No último dia 15 de dezembro o Brasil perdeu aquele que provavelmente foi o melhor contrabaixista que nasceu cá por terras brasileiras.
Conheci este excepcional músico em um show de seu lendário grupo, ‘Cama de Gato’, lá nos idos dos anos 80, quando tocaram em Florianópolis, tempos bons em que tínhamos excelentes grupos e músicos se apresentando na cidade, apoiados e patrocinados por um importante grupo de comunicação que atuava no sul do Brasil até há um tempo atrás.
Arthur Maia era muito requisitado nos estúdios, gravou com todo mundo. Seu estilo era um jazz funkeado, às vezes com influência do samba, da música latina, enfim, sua música não tinha fronteiras nem limites.
Este CD que ora vos trago foi lançado em 2002, e tem um timaço de músicos tocando, que demonstra o respeito que o músico tinha no circulo musical. Mike Stern e Dennis Chambers são alguns dos músicos presentes aqui.
Jamais poderia negar o quanto Arthur Maia me influenciou em se tratando de estilos musicais. Eu era um pouco resistente quando se tratava de música brasileira. Depois deste show do Cama de Gato mudei completamente minha percepção musical.
Este CD foi convertido em MP3 em meros 192 kbp/s. Infelizmente não tenho o CD original, apenas esta versão em mp3. Ele me foi repassado por um amigo, que me emprestou o CD e também realizou a conversão.
Quem morava em Floripa lá por 2002 eve lembrar que a faixa título desse CD, Planeta Música, tocava direto na Rádio Itapema. Música atemporal, que embalou muito final de tarde à beira mar.
Descanse em Paz, Arthur Maia. Fico devendo a lista dos músicos convidados, se alguém tiver o CD poderia fazer a gentileza de passar esta relação?
01 DEOMBRO
02 MUCHACHA
03 GOGA
04 TRILOCK
05 PLANETA MUSICA CASCAVEL
06 DEPOIS DO AMOR
07 CANTAREIRA
08 A NOITE
09 CAMA DE GATO
10 MILES STRESS
Esse post é uma homenagem à vereadora Marielle Franco, que lutou pelos Direitos Humanos e foi silenciada ontem.
(Diálogo com um estrangeiro)
– Não sei se você sabe mas por muitos anos o Brasil teve censura prévia para proibir canções consideradas subversivas.
– Como em vários outros países…
– Cortavam qualquer coisa que, na lógica dos militares, fosse contra a moral e os bons costumes.
– Na França isso aconteceu no governo do marechal Pétain, que colaborou com Hitler. Censuraram até o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” e trocaram por “trabalho, família e pátria”.
– Por exemplo nessa música do Milton, Hoje é dia de El-Rey, as palavras subversivas tiveram que ser substituídas por laralara e ahê-lala. Ouve só.
– Essa era bem pesada hein!
– De uma letra gigante sobrou apenas “Filho meu…”
– Família, isso pode. Trabalho, família e pátria.
– É claro que era uma forma de dizer nas entrelinhas: Fui silenciado. Tinha uma letra aqui, que a censura mandou cortar.
– Mas por que entregavam letras assim se sabiam que não ia passar pela censura?
– Porque às vezes passava. Como explicar que Milagre dos Peixes tenha sido aprovada com versos como “eu apenas sou um a mais, um a mais / a falar dessa dor, a nossa dor”, isso na época em que os ditadores falavam em ‘milagre econômico’ industrial?
– Não perceberam. Nunca vi um censor destacar-se como grande pensador…
– O poeta Ferreira Gullar costumava contar sobre o dia em que militares invadiram sua casa e lá encontraram um livro intitulado Do cubismo à arte neoconcreta. Os militares leram a palavra cubismo e apreenderam o livro achando que tinha relação com Cuba.
– É como diz aquela antiga frase, a inteligência militar está para a inteligência como a música militar está para a música…
– E logo depois dessa canção censurada, Milton canta uma música de Vinícius de Moraes e Carlos Lyra, de belíssima letra, e o recado fica dado: a minha poesia você não rouba não.
Milton Nascimento – Milagre dos Peixes Ao Vivo (1974)
1 – A Matança do Porco
2 – Bodas
3 – Milagre dos Peixes
4 – Outubro
5 – Sacramento
6 – Nada Será Como Antes
7 – Hoje é Dia de El Rey
8 – Sabe Você
9 – Viola Violar
10 – Cais
11 – Clube da Esquina
12 – Tema dos Deuses
13 – A Última Sessão de Música
14 – San Vicente
15 – Chove Lá Fora
16 – Pablo
Este é um LP digitalizado que mostra os primórdios do grande Egberto Gismonti. É seu disco de estreia. Egberto completará 71 anos em 2018 e este disco chegará aos 49. É claro que é um trabalho que apenas interessa a fãs. É o disco de um menino. Sofre de um extravasamento de sinceridade que o torna muito claro para os aficionados e mais obscuro para o público. Aqui está principalmente o violonista e o cantor, ainda oscilando entre o puramente instrumental e o cantado. Há muita coisa boa e, bem, como Gismonti se desenvolveu! É claro que os arranjos são datados, que Gismonti praticamente deixou de cantar, que depois o piano entrou de vez em sua vida para conviver com o violão, que ele ganhou um raro verniz internacional, que fez – aos montes — CDs estupendos, mas tudo isso já está aqui latente, basta ouvir com carinho. Vale a audição, e como!
Egberto Gismonti (1969)
A1 Salvador 3:40
A2 Tributo A Wes Montgomery 3:20
A3 Pr’um Samba 3:05
A4 Computador 3:10
A5 Atento, Alerta 3:17
A6 Lírica II (Pra Mulher Amada) 1:35
B1 O Gato 3:40
B2 Um Dia 3:15
B3 Clama-Claro 2:00
B4 Pr’um Espaço 2:40
B5 O Sonho 4:20
B6 Estudo N.o 5 2:00
Na música clássica muito tem se falado em “interpretações historicamente informadas”, “instrumentos autênticos” etc. Pois este disco com 60 canções de um dos maiores sambistas de todos os tempos é autêntico até não poder mais: a cantora Marília Batista foi uma das intérpretes preferidas de Noel. Os arranjos são assinados por Guerra Peixe, que além de grande nome da nossa música clássica também trabalhou por anos como arranjador em rádios do Rio de Janeiro e do Recife.
Ressalto dois pontos que são autênticos. Marília segue as letras de Noel palavra por palavra, por exemplo “com que roupa eu vou ao samba que você me convidou?” enquanto hoje todos cantam “pro samba”. E a pronúncia: duvido muito que os boêmios da Lapa ou de Vila Isabel falassem aqueles erres enrrrrolados no dia a dia. Acontece que a geração de Noel Rosa foi marcada pelo rádio e, naqueles anos 20 e 30, a transmissão não tinha a qualidade de áudio com que estamos acostumados, de modo que os cantores precisavam acentuar algumas consoantes e vogais para serem compreendidos. Outros sambistas cariocas da geração de Noel, como Cartola e Orlando Silva, também cantavam com erres enrolados, assim como a francesa Edith Piaf, famosa por seu “Non, je ne regrette rrrrrien”. Anos depois, uma geração nascida após 1930 chamaria atenção por cantar de um jeito diferente, suave, com sotaque igual ao da língua falada, e essas mudanças se deveram não só à genialidade de um João Gilberto e uma Nara Leão mas também aos avanços na tecnologia dos microfones, discos e rádios.
Neste upload o som é do relançamento em CD, as imagens são digitalizadas do LP original, que inclui textos como:
Morto Noel, Marília acabou preferindo emudecer também. O casamento, os deveres de mãe, talvez um certo desencanto pelo mercantilismo de que se ia eivando o ambiente da nossa música popular, terminaram por afastar a Princesinha do Samba dos microfones e dos estúdios de gravação. Mas havia um compromisso de deixar o seu depoimento musical sobre Noel Rosa e sua obra, gravando tudo quanto ele lhe transmitiu. A morte de Noel Rosa, de prematura que foi, colhendo-o em pleno apogeu de sua trajetória genial, fez sangrar fundamente o coração de nosso povo – que se sentia retratado (ou caricaturado) em quase todas as suas produções. Em consequência, as músicas de Noel começaram a ser cantadas num andamento diferente do original, um andamento por demais lento, quase lembrando balada, como se cada uma delas, de buliçosa e vibrátil que era, passasse a ter qualquer coisa de um “De Profundis” ou de um “Miserere”, gotejando lágrimas de mágoa e de saudade pelo seu finado criador. A verdade é que Noel Rosa foi, acima de tudo, sem sombra de dúvida, um trovador alegra, irônico, irreverente. Seus versos de amor nunca foram alambicados nem tangenciaram as elegias choramingas dos que só sabem lamentar-se.
O Noel Rosa que Marília Batista nos traz de volta é um Noel exato, autêntico, legítimo, com as suas músicas interpretadas tal e qual o próprio Noel lhas transmitiu. Apenas o que há agora (e no tempo de Noel ainda não havia) é a fabulosa riqueza da roupagem sonora, fruto dos mais modernos recursos de orquestração e da mais avançada técnica de gravação.
Ouvindo a nova música de Noel, orquestrada por Guerra Peixe, sentimos o brilhante talento do Poeta da Vila em toda a sua plena exuberância, vestindo a roupagem sonora que sempre havia merecido.
Visando a obtenção de um melhor equilíbrio no estilo e no andamento das 60 melodias programadas, foram elas reunidas em 12 grupos distintos, sucedendo-se as cinco músicas de cada grupo, umas às outras, sem interrupção. Para a gravação foi usada uma orquestra de cordas, com flauta, trombone, violão, basso e percussão, além de dois outros conjuntos: o primeiro, com flauta, trombone, violão, basso, dois clarinetes e percussão, e o outro com flauta, clarone, dois clarinetes, violão, basso e percussão. Em alguns grupos tivemos a participação de um grupo de coristas.
Assinalemos, também, a presença neste álbum de quatro sambas praticamente inéditos: O maior castigo que eu te dou, Verdade duvidosa, Para atender a pedido e Cara ou coroa. Não temos notícia de que qualquer um deles tenha sido gravado. Sambista acima de tudo, Noel Rosa não desdenhava de ingressar nos domínios da marcha. Por isso, cinco delas aqui aparecem, reunidas num grupo, Cidade mulher, Você por exemplo, Pierrot apaixonado, A-e-i-o-u e Pastorinhas ou Linda Pequena.
Verde-amarelo como os que mais o fossem, Noel não deixou de fazer uma breve concessão à música de fora. Daí resultou a produção de Julieta, que ele costumava cantar com andamento de foxtrot e que aqui aparece em ritmo de samba.
História Musical de Noel Rosa
CD1
1 – Pra que mentir / Feitio de oração / Só pode ser você / Silêncio de um minuto / Voltaste
2 – Vai haver barulho no château / Onde está a honestidade / Você vai se quiser / Vitória / Eu vou pra Vila
3 – Cordiais saudações / Positivismo / O maior castigo que eu te dou / Riso de criança / Para me livrar do mal
4 – Rapaz folgado / Coração / Quando o samba acabou / Prazer em conhecê-lo / Pela décima vez
5 – Século do progresso / Dama do cabaret / Três apitos / Esquina da vida / X do problema
6 – Eu sei sofrer / Filosofia / Pela primeira vez / Fita amarela / O orvalho vem caindo
CD2
1 – Coisas nossas / Gago apaixonado / Julieta / Não tem tradução / Amor de parceria
2 – João Ninguém / Último desejo / Poema popular / Para esquecer / Cor de cinza
3 – Tarzan (O filho do alfaiate) / Conversa de botequim / De babado / Com que roupa / Até amanhã
4 – Verdade duvidosa / Para atender a pedido / Meu barracão / Cara ou coroa (Vai pra casa) / Mentir
5 – Feitiço da Vila / Palpite feliz / Provei / Quem ri melhor / Quantos beijos
6 – Cidade mulher / Você por exemplo / Pierrot apaixonado / A-E-I-O-U / Pastorinhas
Composições de Noel Rosa (1910-1937)
Voz: Marília Batista (1917-1990)
Arranjos: César Guerra-Peixe (1914-1993)
Gravado em 1963
Dia desses, garimpeiros que encontraram no blog uma postagem antiga do colega Bluedog reabriram a conversa sobre a extraordinária música instrumental que tomou forma no Brasil na década de 1960 – o que nos motivou a revalidar aqui aquela postagem, do Quarteto Novo.
E a audição do Quarteto Novo me remeteu inevitavelmente a este outro disco, que eu já vinha planejando digitalizar e postar: ele contém um terço do que foi apresentado no histórico show de 25 de maio de 1964 no antigo Teatro Paramount em São Paulo (hoje Teatro Renault), inaugurando o nome “O Fino da Bossa”, que de 1965 a 67 seria aplicado ao programa comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, transmitido ao vivo desse mesmo teatro pela TV Record.
Como (quase) todo mundo sabe, a bossa nova emergiu entre 1957 e 59 (ao mesmo tempo que o rock’n’roll nos EUA, e este que vos escreve naquele faroeste que era então o Paraná) de todo o caldo de cultura dos anos 50, sobretudo por obra de um bruxo chamado João Gilberto, e foi imediatamente amplificada por uma juventude universitária antenada no que rolava “lá fora” mas suficientemente inteligente pra perceber a imensa riqueza e valor da herança cultural brasileira, e ater-se a ela como fundamento da sua criação, por multi-informada que fosse.
O famoso show no Carnegie Hall (NY, 21.11.1962) ficou como marco da explosão internacional da bossa, que se tornou um dos estilos mais ouvidos no mundo pelo resto da década. Complexados que somos, só depois disso a bossa ganhou um grande teatro no Brasil – ainda por meio de uma juventude universitária suficientemente abastada para abrir suas portas de cristal (Faculdade de Direito do Largo São Francisco – quem sabe um pouco sobre São Paulo entende).
O show aconteceu mês e meio depois do golpe de 64. O sucesso estrondoso fez a bossa ganhar espaço privilegiado na tevê pelos anos seguintes, virando trincheira de resistência nacionalista e de esquerda ao mesmo tempo em que tensionava sua base carioca-boa-vida com o influxo nordestino (vide faixa 8) – com surpreendente penetração e ressonância popular até nos interiores distantes (acreditem: eu vi), mesmo com a promoção paralela da Jovem Guarda como estratégia de despolitização da juventude – até que foi varrida da tevê por obra do golpe-dentro-do-golpe (1969), altura em que já tinha se transformado no campo multiforme e complexo que ganhou o rótulo MPB.
Foi no meio disso tudo que ainda floresceu uma espantosa safra de instrumentistas e arranjadores, como os que ouvimos no Quarteto Novo e ouviremos neste disco aqui, dominado por um sujeito chamado Oscar Castro Neves.
Pra mim essa riqueza é descoberta recente: em 1964 eu tinha só 7 anos; passei a adolescência pensando que bossa era música fútil de sala de espera – o que realmente chegou a ser na sua diluição internacional. Até hoje tendo a ver a bossa pura como uma espécie de piso Haydn-Mozart a partir dos qual se ergueria uma ousadia beethoveniana, no caso a da santíssima trindade Caetano-Chico-Mílton e outros deuses em torno… E talvez tenha sido justamente o encontro com os 10 minutos de timbres e texturas que este Oscar Castro Neves arranca com seu noneto de Berimbau, de Baden e Vinícius (faixa 9), o que me fez finalmente entender a declaração solene do próprio Caetano: “o Brasil ainda precisa merecer a Bossa Nova”.
Só que, estranhamente, pouco depois grande parte desses instrumentistas e arranjadores – como o Airto Moreira do Quarteto Novo, Eumir Deodato, Sérgio Mendes, o próprio Oscar Castro Neves – foram parar na Califórnia, onde vieram a fazer parte do clube dos arranjadores mais bem pagos dos EUA – mas aí sua produção musical logo deixou de ser convincente para ouvidos brasileiros. Suas tentativas de referência ao Brasil foram ficando constrangedoramente inautênticas.
O que no meu ver pode colocar em questão a tese do colega Bluedog naquela outra postagem: a de que o “jazz nordestino” poderia ter ganho o mundo: em certa medida ele até ganhou, mas… de repente pareço ouvir uma ressonância irônica e lúgubre da frase dos evangelhos: de que adianta ao homem ganhar o mundo e perder sua alma?
Enfim: o disco que vocês vão ouvir tem meninas que cantavam com charme mas com vozes pequenas e pouco seguras – como muitas que surgiram na última década, me fazendo pensar se isso pode ser característico de momentos de transição estilística… Tem Paulinho Nogueira mostrando impecavelmente que a geração bossa não necessariamente rejeitava a tradição… Tem Jorge Ben(jor) ainda lutando pra cantar com o R de língua, não carioca, que era exigido pelo rádio (!) até começo dos anos 60 (herança do estado Novo?). E tem Rosinha de Valença extraindo tamanha ginga e intensidade de seu violão, que eu tendo a considerar a faixa 5 o ponto alto do disco – mais ainda que os já mencionados dez minutos do Oscar.
E por falar no Oscar (Castro Neves), por mais que tenha procurado, não consegui encontrar os nomes dos integrantes do seu noneto. Será que algum dos leitores pode ajudar a matar a charada?
O FINO DA BOSSA
LP de 1964, contendo cerca de 1/3 da gravação ao vivo do show
“O Fino da Bossa”, promovido pelo Centro Acadêmico XI de Agosto (da faculdade de direito da USP) no Teatro Paramount de São Paulo, na noite de 25 de maio de 1964.
01 Onde Está Você? (Luvercy Fiorini / Oscar Castro Neves)
Alaíde Costa, voz; Oscar Castro Neves Noneto – 03’51
03 Pot-pourri: – Gosto Que Me Enrosco (Sinhô = José Barbosa da Silva) – Agora É Cinza (Bide = Alcebíades Maia Barcellos /
Marçal = Armando Vieira Marçal) – Duas Contas (Garoto = Aníbal Augusto Sardinha) – Bossa Na Praia (Geraldo Cunha / Pery Ribeiro)
Paulinho Nogueira, violão – 04’07
04 Tem Dó (Baden Powell / Vinicius de Moraes)
Ana Lúcia, voz; Oscar Castro Neves Noneto – 02’57
05 Consolação (Baden Powell / Vinicius de Moraes)
Rosinha de Valença, violão; Oscar Castro Neves Noneto? – 06’26
06 Chove Chuva (Jorge Ben / Benjor)
Jorge Ben (Benjor) – 03’39
07 Desafinado (Newton Mendonça / Tom Jobim)
Wanda Sá, voz; Oscar Castro Neves Noneto – 03’38
08 Maria Moita (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes)
Nara Leão – 01’59
09 Berimbau (Baden Powell / Vinicius de Moraes)
Oscar Castro Neves Noneto – 10’18
Lançamento original em vinil: 1964.
Digitalizado em 2016 por Ranulfus & Daniel the Prophet
a partir do relançamento de 1989 em vinil,
comemorativo de 30 anos de Bossa Nova
Juntar dois excepcionais músicos do calibre de Egberto Gismont e Charlie Haden só poderia gerar um belíssimo CD, daqueles que nos emocionam e que não cansamos de ouvir.
Essa gravação ao vivo foi realizada em 1989 e o CD só foi lançado em 2001, e devo ter adquirido esse CD lá por 2009, algo assim. Estava guardado no meio de minha bagunça, e ao abrir determinada gaveta, deparei-me com ele. Fazia algum tempo que não o ouvia. E lamento muito não ter prestado mais atenção nele quando o adquiri.
01. Salvador
02. Maracatu
03. First Song
04. Palhaco
05. Silence
06. Em Familia
07. Loro
08. Frevo
09. Don Quixote
Charlie Haden _ Double Bass
Egberto Gismonti – Guitar, Piano
Começo por advertir: este é um trabalho feito de sutilezas. Se você colocar como fundo pra ir fazer outra coisa ao longe, é possível que não veja nele interesse nenhum.
Chico Mello e o Monge Ranulfus nasceram no mesmo ano e na mesma cidade. Mais: quando adolescentes, estudaram na mesma classe de Solfejo e Ditado Musical de dona Beatriz Schütz, na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Na ocasião, os dois mostravam interesse em incluir a MPB dentro do horizonte da formação academicista e eurocêntrica ministrada naquela escola, bem como nos experimentos do então nascente minimalismo.
Mas as semelhanças param por aí: logo Ranulfus percebeu que apenas seus nervos sensores tinham paixão e avidez por música, não os motores: por maior apreciador que fosse, jamais se tornaria um realizador efetivo de música, com aquela naturalidade de quem mija, que é a do verdadeiro artista em qualquer área (imagem com que Monteiro Lobato falou a Érico Veríssimo do ato de escrever). Chico tem essa naturalidade.
A vida levou Ranulfus por outros rumos, nunca mais viu Chico pessoalmente, apenas aqui e ali topou com composições suas – o suficiente para notar que suas construções em linguagens contemporâneas não são meramente cerebrais, e sim sempre vivificadas por esse sopro natural, que desde certa altura do século XX parecia haver se refugiado exclusivamente na música chamada “popular”.
Chico estudou composição com Penalva e Koellreuter, mudou-se pra Berlim, fez carreira artística e docente lá e cá. Em 2010 gravou os 3 CDs Vinte Anos entre Janelas, com uma espécie de sinopse dos seus caminhos de 1987 a 2007. O segundo deles, para dar ideia, se chama Mal-entendidos multiculturais, e contém as seguintes duas peças: Todo canto – para soprano, piano, canto indiano e tabla/pakhawa – e Hui Liu ou la vraie musique para músicos chineses e euroamericanos (!) (Mais sobre esses CDs aqui).
Já neste Ao lado da voz, Chico traz seu experimentalismo sonoro para conversar especificamente com uma das suas próprias fontes: a canção dita popular brasileira. Fá-lo com uma voz totalmente cool, como quem quer deixar claro (suponho) que a linha vocal e as palavras não têm primazia, não são “acompanhadas”, e sim parte igualitária no jogo de construções, desconstruções e reconstruções.
Faz pensar em alguma experiência anterior na nossa música? Acho que mais pelo não que pelo sim: no geral soa mais enxuto, mais parcimonioso que o também sutil mas quase-romântico Wisnik. Passa longe das intenções pop de Arrigo Barnabé. Talvez um pouco mais perto do Itamar Assumpção inicial, desde que expurgado do deboche. Minha impressão, enfim, é que ninguém passou tão perto do mesmo espírito quanto Caetano Veloso em Jóia (mas não em Araçá Azul). Minha impressão!
Uma faixa de amostra? Eu diria que a 3, com fragmentos sampleados de Nélson Gonçalves: acho que em nenhuma outra a vanguarda e a tradição se engalfinham tão profundamente. Já das originais do Chico, acho duro o páreo entre a 5 e a 9 – e já falei demais!
FAIXAS
01 Achado (Chico Mello, Carlos Careqa)
02 Cara da barriga (Chico Mello)
03 Pensando em ti (Herivelto Martins, David Nasser)
04 Mentir (Noel Rosa)
05 Chorando em 2001 (Chico Mello, Carlos Careqa)
06 Já cansei de pedir (Noel Rosa)
07 Carolina (Chico Buarque)
08 Eu te amo (Chico Buarque, Tom Jobim)
09 Valsa dourada (Chico Mello)
10 Rosa (Pixinguinha)
11 Paramá (Chico Mello, Walney Costa)
Chico Mello – vocals, guitars, piano, percussion
Ségio M Albach – clarinets
Uli Bartel – violin
Helinho Brandão – bass
Guilherme Castro – electric bass
Ahmed Chouraqui – percussion
Armando Chu – percussion
José Dias de Moraes Neto – clarinets
Wolfgang Galler – synthesizer, bass, percussion
Michael Hauser – bass
Lothar Henzel – bandoneón
Levent – darabuka
Burkhard Schlothauer – violins, bass
Mix: Chico Mello, Burkhard Schlothauer, Thilo Grahman, Ahmed Chouraqui, Gerhard Grell
A garota alta, moscovita, meio russa, meio tártara, gosta de música brasileira. E não é proibido que ela dê sua interpretação para aquilo que gosta. Só que a garota alta, moscovita, meio russa, meio tártara, não consegue alcançar nosso sotaque, nem nossas formas de improviso e acaba dando um pequeno vexame, mas um vexame que talvez apenas os brasileiros possam identificar. É uma lição cultural ouvi-la em dificuldades, pensando que está no Brasil, sob o sol, com as favelas em torno. Só que a grande e genial violinista Viktoria Mullova, mesmo sob o sol e com as favelas em torno, quando toca MPB, é apenas uma garota alta, moscovita, meio russa, meio tártara, que gosta de música brasileira, não uma menina do Rio.
Stradivarius in Rio – Viktoria Mullova
1. Toada 2:32
2. Linda Flor 5:14
3. Segue teu destino 4:21
4. Vilarejo 4:25
5. Luz do sol 3:09
6. Brasileirinho 2:20
7. Dindi 5:33
8. Chovendo na roseira 4:14
9. Balada de um Louco 4:29
10. Tico-Tico-no-Fubá 4:03
11. Falando de amor 3:05
12. Rosa 2:40
13. Por toda minha vida 2:14
Viktoria Mullova
Matthew Barley
Paul Clarvis
Luis Guello
Carioca Freitas
Creio que nem precise apresentar longamente este disco, né? Os pequepianos certamente conhecem a importância histórica de Canção do amor demais. Então, provando mais uma vez que o PQP é cultura, abrimos uma janela para um disco histórico e necessário. O disco fundador da Bossa Nova é, infelizmente, coisa rara na discoteca de qualquer brasileiro. Este antológico LP traz pela pimeira vez Chega de Saudade, Serenata do Adeus, Luciana, As Praias Desertas, Modinha e Outra Vez. O acompanhamento é feito em grande parte por um jovem baiano que tocava o violão de maneira original, inédita: o jovem João Gilberto. Sim, antes do primeiro LP de João Gilberto, Chega de Saudade, Tom, Vinícius e João Gilberto ensinavam Elizete Cardoso na
Rua Nascimento Silva, cento e sete
Você ensinando prá Elizete as canções de canção do amor demais
Lembra que tempo feliz, ai que saudade, Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria este Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela e além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
Trecho da letra de Carta ao Tom, de Vinícius de Moraes
Abaixo o texto de Vinícius de Moraes da primeira edição do LP em abril de 1958:
Dois anos são passados desde que Antonio Carlos Jobim (Tom, se preferirem) e eu nos associamos para fazer os sambas de minha peça “Orfeu da Conceição”, de que restou um grande sucesso popular, “Se Todos Fossem Iguais a Você” e, sobretudo, uma grande amizade. É notório que parceiros se desentendem: e a história da música popular brasileira está cheia dessas brigas de comadres, provocadas geralmente por vaidades e ciumadas, por um não querer o seu nome em baixo do nome do outro, quando não por motivos mais deselegantes e mesquinhos. Mas no nosso caso, não só essa amizade como um profundo afinamento de sensibilidades para a música, que constitui, sem dúvida, nossa distração máxima, tem determinado que fazer sambas e canções seja para nós um ato extraordinariamente livre e gratuito, no sentido da fatalidade.
Este LP, que se deve ao ânimo de Irineu Garcia, é a maior prova que podemos dar da sinceridade dessa amizade e dessa parceria. A partir dos sambas de “Orfeu da Conceição”, raras têm sido as vezes em que, de um encontro meu com o maestro, não resulte alguma composição nova, por isso que eu creio ser essa a verdadeira linguagem da nossa relação. Ponha-se Antonio Carlos Jobim ao piano – e é difícil encontrá-lo longe de um – e em breve, de dois ou três acordes, nascerá entre nós um olhar de entendimento; e de seus comentários cifrados (“–Isto são as pedras, poeta!”; “–Os pequenos caracois listados debaixo das folhas secas…”; “– As grandes migrações corais…”; “–O outro lado do riacho…”; “–Chegamos à galaxia…”) eu terei sabido extrair exatamente o que ele me quer ouvir dizer em minha letra. E nunca houve entre nós quaisquer reservas no sentido de um tirar o outro de um impasse durante o trabalho. É possível mesmo que tudo isso se deva ao fato de que ele crê na poesia da música e eu creio na música da poesia. Porque a verdade é que eu gosto das letras que, eventualmente, Tom também escreve, como “As Praias Desertas”; e a prova de que ele considera as músicas que eu, vez por outra, também faço, está no carinho com que orquestrou a minha “Serenata do Adeus” e o meu “Medo de Amar” – todos neste LP.
Nem com este LP queremos provar nada, senão mostrar uma etapa do nosso caminho de amigos e parceiros no divertidíssimo labor de fazer sambas e canções, que são brasileiros mas sem nacionalismos exaltados, e dar alimento aos que gostam de cantar, que é coisa que ajuda a viver.
A graça e originalidade dos arranjos de Antonio Carlos Jobim não constituem mais novidade, para que eu volte a falar delas aqui. Mas gostaria de chamar a atenção para a crescente simplicidade e organicidade de suas melodias e harmonias, cada vez mais libertas da tendência um quanto mórbida e abstrata que tiveram um dia. O que mostra a inteligência de sua sensibilidade, atenta aos dilemas do seu tempo, e a construtividade do seu espírito, voltado para os valores permanentes na relação humana.
Não foi somente por amizade que Elizete Cardoso foi escolhida para cantar este LP. É claro que, por ela interpretado, ele nos acrescenta ainda mais, pois fica sendo a obra conjunta de três grandes amigos; gente que se quer bem para valer; gente que pode, em qualquer circunstância, contar um com o outro; gente, sobretudo, se danando para estrelismos e vaidades e glórias. Mas a diversidade dos sambas e canções exigia também uma voz particularmente afinada; de timbre popular brasileiro mas podendo respirar acima do puramente popular; com um registro amplo e natural nos graves e agudos e, principalmente, uma voz experiente, com a pungência dos que amaram e sofreram, crestada pela pátina da vida. E assim foi que a Divina impôs-se como a lua para uma noite de serenata.
Vinícius de Moraes
Rio, abril de 1958.
Elizete Cardoso: Canção do amor demais (1958)
Lado A
01 chega de saudade [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
02 serenata do adeus [vinicius de moraes]
03 as praias desertas [antonio carlos jobim]
04 estrada branca [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
05 luciana [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
06 janelas abertas [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
Lado B
07 eu nao existo sem voce [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
08 outra vez [antonio carlos jobim]
09 medo de amar [vinicius de moraes]
10 caminho de pedra [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
11 vida bela [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
12 modinha [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
13 cancao do amor demais [antonio carlos jobim, vinicius de moraes]
Voz: elizete cardoso
Arranjos, regência e piano: antonio carlos jobim
Violão: joão gilberto
Violino e arregimentador: irany pinto
Flauta: nicolino copia [copinha]
Trombones: gaúcho e maciel
Trompa: herbet
Contrabaixo: vidal
Bateria: juquinha
Sete violinos, duas violas e dois cellos não identificados
Coro em “chega de saudade”: joão gilberto, antonio carlos jobim e walter santos
Gravado no estúdio [três canais] da odeon, no rio de janeiro, em janeiro de 1958
Transcrição análogo/digital: golden slumbers studio [SP]
Masterização: sun trip, por albertho iessus [SP]
Produtor fonográfico: estúdio eldorado ltda
Gerência artística: murilo pontes
Produto licenciado por “selo festa de irineu garcia ltda”
Produção gráfica e digitalização de LP/CD: luiz katmandu
Já publicamos o Led Zeppelin I em 2009, quando completou 40 anos. Depois foi a vez dos afro-sambas. Dia desses postei o ConSertão. Não há motivo para o povo pequepiano não comemorar a quarta década do Clube da Esquina 1. É obra de alto nível que merece ser conhecida, ouvida e reouvida.