança do aniversário de 181 anos da morte do saudoso gênio de Bonn, eu, PQP Bach e meus amigos FDP Bach e Clara Schumann, tomamos por bem aceita a sugestão de nosso ouvinte inveterado, cuja alcunha é Grande Sertão, e resolvemos, após consenso geral, postar aqui estae maravilhoso exemplar da música camerística de Beethoven (qual?) que deixará todos os nossos ouvintes e frequentadores boquiabertos e mudos, como estátuas enregeladas num cataclisma terrível.”
O que acha?
😉
Abraço!
Pois é, deixamos passar. Estive ocupadíssimo ontem. Seu nascimento é lá por dezembro, não? 16 ou 18 ou 19. Faremos em dezembro, então.
O teu texto ficará guardado! Poderia ser o trio Arquiduque, Op. 100. Ou quem sabe as Diabelli? Não lembro de termos postado nenhuma delas. São de deixar os freqüentadores boquiabertos e meditabundos, porém cabisaltos.
Abraço.
Poxa! Gostei!
Sertão. Os ultimos quartetos de cordas de beethoven são o ápice do seu pensamento, e um dos momentos máximos da historia da musica.
São poucas musicas que se igualam a esta. Supera-las? Não acredito.
Flávio,
mas que bom que apareceste por aqui.
Porque preciso dizer que os seus textos sobre os quartetos de Beethoven são bons demais e, com os comentários de PQP, têm me servido de guia na exploração dessa música inqualificável.
Fiquei curioso a respeito da relação que você menciona ente Kundera e o opus 135. Imagino que a referência ao quarteto deva estar no volume A insustentável leveza do ser, não?
PQP, fica pra dezembro a postagem então.
Abraço aos diois.