Estava absorto em meio aos afazeres do meu trabalho, mas o telefone insistia em tocar. Não quis atender nas primeiras vezes, pois vinha com DDI de outro país.
“Deve ser trote, golpe”, pensei.
De tanto que o aparelho insistia em vibrar, parecendo uma tupia em cima da minha mesa, resolvi aquiescer aos caprichos do telemóvel. Atendi.
– Monsieur Pequepê? – uma voz estranha perguntou.
– Pois não? É ele – respondi, sem muita empolgação.
– Je soube que o senhorr está completando quinze anôs de seu maraveilleuse blog! Prrecisamos fazer uma comemorraciôn desse début!
“O que é isso? O Jacquin me ligando?”, imaginei franzindo o cenho e tapando o fone do aparelho…
– Sim… Mas… Quem é que está falando?!
– André Rieu, monsieur Pequepê! Non está me reconociendo?
– Baaaah… (entre perplexo e incrédulo, só me sobrou a exclamação).
– Non se prreocupe, monsieur Pequepê! Je já preparrê uma prrogramaciôn muito especial parra essa data ton festiva! Te enviê algo mui adequado parra este début! Una fête com um reperrtórrio todo especial parra sus quinze anôs de blog! Monsieur merece um début em gran estilô!
Tu tu tu tu tu…
Rieu desligou todo empolgado.
Fiquei de boca aberta olhando para as prateleiras por um tempo. Situação estranha! Bah!
Depois, conferindo meus e-mails, eis que a “programaciôn especial” de Rieu estava na minha caixa de entrada. Como, embora temperamental, eu não gosto de fazer desfeitas, está aí o presente que Monsieur Rieu preparou para o PQPBach na nossa festa de debutante!
PQP, 15 anos! Quem diria…
André Rieu (1949)
Valses (1997)
Dmitri Shostakovich (1906-1975)
1. Valsa nº 2 John Strauss II – Franz Léhar – Emmerich Kálmán
2. Como um espírito alegre – Danúbio Azul – Rosas do Sul – Sangue Vienense – Lábios em silêncio – Quero dançar – Rosas do sul Johann Strauss II (1825-1899)
3. Sob Trovões y relâmpagos Anton Karas (1906-1985)
4. O terceiro homem Emmerich Kálmán (1882-1953)
5. Ven Zigány Josef Strauss (1827-1870)
6. Andorinhas da Áustria Franz Léhar (1870-1948)
7. Canção de Vilja Johann Strauss II (1825-1899)
8. Vida de artista
9. Marcha persa Ralph Benatzky (1884-1957)
10. Em um Cavalo branco Rudolf Sieczynski (1879-1952)
11. Viena, Viena, somente tu Ferry Wunsch (1901-1963)
12. Heut’ kommen d’Engelrn auf urlaub nach Wien Ludwig Gruber (1874-1964)
13. Minha mãe era vienense Johann Strauss II (1825-1899)
14. Rosas do Sul
Gravado na Espanha
Johann Strauss Orchestra
André Rieu, regente
1997 (CD)
Este magnífico álbum seria tocante mesmo sem as circunstâncias que, a seguir, passo a lhes descrever – e se o leitor-ouvinte é daqueles que prefere apreciar apenas o que escuta, sem se abalar com circunstâncias extramusicais, sugiro que passe direto ao download.
A fortaleza austro-húngara de Theresienstadt (em tcheco, Terezín) foi criada no século XVIII nas proximidades de Ústí nad Labem, ao norte de Praga. Afora sua função defensiva, também serviu como centro de detenção para prisioneiros políticos, mas foi durante o sombrio período da ocupação alemã da Boêmia (1939-1945) que o nome de Terezín foi definitivamente escrito na História da Infâmia.
Depois da anexação do território tcheco dos Sudetos (1938) e de garantir a influência sobre o estado-fantoche da Eslováquia (1939), o Reich transformou o restante do território da então Tchecoslováquia no Protetorado da Boêmia e Morávia, nominalmente autônomo e governado por tchecos colaboracionistas. Na prática, quem mandava no Protetorado era um Reichsprotektor, cargo que coube, entre outros, a dois dos mais truculentos membros dos quadros do Partido Nazista: Reinhard Heydrich (assassinado em 1942 por comandos tchecos) e Wilhelm Frick (executado em Nürnberg em 1946).
[agradecemos ao leitor Fehes pela correção do nome de Heydrich e do ano das mortes de Heydrich e Frick, enquanto pedimos desculpas aos leitores-ouvintes pelos erros que inacreditavelmente permaneceram aqui durante vários anos e revisões]
Tão logo tomaram as rédeas do poder, os nazistas começaram a esmagar os movimentos de resistência e expulsar os então mais de cem mil judeus tchecos de suas residências. A maior parte deles foi parar na cidadela de Terezín, que rapidamente viu sua população inflar para quase sessenta mil pessoas, amontoadas em condições degradantes e num espaço preparado para receber menos de sete mil. Além dos judeus da Boêmia, Morávia e Eslováquia, Terezín também recebeu deportados da Alemanha, Áustria, Países Baixos e Dinamarca, bem como prisioneiros de outros países.
Enquanto a fome, o frio e as epidemias ceifavam vidas entre os prisioneiros, o eficiente aparato de propaganda nazista vendia a imagem de Terezín como uma cidade-modelo, em que os judeus viviam em liberdade e celebravam sua cultura dentro do Reich: o emblema de um tratamento humano e respeitoso que era o antônimo exato do que recebiam. Numa ocasião especialmente infame, os nazistas “embelezaram” Terezín para uma inspeção da Cruz Vermelha e para um filme de propaganda, amontoando os prisioneiros famélicos e doentes em galpões para deixar à vista tão só os pouquíssimos internos em estado razoável de saúde. O resultado da medida, no auge de uma epidemia de tifo, foi mortífero.
Com o advento da infamemente denominada “Solução Final”, os guetos foram evacuados, e seus moradores, transportados para campos de extermínio. Além das 33.000 mortes devidas às péssimas condições de vida em Terezín, outras 88.000 pessoas que por lá passaram foram levadas ao encontro da morte em Auschwitz-Birkenau, Treblinka e Sobibor. No total, das mais de 150.000 vítimas do fascismo que viveram em Terezín, menos de 18.000 sobreviveram – entre as quais apenas 240 das 15.000 crianças.
Apesar da extrema dureza da vida no gueto, e dos abusos e censura rigorosa dos nazistas, a vida e a Arte floresceram em Terezín tanto quanto puderam. Artistas deportados continuaram a escrever, compor, pintar e esculpir suas obras. A pintora Friedl Dicker-Brandeis, notavelmente, deu aulas de Pintura e Desenho para muitas crianças, com o intuito de aliviar-lhes a opressão em que viviam. Estes jovens artistas, que em sua maioria encontraram a morte nos anos subsequentes, deixaram para a posteridade um pungente legado que não só descreve melhor do que quaisquer palavras os horrores que presenciaram, mas que também preservou seus nomes para a posteridade. Alguns destes preciosos desenhos ilustram esta postagem.
Sensibilizada com a história de Terezín, a diva sueca Anne Sofie von Otter rodeou-se de colaboradores para produzir este disco, inteiramente devotado a obras compostas por vítimas do terror nazista, a maior parte deles prisioneiros do gueto. Se algumas delas transpiram alegria, serenidade e escracho, é difícil nossas faringes não se apertarem ante a constatação de que a maior parte de seus compositores faleceu em 1944 – o ano da liquidação de Terezín. O que à primeira vista parece uma colagem com os gêneros mais diversos – de canções de cabaré a Lieder em tcheco e em iídiche, e até uma sonata para violino solo – ganha uma coesão admirável graças às interpretações muito sensíveis e reverentes.
No fim, ao extinguir-se a última nota do violino, o silêncio cala fundo, e é como se uma voz nos sussurrasse:
– Esquecer… é repetir.
NUNCA, pois, esqueçamos Terezín.
TEREZÍN/THERESIENSTADT
Anne Sofie von Otter, mezzo-soprano
Christian Gerhaher, barítono
Daniel Hope, violino
Bengt Forsberg e Gerold Huber, piano
Ib Hausmann, clarinete
Philip Dukes, viola
Josephine Knight, violoncelo
Bebe Risenfors, violão e acordeão
Ilse WEBER (1903-1944)
01 – Ich wandre durch Theresienstadt
Anne-Sophie von Otter, Bengt Forsberg, Bebe Risenfors
Karel ŠVENK (1917-1945)
arranjo de Moshe Zorman
02 – Pod destnikem
03 – Vsecho jde!
Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg, Bebe Risenfors
Ilse WEBER
04 – Ade, Kamerad!
Christian Gerhaher, Gerold Huber
05 – Und die Regen rinnt
Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg
Adolf STRAUSS (1902-1944) arranjo de Moshe Zorman
06 – Ich weiß bestimmt, ich werd Dich Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg
Emmerich KÁLMÁN (1882-1953)
07 – Gräfin Mariza – Opereta em três atos: Terezín-Lied
Christian Gerhaher, Gerold Huber
Martin ROMAN (1910-1996)
08 – Karrussell
Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg
Ilse WEBER
09 – Wiegala
Anne Sofie von Otter, Bebe Risenfors
Hans KRÁSA (1899-1944)
Três Canções sobre poemas de Arthur Rimbaud, traduzidas por Vítězslav Nezval:
10 – Čtyřverší
11 – Vzrušení
12 – Přátelé
Christian Gerhaher, Ib Hausmann, Philip Dukes, Josephine Knight
Carlo Sigmund TAUBE (1897-1944)
13 – Ein jüdisches Kind
Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg, Ib Hausmann
Viktor Ullman (1898-1944)
14 – Drei jiddische Lieder (Brezulinka), Op.53 – no. 1: Berjoskele
Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg
Seis Sonetos de Louize Labané, Op.34
15 – No. 1: “Claire Vénus”
16 – No. 2: “On voit mourir”
17 – No. 3: “Je vis, je meurs…”
Anne Sofie von Otter, Bengt Forsberg
Pavel HAAS (1899-1944)
Quatro Canções sobre Poemas Chineses
18 – Zaslechl jsem divoké husy
19 – V bambusovém háji
20 – Daleko měsíc je domova
21 – Probděná noc
Christian Gerhaher, Gerold Huber
Erwin Schulhoff [Ervín ŠULHOV] (1894-1942)
Sonata para violino solo (1927)
22 – Allegro con fuoco
23 – Andante cantabile
24 – Scherzo
25 – Finale
Daniel Hope