Existem artistas que lamentamos que, por circunstâncias da vida, tenham deixado uma obra mais curta do que poderiam. Entre eles, há um grupo mais seleto cujas obras não só resistem à passagem do tempo, como também, justamente por respirarem ousadia, tornam-se ainda mais interessantes. Só nos resta imaginar quanta música boa poderia ter nascido se as condições fossem mais favoráveis.
Este é certamente o caso de Ruth Crawford Seeger (1901-1953), uma compositora norte-americana que é muito menos tocada e conhecida do que deveria. Nascida em East Liverpool, Ohio, era filha de um pastor metodista, o que levou a família a perambular por diversas cidades de Ohio, Missouri e Indiana até se estabelecer em Jacksonville, Flórida.
Com grande sensibilidade para as artes, Ruth primeiro interessou-se por poesia, até que decidiu estudar música seriamente. Primeiro estabeleceu-se em Chicago e depois em Nova York, desbravando corajosamente um ambiente francamente machista, conquistando uma série de prêmios e bolsas de estudo. Ela foi a primeira compositora mulher a receber uma bolsa da Fundação Guggenheim, em 1930, que a levou a Berlim e Paris no ano seguinte. Foi na capital alemã que ela compôs sua obra mais influente e conhecida, o String Quartet 1931.
De volta aos Estados Unidos, ela se casou em 1932 com um de seus professores, o compositor e musicólogo Charles Seeger, que logo depois assumiu um cargo na capital Washington, no setor de música da Resettlement Administration, em meio aos programas de reconstrução da economia norte-americana em torno do new deal do presidente Franklin Roosevelt.
A união com Charles selou o destino de Ruth em muitos sentidos, já que sua promissora carreira de compositora foi sacrificada em nome do machismo e da construção de uma família. Sem receber apoio do marido, que expressamente declarava que ela deveria se relegar ao papel de mãe e esposa para que a carreira dele prosperasse, Ruth compôs poucas obras autorais nas duas décadas seguintes, até sua prematura morte por câncer em 1953.
Isso, no entanto, não impediu que desempenhasse um valiosíssimo trabalho no Arquivo de Música Folclórica da Biblioteca do Congresso, em Washington. Trabalhando ao lado de Alan e John Lomax, ela prestou uma imensa contribuição na preservação das raízes da música dos Estados Unidos, recolhendo temas, escrevendo arranjos, transcrições e organizando coletâneas de canções e música tradicional.
Entre os filhos do casal Ruth e Charles Seeger, ao menos dois seguiram de perto o trabalho dos pais: o cantor folk Mike Seeger e a cantora country Peggy Seeger.
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Neste álbum, um dos portraits da série Continuum da gravadora Naxos, há um interessante apanhado dos anos de juventude de Ruth, reunindo obras compostas entre 1924 (o Prelude no. 1 – Andante, para piano) e 1932, quando regressa da Europa (Two Ricercari, para voz e piano, sobre poemas de H. T. Tsiang).
Ao longo das peças, para diferentes grupos e combinações de instrumentos, podemos intuir as razões que levam a obra de Crawford a ser situada como “modernista” na tradição composicional americana. Podemos notar como o ímpeto mais melódico, pós-romântico das primeiras obras vai se transformando em uma escrita mais precisa, econômica e radical.
Um pequeno disco que funciona como boa porta de entrada para o universo de uma compositora que merece ser muito melhor explorado.
Ruth Crawford Seeger (1901-1953): Vocal and Chamber Music
Suite for Five Wind Instruments and Piano
(1927; revised 1929)
1. Adagio religioso/Giocoso – Allegro non troppo
2. Andante tristo
3. Allegro con brio
Jayn Rosenfeld, flauta
Marsha Heller, oboé
Joch Craig Barker, clarinete
Daniel Grabois, trompa
Cynde Iverson, fagote
Cheryl Seltzer, piano
Joel Sachs, regência
Sonata for Violin and Piano
(1925-26)
4. Vibrante, agitato
5. Buoyant
6. Mistico, intenso; Allegro
Mia Wu, violino
Cheryl Seltzer, piano
Two Ricercari
(Poems of H. T. Tsiang)
(1932)
7. Sacco, Vanzetti
8. Chinaman, Laundryman
Nan Hughes, mezzo-soprano
Joel Sachs, piano
9. Prelude no. 1 – Andante (1924)
10. Prelude no. 9 – Tranquilo (1928)
11. Study in Mixed Accents (1930)
Cheryl Seltzer, piano
Diaphonic Suite no. 1 for Flute
(1930)
12. Scherzando
13. Andante
14. Allegro
15. Moderato, ritmico
Jayn Rosenfeld, flauta
Diaphonic Suite no. 2 for Bassoon and Cello
(1930)
16. Freely
17. Andante cantando
18. Con Brio
Susan Heineman, fagote
Maria Kitsopoulos, violoncelo
Three Songs
(Poems of Carl Sandburg)
(1930-32)
19. Rat Riddles
20. Prays of Steel
21. In Tall Grass
Nan Hughes, mezzo-soprano
Marsha Heller, oboé
Erik Charlston, percussão
Cheryl Seltzer, piano
Orchestral Ostinato
Joel Sachs, regência
Karlheinz