Era uma vez…
Três palavras mágicas que aquietam qualquer plateia quando entoadas. A elas segue um cortejo de seres mágicos, extraordinários – a Gata Borralheira, a Fada Madrinha, o Pequeno Polegar…
Os ávidos ouvintes até sabem os enredos, os desfechos dos casos, mas ainda assim esperam por eles. Neste ambiente nasce e fortalece o amor pela literatura e pelas outras artes.
Este petit álbum reúne música com alguns temas e inspirações comuns e o universo das histórias infantis é um deles. Temos aqui obras de seis compositores franceses que as compuseram entre 1890 e 1918. São peças para piano a quatro mãos ou duetos para piano. Na virada do século XIX para o século XX esta forma musical era muito popular, pois permitia que as pessoas ouvissem boa música, mas que elas mesmas precisavam tocar. Este álbum dá uma perspectiva da música francesa para piano desta época.
Começamos com a suíte Ma mere l’Oye, que Maurice Ravel compôs para Mimi e Jean Godebski, filhos de Ida e Cipa Godebski, grandes amigos de Ravel. Para saber quanto eles eram amigos, leia aqui.
O próprio Ravel escreveu: Era minha intenção despertar a poesia da infância nestas peças e isto naturalmente levou-me a simplificar meu estilo e diluir minha maneira de escrever.
A suíte começa com uma bela e simplíssima pavane, para uma princesa adormecida. Segue uma peça que ilustra a história do Pequeno Polegar, vagando pela floresta.
Na próxima peça, Laideronnette – Impératrice des Pagodes, encontramos um aspecto que foi caro aos compositores franceses deste período: o interesse pela música e temas orientais. Esta é uma brilhante e bem humorada elegia à Feiosanete, a Imperatiz do Pagode! Um doce para quem descobrir a história que está aqui representada…
Nesta suíte de Ravel, a peça que eu mais gosto é a de A Bela e a Fera! A Fera entra em cena grunhindo (seu tema) no registro baixo e depois do beijo, um fulgurante glissando, reaparece em um registro mais alto, como o da Bela. Lindo!
Para arrematar a obra, um sensacional passeio pelo Jardim Encantado!
A obra de Debussy apresentada aqui chama-se Six épigraphes antiques e foi uma de suas últimas, datando de 1914. As épigraphes antiques são adaptadas da música incidental que ele escreveu para uma apresentação das Chansons de Bilitis, encenada como um recitativo em 7 de fevereiro de 1901. Apenas a metade do material foi aproveitado e o resultado é uma peça altamente atmosférica, lembrando sua origem. Os títulos, que você poderá ler por completo logo a seguir, por si são poesia pura. Pour que la nuit soit propice, pour remercier la pluie au matin.
Debussy, foi amigo de Satie, mas não deixou de criticá-lo, dizendo que este deveria dar mais atenção à forma em suas composições. Pois não é que o amigo entendeu o recado e imediatamente compôs está maravilha aqui: Trois morceaux em forme de poire. Três peças em forma de pera! Erik Satie foi um músico e compositor rebelde e iconoclasta, assim como o foi em sua vida pessoal. Mesmo assim, exerceu grande influência nos outros compositores de sua geração. Seu estilo tão pessoal é baseado na simplicidade, favorecendo a sutis nuances e absoluta modéstia. No extravagante título desta peça – Trois morceaux em forme de poire, tanto responde ao comentário do amigo, quanto leva em conta o fato de poire ter duplo sentido no francês coloquial, de pera mesmo, mas também de simplório, tolo. Bem Satie!
Ele trabalhava como pianista de café em Montmartre, um caldeirão cultural na época, e a peça é baseada em música de cabaré composta entre 1890 e 1903. O famoso café Le Chat Noir, de Rudolf Salis, certamente estava entre eles. Não deixe de ouvir aqui a simples e maravilhosa valsa, Je te veux.
A próxima peça, Le soldat de plomb, O soldadinho de chumbo, nos traz de volta ao mundo das historinhas infantis. Déodat de Séverac passou a maior parte de sua vida na província francesa de Languedoc. Sua música tem um forte traço de regionalismo. Esta peça conta bem a história e é leve e bem humorada. Ganha um Kit-Kat quem descobrir a citação da música francesa mais famosa. Composta em 1904-1905, teve sua estreia por Ricardo Viñes e Blanche Selva, em um concerto só com música de Séverac, em 25 de março de 1905, na Scola Cantorum.
A obra Le parapluie chinois, de Florent Schmitt, é a última peça de um conjunto de sete, intitulado Une semaine du petit elfe Ferme-l’Oeil. Nesta peça charmosa e brilhante temos história infantil e o apelo da música do oriente. A peça é deliciosa e uma das que mais me fez lembrar do disco. Para saber mais sobre esse ótimo compositor, veja aqui.
Para fechar o disco temos uma sonata em três (breves) movimentos de Poulenc, que estudou com Viñes (amigo, associado, colega e intérprete de todos os compositores deste álbum). A sonata é uma composição bem do início da carreira e foi escrita antes que Poulenc recebesse maior treinamento. Mesmo assim, a peça tem os traços que marcariam a sua obra.
As intérpretes deste especialmente despretensioso disco, editado pelo selo americano Price-Less, Marylène Dosse e Annie Petit, estudaram no Conservatório de Paris, ganharam prêmios, mas se conheceram em Viena, em Master-Classes de Paul Badura-Skoda, Alfred Brendel e Jörg Demus. Passaram a tocar em duo quando mudaram-se para os Estados Unidos da América, onde tornaram-se professoras. As peças de Ravel, Debussy e Satie foram gravadas em 1985, na Igreja Libanesa, em Paris, onde por muitos anos foram gravados muitos e muitos discos, de artistas tais como Jean-Pierre Rampal e Maurice André. As outras peças foram gravadas em Nova Iorque, em 1988.
Maurice Ravel (1875-1937)
Ma mère l’Oye
- Pavane de la Belle au bois dormant
- Petit Poucet
- Laideronnette – Impératrice des Pagodes
- Les entretiens de la Belle et de la Bête
- Le jardin féerique
Claude Debussy (1862-1918)
Six épigraphes antiques
- Pour invoquer Pan
- Pour um tombeau sans nom
- Pour que la nuit soit propice
- Pour la danseuse aux crotales
- Pour l’egyptienne
- Pour remercier la pluie au matin
Erik Satie (1866-1925)
Trois morceaux em forme de poire
- “Avec une manière de commencement, une prolongation du même, un En Plus suivi d’une Redite”
Déodat Séverac (1872-1921)
Le soldat de plomb
- Sérénade interrompue
- Quat’jours de boite
- Défilé nuptial
Florent Schmitt (1870-1958)
Une semaine du petit elfe Ferme-l’Oeil
- Le parapluie chinois
Francis Poulenc (1899-1963)
Sonate
- Prélude
- Rustique
- Finale
Marylène Dosse e Annie Petit, piano a quatro mãos
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MP3 | 320 KBPS | 164 MB
Se você não se deliciar com esse maravilhoso disquinho, tens um coração de pedra!