Mr Couperin – Louis (1626-1661) François (1631-1701) e Charles (1639-1679) – Suítes para cravo (Pièces de clavecin) (Sailly)

Este CD do cravista francês Brice Sailly ganhou o cobiçado prêmio Diapason d’Or de l’année 2021 na categoria Barroco Instrumental. É evidente a intimidade do intérprete com o instrumento – réplica de um cravo por Tibaut de Toulouse, com som polido, redondo, aveludado como um bom vinho Bordeaux – e com as obras, que ele gravou após uma sessão intensa de estudos em casa devido ao isolamento social de 2020. Mas além disso, grande parte do charme do CD se dá, desde a capa, pelo fato de desconstruir o mito do genial Louis Couperin, grande nome do barroco francês do século 17 e tio de François Couperin, sendo este último um representante do barroco tardio como Rameau e J.S. Bach. Esses dois seriam os grandes compositores e os outros vários membros da família ocupariam notas de rodapé na história, com cargos de organistas de igreja, professores de cravo, cantoras e cravistas da corte em Versailles… Isso é o que achávamos que sabíamos, mas será verdade?

O manuscrito Bauyn é provavelmente a principal fonte conservada de música instrumental francesa da segunda metade do século 17. Ele contém peças de compositores como Chambonnières, Couperin (que aparece sem seu primeiro nome), Lebègue, La Barre, além do alemão Froberger e do italiano Frescobaldi. Desde o século 19, todas as obras desse manuscrito atribuídas a “Mr Couperin” (Monsieur Couperin, ou seja, Senhor Couperin) têm sido consideradas como de autoria de Louis Couperin (circa 1626-1661). Mais recentemente, pesquisadores têm encontrado boas razões para acreditar que parte das peças desse Couperin são de seus irmãos François Couperin (circa 1631-1701) e Charles Couperin (1638-1679).

As chaconas e passacailles tão característicos da obra de Couperin só se tornaram comuns na França nas obras de Lully no final da década de 1660. Da mesma forma, os minuetos só entraram nos balés de corte em uma data relativamente tardia: eles apareceram pela primeira vez em uma das obras de Lully para o palco em 1664. Devemos notar também que os únicos minuetos que aparecem no manuscrito de Bauyn são assinados por Couperin. Além disso, no prefácio de Les Gouts Réunis (1724), François Couperin o jovem (1668-1733), filho de Charles e sobrinho de Louis, fala das “obras dos meus antepassados” (“les ouvrages de mes ancêtres”), sem atribuir toda a autoria ao seu tio Louis, que aliás já tinha morrido quando ele nasceu, o que não impediu a transmissão dos conhecimentos para François, cuja música para cravo, por sua vez, dá continuidade à tradição das suítes francesas mas se distancia das danças e vai povoando suas suítes com miniaturas de títulos curiosos como “O rouxinol apaixonado” ou “As barricadas misteriosas”, que expressam diferentes atmosferas, muitas vezes com humor.

As pesquisas recentes de especialistas, principalmente a de Glen Wilson, nos obrigam a aceitar que este corpus de peças para cravo do velho Couperin (de novo: não confundir com o jovem François!) não podem consistir exclusivamente em composições de Louis Couperin, o mais velho dos irmãos e o que morreu mais jovem, antes dos 40 anos. Recentemente, a editora Breitkopf & Härtel fez uma nova publicação dos Prélúdios non mésurés, indicando na autoria a menção “Charles & Louis Couperin”. Esta editora não se arrisca a atribuir as peças individuais a um ou outro dos irmãos. É o mesmo questionamento que Brice Sailly e o selo Ricercar tiveram para este álbum. Eles admitem que foi grande a tentação, analisando vários elementos estilísticos e formais, de atribuir as peças selecionadas a um ou outro destes irmãos, Louis e Charles, e mesmo ao mais novo, François. Para certas peças, há evidências bastante precisas, por exemplo, a impossibilidade de um compositor francês falecido em 1661 ter composto um minueto…

Mas a busca pelo primeiro nome parece, no fundo, querer impor uma noção relativamente recente de identidade do autor (o gênio, o indivíduo inimitável), noção à qual os antigos não atribuíam importância tão grande. Como em todas as corporações do Antigo Regime, a profissão de músico também costumava ser um assunto de família, como vemos nas famílias Gabrieli, Couperin, Bach, Scarlatti, etc.

Charles Couperin ao órgão, retrato de Claude Lefebvre com a filha do pintor, possivelmente aluna do retratado

Uma das principais características das suítes de Louis Couperin e de seus irmãos é o Prélude non mésuré, ou prelúdio sem medidas, no sentido de sem compassos. O compasso, vocês sabem, divide a música em trechos com a mesma duração. Segundo os especialistas, compassos começaram a ser usados na notação musical no século 16, ou seja, a música anterior, como por exemplo, o canto gregoriano, era escrita sem compassos. No século 17 o compasso já era usual, mas não estritamente obrigatório como se tornaria no século 18. Jean-Henry d’Anglebert (1629-1691), Jean-Philippe Rameau (1683-1764) e Elisabeth Jacquet de la Guerre (c. 1664-1729) também foram mestres nessa arte libertária do Prelúdio sem medidas, que soam como improvisos livres, leves e soltos, sem o tempo bem marcado das danças que formam o miolo das suítes francesas. As obras para cravo de Jacquet de la Guerre, a principal compositora mulher da corte de Luís XIV, aparecerão em breve em um PQPBach perto de você.

Mr. Couperin – Obras do manuscrito Bauyn
Pièces en ré
1. Prélude (1) 5’43
2. Allemande (36) 3’44
3. Courante (42) 1’18
4. Courante (43) 1’37
5. Sarabande (51) 3’23
6. Canaries (52) 1’36
7. La Pastourelle (54) 1’33
8. Chaconne (55) 2’42
9. Volte (53) 1’03

10. Pavanne en fa # mineur (121) 9’15

Pièces en mi-la
11. Prélude (14) 1’40
12. Allemande de la Paix (63) 3’15
13. Courante (64) 1’36
14. Sarabande (65) 3’35
15. La Piémontoise (103) 1’53

Pièces en ut
16. Prélude (9) 3’05
17. Allemande la Précieuse (30) 3’19
18. Courante (31) 1’48
19. Courante (16) 1’27
20. Sarabande (32) 3’09
21. Sarabande (25) 1’12
22. Gigue (33) 1’58
23. Passacaille (27) 5’45
24. Menuet (29) 1’16
Brice Sailly – cravo por E.Jobin, cópia de cravo por Tibaut de Tolose (nasc. circa 1647)

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Ao contrário dos irmãos Couperin, Tibaut de Tolose fez questão de assinar seu nome completo nos cravos que fez

Pleyel

 

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