Neste post compartilho com vocês a ópera Mefistofele de Arrigo Boito (24 de fevereiro de 1842 – 10 de junho de 1918) e um pouquinho da história resumida e inspirada do encarte dos Cd’s feito pelo Sr. Barrymore Scherer. Arrigo Boito começou a conceber uma obra inspirada em Goethe (1749 – 1832) durante uma viagem pela França e Alemanha nos idos de 1862, viagem essa concedida por uma bolsa de estudos governamental após conquistar o diploma do conservatório de Milão. Boito era dotado de uma forte inclinação literária, exemplo são seus libretos feitos para Verdi (Otello e Falstaff) ou para Ponchielli (La Gioconda). Ao longo da história ele foi considerado por muitos um compositor mais por vontade do que por inspiração (será?). Mefistofele teve sua estréia no Scala em 5 de março de 1868 e se revelou um dos maiores insucessos da história do teatro. Várias foram as razões para o êxito negativo, naquela época Boito fazia parte de um grupo de artistas que tencionava revolucionar as artes italianas do marasmo em que haviam caído, e em nome de uma afinidade com a cultura alemã, prometiam a tal revolução cultural. Foi feita uma propaganda antecipada de que a obra iria sacudir a Itália, foi fácil então predispor divisões entre os italianos, salientando o racha entre o público, e no dia da estréia muitos já esperavam por brigas e torcendo pelo fracasso. O prólogo, o quarteto no jardim e o Sabá clássico fizeram boa impressão; mas o resto foi vaiado. Boito retirou a partitura profundamente humilhado e desiludido. Por muitos anos ele ganhou a vida escrevendo e traduzindo libretos para publicações italianas de óperas estrangeiras. Entrementes, aplicava-se com toda calma à revisão de Mefistofele. Então o sucesso dessa nova versão estreada em Bolonha em 1875 contribuiu muito para devolver a confiança em si mesmo, assim como a edição sucessiva em Veneza em 1876, para a qual ele preparou posteriores modificações. Daí em diante só alegrias, Mefistofele passou a cumprir o giro nos teatros italianos e no circuito internacional começado no início dos idos de 1881, todavia foi o triunfal retorno da obra ao Scala em 25 de maio de 1881, com direção cênica de Boito e regência de Faccio, que assinalou o resgate definitivo. Por ser um compositor italiano do último terço do século dezenove, ele foi um anticonformista, ligado a linguagem musical de Berlioz. A influência deste é particularmente pronunciada na eletrizante majestosidade do prólogo e do epílogo, com seu acurado cromatismo orquestral, as fortes e agudas fanfarras e a absoluta predominância dos sons. A inspiração melódica de Boito é de um nível surpreendentemente alto nesta ópera não raro considerada de gélida grandeza. Motivos famosos como “Dai campi, dai prati”(CD1 faixa 13) e “Lontano Lontano, lontano”(CD2 faixa 11) são igualados à área invocação de Fausto e Margarida “Calma il tuo cor” (CD1 faixa 19), com a sua deliciosa cadência de sextas paralelas; tembém admirável o estupendo Sabá clássico, “Firma ideal puríssima” (CD2 faixa 19) que conduz ao apaixonado dueto de Fausto e Helena.
A lenda de Fausto tem sido um tema que se repete desde o século dezesseis no folclore e na literatura, naqueles tempos acreditava-se sinceramente na magia negra e no interminável choque entre o Poder dos Céus e as Potências das trevas, seres repugnantes dotados de botas e chifres…. Em 1509 a Universidade de Neidelberg, conferiu a láurera de doutor em teologia a um certo Johannes Faust, nascido em Knittlingen, no antigo território do reino de Württemberg, pelo ano de 1480. Conta-se que também estudara magia na universidade de Cracóvia (interessante dizer que na época esta disciplina era tão comum como Administração de Empresas nos dias de hoje). Conta a lenda oral que Faust poderia predizer o futuro, evocava heróis mitológicos em suas aulas, era tido como um pérfido dado a travessuras de extraordinária malignidade. Acabando por ir a prisão. Depois da misteriosa morte de Faust, por volta de 1540, quando ensinava a arte de voar, tornou-se comum a opinião que ele tivesse recebido seus ímpios poderes do próprio Demônio em troca de sua alma. Embora nebulosas historietas já houvessem aparecido durante a agradável vida do doutor, a oralidade logo se transformou em uma tradição escrita que do ponto de vista comercial demonstrou ser uma mina de ouro. O primeiro Faustbuch foi publicado na Alemanha em 1587 e pretendia ser uma assustadora advertência aos que se sentiam superiores às convenções religiosas. O Fausto de Goethe (1749 – 1832), é considerado uma das obras-primas da literatura universal e Boito escreveu seu libreto final dividindo da seguinte maneira: um prólogo, quatro atos e epílogo. Boito baseou o seu libreto em ambas as partes da obra de Goethe e esforçou-se por lhe dar o substrato da filosofia sobre o qual o mestre alemão criou a sua estrutura dramática, uma das mais belas partituras de ópera italiana, apesar de ser tão raramente ouvida e interpretada. Desta vez a sinopse foi copiada 100% do encarte:
Lugar: Alemanha e Grécia Antiga
Época: Idade Média e Antiguidade
Primeira apresentação: Teatro La Scala , Milão, 5 de março de 1868
Idioma original: italiano
Prólogo: Em algum lugar sem tempo definido, na nebulosa infinidade do espaço o som das trombetas e os raios rompem a névoa, seguidos de um grande hino de louvor entoado pelas invisíveis Falanges celestes. Quando cessam, aparece Mefistófeles, ironiza quanto a bondade do Céu, o poder de Deus e a debilidade do gênero humano. Perguntam-lhe se conhece o filósofo Fausto; responde saber bem quem seja e dele se ri porque dedica toda sua vida a indagar qual o sentido da fé. Neste ponto Mefistófeles desafia Deus a apostar se não conseguirá empurrar Fausto para o pecado. As vozes celestes aceitam o desafio, querendo oferecer um divertimento ao Demônio, mas quando um enxame de querubins levanta vôo, Mefistófeles sai inquieto. Os penitentes sobre a terra unem então suas vozes às das Falanges celestes em um cântico final de louvor.
Ato 1: Um domingo de Páscoa em Frankfurt no século 16; estudantes e camponeses comem e bebem numa atmosfera alegre. Fausto, entediado e cansado de sua vida de filósofo, passeia com seu discípulo Wagner. Ao crepúsculo observam um franciscano de ar sinistro que os seguiu durante todo o dia. Fausto acredita tratar-se do demônio mas Wagner repele a idéia. Todavia, procuram desorientar o frade, voltando ao estúdio de Fausto, onde o velho entoa uma apóstrofe à beleza da natureza. Sem ser visto, o franciscano seguiu Fausto e com um grito amedrontador salta para o interior da sala. Jogando fora o hábito cinzento, o frade revela ser Mefistófeles, nas vestes elegantes de um cavalheiro. Depois de se ter apresentado com um canto de zombaria, o Demônio oferece um pacto a Fausto: em troca da sua alma ele garantirá a juventude ao ancião e o servirá na terra. Fausto aceita com a condição de experimentar uma hora de completa satisfação espiritual. Firmado o pacto, Mefistófeles estende seu manto e voa para fora, juntamente com Fausto.
Ato 2, cena 1: Em um jardim, Fausto – sob o nome de Enrico – corteja ardentemente Margarida, uma jovem ingênua, da qual está enamorado. Entrementes, Mefistófeles entretém Marta, servindo-se para distraí-la de uma grande quantidade de tolices e brincadeiras. Fausto quer fazer amor com Margarida. Mas isso é impossível, desde que ela divide o quarto de dormir com a mãe, que tem sono leve. Fausto lhe dá uma poção sonífera, assegurando-lhe que apenas três gotas bastarão para assegurar-lhes toda a tranquilidade de que precisam sem molestar a mãe. Depois de uma viva sequência no jardim, os quatro se dispersam.
Ato2, cena 2: Mefistófeles leva fausto ao passo de Brocken, onde o folósofo é feito testemunhade todos os depravados festejos do inferno durante uma celebração da Noite de Valpurgis, o Sabá romântico. Enquanto as chamas iluminam o ar sulfuroso, bruxas e bruxos dançam furiosamente em selvagem abandono. As criaturas infernais proclamam Mefistófeles seu mestre e o homenageiam numa esfera de cristal que simboliza a Terra. Depois de ter jogado com ela, pondo em relevo a fragilidade dos seus habitantes, ele estilhaça a esfera por entre a zombaria geral. A orgia continua, mas quando ela atinge sua culminância Fausto é aterrorizado por uma visão de Margarida acorrentada. Não obstante a repugnância de Mefistófeles, ele insiste para ser levado a ela.
Ato 3: Na cela de uma prisão, Margarida jaz sobre um leito de palha murmurando aflita de si para si. Abandonada por Fausto, foi julgada culpada do assassinato do seu próprio filho (fruto de seu amor por Fausto) e do envenenamento da mãe (o sonífero era muito forte). A prova áspera a tornou demente, mas na expectativa da execução roga pelo perdão divino. Fausto chega em companhia de Mefistófeles, que lhe dá as chaves da prisão e recomenda que se apresse para fugir com a jovem. Fausto consegue acalmá-la, descrevendo-lhe a ilha distante na qual poderiam viver felizes se ela fugisse com ele. Mefistófeles interrompe esse sonho para lhe avisar quer o dia está chegando. Mas quando reconhece Fausto, Margarida começa a delirar. Margarida fica aterrorizada com a presença do maligno e, com uma última expressão de desgosto ante o outrora amante, morre entre os braços de Fausto, no momento mesmo em que o carrasco entra na cela. Mefistófeles pronuncia sua condenação, mas um coro angélico anula a sentença; o Demônio voa para fora com o seu protegido.
Ato 4: Grécia Antiga. Mefistofele leva Fausto às margens do Vale do Templo. Fausto é arrebatado com a beleza da cena enquanto Mefistofele descobre que as orgias do Brocken eram mais do seu gosto. “É a noite do clássico Sabá”. Um bando de jovens donzelas aparece, cantando e dançando. Mefistofele, irritado e confuso, se retira. Helena entra em coro e, absorvida por uma visão terrível, ensaia a história da destruição de Tróia. Fausto entra, ricamente vestido com o traje de um cavaleiro do século XV, seguido por Mefistofele, Nereno, Pantalis e outros, com pequenos faunos e sirenes. Ajoelhando-se diante de Helena, ele se dirige a ela como seu ideal de beleza e pureza. Assim, prometendo um ao outro seu amor e devoção, eles vagam pelos castelos e se perdem de vista. A ode de Helena, “La luna imóvel inonda l’etere” (Flutuando imóvel, a lua inunda a cúpula da noite); seu sonho da destruição de Tróia; o dueto de amor por Helena e Fausto, “Ah! Amore! misterio celeste” (“Tis amor, um mistério celestial”); e a o hábil fundo musical na orquestra e coro, são as principais características da partitura deste ato.
Epílogo: encontramos Fausto em seu laboratório mais uma vez – um homem idoso, com a morte se aproximando rapidamente, lamentando sua vida passada, com o volume sagrado da Bíblia aberto diante dele. Temendo que Fausto ainda possa escapar dele, Mefistofele espalha seu manto, e instiga Fausto a voar com ele pelo ar. Apelando ao Céu, Fausto é fortalecido pelo som das canções angélicas e resiste. Enfraquecido em seus esforços, Mefistofele evoca uma visão de belas sereias. Fausto hesita um momento, volta para o volume sagrado e grita: “Aqui, finalmente, encontro a salvação”; depois cair de joelhos em oração, supera eficazmente as tentações do maligno. Ele então morre em meio a uma chuva de pétalas rosadas e à música triunfante de um coro celestial. Mefistofele perdeu sua aposta e as influências sagradas prevaleceram.
Eu tenho este ábum há 28 anos, e essa gravação com o Placidão (1941), Samuel Ramey (1942) e com a Eva Marton (1943) é difícil de bater, foi a primeira gravação que ouvi da obra, tornou-se referência. Samuel Ramey é um dos maiores Barítonos e na época ele simplesmente fez Mefistofele reviver nos palcos, impressionante, é um papel feito sob medida para ele. E a dupla com Placido Domingo ai vira um bálsamo para os sentidos. Ouvimos um canto envelhecido e vacilante de Sergio Tedesco (1921 – 2012) como Wagner. Ele pode ter tido no passado uma voz de Tarzan, mas aqui com sessenta anos de idade, fica a desejar. Eva Marton convence como Margarida e canta lindamente como Helena, apesar dos seus conhecidos vibratos. Mas os verdadeiros superstars desta gravação são A Orquestra Estadual Húngara e o Coro da Ópera Húngara. Sob a direção de Guiseppe Patane (1932 – 1989), a orquestra e o coro tornam esta gravação excepcional (uma curiosidade é que o Maestro não chegou a ver a obra produzida, faleceu pouco tempo após o final das gravações). Então vamos ao que viemos (licença poética PQP) esta onda de esplendor musical se eleva nesta grandiosa gravação com Samuel Ramey, Placido Domingo, Eva Marton sob a batuta de Giuseppe Patané, compraz esperar que o espírito de Boito possa ouví-la e ter enfim a confirmação de que suas intermináveis fadigas não foram vãs.
A história “passo a passo” com fotos do encarte original do CD estão junto no arquivo de download com as faixas, o resumo da ópera foi extraído do livro “As mais Famosas Óperas”, Milton Cross (Mestre de Cerimônias do Metropolitan Opera). Editora Tecnoprint Ltda., 1983. Desta vez fiquei com preguiça e digitalizei as páginas do livro.
Pessoal, abrem-se as cortinas e deliciem-se com a magnífica obra de Arrigo Boito !
CD1: 1
1. Mefistofele: Prologue In Heaven – Preludio
2. Mefistofele: Prologue In Heaven – ‘Ave Signor’ (Coro)
3. Mefistofele: Prologue In Heaven – Scherzo instrumentale
4. Mefistofele: Prologue In Heaven – ‘Ave Signor’ (Mefistofele)
5. Mefistofele: Prologue In Heaven – ‘T’e noto Faust?’ (Coro, Mefistofele)
6. Mefistofele: Prologue In Heaven – ‘Siam nimbi volanti’ (Coro, Mefistofele)
7. Mefistofele: Prologue In Heaven – ‘Salve Regina!’ (Coro)
8. Mefistofele: Act One – ‘Perche di la?’ (Coro)
9. Mefistofele: Act One – ‘Qua il bicchier!’ (Coro)
10. Mefistofele: Act One – ‘Al soave raggiar’ (Faust)
11. Mefistofele: Act One – ‘ Movere a diporto’ (Wagner, Coro)
12. Mefistofele: Act One – ‘Sediam sovra quel sasso’ (Faust, Wagner, Coro)
13. Mefistofele: Act One – ‘Dai campi, dai prati’ (Faust)
14. Mefistofele: Act One – ‘Ola! Chi urla?’ (Faust, Mefistofele)
15. Mefistofele: Act One – ‘Son lo Spirito’ (Mefistofele)
16. Mefistofele: Act One – ‘Strano figlio del Caos’ (Faust, Mefistofele)
17. Mefistofele: Act One – ‘Se tu mi doni un’ora’ (Faust, Mefistofele)
18. Mefistofele: Act Two ‘Cavaliero illustre e saggio’ (Margherita, Faust, Mefistofele, Marta)
19. Mefistofele: Act Two – ‘Colma il tuo cor’ (Faust, Margherita, Mefistofele, Marta)
Disc: 2
1. Mefistofele: Act Two – ‘Su, cammina’ (Mefistofele, Coro)
2. Mefistofele: Act Two – ‘Folletto!’ (Faust, Mefistofele)
3. Mefistofele: Act Two – ‘Ascolta. Si’agita il bosco’ (Mefistofele, Coro)
4. Mefistofele: Act Two – ‘Largo, largo a Mefistofele’ (Mefistofele, Coro)
5. Mefistofele: Act Two – Danza di streghe – ‘Popoli!’ (Mefistofele, Coro)
6. Mefistofele: Act Two – ‘Ecco il mondo
7. Mefistofele: Act Two – ‘Riddiamo!’ (Coro, Faust, Mefistofele)
8. Mefistofele: Act Two – ‘Ah! Su! Riddiamo’ (Coro)
9. Mefistofele: Act Three – ‘L’altra notte in fondo’ (Margherita, Faust, Mefistofele)
10. Mefistofele: Act Three – ‘Dio di pieta!’ (Margherita, Faust)
11. Mefistofele: Act Three – ‘Lontano, lontano, lontano’ (Margherita, Faust)
12. Mefistofele: Act Three – ‘Sorge il di!’ (Mefistofele, Margherita, Faust)
13. Mefistofele: Act Three – ‘Spunta l’aurora pallida’ (Margherita, Faust, Mefistofele)
14. Mefistofele: Act Four – ‘La luna immobile’ (Elena, Pantalis, Faust)
15. Mefistofele: Act Four – ‘Ecco la notte del classico Sabba’ (Mefistofele, Faust)
16. Mefistofele: Act Four – Andantino danzante
17. Mefistofele: Act Four – ‘Ah! Trionfi ad Elena’ (Coro, Elena)
18. Mefistofele: Act Four – ‘Chi Vien? O strana’ (Coro)
19. Mefistofele: Act Four – ‘Forma ideal’ (Faust, Elena, Mefistofele, Pantalis, Nereo, Coro)
20. Mefistofele: Epilogue – ‘Cammino, cammina’ (Mefistofele, Faust)
21. Mefistofele: Epilogue – ‘Giunto sul passo estremo’ (Faust, Mefistofele)
22. Mefistofele: Epilogue – ‘Ecco la nuova turba’ (Faust, Mefistofele)
23. Mefistofele: Epilogue – ‘Vien! Io distendo questo mantel
Gravação em estúdio, lançado em 1990 pelo selo Sony Music
Mefistofele: Samuel Ramay, baixo
Fausto: Placido Domingo, tenor
Margarida / Helena: Eva Marton, soprano
Wagner: Sergio Tedesco, tenor
Marta: Tamara Tacáks, contralto
Pantalis: Éva Farkas
Nereo: Antal Pataki
Hungaroton Opera Chorus – Piergiorgio Morandi
Orquestra do Estado Húngaro – Giuseppe Pantané
Ammiratore