Na última semana, fui informado por CVL que Philip Glass esteve no Brasil (dia 29/07). Por isso, resolvi fazer esta postagem em homenagem ao americano, trazendo à tona a trilha sonora de um dos filmes da trilogia katsi, especificamente, o primeiro filme, Koyaanisqatsi (1983). A obra é com certeza um dos filmes mais impressionantes que já foram feitos ao meu modo de ver. Trata-se de um documento poderoso e atordoante. Não há como assisti-lo e não adquirir uma sensação, seja de susto ou de profundidade estética e filosófica. A sua intencionalidade nos provoca. A sobreposição de cenas nos conduz por um ambiente silencioso. Não há vozes no filme. Não há palavras humanas. Quem fala são os atos humanos, as ações humanas, o desequilíbrio humano. O filme possui por fundo uma trilha sonora notável, arrebatadora, que funciona como um guia para nos mostrar imagens indescritíveis. Philip Glass, responsável pela composição sonora, afirma que “a estrutura, a base, as imagens e a música são o elemento interdisciplinar” que tornam o filme belo. As imagens se movimentam e mostram a contingência notável entre natureza, homens e máquinas. Não é possível extrair do filme a música, pois ela também faz parte da ambientação. Quantos forem os telespectadores, tantas serão as impressões sobre esse belo objeto a serviço da arte. Assistir ao filme é ser convidado para uma experiência única.
O diretor Godfrey Reggio afirma que a sua principal razão para fazer o filme foi apontar o desequilíbrio da vida. O nome estranho foi tomado do idioma Hopi, uma tribo índigena americana (qatsi = vida; e koyaanis = loucura, tumulto, fora de compasso, desintegração ou um estado que pede por outro modo). Assim, o filme tem o significado básico de “vida louca”, “vida tumultuada”, “vida fora de balanço”, “vida desintegrando-se” ou “um estado na vida que pede por outro modo de viver”. Reggio ainda afirma que o filme buscou tratar sobre a essência da vida. Do homem mergulhado no silêncio do tempo, cercado pelo absoluto da tecnologia. “Não é que usemos a tecnologia, vivemos a tecnologia. Ela é tão indispensável quanto o ar que respiramos. Não temos mais ciência de sua presença”, afirma. Trata-se de um sistema que é alimentado pela necessidade humana. Os homens foram tragados pela via tecnológica. Ainda afirma: “O acidente de hoje não é visto por quem o presencia”. Com certeza, aí está uma assertiva profunda. O homem moderno deificou a tecnologia. A paisagem humana é tecnologizada. Os microchips de computadores são os portadores da nova inteligência. Godfrey, que afirma ter sido influenciado pela religião duarante a vida, diz que a nova religião do homem é a tecnologia. “A vida não questionada passa a ter um estado religioso”, assevera. O jornalista Aramis Millarch escreveu no ano de 1985 sobre o filme: “Em suma, o filme se propõe a mostrar a contradição entre a natureza em seu estado virgem e a montagem urbana do sonho americano”(…) Nova Iorque foi escolhida como a soma das virtudes e defeitos do “american way”: o efeito é sobrecarregador. Através dele chegamos ao paroxismo que logram criar as imagens animadas e a partitura musical, que retoma o formato de cantata (provérbios hopis), como na introdução e nos devolve suavemente aos valores primários da natureza”. O sistema criado pelo homem se movimenta. O silêncio da natureza, trabalhou durante as eras magnificentemente as formas dos montes, dos rios, dos vales. O homem transformou o mundo recentemente. Certa vez ouvi Leonardo Boff dizer que “a terra surgiu nos últimos dois minutos da história do universo; e o homem , por sua vez, há cinco segundos”. A vida criada pelo homem é desequilibrada, louca, tumultuada e está fora de controle. O último dos seres a surgir no planeta é a mais espetacular e a mais terrível das criaturas. Assim, o filme busca criticar a vida que está fora de equilíbrio. Fora dos eixos. O monstro manco feito pelo homem – a besta – ou seja, o estilo de vida. Reggio arremata dizendo o seguinte: “É sobre uma beleza incrível, terrível ou a beleza da fera nossa ilustre fera, o modo de vida” [que o filme trata]. Ao final, existe a afirmação chocante, atordoante, de três profecias antigas traduzidas pelo diretor Gofrey Reggio: “Se escavarmos preciosidades da terra, convidaremos ao desastre”. Isso parece inevitável e certo. A segunda: “Próximo do Dia da Purificação haverá teias de aranha a rodar no céu”. A terceira: “Um pote de cinzas pode um dia ser jogado do céu, o que poderia queimar a terra e ferver os oceanos”. Impossível apenas narrar com palavras. As palavras apenas dizem. É preciso ver ao filme para se impressionar e refletir a profundidade atordoante deste belessímo documentário de Reggio. Às vezes ponho o DVD do filme e fico silencioso a me embriagar com os efeitos espantosos da obra. Ouça a música e deixe-se levar por essa reflexão, principalmente a última faixa: “Prophecies”.
Este é um dos capítulos do filme que mais me impressiona. Ele nos faz refletir sobre o que é o homem. Frágil, complexo, denso, espetaculoso. Capaz de cavar imensidões e se caotizar com a própria criação.
Afinal, que animal é este?
Philip Glass (1937 – ) – Trilogia Qatsi – Koyaanisqatsi
01. Koyaanisqatsi 03:25
02. Organic 07:46
03. Cloudscape 04:32
04. Resource 06:39
05. Vessels 08:03
06. Pruit Igoe 07:52
07. The Grid 21:23
08. Prophecies 13:35
Carlinus