Além dos concertos para piano, assim digamos, “canônicos”, numerados de 1 a 5, Beethoven deixou incompletos dois outros que datam de períodos bem diversos de sua vida e carreira.
O Concerto em Mi bemol maior, WoO 4, foi escrito ainda em Bonn, quando o rapazote, que tocava viola na orquestra do Eleitor de Colônia, tinha 13 ou 14 anos. Depois de praticamente completar a parte para piano, deixando de escrever apenas algumas repetições óbvias, de indicar as entradas da orquestra e de esboçar os temas do acompanhamento, submeteu-o a algumas revisões infrutíferas para, depois da mudança para Viena, esquecê-lo para sempre. Muito se conjectura sobre os motivos que o levaram a engavetar uma obra que, se completa, teria sido sua primeira composição de mais vulto – e o que cada vez mais se conclui é que, provavelmente, ele se deu conta de que a obra não era tão boa assim. O concerto é claramente composto nos moldes dos concertos do jovem Mozart, a ponto de lhes parecer uma paródia. Ainda que alguns momentos no movimento lento sugiram que um grande mestre dos movimentos lentos ali a estava a aprender seu ofício, tem-se a impressão de se estar ouvindo uma obra genérica de um dos tantos pianistas-compositores do final do século XVIII – talvez um Dussek. Ainda que seja uma criação notável para alguém tão jovem – e que certamente compreendamos que a vida daquele jovem órfão que tinha que sustentar a família fosse duríssima -, esta composição aqui aparece apenas por suscitar curiosidade e, claro, porque lhes prometemos a obra completa do mestre.
O outro concerto fragmentário é muito mais interessante: o Allegro dum concerto em Ré maior que, se tivesse sido completado, seria seu concerto no. 6. Beethoven começou a esboçá-lo no final de 1814 – o ano em que estreou a recauchutada Leonore como Fidelio – e completou o solo de piano até a metade da exposição. A partir daí, o manuscrito está cheio de clarões, com as partes orquestrais apenas insinuadas, até chegar um ponto em que garranchos e medonhas rasuras denotam uma insatisfação ou insegurança maiúscula com a obra. Embora não se saiba por que o compositor abandonou um projeto que levava aparentemente tão a sério, é provável que Beethoven o estivesse escrevendo para ele mesmo estreá-lo e que tenha desistido da ideia por conta de sua já profunda surdez. Esse torso de movimento, com setenta e poucas páginas, foi posto em pé algumas vezes por musicólogos. Do punhado de edições que escutei, essa que ouvirão a seguir, feita por Hermann Dechant e Nicholas Cook, pareceu-me a mais satisfatória, preenchendo de maneira convincente, ainda que sem intenções de autenticidade, as muitas clareiras que Ludwig deixou ao abandonar a obra. Ao ouvir essa reconstrução, não se tem dúvidas de que ela é uma das mais substanciais entre as obras que ele deixou incompletas, e de que sua atmosfera e material temático sugerem muito a Nona Sinfonia, que viria dez anos depois.
Este disco de curioso repertório tem uma intérprete sui generis. Sophie-Mayuko Vetter, nascida no Japão e criada na Alemanha, foi instruída por seu pai alemão nos mistérios (que eu, um completo ignorante, chamo de feitiçarias) do que chamamos em português de canto dos harmônicos (overtone singing) – em outras palavras, a arte de produzir com a laringe, faringe e todo aparelho de ressonância humano dois ou mais sons simultâneos, com resultados que variam do sublime ao decididamente fantasmagórico.
Papa Vetter em ação
Enquanto acompanhava o pai em turnês a conjurar silvos do além, Sophie-Mayuko estudou piano e dedicou uma boa parte de sua carreira à música contemporânea, especialmente à obra de Karlheinz Stockhausen, amigo da família. Ao dedicar-se a páginas obscuras de Beethoven, lançando mão inclusive dum fortepiano para o concerto no. 0, ela traz um colorido muito interessante a partituras que, ademais, não passariam de curiosidades, e que sob suas mãos soam tão experimentais quanto o repertório que a projetou.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra no. 6 em Ré maior, Hess 15
Fragmento reconstruído e completado por Nicholas Cook e Hermann Dechant Composto entre 1814-15
1 – Allegro
Concerto para piano e orquestra em Si bemol maior, Op. 19
(cadências de Beethoven) Composto em 1787-1789, revisado em 1795 Publicado em 1801 Dedicado a Carl Nicklas von Nickelsberg
2 – Allegro con brio
3 – Adagio
4 – Rondo: Molto allegro
Concerto para piano e orquestra em Mi bemol maior, WoO 4
Reconstruído e completado por Willy Hess Composto entre 1784-85
A postagem de hoje nem se importará tanto com a peça em questão – o rondó em Si bemol maior que, pelo que consta, foi o finale das duas primeiras versões do concerto para piano na mesma tonalidade, e que foi descartado por Beethoven em prol do rondó com que o publicou. Apesar do descarte, parece que ele o tinha em alguma estima, pois foi mantido entre seus papeis até a morte – provavelmente atirado sobre o piano Broadwood de cordas arrebentadas que era a estrela da sala de estar, e sob o qual havia um penico. Resgatado do pandemônio do apartamento mais bagunçado de Viena, foi completado (dir-se-ia retocado) por seu aluno Carl Czerny e publicado postumamente em 1829.
A postagem de hoje importa, sim, por seu intérprete – o decano dos pianistas, um poeta do teclado, um cidadão do mundo cuja trajetória se confunde com as bonanças e as desgraças dos últimos noventa e tantos anos desse planeta.
Max Pressler nasceu numa família judia em Magdeburg, em 1923, e viu-se expelido de sua Alemanha natal em 1939, por conta da violência que se seguiu à Kristallnacht. A imigração para a Palestina salvou-lhe a vida – ao contrário de todos os familiares que ficaram na Europa, trucidados por genocidas -, mas não o livrou da fome. Mudou seu nome para Menahem, imigrou para os Estados Unidos após a guerra e, depois de vitórias em concursos pianísticos, iniciou uma bem-sucedida carreira como solista e pedagogo, logo eclipsada por seu distinto papel como pedra fundamental do legendário Trio Beaux Arts, do qual participou desde sua primeira formação, em 1955 – quando era seu membro mais jovem -, até a dissolução do trio, inacreditáveis cinquenta e três anos depois. Quando seu último violinista, o brilhante Daniel Hope, foi buscar uma carreira solo, não quis perder tempo a buscar um substituto: naquele mesmo 2008, saiu em turnê pelo mundo com o membro remanescente do Beaux Arts, o violoncelista recifense Antonio Meneses, e com ele fez uma gravação lapidar das sonatas de Beethoven para violoncelo e piano. Não contente com isso, o incansável Pressler – que, com 1,56 m de altura, é praticamente uma formiga atômica a exsudar energia – retomou a carreira de solista e lançou, ao completar noventa anos, sua primeira gravação solo em muitas décadas. E foi além: em 2012, mais de setenta anos depois da fuga da morte que o tornou apátrida, tornou-se novamente cidadão alemão e, aos noventa e um anos, despediu-se de 2014 estreando com a Filarmônica de Berlim em seu Concerto de São Silvestre.
Acham pouco? Pois hoje, aos noventa e seis, e certamente o mais idoso pianista em atividade, Pressler ainda faz planos. Fosse ele um total incompetente, ainda seria fascinante ouvir em nossos dias alguém que já tocava piano numa época que eu sequer consigo imaginar colorida. Mas Pressler é um artista extraordinário, e esperamos que este seu ótimo Beethoven (apesar das eventuais capenguices da orquestra) lhes dê alguma medida de sua arte enquanto aguardamos o próximo produto de sua inquietude.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15
(cadências de Beethoven) Composto em 1795 Publicado em 1801 Dedicado à princesa Anna Louise Barbara Odescalchi
1 – Allegro con brio
2 – Largo
3 – Rondo. Allegro scherzando
Rondó em Si bemol maior para piano e orquestra, WoO 6
Completado por Carl Czerny (1791-1857) Composto em 1793 Publicado em 1829
4 – Rondo: Allegro – Andante – Tempo I – Presto
Menahem Pressler, piano Vienna Opera Orchestra Moshe Atzmon, regência
Se você acha sua idade um impedimento para tocar com a Filarmônica de Berlim, Menahem Pressler chegou para mudar seus conceitos: ei-lo a estrear com os berlinenses, aos tenros 91 anos.
As duas obscuras cantatas presentes nessa gravação, compostas por um Beethoven que ainda não fizera vinte anos, foram suas primeiras obras de fôlego e, talvez, as primeiras a darem pistas de que o casmurro violista da corte do Eleitor de Colônia viria a ser um gênio da Humanidade.
Joseph II, Imperador Romano-Germânico, conduziu em sua década final de vida uma notável série de reformas em todo império, sobretudo em Viena, sua capital. Sua morte, em 1790, encerrou a década josefiniana, permeada pelo Iluminismo e que coincidiu, em sua maior parte, com aquela em que Mozart viveu na capital (e quem assistiu a “Amadeus” lembrará de Joseph, que reclamava das “notas demais” nas obras de Wolfgang). Beethoven, que chegaria a Viena somente depois da morte de Joseph, estava bastante familiarizado com seu espírito: sua Bonn natal era controlada por Viena, e abrigava o palácio do Eleitor de Colônia – título que pertenceu, nos últimos anos de Ludwig por lá, a Maximilian Franz, irmão de Joseph II. Ademais, participou, a convite de seu professor, Gottlob Neefe, de associações iluministas – uma das quais, a Lesegesellschaft (Sociedade de Leitura) encomendou-lhe uma cantata alusiva à morte do imperador, com letra de outro membro da sociedade, um certo Severin Anton Averdonk.
A Cantata sobre a Morte do Imperador Joseph II, composta naquele mesmo 1790, nunca foi executada durante a vida de Beethoven e só iria à prensa quase cem anos depois de sua composição, dentro do afã de editar suas obras completas na monumental Beethoven Gesamtausgabe. Aparentemente, as orquestras recusaram-se a tocá-la devido a dificuldades técnicas – o que deve ter deixado Ludwig com cara de tacho, pois uma obra assim, extensa e com um tema tão específico, dificilmente poderia ser reaproveitada. Ela é notável pelo intenso coro de abertura, no Dó menor que seria seu emblema, e que se repete no final, com poucas modificações além da coda. Diferentemente da maior parte de suas obras não publicadas, Beethoven tinha essa cantata em alguma consideração, uma vez que se baseou na ária “Da stiegen die Menschen an’s Licht” de seus dezenove anos para escrever a luminosa “O Gott! Welch’ ein Augenblick” de Leonore/Fidelio.
Sua obra-irmã, a Cantata pela Elevação do Imperador Leopold II, foi provavelmente composta naquele mesmo 1790, ano em que o irmão de Joseph II foi eleito e coroado em Frankfurt. Diferentemente da sua contraparte, e com aproximadamente metade de sua duração, ela abre sem-cerimoniosamente, como se a peça já estivesse em curso, e vai crescendo em intensidade até seu brilhante final. Chama a atenção, entre os números, a ária “Fliesse, Wonnezähre, fliesse!”, com uma difícil parte coloratura para soprano, que certamente não foi destinada a uma cantora das províncias, e sim a alguma notável intérprete em particular. A ária, bem como o trio que antecede o coro final, reflete o interesse e familiaridade do jovem renano para com a opera seria, que provavelmente conhecia bem através das companhias que passavam por Colônia e por seu trabalho na orquestra do Eleitor, em Bonn. Ainda que a cantata para Leopold seja menos ambiciosa que aquela para Joseph, ela é especialmente interessante pelo seu coro de encerramento, que tem vários gestos, além da própria tonalidade que remetem àquele do final da Nona Sinfonia, incluindo o uso repetido da palavra “Millionen”, que aparece tanto na “Stürzet nieder, Millionen, an dem rauchenden Altar!” da obra de juventude quanto na “Ihr stürzt nieder, Millionen?” que pôs em música em sua maturidade.
Ainda que não sejam obras-primas consumadas, e que talvez fosse demais querer isso dum jovem de dezenove anos, elas haverão de surpreender os leitores-ouvintes que imaginaram que Beethoven foi tão só um compositor de colheitas tardias. Essa gravação, sob a sempre impecável condução de Matthew Best, é dum cuidado que raramente vemos ter com obras obscuras. Além da distinta voz do baixo belga José van Dam, há o brilho da soprano Janice Watson, que não só fará “Da stiegen die Menschen an’s Licht” evocar a grande ária de Leonore/Fidelio, como também será a lembrança que provavelmente lhes ficará desse bom disco.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Cantata sobre a Morte do Imperador Joseph II, para solistas, coro e orquestra, WoO 87 Composta em 1790 Publicada em 1888
1 – No. 1, Coro: “Todt, stöhnt es durch die öde Nacht!”
2 – No. 2, Recitativo: “Ein Ungeheuer, sein Name Fanatismus”
3 – No. 3, Ária: “Da kam Joseph, mit Gottes Stärke”
4 – No. 4, Ária com coro: “Da stiegen die Menschen an’s Licht”
5 – No. 5, Recitativo: “Er schläft von den Sorgen seiner Welten entladen”
6 – No. 6, Ária: “Hier schlummert seinen stillen Frieden”
7 – No. 7, Coro:” Todt, stöhnt es durch die öde Nacht!”
Janice Watson, soprano Jean Rigby, mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor José van Dam, baixo Corydon Singers Corydon Orchestra Matthew Best, regência
Cantata pela Elevação do Imperador Leopold II, para solistas, coro e orquestra, WoO 88 Composta em 1790 Publicada em 1888
8 – No. 1, Recitativo com coro: “Er schlummert … schlummert!”
9 – No. 2, Ária: “Fliesse, Wonnezähre, fliesse!”
10 – No. 3, Recitativo: “Ihr staunt, Völker der Erde!”
11 – No. 4, Recitativo – Trio: “Wie bebt mein Herz vor Wonne! – Ihr, die Joseph ihren Vater nannten”
12 – No. 5, Coro: “Heil! Stürzet nieder, Millionen”
Judith Howarth, soprano Jean Rigby, mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor José van Dam, baixo Corydon Singers Corydon Orchestra Matthew Best, regência
“Opferlied”, para soprano, coro e orquestra, Op. 121b Composta e publicada em 1824
13 – Mit innigem andächtigem Gefühl, in ziemlich langsamer Bewegung
Jean Rigby, mezzo-soprano Corydon Singers Corydon Orchestra Matthew Best, regência
“Meeresstille und Glückliche Fahrt”, cantata para solistas, coro e orquestra, Op. 112 Composta entre em 1814–5 Publicada em 1822 Dedicada a Johann Wolfgang von Goethe
Judith Howarth, soprano Janice Watson, soprano Jean Rigby, mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor José van Dam, baixo Corydon Singers Corydon Orchestra Matthew Best, regência
Nada presente nesse disco faria muita falta ao mundo, mas os completistas certamente chiariam, então cumpriremos a tabela e apresentaremos as árias avulsas de Beethoven com acompanhamento de orquestra.
Três delas – “Ah, Perfido!”, “Ne’ giorni tuoi felice” e “Tremate, empi, tremate” – já são nossas conhecidas. Somar-lhes-emos algumas outras, também em italiano, e igualmente escritas como exercícios de prosódia naquela língua que Ludwig apresentou a seu professor, Antonio Salieri. Já mencionamos algumas vezes que o sonho dourado de nosso herói era triunfar na ópera. No entanto, assim como a sombra amedrontadora de Haydn pairava sobre sua música instrumental, sobre quaisquer planos seus de óperas em italiano sobrevoavam os fantasmas das magníficas obras-primas de Mozart, particularmente a trinca Le Nozze/Così/Don. Ao longo de sua vida madura, no entanto, o fantasma italiano de Beethoven seria bem outro: o compositor de maior sucesso em todo continente, o bon gourmand que paria óperas em borbotões, o extraordinariamente rico e famoso e inibidor de fortuna de qualquer outro operista, Gioachino Rossini.
Vamos às árias.
Primo amore, piacer del ciel (“Primeiro amor, prazer celestial”) é previsivelmente sentimental e foi o primeiro fruto dos estudos de prosódia italiana. No, non turbati (“Não, não temas”) é, assim como Ne’ giorni tuoi felici, baseada em texto do onipresente Pietro Metastasio, autor de libretos multiplamente reciclados pelos mais diversos compositores, inclusive o Kapellmeister Salieri, que os usava também como material de ensino.
Mais interessantes, acho eu, são as árias em alemão, todas ao estilo dos Singspiele que faziam imenso sucesso em Viena, e nenhum mais que a obra-prima de Mozart – sempre ele -, sua “Flauta Mágica”. O welch ein Leben, ein ganzes Meer von Lust e Soll einSchuh nicht drücken foram compostas para inserção no Singspiel Die schöneSchusterin oder Die pücefarbenen Schuhe, de Ignaz Umlauf, que tinha sido nomeado Kapellmeister de Singspiele (sim, houve esse cargo) pelo imperador Joseph II. As árias restantes datam dos anos de Bonn: a assanhadinha Prüfung des Küssens (“Teste de beijo”)—Meine weiseMutter spricht / Küssen, Küssen, Kind, ist Sünde! (“Minha sábia mãe dizia/Beijar, beijar, criança, é pecado!”) e a marota Mit Mädeln sich vertragen (“Dando-se bem com garotas”), que se baseia num Singspiel com textos de Goethe e foi revisada nos primeiros anos de Ludwig em Viena.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
1 – “Ah! perfido!”, cena e ária para soprano e orquestra, Op. 65 (1796)
2 – “Primo amore”, cena e ária para soprano e orquestra, WoO 92 (1790-92)
3- “No, non turbarti”, ária para soprano e orquestra, WoO 92a (1801-02)
Hanne-Lore Kuhse, soprano
4 – “Ne’ giorni tuoi felici”, dueto para soprano, tenor e orquestra, WoO 93 (1802)
Hanne-Lore Kuhse, soprano Eberhard Büchner, tenor
5 – “Tremate, empi, tremate”, trio para soprano, tenor, baixo e orquestra, Op. 116 (1802)
Hanne-Lore Kuhse, soprano Eberhard Büchner, tenor Siegfried Vogel, baixo
6. – “Prüfung des Küssens”, ária para baixo e orquestra, WoO 89 (1790-92)
7 – “Mit Mädeln sich vertragen”, ária para baixo e orquestra, WoO 90 (1790-92)
Siegfried Vogel, baixo
Duas árias para o Singspiel“Die schöneSchusterin” de Ignaz Umlauf, WoO 91b (1795-96)
8 – No. 1: “O welch ein Leben”, para tenor e orquestra
Eberhard Büchner, tenor
9 – No. 2: “Soll ein Schuh nicht drücken”, para soprano e orquestra
Não sou muito afeito a fatiar gravações. Acho que a escolha e organização do repertório no disco devem ser respeitadas, sobretudo quando partem dos intérpretes. Ao ingressar nos próximos capítulos da obra completa de Beethoven e na exploração de algumas composições obscuras e pouco gravadas, serei obrigado, todavia, a recorrer ao expediente que tanto desaprovo. Em minha defesa, devo dizer que as próprias gravadoras o fazem sem muito escrúpulo, incluindo a grandalhona Deutsche Grammophon, que serviu em sua Complete Beethoven Edition um picadinho de vários discos de seu acervo, aos quais somou contribuições licenciadas de outras gravadoras.
Começo com três versões da “Canção Elegíaca”, Op. 118, dedicada por Beethoven a seu ex-senhorio, o barão Pasqualati, que lhe cedeu um confortável apartamento em que viveu intermitentemente entre 1804 e 1815. O renano, sempre intempestivo, mudava-se muito, de modo que Pasqualati manteve o apartamento sempre disponível, sem alugá-lo a outros, na certeza de que seu célebre inquilino haveria de voltar. A obra em questão foi composta como um memorial à “esposa transfigurada de meu estimado amigo Pascolati (sic)”, que falecera muito jovem, e estreada na mansão do barão num aniversário da morte dela. Pasqualati ser-lhe-ia muito grato, e apoiou Beethoven pelo resto da vida do compositor, alcançando-lhe comida e goró mesmo quando ele estava doente demais para sustentar-se.
O curto poema, de autor desconhecido, menciona a brevidade da vida e os votos de que a volta aos Céus não seja pranteada, e a música de Beethoven atém-se à singeleza do texto, demonstrando sua capacidade de ser expressivo mesmo dentro de formas concisas. Embora seja hoje mais frequentemente executada com grande coro e orquestra, a estreia contou apenas com solistas vocais e quarteto de cordas, e a primeira edição incluiu um acompanhamento de piano. As três versões, conforme mencionamos, estão incluídas nesta gravação.
A “Canção de Sacrifício“, Op. 121b, marca mais uma obsessão de vida toda do compositor com um poema. Ao feitio do que aconteceu com a “Ode à Alegria” de Schiller, musicar a “Opferlied” de Friedrich von Matthisson (1761-1831) foi um projeto a que voltou repetidas vezes ao longo da carreira. Beethoven adorava Matthison, o autor da célebre “Adelaide”, a quem dedicou com muita devoção seu Op. 46. Ele conheceu “Opferlied” ainda em seus tempos de Bonn, e o poema causou-lhe tão forte impressão que seu último verso, “Das Schöne zu dem Guten!” (“O Belo ao Bom!”) aparece frequentemente em sua correspondência e em suas partituras autógrafas. O texto, que descreve um jovem que oferece um sacrifício a Zeus, para que ele lhe resguarde a liberdade e lhe permita desfrutar a beleza das coisas, tanto na juventude quanto na velhice, certamente calava fundo em Beethoven, sempre tão preocupado com sua subsistência cotidiana e com as incertezas sobre seu futuro. Ele escreveu nada menos que quatro composições sobre o poema: duas canções de câmara, e duas são obras corais. A segunda delas, para soprano solista, coro e orquestra, data de 1823-24 e é, disparadamente, a mais executada. Nesta gravação, ela antecede a primeira versão, composta em 1822 e estreada em Pressburg (hoje Bratislava, Eslováquia) que requer soprano, contralto e tenor, além do coro e do acompanhamento de dois clarinetes, trompa, viola e violoncelo.
A “Bundeslied“, Op. 122, baseia-se em poema de Goethe, outro ídolo de Beethoven, que o musicou ainda em 1797. Ao recorrer ao velho golpe de reescrever obras antigas para vendê-las na maturidade, Beethoven tomou um tufo (como se diz em minha Forno Alegre natal) quando ela foi recusada pelos editores em 1823, um gesto sem precedentes para com aquele que era, com folgas, o mais célebre compositor vivo. Ele retocou a obra e deu-lhe a forma que hoje conhecemos, com solistas, coro feminino e acompanhamento de pares de clarinetes, trompas e fagotes – um conjunto instrumental que muito ouviu e para o qual escreveu nos tempos de Bonn. A breve composição, que celebra de modo jubiloso uma união – talvez um casamento – está à altura do texto de Goethe, a quem Beethoven nunca deixou de honrar, e será uma grata surpresa a quem não a conhece.
Temo que não possa dizer o mesmo da cantata “O Momento Glorioso“, Op. 136, uma obra de ocasião escrita para bajular as inúmeras cabeças coroadas presentes em Viena para o Congresso que, em 1814, redesenhou a Europa pós-napoleônica. Não podemos censurar nosso herói por ter aproveitado a oportunidade, que lhe permitiu se exibir como o mais importante compositor do continente e, ainda mais importante, ganhar algum dinheiro com isso. A composição é deliberadamente sensacionalista e pode até lhes soar agradável, uma vez que Beethoven lança mão de vários clichês para impressionar a realeza, que obviamente adorou o puxassaquismo. Escrita para solistas, coro e orquestra, a cantata tem seis movimentos bem contrastantes. Os solistas vocais representam figuras alegórica: a primeira soprano simboliza Viena; a segunda, uma profetisa; o tenor é um gênio, e o baixo, o Líder do Povo. O coro inicial descreve uma figura coroada caminhando por um arco-íris de paz, que no recitativo seguinte é identificada como Viena, a trajar o manto real. Na ária com recitativos e coros a seguir, Viena saúda os governantes ali reunidos e lhes conta que está sediando o maior evento de todos os tempos. Após, a profetisa conclama as nações a agradecer a Deus por tê-las salvado, e um quarteto dos solistas afirma que os velhos tempos pré-napoleônicos estão de volta e que a Europa voltará a se erguer. Por fim, um coro celebratório, ao qual se somam vozes infantis, saúda novamente os participantes do Congresso e, numa fuga final, tece loas a Viena (chamada pelo seu nome romano, Vindobona) e ao glorioso momento que dá o título à cantata.
Os amigos de Beethoven, conhecedores de seus pendores libertários e antissistema, sorriram amarelo para a obra descaradamente bajulatória. O compositor, no entanto, não sofreu com qualquer contradição e colheu todas as oportunidades que lhe sorriram junto com o sucesso. Ele sempre dependera de contribuições de patronos da nobreza e estava muito otimista com a possibilidade de surfar a onda de popularidade e ganhar dinheiro como compositor oficial de grandes eventos. Não tinha grande consideração pelas cabeças coroadas, que para ele eram frívolas e sem gosto musical – o que é atestado pelo fato da cantata ter feito tanto sucesso na estreia quanto a barulhenta “Vitória de Wellington”, e muito mais que uma obra-prima como a Sétima Sinfonia, ambas tocadas na ocasião. Beethoven, que começara a carreira a burilar cuidadosamente tudo o que levava a público, perdera finalmente o prurido em vender seu trabalho em negócios de ocasião – ou, como se diria no boleiro mundo de hoje, aprendera enfim a jogar para a torcida.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Elegischer Gesang, para solistas, coro e orquestra, Op. 118 Composto e publicado em 1814 Dedicado ao barão Johann von Pasqualati
1 – Langsam und sanft
San Francisco Choral Artists The Alexander String Quartet
Elegischer Gesang, para coro e piano, Op. 118
2 – Langsam und sanft
Nicolai Krügel, piano Deutscher Jugendkammerchor Florian Bengfer, regência
Elegischer Gesang, para solistas, coro e orquestra, Op. 118
3 – Langsam und sanft
Ambrosian Singers London Symphony Orchestra Michael Tilson Thomas, regência
Opferlied, para soprano, coro e orquestra, Op. 121b Composto e publicado em 1824
4 – Mit innigem andächtigem Gefühl, in ziemlich langsamer Bewegung
Lorna Haywood, soprano Ambrosian Singers London Symphony Orchestra Michael Tilson Thomas, regência
Opferlied, para solistas, coro e orquestra, Op. 121b 5 – Mit innigem andächtigem Gefühl, in ziemlich langsamer Bewegung
Maikki Säikkä, soprano Kristina Raudanen, mezzo-soprano Andreas Nordström, tenor The Key Ensemble Turku Philharmonic Orchestra Leif Segerstam, regência
Bundeslied, para solistas, coro e orquestra, Op. 122 Composto entre 1823-24 Publicado em 1825
6 – In rascher geschwinder Bewegung
Ambrosian Singers London Symphony Orchestra Michael Tilson Thomas, regência
Der glorreiche Augenblick, cantata para solistas, coro e orquestra, Op. 136 Composta em 1814 Publicada em 1837
7 – Coro: “Europa steht!”. Allegro, ma non troppo
8 – Recitativo: “O seht sie nah’ und näher treten!”. Andante
9 – Aria com coro: “O Himmel, welch’ Entzücken!”. Allegro
10 – Recitativo: “Das Auge schaut”
11 – Recitativo e quarteto: “Der den Bund im Sturme fest gehalten”. Allegro
12 – Coro: “Es treten hervor”. Poco allegro
L’uba Orgonášová, soprano Iris Vermillion, mezzo-soprano Timothy Robinson, tenor Franz Hawlata, baixo Vincenzo Bolognese, violino Coro di Voci Bianche dell’Arcum Coro dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia Orchestra dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia Myung-Whun Chung, regência
Eu realmente não esperava muitas reações acerca das centenas de canções folclóricas que Beethoven arranjou para George Thomson. Também, pudera: ingressar no capítulo mais volumoso e menos conhecido de sua obra não poderia suscitar reação outra, e eu sabia, enfim, que os comentários da essas postagens seriam quietos como criptas. Tamanha foi a indiferença a elas que eu poderia ter até terconfessado em qualquer delas um bárbaro crime, que eu jamais acabaria denunciado. Até Reginaldo Rossi, vejam só!, eu andei postando, sem que leitor-ouvinte algum por isso pedisse minhas entranhas.
Daria por encerrado este capítulo, portanto, não fosse a manifestação de um colega daqui do blog, que me falou com entusiasmo da descoberta que estas postagens lhe proporcionaram. Contou-me que lhe foi uma verdadeira revelação constatar a elegância e o respeito com que Beethoven, a personificação do gênio individualista e ensimesmado, foi capaz de tratar as melodias dos outros, e que revelavam seu imenso talento como arranjador. Esse mesmo colega, grande conhecedor das coisas da vida e, claro, das coisas da Música, contou-me que se permitiu a surpresa porque muito aprecia a melódica celta, e que por isso foi talvez a única pessoa no planeta a baixar as gravações que postei. Por fim, disse-me que gostara muito das canções irlandesas, mas que estranhara, até por conta de sua procedência, da pronúncia muito erudita do inglês nas gravações que encontrou.
Ele não está sozinho nessa queixa – e queixas, aliás, nunca faltaram acerca das edições de canções folclóricas feitas por George Thomson naquele início do século XIX. Mesmo que tenha encomendado os arranjos para um artista do calibre de Beethoven, e antes dele para gente como Hummel e Haydn, a maior parte de suas publicações acabou por encalhar. As críticas, claro, não se centravam sobre a música – os alvos eram suas letras, muitas das quais consideradas pífias, pouco afeitas à música e, por isso, nada atraentes para serem cantadas.
Thomson, no entanto, planos melhores para com as letras de suas edições. Assim como confiara as canções escocesas para a poesia de seu amigo Robert Burns (1759-1796), o bardo nacional da Escócia, ele convidara o poeta irlandês Thomas Moore (1779-1852) para fazer o mesmo com as canções da Ilha Esmeralda. Não teve sorte: Burns encontrou a morte bem antes de completar a encomenda de Thomson, e Moore, depois de muito relutar, acabou por recusar a proposta. E foi além: a convite de editores irlandeses, resolveu ele próprio compor poemas para canções folclóricas irlandesas com música de John Andrew Stevenson (1761-1833). Suas “Irish Melodies”, publicadas em dez volumes entre 1808 e 1834, foram um sucesso avassalador que assegurou a Moore, além de fortuna, a posição até hoje pouco discutida de poeta nacional da Irlanda.
Thomson, claro, acusou o golpe dessa puxada de tapete, mas quem mais o sentiu foram suas publicações, que, a despeito da música de Beethoven, tiveram acolhida morna não só nas ilhas britânicas, como também no continente – onde canções como “The Last Rose of Summer” e “The Minstrel Boy”, ambas entre as “Melodies” de Moore, eram ouvidas em todos os salões – e nos Estados Unidos, onde foram vendidas um milhão de cópias da primeira.
As edições de Thomson, mesmo esquecidas, seguiram carregando a pecha de sua poesia medíocre. Ainda assim, carregavam consigo também o ilustre nome de Beethoven, de modo que não faltaram ideias de relançá-las com outras letras. Somente dois séculos depois de sua publicação, em 2014, as canções folclóricas irlandesas arranjadas por Ludwig foram não só gravadas na íntegra pela primeira vez, como também foram ouvidas com poemas dignos de sua grande música.
Esta gravação que ora lhes apresento foi fruto da dedicação da vida inteira de um homem: Tomás Ó Suilleabháin (1919-2012), um funcionário público irlandês que manteve uma carreira musical paralela como barítono. Seu xodó, no entanto, sempre foi o projeto duma primeira edição e gravação completamente irlandesas dos arranjos que Beethoven fez das canções folclóricas de seu país. Como todo o resto da pequena fração do mundo que escutou esses arranjos, Ó Suilleabháin (melhor sobrenome!) era muito crítico às letras que Thomson conseguiu para elas. Assim, com a valiosa ajuda do professor Barry Cooper, grande estudioso da obra de Beethoven, e após diversos mergulhos nos arquivos da Biblioteca Estatal de Berlim, ele completou uma edição crítica e completa das canções irlandesas, quase só com poemas de Moore e de Burns, um pouco antes de falecer, em 2012.
A presente gravação, realizada por professores e alunos do Conservatório de Música e Drama da capital irlandesa, inclui não só as sessenta e quatro canções irlandesas arranjadas para Thomson, mas também oito versões originais que foram refeitas, a pedido do editor, por serem difíceis demais para pianistas amadores. Os leitores-ouvintes que conheceram as gravações que lhes apresentamos antes perceberão que, além das letras, há algumas pequenas diferenças musicais nos arranjos, essencialmente repetições ou alguns prolongamentos de notas, a fim de acomodar os novos poemas. Ó Suilleabháin preferiu limitar, sempre que possível, o acompanhamento ao piano, por considerar que as partes de violino e violoncelo detratavam um pouco a simplicidade requerida por algumas das canções. A maior diferença, no entanto, estará no nítido “sotaque” irlandês – que, se não literal, na pronúncia das letras, certamente é bem forte em outros aspectos da gravação. Se não se pode dizer que Beethoven realizou uma apropriação cultural, alheio que estava aos poemas e à cultura da Irlanda, por ter recebido apenas as melodias para harmonizar e arranjar, podemos afirmar que este projeto de muito fôlego é uma merecida reapropriação que os irlandeses fizeram de parte de sua cultura, com a esmerada contribuição dum renano genial.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Canções irlandesas, arranjadas para voz e conjuntos mistos, com acompanhamento de piano, violino e violoncelo, WoO 152-154, 157 (excertos) e 158 (excertos) Originalmente publicadas entre 1814-16 com letras escolhidas por George Thomson (1757-1851) Reeditadas com novas letras escolhidas por Tomás Ó Súilleabháin (1919-2012) e republicadas em 2019
Os números entre parênteses indicam a numeração original das canções no catálogo de Kinsky-Halm (WoO) ou de Willy Hess (Hess)
1- Go Where Glory Waits Thee (Air: Maid of the Valley – Thomas Moore)
(WoO 153/10)
2 – Though the Last Glimpse of Erin (Air: The Lady in the Desert – Thomas Moore)
(WoO 152/17)
3 -O Were My Love Yon Lilac Fair (Air: My Dear Eveleen, 1ª versão – Robert Burns)
(WoO 152/5)
4 – O Whistle an’ I’ll Come to Ye (Air: The Black Joke – Robert Burns)
(WoO 152/14)
5 – Ance Mair I Hail Thee (Air: Dermot – Robert Burns)
(WoO 152/16)
6 – When I Was a Maid (Air: Kitty Tyrrel – James Kenney)
(WoO 152/9)
7 – Row Gently Here (Thomas Moore)
(WoO 152/18)
8 – At Night (Air: The Snowy-Breasted Pearl – Thomas Moore)
(WoO 153/1)
9 – Silent, O Moyle (Air: My Dear Eveleen – Thomas Moore)
(WoO 152/6)
10 – When Through the Piazzetta (Air: Autumn Morn – Thomas Moore)
(WoO 152/3)
11 – Their Groves o’ Sweet Myrtle (Air: Paddy Whack – Robert Burns)
(WoO 152/12)
12 – The Catrine Woods (Air: Abigail Judge, 1 ª versão – Robert Burns)
(Hess 196)
13 – Tho’ Women’s Minds (Air: The Kerry Jig – Robert Burns)
(WoO 152/4)
14- Come, Take the Harp (Air: The Summer is Coming – Thomas Moore)
(WoO 152/2)
15 – What Can a Young Lassie (Air: Let Other Men Sing – Robert Burns)
(WoO 153/4)
16 – By Yon Castle Wa’ (Air: The Bold Dragon – Robert Burns)
(WoO 153/3)
17 – Young Jamie (Air: Paddy O’Rafferty – Robert Burns)
(WoO 153/14)
18 – How Dear to Me the Hour (Air: The Twisting of the Rope, 1ª versão – Thomas Moore)
(Hess 197)
19 – Oh! No—Not E’en When First We Loved (Air: Little Harvest Rose – Thomas Moore)
(WoO 152/7)
20 – Nights of Music (Air: The Legacy – Thomas Moore)
(WoO 152/23)
21 – Of A’ the Airts the Wind Can Blaw (Air: The Captivating Youth – Robert Burns)
(WoO 153/2)
22 – When Thro’ Life Unblest We Rove (Air: Lament for Owen Roe O’Neill – Thomas Moore)
(WoO 158/2/7)
23 – Ae Fond Kiss (Air: Lough Sheelin – Robert Burns)
(WoO 152/20)
24 – My Luve is Like a Red, Red Rose (Text: Robert Burns)
(WoO 152/8)
25 – The Small Birds Rejoice (Air: Young Terence McDonough – Robert Burns)
(WoO 152/1)
26 – I dream’d I lay (Air: O Molly, 1ª versão – Robert Burns)
(Hess 194)
27 – Lovely Young Jessie (Air: A Trip to the Dargle – Robert Burns)
(WoO 152/15)
28 – Farewell to the Highlands (Air: Paddy’s Resource – Robert Burns)
(WoO 152/24)
29 – Thou Emblem of Faith (Air: I would rather than Ireland – John Philpot Curran)
(WoO 152/11)
30 – They Came from a Land Beyond the Sea (Air: Peggy Bawn – Thomas Moore)
(WoO 152/13)
31 – At the Mid Hour of Night (Air: I Once Had a True Love, 1ª versão – Thomas Moore)
(WoO 152/25)
32 – If Sadly Thinking (Text: John Philpot Curran)
(WoO 152/10)
33 – Quick! We Have But a Second (Text: Thomas Moore)
(WoO 152/21)
34 – O Stay, Sweet Warbling Woodlark (Air: Garyone, 1ª versão – Robert Burns)
(WoO 152/22)
35 – Go Then—‘Tis Vain to Hover (Air: The Pretty Girl Milking the Cows, 1ª versão – Thomas Moore)
(Hess 198)
36 – Those Evening Bells! (Text: Thomas Moore)
(WoO 152/19)
37 – Mary Morison (Air: My Dear Eveleen, 2ª versão – Robert Burns)
(Hess 192)
38 – The Catrine Woods (Air: Abigail Judge, 2ª versão – Robert Burns)
(WoO 153/12)
39 – How Dear to Me the Hour (Air: The Twisting of the Rope, 2ª versão – Thomas Moore)
(WoO 153/15)
40 – I dream’d I lay (Air: O Molly, 2ª versão – Robert Burns)
(WoO 153/5)
41 – The Girl I Love (Air: I Once Had a True Love, 2ª versão – J. J. Callanan)
(WoO 154/2)
42 – We May Roam Through This World (Air: Garyone, 2ª versão – Thomas Moore)
(WoO 154/7)
43 – Come, May, with All Thy Flowers (Air: The Pretty Girl Milking the Cows, 2ª versão – Thomas Moore)
(WoO 154/9)
44 – Oh! Had We Some Bright Little Isle (Air: Síle Ní Ghadhra – Thomas Moore)
(WoO 154/6)
45 – As Vanquished Erin (Text: Thomas Moore)
(WoO 153/20)
46 – The Day Returns (Text: Robert Burns)
(WoO 153/16)
47 – Ah, Me! When Shall I Marry Me? (Air: The Humours of Ballamagairy – Oliver Goldsmith)
(WoO 153/8)
48 – The Kiss, Dear Maid (Text: Lord Byron)
(WoO 153/9)
49 – The Young Rose (Air: The Old Head of Denis – Thomas Moore)
(WoO 158/2/1)
50 – I’d Mourn the Hopes (Air: Killeavy – Thomas Moore)
(WoO 154/12)
51 – Oh! Breathe Not His Name (Air: The Brown Maid – Thomas Moore)
(WoO 154/11)
52 – When He Who Adores Thee (Air: The Fox’s Sleep – Thomas Moore)
(WoO 154/10)
53 – Fly Not Yet (Air: Planxty Kelly – Thomas Moore)
(WoO 154/1)
54 – Love’s Young Dream (Air: The Old woman – Thomas Moore)
(WoO 154/3)
55 – When Spring Begems the Dewy Scene (Air: St Patrick’s Day – Thomas Moore)
(WoO 154/4)
56 – Lesbia Hath a Beaming Eye (Air: Nora Creina – Thomas Moore)
(WoO 154/8)
57 – Avenging and Bright (Air: Cruachán na Féinne – Thomas Moore)
(WoO 154/5)
58 – O Bonie Was Yon Rosy Brier (Text: Robert Burns)
(WoO 153/7)
59 – When Thou Shalt Wander (Air: the Brown Thorn – Thomas Moore)
(WoO 153/18)
60 – Kate Kearney (Air: Kate Kearney/The Beardless Boy – Lady Morgan)
(WoO 153/17)
61 – Oh! Breathe Not His Name (Air: Castle O’Neill – Thomas Moore)
(WoO 158/2/2)
62 – Awa’ wi’ your Witchcraft (Air: The Fair-Haired Child, 1ª versão – Robert Burns)
(WoO 153/11)
63 – Come, Rest in This Bosom (Air: The Fair-Haired Child, 2ª versão – Thomas Moore)
(Hess 195)
64 – Thou Fair Eliza (Air: Sláinte Rí Philib – Robert Burns)
(WoO 153/19)
65 – Oh! Weep for the Hour (Air: The Pretty Girl of Derby O – Thomas Moore)
(WoO 157/11)
66 – Let Erin Remember (Air: The Red Fox – Thomas Moore)
(WoO 157/6)
67 – Kitty of Coleraine (Text: Traditional)
(WoO 157/8)
68 – The Minstrel Boy (Air: The Moreen – Thomas Moore)
(WoO 157/2)
69 – Erin, O Erin! (Air: Táimse im’ Chodladh/Cauld Frosty Morning – Thomas Moore)
(WoO 158/2/5)
70 – Hark! The Vesper Hymn Is Stealing (Air: The Groves of Blarney – Thomas Moore)
(WoO 153/6)
71 – Farewell! – But Whenever (Air: Moll Roone – Thomas Moore)
(WoO 153/13, Hess 178)
72 – Erin! The Tear and the Smile in Thine Eyes (Air: Eibhlín a Rúin/Robin Adair – Thomas Moore)
(WoO 157/7)
Alunos e professores doConservatory of Music and Drama of the Dublin Institute of Technology: Sopranos: Colette Boushell, Shauna Buckingham, Sinéad Campbell-Wallace, Tara McSwiney, Aoife O’Sullivan e Edel Shannon Mezzo-sopranos: Alison Browner e Leanne Fitzgerald Tenores: Andrew Boushell, Niall Gallagher, Eamonn Mulhall e Lawrence Thackeray Barítonos: David Howes e David Scott Pianistas: Darina Gibson, Shirin Goudarzi-Tobin, Edward Holly, Roy Holmes, Mairéad Hurley, Catherina Lemoni-O’Doherty, David Mooney, Pádhraic Ó Cuinneagáin, Danusia Oslizlok, Aoife O’Sullivan-Hubbard, Margaret O’Sullivan Farrell, Mary Scarlett, e Alison Thomas | www.dit.ie/conservatory/staff/alisonthomas Duo Chagall: Gillian Williams (violino) e Arun Rao (violoncelo)
A última postagem da longa série de arranjos de canções folclóricas de Ludwig é uma Babel: canções em vários dialetos de alemão, e em dinamarquês, polonês, russo, espanhol, húngaro e italiano dividem o caderno com o único, e bem tangencial, contato de Beethoven com a língua portuguesa.
“Seus lindos olhos”, sobre a qual nada mais achei, parece ser uma modinha do século XVIII. A diminuta letra dá conta da habitual chaga cardíaca que espera em vão curar-se:
Seus lindos olhos
Mal que me viram
Crucis feriram
Meu coração.
Se Amor protege
A chama nossa,
Talvez se mova
A compaixão
Vir pode um dia,
Dia d’encanto,
Qu’em que o pranto
Vertido em vão.
Se Amor alenta
Esta esperança
Em paz descansa
Meu coração”
A modinha é tão curta que, quando achamos que conseguimos decifrar o canto, ela já acabou. Ainda assim, fica evidente o imenso talento de Beethoven como arranjador, ao extrair o máximo de sumo de canções sobre as quais nada conhecia, nem as letras, e harmonizá-las em atraentes peças de câmara. Esse seu afã fica comovente quando nos damos conta de que ele próprio nunca viajou muito para fora do mundo alemão: além duma viagem com a mãe aos Países Baixos, quando ainda era um garoto em Bonn, Berlim foi o mais longe que ficou de sua base vienense. Ainda assim, ávido leitor que era, suponho que deixasse sua imaginação voar bem alto para transpor-se àqueles lugares todos de onde vinham as canções que arranjava. Sempre que tento imaginar a cena que ele pintou para si mesmo ao transpor uma canção tão sentimental para duas vozes masculinas, falho tão miseravelmente quanto Ludwig falharia se lhe pedíssemos para imaginar como o retratariam naquele Portugal tão remoto que pariu “Seus lindos olhos”:
Um “Beth0ven” de ressaca em azulejos no Porto, Portugal (foto do autor). Quem identificar o excerto na partitura do topo ganha um sorriso do Luís.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Vinte e três canções de diversos povos, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 158d Arranjadas entre 1816-17 Publicadas em 1943
1 – Ridder Stigs Runer. Vivace
2 – 0 Horch auf, mein Liebchen. Andantino
3 -Wegen meiner. Allegretto
4 – Wann i in der Früh aufsteh. Comodo
5 – Teppich-Krämer‑Lied. [Comodo]
6 – A Madel, ja a Madel. [Allegro moderato]
7 – Wer solche Buema afipackt. [Poco allegretto]
8 – Ich mag di nit nehma. Moderato
9 – Oj, oj upiłem się karzcmie. Allegro ma non troppo
10 – Poszła baba po popiół. Poco allegretto
11 – Yo no quiero embarcarme. Allegretto
12 – Duet – Seus lindos olhos. Andante con sentimento
13 – Во лесочке комарочков (Vo lesochke komarochkov). Allegro
14 – Ах, реченьки, реченьки (Akh, rechenki, rechenki). Andante assai espressivo
15 – Как пошли наши подружки (Kak poshli nashi podruzhki). Allegretto
16 – Schöne Minka, ich muß scheiden! Andante amoroso con moto
17 – Lilla Carl. Andantino
18 – An ä Bergli bin i gesässe. Andante
19 – Una paloma blanca. Tempo di Bolero
20 – Duet – Como la mariposa soy. Tempo di Bolero
21 – Tiranilla Española. Andantino espressivo
22 – Édes kinos emlékezet. Allegro
23 – Da brava, Catina. Allegretto
Das Seis canções de diversas nações, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 158c
24 – No. 2: Non, non, Colette n’est point trompeuse
Air Français, para voz, violino, violoncelo e piano, WoO 158d (Hess 168) (1817)
25 – Allegretto
Das Doze canções de diversos povos, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 157
26 – No. 12: La gondoletta. Allegretto scherzando
27 – No. 4: O Sanctissima. Andante con moto, ma con pietà
Duas canções folclóricas austríacas para voz, violino, violoncelo e piano (1820)
28 – Das liebe Kätzchen, Hess 133
29 – Der Knabe auf dem Berge, Hess 134
Juliette Allen, soprano Dania El Zein, soprano Natalie Pérez, mezzo-soprano Łukasz Romejko, tenor Vincent Lièvre-Picard, tenor Jean-François Rouchon, barítono Alessandro Fagiuoli, violino Andrea Musto, violoncelo Jean-Pierre Armengaud, piano
Após calhamaços de canções mononacionais, aqui vem alguma variedade.
No começo, canções escocesas – o grupo seguinte àquele publicado como seu Op. 108. Quando estes arranjos foram publicados em Viena, Beethoven foi muito elogiado por, enfim, captar com eles “o verdadeiro espírito escocês” . Esses elogios, que surgiram em vários jornais e foram amplamente papagaiados pelos críticos, transformaram-se em constrangimento quando se revelou que, a despeito do “música por Beethoven” na capa das edições vienenses, os temas eram todos do folclore escocês, assunto de que tanto Ludwig quanto qualquer dos críticos, agora com cara de tacho, sabiam lhufas na capital imperial. O que Beethoven sabia era que Thomson pagava bem por arranjos de canções escocesas. Numa das primeiras cartas ao editor, ele tascou:
P.S.: Eu também ficarei contente em concretizar sua vontade de harmonizar as pequenas árias escocesas; e sobre isso eu aguardo uma proposta mais firme, uma vez que é bem sabido que Herr Haydn recebeu uma libra por cada canção”
Não se sabe se Thomson pagou mais barato por Beethoven. O fato é que Ludwig não ficou insatisfeito, nem com o trabalho, no qual se esmerou, tampouco com o pagamento, porque sempre aceitava novas encomendas de arranjos.
Entre elas estavam as sete canções do WoO 158b que, apesar de chamadas de “britânicas”, voltam-se mais para a Irlanda que para a Grã-Bretanha: citam a harpa irlandesa, citam o castelo dos O’Neill, e uma vez mais clamam pelo nome de Erin – e quem se perguntar quem é essa moça tantas vezes mencionada nas canções irlandesas, acertará se responder que é a própria Irlanda (Éire), assim chamada romanticamente. Há, para arredondar, canções inglesas e escocesas, nenhuma tão imensamente célebre quanto Auld lang syne da coleção precedente.
A gravação se encerra com uma das duas séries de canções de países sortidos que Beethoven arranjou para Thomson. Predominam, uma vez mais, canções das ilhas britânicas, mas o destaque vai para a diminuta “Non, non, Colette n’est point trompeuse”, e por duas razões. A primeira é que, apesar do francês ser amplamente usado na época como lingua franca, ela a única canção nesse idioma entre as mais de cento e sessenta que Ludwig arranjou, fenômeno provavelmente explicado pela extrema impopularidade de um homem que o falava: Napoleão Bonaparte. A segunda é que sua letra e melodia vieram duma ópera chamada Le Devin du Village (“O Adivinho da Aldeia”), e que foi composta por… Jean-Jacques Rousseau (sim, aquele mesmo Rousseau!)
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Doze canções escocesas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 156 Arranjadas entre 1815-19 Publicadas entre 1822-41
1 – No. 4: Ye shepherds of this pleasant vale. Andantino quasi allegretto
2 – No. 3: Up! Quit thy bower. Allegretto spiritoso
3 – No. 7: Polly Stewart. Andantino più tosto
4 – No. 10: Glencoe. Andante espressivo
5 – No. 2: Duncan Gray. Allegretto
6 – No. 8: Womankind. Andantino espressivo assai
7 – No. 1: The Banner of Buccleuch. Andantino quasi allegretto
8 – No. 6: Highland Harry. Allegretto spiritoso
9 – No. 12: The Quaker’s Wife. Andantino con moto quasi allegretto
10 – No. 9: Lochnagar. Andante affettuoso
11 – No. 5: Cease your funning. Andantino quasi allegretto
12 – No. 11: Auld lang syne. Allegretto
Dame Felicity Lott, soprano Ruby Philogene, mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor Thomas Allen, barítono Marieke Blankestijn e Elizabeth Layton, violinos Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
Sete canções britânicas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 158b Arranjadas entre 1813-17
13 – No. 1: Adieu, My Lov’d Harp
14 – No. 7: Lament for Owen Roe O’Neill
15 – No. 5: Erin! O Erin!
16 – No. 4:. Red Gleams the Sun on Yon Hill Tap
17 – No. 2: Castle O’Neill
18 – No. 6: O Mary, Ye’s Be Clad in Silk
19 – No. 3: O Was Not I a Weary Wight! (Oh ono chri!)
Sarah Walker, mezzo-soprano Timothy Robinson, tenor Krysia Osostowicz, violino Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
Seis canções de diversas nações, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 158c Arranjadas entre 1817-20
20 – No. 3: Mark Yonder Pomp of Costly Fashion
21 – No. 1: When My Hero in Court Appears
22 – No. 4: Bonnie Wee Thing
23 – No. 5: From Thee, Eliza, I Must Go
24 – No. 6. Sem título (instrumental)
25 – No. 2: Non, non, Colette n’est point trompeuse
Catrin Wyn Davies, soprano Ruby Philogene e Sarah Walker, mezzo-sopranos John Mark Ainsley e Toby Spence, tenores Thomas Allen, barítono Elizabeth Layton e Krysia Osostowicz, violinos Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
Se Beethoven já tinha escutado as gaitas de foles de um regimento escocês, e já lera algo sobre a Irlanda através de seus poetas, ele nada sabia sobre Gales. Por isso, talvez, ele tenha se sentido livre para arranjar (ainda que as letras lhe fossem não só desconhecidas, mas deliberamente sonegadas pelo editor) as melodias galesas que Thomson lhe mandou. Há um senso de concisão que não costuma haver nos outros grupos de canções britânicas e, embora ainda sentimental, a música não é açucarada como a de boa parte das canções irlandesas. E, acima de tudo, entre as canções de Gales está talvez a mais bonita das mais de cento e sessenta, de várias nações, que Beethoven arranjou: a no. 4, “Love without Hope” (“Amor sem Esperança”), dum certo John Richardson sobre quem nada encontrei, e cujo texto – duma simplicidade que orna memoravelmente com a música – eu traduzi:
Suas feições falam do coração mais caloroso,
Mas, não para mim, seu ardor brilha;
Nesse rubor suave não tenho parte,
Que mistura com as neves de seu peito.
Naquela querida gota não tenho parte,
Que treme em seu olho derretido;
Nem é meu amor o terno cuidado,
Que pássaros a ela soltam aquele suspiro ansioso.
As horas mais felizes da fantasia criam
Visões de êxtase, como divinas,
Como a felicidade pura que deve aguardar
O homem cuja alma está unida à tua.
Mas ah! Adeus a este tema traiçoeiro,
Que, embora seja uma miséria a ser abandonada,
Rende ainda alegria ao sonho reconfortante,
Aquela dor como a minha tu nunca conhecerás.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Vinte e seis canções galesas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 155 Arranjadas em 1809 Publicadas em 1817
1 – No. 1: Duet – Sion, the Son of Evan. Maestoso e con molto spirito
2 – No. 4: Love without hope. Andante espressivo, assai amoroso
3 – No. 17: The Dairy‑House. Allegretto più tosto vivace
4 – No. 15: When Mortals all to rest retire. Andante affettuoso con molta espressione
5 – No. 3: The cottage maid. Andantino quasi allegretto
6 – No. 14: Duet – The dream. Andantino
7 – No. 7: O Let the Night my blushes hide. Andante quasi allegretto
8 – No. 19: The Vale of Clwyd. Andante lamentabile
9 – No. 11: Merch Megan, or Peggy’s Daughter. Allegretto
10 – No. 2: The Monks of Bangor’s March. Maestoso ma con espressione
11 – No. 10: Ned Pugh’s Farewell. Andantino con moto
12 – No. 13: Helpless woman. Andantino con moto
13 – No. 20: To the blackbird. Andantino più tosto allegretto
14 – No. 16: The damsels of Cardigan. Allegretto
15 – No. 9: To the Aeolian Harp. Andante espressivo
16 – No. 12: Waken, lords and ladies gay. Allegretto spiritoso
17 – No. 22: Duet – Constancy. Andante espressivo
18 – No. 5: The golden robe. Allegretto
19 – No. 6: The fair maid of Mona. Andante espressivo
20 – No. 8: Farewell, farewell, thou noisy town. Allegretto con anima
21 – No. 18: Sweet Richard. Andante affettuoso
22 – No. 21: Cupid’s kindness. Vivace e scherzoso
23 – No. 23: The old strain. Andante espressivo, amoroso
24 – No. 24: Three hundred pounds. Allegretto piu tosto vivace
25 – No. 25: The parting kiss. Andante espressivo
26 – No. 26: Good night. Vivace scherzando
Catrin Wyn Davies, soprano Ruby Philogene, mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor Christopher Maltman, barítono Marieke Blankestijn, violino
Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
Um dos aspectos mais peculiares da parceria entre o editor George Thomson e Beethoven era que, com raras exceções, nosso herói desconhecia completamente as letras que seriam apostas aos arranjos que ele fazia das melodias enviadas da Escócia. Muito se especulou sobre os motivos que levaram Thomson a adotar esse expediente. Algumas das explicações passavam pelas letras originais: uma boa parte das canções folclóricas eram em escocês ou irlandês, ou nos dialetos locais de inglês, considerados pouco elegantes – isso quando não tratavam de temas chulos que, no mínimo, fariam corar as senhoritas nos pudicos salões em que, como queria Thomson, os arranjos seriam ouvidos. O mais provável, no entanto, era que ele não confiasse nem em Beethoven, que realmente se enrolou muito nas negociações originais, nem nas complicadas rotas que transportavam partituras, correspondência e rusgas entre Edimburgo e Viena. Por isso, então, teria decido procurar letras para os arranjos só depois que eles tivessem cruzado a Mancha.
Ludwig protestou reiteradamente contra esse modus operandi do escocês, alegando que não teria como fazer arranjos adequados sem conhecer pelo menos do que tratavam as letras. Presenteado com esse vácuo de informações, preencheu as lacunas da maneira que sua imaginação permitiu, exagerando nas cores: as canções em tonalidade menor, por exemplo, são bastante lamuriosas; aquelas de amor, carregadas de sentimentalismo. Em várias delas Beethoven representou a paisagem sonora que ele, que nunca deixara a Europa continental, tinha das ilhas britânicas: baixos permeados por bordões, imitando as gaitas de foles que tanto o impressionaram quando um regimento escocês visitou Viena. A despeito dessas limitações, é inegável que ele fez um esmerado trabalho, refletido não só nas introduções e codas instrumentais muitas vezes elaboradas, como também no capricho na apresentação das partituras e até na sua habitualmente medonha caligrafia. Esboços de trechos dos arranjos aparecem até em seus cadernos de rascunho – uma honra reservada em geral apenas para anotações para suas obras mais importantes, o que também atesta a seriedade com que ele encarou a tarefa.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Doze canções irlandesas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 154 Arranjadas entre 1812-13 Publicadas em 1816
1 – No. 2: Oh harp of Erin. Andantino semplice espressivo
2 – No. 12: Duet – He promised me at parting. Allegretto con moto
3 – No. 4: The pulse of an Irishman. Vivace scherzando
4 – No. 3: The Farewell Song. Andantino con espressione
5 – No. 8: Save me from the grave and wise. Allegretto molto grazioso
6 – No. 9: Duet – Oh! would I were but that sweet linnet. Andante amoroso
7 – No. 10: Duet – The hero may perish. Andante con moto
8 – No. 6: Put round the bright wine. Allegretto quasi vivace
9 – No. 5: Oh! who, my dear Dermot. Andantino con espressione
10 – No. 7: From Garyone, my happy home. Allegretto amoroso
11 – No. 11: Duet – The Soldier in a Foreign Land. Andantino amoroso
12 – No. 1: The Elfin Fairies. Vivace
Janice Watson, soprano Dame Felicity Lott, soprano Ann Murray, mezzo-soprano Ruby Philogene, mezzo-soprano Sarah Walker, mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor Toby Spence, tenor Thomas Allen, barítono Marieke Blankestijn, violino Elizabeth Layton, violino Krysia Osostowicz, violino Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
Doze canções de diversos povos, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 157 Arranjadas entre 1815-20 Publicadas entre 1816-39
13 – No. 1: God save the King. Maestoso con molto spirito
14 – No. 2: The Soldier. Maestoso risoluto ed eroico
15 – No. 3: Charlie is my Darling. Allegretto con anima
16 – No. 4: O Sanctissima. Andante con moto, ma con pietà
17 – No. 5: The Miller of Dee. Allegretto con brio
18 – No. 6: A Health to the Brave. Alla marcia
19 – No. 9: Highlander’s Lament. Espressivo
20 – No. 8: By the Side of the Shannon. Allegro più tosto, scherzando
21 – No. 11: The Wandering Minstrel. Andantino quasi allegretto
22 – No. 10: Sir Johnnie Cope. Marcia, Allegretto spritioso e semplice
23 – No. 7: Robin Adair. Andante amoroso
24 – No. 12: La gondoletta. Allegretto scherzando
Janice Watson, soprano Dame Felicity Lott, soprano Ann Murray, mezzo-soprano Ruby Philogene, mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor Timothy Robinson, tenor Thomas Allen, barítono Marieke Blankestijn, violino Elizabeth Layton, violino Krysia Osostowicz, violino Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
A maior dificuldade relacionada à imensa série de arranjos de canções folclóricas que Ludwig para George Thomson – excluindo-se, claro, o caráter irascível de nosso herói – foi a comunicação. Mesmo nas melhores condições prevalentes, levar algo de Viena, no coração da Europa Ocidental, até Edimburgo envolvia uma pequena epopeia – e com Napoleão tocando o fordunço em boa parte do continente, e ainda por cima mantendo o Bloqueio Continental às ilhas inimigas, fazer partituras cruzarem canal da Mancha parecia tão plausível quanto levar La Grande Armée ao inverno russo. Ao completar a primeira série de arranjos em 1810, Beethoven mandou fazer três cópias e enviou-as a Thomson por rotas diferentes, e nenhuma delas chegou à Escócia. No ano seguinte, enviou outra cópia, que através dum convoluto caminho que passou por Trieste, percorreu vários portos italianos e chegou à distante Malta – recém-conquistada pelos britânicos -, de onde seguiu para Londres e, então, para Edimburgo.
Com o passar do tempo, descobriram que a rota mais confiável, incrivelmente, era aquela que passava por Paris, a capital do inimigo. Ainda assim, a travessia do canal, que não era feita por qualquer embarcação autorizada, tinha que ser feita por contrabandistas – ou, como os chamamos lá na minha terra, chibeiros, que, em vez de partituras de Beethoven, trazem cigarros do Paraguai.
Apesar da distância e das dificuldades de comunicação, não faltaram faíscas entre Ludwig e Thomson. O escocês queria arranjos para amadores e reclamava que o renano os complicava demais. Beethoven subiu nas tamancas e mandou chibear pela Mancha a seguinte resposta:
Não estou acostumado a retocar minhas composições. Nunca fiz isso, na certeza de qualquer mudança parcial nelas altera seu caráter. Lamento que você esteja do lado perdedor, mas você não pode me culpar, pois deveria ter sido você a me familiarizar com os gostos do seu país e com a pouca competência de seus músicos”
Shame on you, Herr Thomson.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Vinte canções irlandesas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 153 Arranjos feitos entre 1810-15 Publicados em 1814 e 1816
1 – No. 6: Sad and luckless was the season. Andante affettuoso e semplice assai
2 – No. 3: The British Light Dragoons. Vivace scherzando
3 – No. 1: Duet – When eve’s last rays. Andante con molto, espressivo
4 – No. 4: Since greybeards inform us. Allegretto scherzando
5 – No. 2: No riches from his scanty store. Amoroso con moto
6 – No. 5: Duet – I dream’d I lay where flow’rs were springing. Andantino
7 – No. 9: The kiss, dear maid, thy lip has left. Andante amoroso e teneramente
8 – No. 7: O soothe me, my lyre. Andantino grazioso
9 – No. 15: ’Tis but in vain. Andante amoroso, languidamente
10 – No. 11: When far from the home. Andantino amoroso
11 – No. 13: ’Tis sunshine at last. Andantino grazioso
12 – No. 8: Norah of Balamagairy. Allegretto grazioso
13 – No. 19: Judy, lovely, matchless creature. Andante amoroso
14 – No. 12: I’ll praise the Saints with Early Song. Andantino
15 – No. 18: No more, my Mary. Andante amoroso con molto espressivo
16 – No. 20: Thy ship must sail. Andante con espressione
17 – No. 14: Paddy O’Rafferty. Allegretto scherzando
18 – No. 16: O might I but my Patrick love. Andante amoroso con espressione teneramente
19 – No. 10: Duet – Oh! thou hapless soldier. Andante con molto, espressivo
20 – No. 17: Come, Darby dear. Allegretto più tosto vivace
Dame Felicity Lott, soprano Ruby Philogene, mezzo-soprano Toby Spence, tenor Christopher Maltman, barítono Marieke Blankestijn, violino Elizabeth Layton, violino Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
Se poucos sabem que, em termos quantitativos, o arranjo de canções folclóricas foi o gênero mais cultivado por Beethoven, menos ainda são os que sabem que, entre esses arranjos, predominam os de canções irlandesas.
Embora George Thomson tenha encomendado inicialmente adaptações de canções de sua Escócia natal, os trancos e barrancos de sua correspondência com Ludwig, dificultada pelo Bloqueio Continental de Napoleão às ilhas britânicas, levaram o trabalho a ser completado em desordem. Somem-se a isso a sempiterna desorganização do compositor e seu pendor em abandonar trabalhos quase conclusos para assumir outros que lhe aliviassem a corda financeira no pescoço, e entende-se por que as canções irlandesas ficaram prontas antes de suas contrapartes escocesas.
Dentro de sua peculiar abordagem de pedir que os músicos arranjassem as melodias sem as letras, e de encomendar os textos sem que os poetas conhecessem os arranjos, Thomson encomendou ao dublinense Thomas Moore (1779-1852) os poemas para as canções arranjadas por Beethoven. Moore declinou, e Thomson recorreu a seus conterrâneos Robert Burns e Sir Walter Scott (1771-1832, o autor de Ivanhoe), entre outros, para completarem a encomenda. O resultado foi uma das melhores entre as coleções de canções folclóricas, dado o cuidado de Beethoven no trabalho instrumental, particularmente nas introduções e codas, sem perder de vista o sentido de simplicidade que lhe pediu o encomendante.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Vinte e cinco canções irlandesas, arranjadas para voz e conjunto vocal misto, com acompanhamento de violino, violoncelo e piano, WoO 152 Arranjos feitos entre 1810-13 Publicados em 1814
1 – No. 1 – The Return to Ulster. Larghetto affettuoso
2 – No. 7 – His boat comes on the sunny tide. Andante affettuoso
3 – No. 4 – The morning air plays on my face. Allegretto (più tosto vivace) grazioso
4 – No. 2 – Duet – Sweet power of song. Andantino grazioso
5 – No. 5 – The Massacre of Glencoe
6 – No. 10 – The Deserter. Andante con moto – affanato e agitato
7 – No. 12 – English Bulls. Allegretto più tosto vivace
8 – No. 6 – Duet – What shall I do to shew how much I love her? Allegretto affettuoso
9 – No. 21 – Morning a cruel turmoiler is. Vivace scherzando
10 – No. 3 – Once more I hail thee. Andante espressivo amoroso
11 – No. 8 – Come draw we round a cheerful ring. Allegretto più tosto vivace
12 – No. 9 – The Soldier’s Dream. Andante espressivo assai amoroso
12 – No. 18 – Duet – They bid me slight my Dermot dear. Allegretto scherzando
14 – No. 13 – Musing on the roaring ocean. Allegretto amoroso e grazioso
15 – No. 14 – Dermot and Shelah. Allegretto scherzando
16 – No. 25 – Oh harp of Erin. Andante semplice espressivo
17 – No. 22 – From Garyone, my happy home. Allegretto amoroso
18 – No. 11 – Thou emblem of faith. Andante affettuoso assai espressivo
19 – No. 15 – Let brain-spinning swains. Allegretto scherzando
20 – No. 16 – Hide not thy anguish. Andante amoroso con espressivo
21 – No. 19 – Duet – Wife, Children and Friends. Allegretto
22 – No. 17 – In vain to this desert. Andante espressivo
23 – No. 23 – A wand’ring gypsey, Sirs, am I. Allegretto più tosto vivace
24 – No. 20 – Duet – Farewell bliss and farewell Nancy. Andante con molto espressione
25 – No. 24 – The Traugh Welcome. Allegretto scherzando
Dame Felicity Lott, soprano Ann Murray,mezzo-soprano John Mark Ainsley, tenor Christopher Maltman, barítono Marieke Blankestijn, violino Elizabeth Layton, violino Ursula Smith, violoncelo Malcolm Martineau, piano
Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, a música folclórica estava em voga em boa parte da Europa. Não se tratava, evidentemente, do fruto de trabalho de etnomusicologia, disciplina que ainda nem sonhava ser um zigoto, e sim de canções atraentes que servissem a instrumentistas e cantores amadores para, em suas casas, fazerem música com os recursos que tivessem disponíveis. Entre os vários personagens que se dedicaram a proporcionar partituras para esses afãs, dois são de nosso especial interesse: o editor escocês George Thomson (1757-1851) e, claro, nosso herói em jubileu, Ludwig van Beethoven. Thomson era amigo, entre outros, do bardo Robert Burns (1757-1796 – o poeta nacional da Escócia, imortalizado pela célebre Auld Lang Syne [alerta de André Rieu ativo] [sim, fiz de propósito] – e dedicou-se a colecionar canções das ilhas britânicas, particularmente de sua terra natal. Percebendo o quão infecciosamente elas eram transmitidas e repetidas pelos melômanos, passou a publicar suas melodias em novas roupagens, com letras feitas por distintos poetas e em arranjos encomendados aos maiores nomes da música da época, como Haydn e Hummel. No início do século XIX, ao ouvir falar de um tal Beethoven de que muito se falava em Viena, resolveu escrever-lhe para propor-lhe negócios. Thomson e Beethoven nunca se encontraram pessoalmente, mas sua rocambolesca relação epistolar daria seguramente uma ópera bufa (que certamente não encomendaríamos ao renano, dada sua reticência para com o gênero). Ainda que lhes concedamos o desconto por conta do bloqueio continental a que Napoleão submeteu as ilhas britânicas e a imensa dificuldade de levar um grão de areia que fosse de Edimburgo a Viena, tudo foi, no mínimo, enroladinho: o primeiro convite de Thomson foi enviado em 1803, mas Beethoven só fechou negócio em 1809 e demoraria ainda outro ano para entregar a primeira encomenda. O resultado dessa parceria, publicado em Edinburgo e Londres para os bolsos de Thomson e em Viena para a surrada capanga de Ludwig, foram cento e sessenta arranjos de canções da Escócia e de diversos outros países. Dentro desse prolífico e pouco conhecido veio da produção beethoveniana, a coleção de vinte e cinco canções escocesas publicadas como Op. 108 foi a única a receber um número de opus, e por ela começaremos. Admito que, antes de insensatamente me propor a este projeto da travessia da obra completa de Ludwig, eu nunca escutara esses arranjos. Esperava algo muito enfadonho, talvez merecidamente esquecido como mero trampo pagador de contas, mas me surpreendi com a qualidade do que ouvi. Se nada há de memorável, e em que pese o tom decididamente sentimental da maioria dos arranjos, é óbvio que Beethoven se dedicava com gosto em burilá-los, ainda mais porque envolviam o trio com piano, conjunto com o qual estrearia seu catálogo de obras e para o qual já compusera tanta coisa importante. Espero que gostem – e, se não for o caso, sugiro que aqui retornem em 4 de outubro, quando já teremos quitado todos os arranjos em nossa lista e já teremos passado a outro capítulo obscuro da produção beethoveniana.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Vinte e cinco canções escocesas, para voz, coro misto, violino, violoncelo e piano, Op. 108 Arranjadas entre 1815-1818 Publicadas em 1818
1 – Music, Love and Wine. Allegretto più tosto vivace
2 – Sunset. Andante con molto espressione
3 – O sweet were the hours. Andante con moto semplice
4 – The maid of Isla. Allegretto ma con espressione
5 – The sweetest lad was Jamie. Andantino un poco allegretto
6 – Dim, dim is my eye. Andante amoroso con molto espressione
7 – Bonny Laddie, Highland Laddie. Allegretto quasi vivace
8 – The lovely lass o’ Inverness. Affettuoso assai ed espressione
9 – Dueto – Behold, my love, how green the groves. Grazioso
10 – Sympathy. Andantino più tosto allegretto
11 – O! thou art the lad of my heart. Allegretto più tosto vivace
12 – Oh, had my fate been join’d with thine. Andante teneramente con molto espressione
13 – Come fill, fill, my good fellow! Spirituoso ma non troppo presto
14 – O how can I be blythe and glad. Andante poco allegretto
15 – O cruel was my father. Andante con molto espressione
16 – Could this ill world have been contriv’d. Allegretto grazioso e un poco scherzoso
17 – O Mary, at thy window be!. Andantino quasi allegretto
18 – Enchantress, farewell. Andantino grazioso con espressione
19 – O swiftly glides the bonny boat. Andante poco allegretto
20 – Faithfu’ Johnie. Andantino semplice amoroso teneramente
21 – Jeanie’s Distress. Andantino quasi allegretto
22 – The Highland Watch. Spirituoso e marziale
23 – The Shepherd’s Song. Allegretto
24 – Again, my Lyre. Andante affettuoso assai
25 – Sally in our alley. Andantino con moto grazioso e semplice assai
Juliette Allen, soprano Dania El Zein, soprano Natalie Pérez, mezzo-soprano John Bernard, tenor Vincent Lièvre-Picard, tenor François Rouchon, barítono Alessandro Fagiuoli, violino Andrea Musto, violoncelo Jean-Pierre Armengaud, piano
Ao encomendar os “temas variados” a Beethoven, George Thomson insistiu em que as peças devessem ser apropriadas à execução por amadores. Sua experiência prévia com profissionais como Haydn e Hummel, no entanto, jamais teria sido capaz de prepará-lo para o trato com alguém como Ludwig, que, embora precisasse do dinheiro, não tinha lá muito tino para compor para amadores. Nosso herói escreveu para Thomson doze séries de variações em 1818 e outras quatro em 1819, incluindo posteriormente alternativas mais simples para variações que Thomson considerou muito difíceis. Essas versões simplificadas ainda acabaram bem longe do alcance dos dedos dos diletantes, e o editor, temendo pelas vendas e erguendo uma bandeira branca, pediu a Beethoven que incluísse ao menos uma parte ad libitum para flauta ou violino, que nós já lhes apresentamos ontem e anteontem. Não adiantou: apenas nove dos doze temas variados foram publicados em Londres, com vendas mornas. O compositor não se importou muito com o insucesso de Thomson, pois planejava desde o início publicar as obras também na Europa continental, e assim levou à prensa seis dos temas variados em Viena como seu Op. 105, e os dez remanescentes (incluindo aqueles descartados por Thomson) em Bonn, com seu velho amigo Simrock e sob o Op. 107. Os temas britânicos foram sugeridos por Thomson, que legou a Beethoven a responsabilidade de escolher melodias continentais que fossem de seu agrado. De olho nas vendas, Beethoven escolheu temas muito populares dos Singspielee comédias vienenses, bem como temas folclóricos de outros países. O interesse pela Rússia era grande, na época, de modo que várias canções nominalmente russas aparecem na coletânea, embora a maior parte dela tenha sua origem na Ucrânia – oficialmente chamada de “Pequena Rússia” nos tempos czaristas.
As variações em sua forma original, para piano, parecem menos triviais que as versões em duo que já ouvimos e, ainda que não deem voos altos como as grandes séries de variações paridas por Beethoven, elas são atraentes o bastante para entreter sem comprometer. A escolha da gravação foi fácil, porque é a única disponível comercialmente: menos pior que quem a fez foi Olli Mustonen, um ótimo pianista finlandês que muito se dedica às obras de Beethoven e que parece se divertir ao colorir e inventar (pois, além de intérprete, ele também é compositor) sobre esses mimosos caça-níqueis que Ludwig nos legou ao entrar na reta final de sua danada vida.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Seis temas folclóricos com variações para piano, Op. 105 Compostas entre 1818-19 Publicadas em 1819
1 – Air écossais (The Cottage Maid). Andantino quasi allegretto
2 – Air écossais (Of Noble Stock was Shinkin). Allegretto scheroso
3 – Air autrichien (A Schüsserl und a Reindel). Andantino
4 – Air écossais (Sad and luckless was the season). Andante espressivo assai
5 – Air écossais (Put round the bright wine). Allegretto spiritoso
6 – Air écossais (English Bulls). Allegretto più tosto vivace
Dez temas folclóricos com variações para piano, Op. 107 Compostas entre 1818-19 Publicadas em 1820
7 – Air tirolien (I bin a Tiroler Bua). Moderato
8 – Air écossais (Bonny Laddie, Highland Laddie). Allegretto, quasi vivace
9 – Air de la petite Russie. Vivace
10 – Air écossais (The Pulse of an Irishman). Allegretto scherzo
11 – Air tirolien (A Madel, ja a Madel). Moderato
12 – Air écossais (Merch Megan). Andante commodo
13 – Air russe (Schöne Minka). Andante
14 – Air écossais (O Mary, at thy Window Be). Andantino quasi allegretto
15 – Air écossais (Oh, Thou art the Lad of my Heart). Allegretto più tosto vivace
16 – Air écossais (The Highland Watch). Spirituoso e marciale
Se os “temas variados” que lhes apresentamos ontem na roupagem para piano e flauta foram gravados por um sem-número de flautistas, os violinistas – a quem, convenhamos, não falta repertório muito superior – passaram grandemente ao largo das discretas obras. É uma pena, pois elas soam mais idiomáticas com o instrumento de cordas e, na primeira edição, contavam até com trechos alternativos para o violino, com pizzicati e passagens em cordas duplas indicados em trechos nos quais o executante não quisesse se ater a tocar a melodia escrita para flauta. Até recentemente, só havia uma gravação com violino e piano do Op. 105, num despretensioso CD que apresentamos com, admito, imerecida ironia. Em 2019, o grande Leonidas Kavakos encontrou um espacinho no álbum duplo que dedicou ao concerto para violino e ao septeto de Beethoven para gravar quatro desses dezesseis temas variados. A notícia da falta de gravações integrais dessas obscuras peças chegou, então, aos ouvidos da violinista Rachel Barton-Pine, que, sempre disposta a explorar novo repertório (inclusive a aprender outros instrumentos para conquistá-lo!), resolveu assim o problema:
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Seis temas folclóricos com variações para piano com flauta ou violino, Op. 105 Compostas entre 1818-19 Publicadas em 1819
1 – Air écossais (The Cottage Maid). Andantino quasi allegretto
2 – Air écossais (Of Noble Stock was Shinkin). Allegretto scheroso
3 – Air autrichien (A Schüsserl und a Reindel). Andantino
4 – Air écossais (Sad and luckless was the season). Andante espressivo assai
5 – Air écossais (Put round the bright wine). Allegretto spiritoso
6 – Air écossais (English Bulls). Allegretto più tosto vivace
Dez temas folclóricos com variações para piano com flauta ou violino, Op. 107 Compostas entre 1818-19 Publicadas em 1820
7 – Air tirolien (I bin a Tiroler Bua). Moderato
8 – Air écossais (Bonny Laddie, Highland Laddie). Allegretto, quasi vivace
9 – Air de la petite Russie. Vivace
10 – Air écossais (The Pulse of an Irishman). Allegretto scherzo
11 – Air tirolien (A Madel, ja a Madel). Moderato
12 – Air écossais (Merch Megan). Andante commodo
13 – Air russe (Schöne Minka). Andante
14 – Air écossais (O Mary, at thy Window Be). Andantino quasi allegretto
15 – Air écossais (Oh, Thou art the Lad of my Heart). Allegretto più tosto vivace
16 – Air écossais (The Highland Watch). Spirituoso e marciale
Com o trio “Arquiduque”, que coroa aquilo que se convencionou chamar de período intermediário na produção de Beethoven, nossa travessia de sua obra aproximou-se da admirável guirlanda de obras-primas visionárias que ele compôs na última década e tanto de sua vida. No entanto, dentro da intenção de alcançarmos aos leitores-ouvintes a obra completa do renano turrão, nós não poderíamos – sob pena de criar um anticlímax – fazer os últimos quartetos de cordas serem seguidos, tão só por deveres completistas, por alguma outra composição menos inspirada. Assim, daremos uma guinada em nossa série em direção àquelas obras que, a despeito do menor valor artístico, ajudam a completar e melhor entender a incrível trajetória que transformou o garoto que escreveu uma canção para um poodle num dos maiores nomes da Arte.
Começaremos com as diversas obras comissionadas pelo escocês George Thomson, um endinheirado colecionador e editor de música em Edinburgh, com o qual Beethoven teve uma relação (para variar) conturbada. Teremos outras (muitas outras, asseguro!) oportunidades de falar sobre as rusgas dos dois, de modo que prossigo a contar-lhes que estas dezenas de obras basearam-se em canções folclóricas de diversos paíse, com ênfase, evidentemente, nas ilhas britânicas. A imensa maioria delas consistiu de arranjos de canções para conjuntos vocais com acompanhamento de piano, violino e violoncelo. As notáveis exceções – os dois conjuntos de variações publicados sob os Opp. 105 e 107 – são as obras que lhes apresentarei hoje.
Compostas a pedido de Thomson para a execução por músicos diletantes, consistem de variações sobre temas folclóricos britânicos e continentais. Originalmente escritas para piano, elas continham, se não altos voos de virtuosidade, alguns trechos que estavam fora do alcance do dândi médio. Assim, o editor pediu a Beethoven que simplificasse algumas variações mais complicadas de modo a não aturdir seus consumidores. Ademais, para aumentar o apelo entre os amadores que faziam música em casa, e possivelmente para a irritação de Beethoven – que, como sabemos, tinha bem mais com o que se preocupar e odiava editores – Thomson também solicitou que fosse adicionada uma parte opcional para um instrumento melódico, como flauta ou violino. Ludwig acedeu, escrevendo linhas melódicas agradáveis e quase completamente prescindíveis, que hoje são mais frequentemente executadas com flauta. Quando as duas séries foram à prensa, ganharam o título de “temas variados para piano com acompanhamento opcional de flauta ou violino”, que dá a exata medida do que esperar. Apesar de nada haver de memorável, ainda assim, achei interessante conhecer a grande capacidade de Beethoven de compor, ainda que fosse só para pagar contas, com simplicidade e despojamento. Entre o bom número de gravações que há no mercado, que incluem figurões como Rampal e Buchbinder, preferi apresentar-lhes este álbum da Naxos, feito com a competência costumeira da gravadora nos registros de música de câmara, em que o ótimo flautista Patrick Gallois elabora a frugal parte que Ludwig compôs para seu instrumento com ornamentações e improvisações, competentemente acompanhado pela pianista búlgara Maria Prinz. Se não lhes for uma delícia, garanto que pelo menos passarão uma hora divertidinha.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Seis temas folclóricos com variações para piano com flauta ou violino, Op. 105 Compostas entre 1818-19 Publicadas em 1819
1 – Air écossais (The Cottage Maid). Andantino quasi allegretto
2 – Air écossais (Of Noble Stock was Shinkin). Allegretto scheroso
3 – Air autrichien (A Schüsserl und a Reindel). Andantino
4 – Air écossais (Sad and luckless was the season). Andante espressivo assai
5 – Air écossais (Put round the bright wine). Allegretto spiritoso
6 – Air écossais (English Bulls). Allegretto più tosto vivace
Dez temas folclóricos com variações para piano com flauta ou violino, Op. 107 Compostas entre 1818-19 Publicadas em 1820
7 – Air tirolien (I bin a Tiroler Bua). Moderato
8 – Air écossais (Bonny Laddie, Highland Laddie). Allegretto, quasi vivace
9 – Air de la petite Russie. Vivace
10 – Air écossais (The Pulse of an Irishman). Allegretto scherzo
11 – Air tirolien (A Madel, ja a Madel). Moderato
12 – Air écossais (Merch Megan). Andante commodo
13 – Air russe (Schöne Minka). Andante
14 – Air écossais (O Mary, at thy Window Be). Andantino quasi allegretto
15 – Air écossais (Oh, Thou art the Lad of my Heart). Allegretto più tosto vivace
16 – Air écossais (The Highland Watch). Spirituoso e marciale
Entre todos patronos de Beethoven, nenhum lhe foi mais querido que o arquiduque Rudolph, filho caçula do imperador. Apesar dumas poucas rusgas, a relação entre o compositor e a única pessoa a quem ensinou a sério composição foi de admiração mútua e, a despeito de todo desespero financeiro do primeiro e da fortuna do segundo, muito genuína. A correspondência entre ambos foi abundante e calorosa, e Beethoven retribuiu a generosa devoção do arquiduque com um rol de composições que, provavelmente, o tornam o dedicatário mais privilegiado da história. Contando somente as obras mais importantes, Rudolph recebeu as dedicatórias dos concertos nos. 4 e 5 para piano, da Grande Fuga para quarteto de cordas, das sonatas para piano “Lebewohl”, “Hammerklavier” e Op. 111, da Missa Solemnis e, por último mas não menos importante, o maravilhoso trio que hoje conhecemos como “Arquiduque”.
Não lhes consigo falar criticamente dessa obra que tanto amo. Desde seu primeiro gesto – o majestoso tema de abertura – ela sempre me captura para uma audição embevecida. Reconheço que o movimento que mais aprecio, e sem dúvidas o cerne da obra, é o Andante cantabile, com suas belíssimas variações. Tudo, no entanto, soa-me genial – o scherzo logo após o nobre movimento inicial, por exemplo, e a engenhosa construção do finale e suas ousadias tonais em preparação para uma mui efetiva coda. Esse trio é a joia da coroa do período intermediário da carreira de Beethoven, depois da qual ele só poderia mesmo voltar-se para uma arte muito diferente, mais radical, e visionária.
Não sou muito afeito a pintar as dores físicas de Beethoven, por acreditar que sua admirável história de superação de adversidades muitas vezes é amplificada a ponto de insinuar que devêssemos escutar suas obras com piedade, e não como frutos de um dos maiores gênios criadores que já existiram. Ainda assim, algumas histórias realmente me comovem, e uma delas é a da estreia do Op. 97. Ela ocorreu em 11 de abril de 1814, no hotel no hotel vienense “Zum römischen Kaiser”, na presença da nobreza e da intelligentsia locais. Beethoven fez questão de estrear sua obra ao piano, fazendo-se acompanhar dos amigos com o violinista Ignaz Schuppanzigh e o violoncelista Josef Linke. Sua surdez já era óbvia para todas as pessoas próximas, mas sua legendária teimosia fê-lo crer que quase nada escutar não lhe seria impedimento para tocar em público o instrumento de que fora o maior virtuose da Europa. O resultado, atesta-o Ludwig Spohr, violinista e compositor, presente na estreia:
Não foi uma boa execução. Em primeiro lugar, o piano estava totalmente desafinado, o que pouco preocupou Beethoven, porque ele não o conseguia ouvir. Em segundo lugar, por causa de sua surdez, quase nada restou do virtuosismo do artista que antes fora tão admirado. Nas passagens fortes, o pobre surdo batia nas teclas até as cordas tilintarem, e no piano ele tocava tão baixinho que grupos inteiros de notas eram omitidos, de modo que a música era ininteligível. Fiquei profundamente triste com um destino tão cruel. É uma grande desgraça ser surdo, mas como pode um músico suportar isso sem ceder ao desespero? De agora em diante, a melancolia contínua de Beethoven não era mais um enigma para mim.
E não seria mesmo, para mais ninguém. Alguns meses depois, num recital durante o Congresso de Viena, Beethoven tocaria pela última vez em público. Ao despedir-se dos palcos, enquanto via seus estipêndios minguarem, pois muitos de seus patronos não mais priorizavam sua música numa Europa devastada pelas guerras napoleônicas, passou a depender completamente da composição – e das complicadas negociações com editores – para seu sempre incerto sustento. Pior ainda, mergulhava num mundo de profundo silêncio, entrecortado tão só por zumbidos, onde só havia o som que conseguisse imaginar.
Para trazer-lhes o “Arquiduque”, escolhi a primorosa gravação do Florestan Trio, com o som sempre excelente da Hyperion. Como fiquei com pena de mutilar a série dos trios de Beethoven que eles registraram antes de infelizmente encerrarem suas atividades, resolvi trazê-la em toda sua gloriosa integridade, para que possam uma vez testemunhar a extraordinária evolução artística do jovem compositor do Op. 1 até o consumado mestre do Op. 97.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Trio em Si bemol maior para piano, violino e violoncelo, Op. 97, “Arquiduque” Composto entre 1810-11, revisado em 1814 Publicado em 1816 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria
1 – Allegro moderato
2 – Scherzo: Allegro
3 – Andante cantabile ma però con moto – Poco più adagio – attacca:
4 – Allegro moderato – Presto
Allegretto para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, WoO Unv. 9 (Hess 48) (1790?) 5 – Allegretto
Variações em Sol maior sobre a ária “Ich bin der Schneider Kakadu” da ópera “Die Schwestern von Prag” de Wenzel Müller, para piano, violino e violoncelo, Op. 121a Compostas em 1803, revisadas em 1816 Publicadas em 1824
6 – Introduzione
7 – Thema
8 – Variation I
9 – Variation II
10 – Variation III
11 – Variation IV
12 – Variation V
13 – Variation VI
14 – Variation VII
15 – Variation VIII
16 – Variation IX
17 – Variation 10
18 – Allegretto
Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1: Publicados e estreados em 1795 Dedicados ao príncipe Karl von Lichnowsky
Trio no. 1 em Mi bemol maior
1 – Allegro
2 – Adagio cantabile
3 – Scherzo. Allegro assai
4 – Finale. Presto
Trio no. 2 em Sol maior
5 – Adagio – Allegro vivace
6 – Largo con espressione
7 – Scherzo. Allegro
8 – Finale. Presto
Trio para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, WoO 38 (?1791) 9 – Allegro moderato
10 – Scherzo: Allegro ma non troppo
11 – Rondo: Allegretto
Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1:
Trio no. 3 em Dó menor
1 – Allegro con brio
2 – Andante cantabile con variazioni
3 – Minuetto. Quasi allegro
4 – Finale. Prestissimo
Variações em Mi bemol maior sobre um tema original, para piano, violino e violoncelo, Op. 44 Compostas em 1792 Publicadas em 1804
5 – Thema – Variationen I-XIV
Trio em Si bemol maior para violino ou clarinete, piano e violoncelo, Op. 11, “Gassenhauer” Composto em 1797 Publicado em 1798
Dedicado a Maria Wilhelmine von Thun
6 – Allegro con brio
7 – Adagio
8 – Tema con variazioni (“Pria ch’io l’impegno”: Allegretto)
A histórica esnobada de Rodolphe Kreutzer não criou em Beethoven urticárias para com violinistas franceses. Muito pelo contrário: admirador de Pierre Rode (1774-1830), violinista titular da corte de Napoleão, aproveitou uma visita do colega a Viena em 1812 para compor-lhe uma sonata para o instrumento. Rode, que fora um dos mais renomados violinistas da Europa, estava em declínio técnico por condições de saúde. Seu modus gallicus não era exatamente afeito nem ao temperamento, nem ao estilo de Ludwig. No entanto, aceitou a oferta, bancada pelo dedicatário da obra, o arquiduque Rudolph, que foi o pianista da estreia.
A obra composta para Rode marcou o retorno de Beethoven à sonata para violino, dez anos após sua composição anterior no gênero, para uma última experiência que praticamente arremata seu chamado período intermediário. Aquele ano de 1812 viu surgirem poucas composições, talvez pela dor de cotovelo trazida pela desilusão final com Antonie Brentano – aquela que foi, salvo melhor juízo, a “Amada Imortal” da famosa carta que nunca chegou à destinatária. Foi o ano, também, em que escreveria em seu diário:
Tudo que se chama vida deve ser sacrificado ao sublime e tornar-se santuário da Arte”
Seria a limitada produção daquele 1812 um retiro de um sacerdote da Música a oferecer sacrifícios antes da fase mais ascética e visionária de sua vida? É bem possível. Assim como em obras do mesmo período – o quarteto Op. 95 e a sonata para piano, Op. 90, já apresentados em nossa série – Beethoven lança mão na Op. 96 de formas mais concisas para, de modo mui concentrado, expressar suas ideias. O contraste com a antecessora, a sonata que todos chamam de “Kreutzer”, mas deveriam chamar “Bridgetower”, não poderia ser maior. Em lugar do virtuosismo e da verve da “Bridgetower”, que abre com aqueles vigorosos acordes do violino solo e logo liberta a fúria concertística que permeará seu primeiro e último movimentos, a sonata que Beethoven escreveu a Rode é plácida, muito equilibrada, de caráter meio etéreo, meio pastoral. Ela inicia com extrema simplicidade: o primeiro movimento tem um tema principal que começa de maneira incomum, com um trinado, e perpassa todo o movimento com diálogos entre violino e piano, que repetem entre si, com poucos compassos de diferença, todo material temático que vai surgindo. No movimento lento, o piano tem um tema ao estilo de um hino religioso, ao qual o violino responde com um outra, mais cantável, que leva a um scherzo temperamental, com um sossegado trio. O finale foi escrito especificamente para o estilo de Rode, como Beethoven confessou ao arquiduque: “Não me apressei indevidamente para compor o movimento final, pois, em vista da execução de Rode, eu tive que mudar meus planos para esse movimento. Em nossos finales gostamos de passagens ruidosas, mas R não as aprecia – e por isso me senti um pouco tolhido”. Assim, ele escolheu abrir o movimento com um tema desconcertantemente despojado – ele sempre me lembra alguém a assobiar – sobre o qual desenvolvem-se variações cada vez mais rápidas, até que Beethoven parece abandonar os planos e mergulhar num prolongado Adagio, só para retomar o tema e encaminhar o movimento para um final rápido e efetivo.
Já lhes alcancei essa sonata numa interpretação excelente, pelo magnífico Kavakos. Achei, no entanto, que não poderia perder a oportunidade de oferecer-lhes este histórico encontro entre dois importantes músicos que nada tinham em comum, exceto o respeito um pelo outro: o pianista Glenn Gould (1933-1982) e o violinista Yehudi Menuhin (1916-1999). O precioso registro foi feito a partir do áudio de um especial de TV que foi ao ar em 1965, o qual alcançarei a vocês ao final da postagem, com obras de J. S. Bach, Beethoven e Schönberg que abarcam três séculos da tradição da música para violino e teclado. Melhores que as interpretações, talvez, sejam os diálogos que Gould e Menuhin travam acerca das obras antes de executá-las. Infelizmente, não encontrei uma versão legendada em português, nem uma transcrição dos textos. No entanto, acho que o contraste entre as posturas do fleumático Menuhin, com seu sotaque afiado pelos já tantos anos radicado no Reino Unido, e o palavroso Gould é tão interessante que dispensará tradutores. Os resultados que conseguem com seu duo, embora longe de serem interpretações de referência, não desagradarão mesmo aos numerosos detratores destes artistas incomuns, graças, a meu ver e ouvir, à imensa capacidade que Menuhin tinha de compreender e assimilar o estilo de seus colegas e responder-lhes com muito respeito, que lhe permitiria parcerias memoráveis e muito convincentes com músicos como Ravi Shankar e Stéphane Grappelli.
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Sonata para violino e teclado em Sol menor, BWV 1017
Muito se fala da relação de Gustav Mahler com a música de Beethoven a partir de sua propensão a fazer “retoques” nas sacrossantas obras do renano. A controversa, ainda que bem-intencionada prática, fermentou a ponto de azedar os ânimos em torno da tão esperada chegada de Mahler ao cargo de diretor da Hofoper de Viena, o posto máximo da vida musical austro-húngara naquele final do século XIX. A nomeação foi antecedida por uma conversão ao catolicismo que já antevia as dificuldades que teria, como judeu, ao se tornar a maior vidraça musical do Império. Ademais, ela coroava da extraordinária carreira do maior regente de seu tempo, após galgar a escadaria que o trouxera das províncias até o Teatro Municipal de Hamburgo – onde sua reputação virara um pau de galinheiro justamente após a estreia de um Retusche à Nona de Beethoven. A chegada de Mahler a Viena coincidiu com a eclosão, naquela capital, do movimento multicêntrico conhecido como Secessão, em que artistas plásticos, rompidos com o status quo, criavam sob o lema “A cada época, sua arte – à arte, sua liberdade”. Mahler trouxe suas maneiras irascíveis e perfeccionistas à reacionária casa de ópera, granjeando o ressentimento de seus músicos e aclamação do público pelas produções que conduzia. Seu envolvimento quase imediato com a Secessão tornou-se um caso de família quando, em 1902, casou-se com Alma Schindler, enteada do pintor secessionista Carl Moll. Mais ainda: quando da inauguração duma exposição do grupo no prédio homônimo em Viena, dedicada a representação de Beethoven nas artes, fez ouvir um arranjo para conjunto de câmara, e cheio de Retuschen, para um trecho do finale coral da até então inviolável Nona Sinfonia do mestre de Bonn.
O prédio da Secessão (Secessionsgebäude) em Viena, com o moto do movimento: “A cada época, sua arte – à arte, sua liberdade”. Foto do autor. Tal exposição, obviamente, não teria como não ser controversa, mas os secessionistas capricharam na provocação. Para começar, a peça central era uma escultura do alemão Max Klinger (1857-1920) em que Beethoven, ídolo santificado pelos vienenses, aparecia seminu:
“Beethoven”, de Max Klinger (1852-1920). Museu de Artes de Leipzig, Alemanha. Foto do autor.
Para completar, Gustav Klimt (1862-1918) pintou um imenso friso para decorar as paredes do prédio da Secessão, incluindo um bom número de figuras exóticas, incluindo animais selvagens e mulheres nuas:
“Friso Beethoven”, de Gustav Klimt (1862-1918). Secessionsgebäude, Viena, Áustria. Foto do autor.
Uma das figuras de maior destaque no “Friso Beethoven”, como ficou conhecido, era um cavaleiro em trajes de ouro, aparentemente venerado pelas figuras circunjacentes:
“Friso Beethoven”, de Gustav Klimt (1862-1918). Secessionsgebäude, Viena, Áustria. Foto do autor. Cuja fisionomia, para os vienenses, lembrava muito a do detestado judeu que comandava a Ópera Imperial:
Sim: Mahler
Nada disso, claro, ajudou a melhorar a reputação de Mahler na xenófoba e antissemítica Viena, tampouco entre seus esgotados músicos. Depois de muito entrevero, e do crescente descontentamento com o tempo que dedicava ao afã de compor, ele fechou um polpudo contrato com a Metropolitan Opera de New York, deixou a Hofoper e passou a dividir seu tempo entre exaustivas temporadas na América e verões na Europa a compor em bucólicas casinhas no campo:
A última das três “cabanas de composição” de Mahler que chegaram aos nossos dias, em Toblach/Dobbiaco, Tirol do Sul, Itália. Nela, ele passou compondo seus três últimos verões (1908-1910). Foto do autor.
Uma das mais selvagemente atacadas recriações beethovenianas de Mahler foi a do quarteto Op. 95, que ele tinha em alta consideração como uma das mais visionárias de suas obras. Eu esperava escutar na transcrição para orquestra de cordas algo que o trouxesse para mais perto duma “Noite Transfigurada” de Schönberg (composta naquele mesmo ano), mas só consigo ouvir – afora algumas mudanças na articulação e dinâmica, em particular do uso do contraste entre subgrupos dos naipes e um eventual instrumento solista – uma releitura reverente que realça o pathos da obra do velho mestre e. Por ora, Gustav parece inocente de todas as acusações que lhe fizeram, mas sugiro que, antes de baterem o martelo e darem o veredito, aguardem a versão que lhes trarei de sua Nona retocada.
Preparem os tomates.
Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)
Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Ré menor, D. 810, “A Morte e a Donzela” Arranjo para orquestra de cordas de Gustav Mahler (1860-1911)
1 – Allegro
2 – Andante con moto
3 – Scherzo: Allegro molto
4 – Presto
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Ré menor, D. 810, “A Morte e a Donzela” Arranjo para orquestra de cordas de Gustav Mahler
5 – Allegro con brio
6 – Allegretto ma non troppo
7 – Allegro assai vivace ma serioso – Più allegro
8 – Larghetto espressivo – Allegretto agitato – Allegro
Solistas de Moscou (Solisti Moskvi) Yuri Bashmet, regência
E aqui vai mais um nude de Lud Van, porque, enfim, isso não se tem todo dia. Busto por Max Klinger (1852-1920), Museum of Fine Arts, Boston, Estados Unidos (foto do autor)#BTHVN250, por René Denon
É curioso que um compositor como Beethoven, tão pouco afeito a alcunhar suas criações, tenha aposto o título “Serioso” (“Sério”) a seu breve quarteto em Fá menor, a mais curta de suas obras do gênero e tão estilisticamente distante do seu antecessor, o Op. 74, que surpreende saber que apenas um ano aparta suas criações. Sua radicalidade levou muitos estudiosos a conjeturarem se Ludwig não pretendia criar uma obra experimental, um manifesto mais que uma peça de entretenimento. De fato, ele afirmou em sua correspondência que o quarteto se destinava “a um pequeno círculo de conhecedores, e nunca deverá ser tocado em público”. Não obstante, ele foi estreado, ainda que quatro duros anos após a composição, e a publicação ainda levaria outros dois, com a significativa dedicatória a Nikolaus Zmeskall, um amigo músico e plebeu, e não qualquer dos figurões de praxe.
Esse concentrado e turbulento quarteto ocupa posição semelhante à da Op. 90 entre as sonatas para piano: um exercício de concisão antes dos altos voos das visionárias obras derradeiras. O “Serioso” abre com um dos mais perturbadores movimentos de Beethoven, com uma agressiva frase em uníssono respondida como que por apupos. Embora curto, ele deixa impressão diferente, tamanha a tensão no desenvolvimento e o drama nos contrastes de registros. Seu movimento lento não é assim tão vagaroso e, apesar de cantável, é centrado num fugato que poucas concessões à tensão que permeia toda a obra. O scherzo nada tem de brincadeira, apesar de sua tradução do italiano ser exatamente essa, e é um Allegro vivace que Beethoven faz questão de salientar, na própria indicação de andamento, que não pode deixar de ser serioso. O finale, por fim (e eu deveria ganhar um prêmio pela genialidade de escrever “o finale, por fim”), antecipa muitos gestos do grande quarteto em Lá menor, Op. 132, com um tenso desenvolvimento que, surpreendentemente, acaba num breve episódio em Fá maior – exatamente como a música de cena para “Egmont”, a única outra obra importante que Beethoven produziu em 1810.
Muito se discutiu se o quarteto era a expressão de suas angústias para o mundo, especialmente por conta duma correspondência contemporânea em que afirmou:
Se eu não tivesse lido em algum lugar que ninguém deveria deixar a vida voluntariamente enquanto pudesse fazer algo significativo, eu estaria morto há muito tempo e certamente por minhas próprias mãos. Oh, a vida é muito bela, mas para mim ela está envenenada para sempre”
Se assim fosse, que luz em sua vida seria aquela breve coda em Fá maior? Nunca saberemos. A surpreendente modulação, no entanto, que soa redentora como a “Sinfonia da Vitória” que encerra a música para “Egmont” é talvez o que de mais marcante haja nessa pequena e opressiva obra-prima. No dizer dum crítico, “nenhuma garrafa de espumante foi aberta numa hora melhor”.
ooOoo
Enquanto nos aproximávamos, em nossa travessia da obra completa de Beethoven, de seus últimos e transcendentais quartetos para cordas, encontrei a mesma dificuldade que já lhes apontei para com as sonatas para piano: são tantas gravações significativas que fica difícil escolher uma para lhes recomendar. Assim, escolhi também lhes oferecer, junto a cada postagem sobre um dos quartetos, a integral deles com um de meus conjuntos favoritos. Começo, pois, com a versão do Alban Berg Quartett, que criou minha gravação favorita do “Serioso” e um ciclo modelar dos visionários quartetos finais – embora possa estar, uma vez mais – como foi com Sokolov e as últimas sonatas para piano – a começar por onde deveria terminar.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Quarteto em Fá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 95, “Serioso” Composto entre 1810-11 Publicado em 1816 Dedicado a Nikolaus Zmeskall von Domanovecz
1 – Allegro con brio
2 – Allegretto ma non troppo
3 – Allegro assai vivace ma serioso
4 – Larghetto espressivo – Allegretto agitato – Allegro
Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132 Composto em 1825 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
5 – Assai sostenuto – Allegro
6 – Allegro ma non tanto
7 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
8 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
9 – Allegro appassionato
Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127 Composto entre 1824-25 Publicado em 1826 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro
Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim
5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130 Composto entre 1824-25 Publicado em 1827 Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn
1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro
Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133 Composto entre 1825-26 Publicado em 1827 Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria 7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda
Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135 Composto em 1826 Publicado em 1827 Dedicado a Johann Wolfmayer
8 – Allegretto
9 – Vivace
10 – Lento assai, cantante e tranquillo
11 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro
A Sinfonia no. 7 foi, como já sabemos, um clamoroso sucesso e teve várias reapresentações nos meses que se seguiram à sua estreia. Beethoven estava ciente de que tinha ouro em mãos e por isso postergou sua publicação, para a aproveitar a exclusividade de execução e negociar em posição mais vantajosa com as editoras. Quando a Op. 92 enfim foi à prensa, em 1816 – quatro anos depois de sua composição e três depois da estreia -, rapidamente apareceram vários arranjos, como era a praxe da época para a divulgação de obras sinfônicas, que permitiam não só o estudo das mesmas, mas também sua execução por amadores em domicílios ou por conjuntos instrumentais menores, bem como a pirataria, preocupação recorrente do compositor, e sobre a qual não tinha o menor controle depois da publicação.
Um desses arranjos surgiu quase que simultaneamente à obra original, pelo que se infere que, mesmo que claramente não tenha sido feito por Beethoven, deve ter pelo menos contado com sua ciência e aprovação. Embora se desconheça o autor do arranjo, é bastante provável que ele seja da lavra do boêmio Wenzl Sedlák (1776-1851), que fez outras transcrições semelhantes de obras do renano para um octeto de sopros semelhante àquele para o qual Ludwig já escrevera música em Bonn, ao qual somou um contrabaixo.
Nesta gravação que lhes alcanço, o conjunto de sopros liderado pela sensacional Sabine Meyer preferiu, num ato escancarado de, ahn, nepotismo de naipe, trocar o contrabaixo por um contrafagote. O noneto resultante, como já ouvimos num outro disco, tem um som encantador. Há que, claro, se dar um desconto para ele na primeira audição, pois o portento que é a Sétima, toda cheia de cordas e de ferozes ataques a elas, não conseguiria ser transposto para um conjunto menor sem perdas. Quem superar o estranhamento e, talvez, a sensação de incompletude saboreará uma interpretação maiúscula, tanto nas execuções individuais quanto no conjunto. Não se pode deixar de comentar que Sabine Meyer, consagrada solista, tem amargas memórias do ano e pouco que passou como clarinetista da Filarmônica de Berlim, da qual foi uma das primeiras integrantes femininas e (supõe ela que por isso mesmo) defenestrada por votação dos demais músicos ao final do período de experiência. Ouvi-la liderar um conjunto numa execução tão competente duma obra sinfônica, portanto, agrada-me muito e, luvadas de pelica à parte, dá-me a certeza de que os filarmônicos berlinenses não lhe fizeram falta alguma.
Consta que Sádlak, o arranjador, transformou pelo menos seis das sinfonias restantes em nonetos. Seu arranjo para a Oitava, talvez a que mais se preste à formação e aquela que mais se adequa à longa tradição germânica da Harmoniemusik, foi infelizmente perdido. Assim, Sabine Meyer e seus sopristas encomendaram seu próprio arranjo, feito pelo catalão Joan Barcons, e que vocês também ouvirão a seguir.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92, em arranjo para noneto de sopros Composta entre 1811-12 Publicada em 1813 Dedicada ao conde Moritz von Fries Arranjo anônimo contemporâneo, provavelmente feito por Wenzl Sedlák (1776-1851)
1 – Poco sostenuto – Vivace
2 – Allegretto
3 – Presto – Assai meno presto
4 – Allegro con brio
Sinfonia no. 8 em Fá maior, Op. 93, em arranjo para noneto de sopros Composta em 1812 Publicada em 1817
Arranjo de Joan Barcons (1942)
5 – Allegro vivace e con brio
6 – Allegretto scherzando
7 – Tempo di menuetto
8- Allegro vivace
Sabine Meyer Bläserensemble Diethelm Jonas e Thomas Indermühle, oboés
Reiner Wehle e Sabine Meyer, clarinetes
Sergio Azzolini e Georg Klütsch, fagotes
Klaus Frisch e Bruno Schneider, trompas
Klaus Lohrer, contrafagote
“Tudo o que você sempre quis saber sobre o contrafagote, mas tinha medo de
lhe baterem com um e preferiu não perguntar”
Quando a Oitava estreou, num concerto que também incluiu a já manjada e bem-sucedida dobradinha Sétima/Wellington, a reação, se não de desgosto, foi de estranheza. Depois da energia tremenda da Sétima, cuja reputação só crescia, surgia aquela sinfonia neoclássica, neo-haydniana, concisa e com três de seus quatro movimentos em sonata-forma. Estaria Beethoven, o arauto do futuro da Música, dando a ré?
Pelo jeito, não atentaram para a escrita: desde a “Eroica”, Ludwig alternava uma sinfonia inovadora e expansiva com uma contraparte concisa e/ou relaxada. Se a Quinta foi gêmea bivitelina da Sexta, os primeiros esboços da Oitava surgiram juntos aos da Sétima, que acabou tendo uma gestação mais curta. Composta essencialmente em 1812, ano em que Beethoven conheceu seu ídolo Goethe num veraneio em Teplitz/Teplice e escreveu sua famosa carta à “Amada Imortal”, a Oitava é notável por ser uma das únicas grandes obras de Beethoven sem um dedicatário. Ela já começa contrastando com sua irmã: em vez da imensa introdução que abre a Sétima, aqui uma frase assertiva inicia imediatamente os trabalhos. Não há, como na sinfonia anterior, um movimento lento propriamente dito, e sim um “pseudo-scherzo” cujo pulsar remete tanto a um metrônomo que se cogitou tratar-se de uma homenagem a seu inventor, Mälzel (a descoberta posterior de um breve cânone vocal com o tema do Allegretto e uma citação a Mälzel pareceu corroborar a teoria, mas acabou refutada como uma falsificação – mais uma – de Anton Schindler). Em seguida ao “pseudo-scherzo”, em dum scherzo propriamente dito, há um delicioso minueto – o primeiro que ele escrevia em oito anos, e mais uma jocosa referência ao não tão distante passado em que a uma sinfonia não poderiam faltar minuetos. O finale é, entre todas as partes, aquela de maior sustância: depois dum começo sutil e um tanto hesitante, a coisa vai fermentando e crescendo e tomando uma proporção tamanha que só consegue encontrar um fim com a maior e mais extravagante de todas as codas de Beethoven.
Tantos gestos de humor e bruscos imprevistos, dentro duma forma mormente clássica, foram entendidos na época como anacronismo, mas hoje eu só os consigo perceber como imensa ironia – a mesma com que Ludwig teria respondido ao comentário de seu aluno Czerny sobre o fato do público não ter aclamado a Oitava e preferido a Sétima:
Porque ela é muito melhor.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sinfonia no. 8 em Fá maior, Op. 93 Composta em 1812 Publicada em 1817
1 – Allegro vivace e con brio
2 – Allegretto scherzando
3 – Tempo di menuetto
4- Allegro vivace
Talvez o disco mais interessante da série “Beethoven Resound”, que já apresentamos quando de nossa postagem sobre o “Egmont”, seja este. Ele recria o concerto de 8 de dezembro de 1813, em benefício dos soldados feridos na batalha de Hanau, com instrumentos originais e na própria sala em que ele aconteceu: o auditório da Universidade de Viena, que hoje é a Sala Cerimonial da Academia Austríaca de Ciências.
Foi o dia da sorte de Ludwig: a nata da sociedade vienense reunira-se para o evento, e muitos dos melhores músicos da época – Salieri, Hummel, Meyerbeer, Spohr e Dragonetti, virtuose do contrabaixo – estavam na orquestra. No pódio, o próprio Beethoven, que estreava duas obras: a sinfonia no. 7, concluída dois anos antes, e a “Vitória de Wellington”, escrita no verão anterior. Entre elas, e talvez as peças mais esperadas da noite, duas marchas para orquestra e… trompetista mecânico.
Sim, falamos sério
A aparição da engenhoca, tão famosa quanto Beethoven, era talvez mais aguardada que a do célebre compositor. Seu inventor, que detinha o título de Hofmechanicus (mecânico principal) da corte imperial, chamava-se Johann Nepomuk Mälzel, era amigo de Ludwig, mentor da “Vitória de Wellington” e uma figura tão rara que pediremos vênia a nosso homenageado de 2020 para dedicar-lhe o restante dessa postagem.
Filho de um organista, Mälzel (1772-1838) familiarizou-se cedo tanto com música quanto com a mecânica. Dedicou-se a construção de engenhosos aparatos, muitas vezes aperfeiçoados a partir de ideias que tomava indebitamente de outrem. Um deles foi o metrônomo, instrumento que o fez cair nas graças de Beethoven e do qual é ainda hoje, a despeito de muitos precursores, considerado o inventor. O mais famoso foi, talvez, “O Turco”, um falso autômato que jogava xadrez.
Sim.
“O Turco” foi inventado por Wolfgang von Kempelen e, pelo que consta, derrotou Napoleão anos antes de Wellington fazê-lo em Waterloo. Apresentado à fantástica criação durante uma visita ao palácio de Schönbrunn, o corso tentou trapacear três vezes, no que foi admoestado pelo oponente, que corrigiu seus movimentos anômalos e, por fim, derrubou todas as peças do tabuleiro em protesto. Jogando a sério, Napoleão perdeu a partida e, ao jogar a revanche, pediu que vendassem os olhos d’O Turco para dificultar-lhe a vida, só para perder novamente. Depois de muito furor, o trambolho acabou esquecido até que Mälzel o comprou do filho do já falecido Kempelen e, munindo-se de sua habilidade para a autopromoção, levou a máquina recauchutada – que dizia “cheque!” com um rudimentar sintetizador de voz – em turnê pela Europa. A sensação foi tamanha que Mälzel chegou até às Américas com seu show itinerante, até que o mau cheiro da história toda fizesse um grupo de sabidos (que incluía um certo Edgar Allan Poe) a expor a verdade: “O Turco” era tão só uma elaborada fraude que contava com um enxadrista tamanho econômico espremido entre seus mecanismos.
Não me digam
Mälzel, como já mencionamos, era amigo de Beethoven, que adotou entusiasticamente o metrônomo e foi um dos primeiros compositores a prescreverem andamentos baseados nele. Ademais, caiu nas graças do renano ao construir-lhe diversas tubas auditivas que muito o ajudaram antes da surdez entrevá-lo de vez no silêncio. Mälzel, no entanto, era um homem de negócios, e o trabalho prévio com Salieri e Haydn fê-lo enxergar uma perspectiva de bufunfa grande numa parceria com Ludwig. O triunfo do duque de Wellington sobre Joseph Bonaparte em Vitoria, Espanha, incendiara de otimismo os vienenses, que tinham comido pão duríssimo durante as duas ocupações napoleônicas. Mälzel pressentiu o tilintar das patacas e não se fez de rogado: propôs a Beethoven que escrevesse uma composição baseada na vitória de Wellington, para seu panharmonicon, um caixotão cheio de engrenagens que imitava, através de vários tubos, os sons de metais e madeiras, e acionava instrumentos de percussão por sistemas pneumáticos.
Ei-lo
Mais que isso, Mälzel esboçou o plano geral da composição – um exército de cada lado, com suas respectivas canções patrióticas, fanfarras, percussão e ruídos bélicos, e uma sinfonia triunfante no final com um fugato baseado em God Save the King. O resultado, claro, foi a “Vitória de Wellington”, que ficou tão grande que não coube no panharmonicon. Beethoven expandiu-a, então, ainda mais e orquestrou-a para o concerto beneficente. Mälzel, no entanto, não deixou de vender seu peixe, fazendo ouvir duas marchas tocadas por um inacreditável trompetista autômato, acompanhadas pela orquestra regida por Ludwig. A plateia, já embriagada pela Sétima Sinfonia, veio abaixo, e imediatamente os dois começaram a traçar novos planos. A parceria azedaria em breve, muito porque Beethoven acusaria Mälzel – levando-o inclusive aos tribunais – de apropriação de sua obra, ao executar arranjos não autorizados dela, ao passo que Mälzel a considerava sua própria cria intelectual. O inventor tomou o rumo de Munique, de Paris e, enfim, do Novo Mundo, onde conquistou fama e limitada fortuna com suas engenhocas antes de morrer a bordo de um navio, na costa de Venezuela, num incidente de bebedeira.
Para esta gravação, uma recriação do trompetista de Mälzel – sem as cabulosas roupas que lhe colocavam, e que eram mudadas a cada peça – participa das marchas que servem de entreato às composições de Ludwig. Pode ser que seu som pareça precário a nós outros, cínicos ouvintes modernos, mas se pusermos de lado os anacronismos e levarmos em conta de que ele é fruto duma imaginação de mais de duzentos anos, ele não deixa de soar como uma pequena maravilha. Ao escutá-lo, fico a imaginar a cara com que Ludwig regeu a orquestra para o solo do boneco e… ah, eu me divirto. E vocês, não se divertirão?
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92 Composta entre 1811-12 Publicada em 1813 Dedicada ao conde Moritz von Fries
1 – Poco sostenuto – Vivace
2 – Allegretto
3 – Presto – Assai meno presto
4 – Allegro con brio
Ignace Joseph PLEYEL (1757-1831)
orquestrada por Thomas Trsek (1966)
5 – Jubel-Marsch
Jan Ladislav DUSSEK (Jan Václav Dusík) (1760-1812)
orquestrada por Thomas Trsek
6 – Brunswick-Marsch, C. 263
Ludwig van BEETHOVEN
Wellingtons Sieg oder die Schlacht bei Vittoria in Musik gesetz von Ludwig van Beethoven (“A Vitória de Wellington ou a Batalha de Vitoria, posta em música por Ludwig van Beethoven”), Op. 91 Composta em 1813 Publicada em 1816 Dedicada a George, príncipe regente da Inglaterra (futuro rei George IV)
07 – Die Schlacht (A Batalha): Marsch, Rule Britannia – Marsch, Marlbororough – Schlacht, Allegro
08 – Sieges-Symphonie (Sinfonia da Vitória): Intrada, Allegro ma non troppo – Allegro con brio
Orchester Wiener Akademie
Martin Haselböck, regência
Reconstrução do trompetista automático de Johann Nepomuk Mälzel coordenada por Jakob Scheid (Universidade de Viena), com colaboração de Hubert Kowar, Birgit Lodes, Christoph
Reuter e Rebecca Wolf.
[após analisar os movimentos da “Sinfonia Pastoral”] Esses movimentos não eram mais que “lembranças” – ou seja, imagens, não realidade imediata e sensível. Mas a onipotente violência do anseio artisticamente necessário o impulsionava rumo a essa realidade. Dar a suas próprias formas sonoras a densidade, a firmeza imediatamente cognoscível e sensivelmente segura, como se com um bem-aventurado consolo a houvesse percebido na manifestações da Natureza – essa foi a amorosa alma do gozoso impulso que nos ofereceu a soberanamente magnífica Sinfonia em Lá maior. Todo o ímpeto, todo o anseio e a fúria do coração se transformam aqui em deliciosa alegria transbordante que, com onipotência báquica, nos arrasta por todos os lugares da Natureza e por todos os mares e correntes da vida, fazendo com que, conscientes de nós mesmos, lancemos gritos de júbilo em qualquer lugar em que entremos levando este ousado compasso da humana dança das esferas. Esta sinfonia é a própria apoteose da dança: é a dança em sua máxima essência, o ato mais feliz do movimento corporal, idealmente encarnado, por assim dizê-lo, em sons. A melodia e a harmonia concentram-se no vigoroso esqueleto do ritmo com em sólidas figuras humanas que, ora com enormes membros articulados, ora com elástica e delicada suavidade, quase ante nossos olhos acabam por formar uma ciranda numerosa e bem perfilada, quer amorosa, quer atrevida, às vezes séria, às vezes sossegada, ora judiciosa, ora jubilosa, a imortal forma continua ressoando, até que no último turbilhão do prazer um beijo cheio de alegria culmina no derradeiro abraço”
Richard Wagner,
“Das Kunstwerk der Zukunft” (“A Obra de Arte do Futuro”).
Leipzig, Otto Wigand Verlag, 1850. P. 91-92.
Tradução de Vassily (grifos do autor)
Admito que gastei quase toda a energia que pretendia dedicar a essa postagem na tradução desse convoluto excerto de Wagner. Ainda assim, fiz questão de fazê-la, porque sempre adorei a “apoteose da dança” com que Wagner tão celebremente denominou a Sétima de Beethoven, mas nunca antes lera o termo dentro do devido contexto, em seu calhamaçudo ensaio sobre o futuro da Arte.
Que me restaria comentar, então, depois tão apoteóticas loas? Talvez tentar colocar a Sétima em seu contexto. Apesar de desde então reconhecido como um dos maiores entre todos os compositores, a fama de Beethoven era eclipsada pelo sucesso avassalador de outros músicos, especialmente de Rossini. Ninguém hoje sonharia em mencioná-los na mesma frase, mas reputação alguma, por si só, encheria os bornais de Beethoven, sempre nas raias do desespero na luta por subsistir. Ele já tivera muito sucesso com obras que não contava entre suas melhores, como notoriamente o septeto, ou algumas canções, como “Adelaide”. A Sétima, no entanto, representou uma das raras ocasiões em sua carreira em que um grande e instantâneo sucesso alinhou-se ao reconhecimento de seu mérito artístico e seu próprio contentamento com a obra. O Allegretto, chamado de “a coroa da música instrumental moderna”, teve que ser repetido na estreia. A sinfonia foi reapresentada muitas vezes nos meses seguintes, com aplausos que “chegaram ao êxtase”. Ainda que entendamos o contexto especial em que ela foi estreada – a derrocada de Napoleão, somada a triunfos militares austríacos, evocando emoções celebratórias -, ela ainda hoje nos conquista pelo apelo irresistível e energia rítmica. Diferentemente da “Eroica”, não houve reclamações de que ela fosse por demais exigente aos ouvintes ou obra tão só para “conhecedores”, é notável como, mesmo com uma orquestra mais modesta, sem trombones e somente duas trompas, Beethoven conseguiu fazê-la soar tão impetuosa e assertiva quanto em suas melhores sinfonias anteriores.
Poderíamos passar eras divagando sobre a ambiciosa abertura, com a mais longa introdução de toda história sinfônica, ou sobre a beleza do segundo movimento, o Allegretto supracitado, construído sobre um ritmo obstinado e um acorde instável na abertuda, e que evolui engenhosamente para uma fuga. Também seria possível discutir como o scherzo frenético consegue ser tão enérgico e ainda assim não cansar o ouvinte para o finale de ainda mais frenética energia. Mas traduzir Wagner, como já lhes disse, me cansou, e mesmo que nenhum outro motivo houvesse para escutar a Sétima, bastar-me-ia a recomendação do próprio Beethoven, que sobre ela disse:
Um dos mais felizes produtos de meus pobres talentos.
O que, convenhamos, não é pouco.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92 Composta entre 1811-12 Publicada em 1813 Dedicada ao conde Moritz von Fries
1 – Poco sostenuto – Vivace
2 – Allegretto
3 – Presto – Assai meno presto
4 – Allegro con brio
Todo Marlon Brando tem seu dia de Alberto Roberto, e todo Beethoven tem sua “Vitória de Wellington”.
Essa composição sui generis teve imenso sucesso quando de sua estreia, num concerto em benefício dos soldados feridos na batalha de Hanau, no qual também foi estreada a sinfonia no. 7. A orquestra foi regida pelo próprio Beethoven, numa de suas últimas aparições públicas como intérprete antes da surdez torná-las impossíveis.
A despeito da aclamação da turba, incensada pelas notícias dos reveses sofridos por Napoleão nos campos de batalha, e pela bufunfa considerável que trouxe aos bolsos sempre carentes do compositor, houve também muita estranheza, principalmente entre seus admiradores e seu círculo de amigos mais próximos. Ludwig, afinal, amplamente reconhecido como o maior compositor em atividade, sempre fora muito meticuloso com aquilo que levava a público. Isso aplicava-se em especial à sua música sinfônica, porque ele sabia que seriam cada vez mais as massas pagadoras de ingressos, e não os estipêndios da nobreza, que garantiriam seu pão e seu schnapps naquela nova Europa que se redesenhava. Assim, parecia incongruente que um homem que passara anos rabiscando seus cadernos de anotações para parir um só movimento sinfônico – o primeiro de sua quinta sinfonia – tenha tão rapidamente composto uma peça ruidosa para surfar a voga nacionalista e encher a mão de gaita.
O que soou mais constrangedor aos admiradores, na época – à parte da desilusão de ver o idolatrado mestre preterir os ideais em favor do vil metal -, foi a maneira crua com que foi representado o embate dos exércitos – inglês de um lado, representado por “Rule, Britannia”, e francês do outro, com “Marlbrough s’en va-t-en guerre” (que nos é familiar como “Ele é um bom companheiro”), com percussão imitativa e ruídos bélicos variados . Nada havia de pioneirismo, claro, numa composição assim, dada a tradição de battaglie escritas por gente do naipe de Byrd e Biber, e mesmo várias peças francesas a celebrarem os feitos de Napoleão, como “La Bataille d’Austerlitz”, de Louis-Emmanuel Jadin. Nunca, no entanto, um compositor na posição de Beethoven tinha feito algo do gênero, e para exposição tão escancarada.
Embora nunca tenha defendido que seu Op. 91 fosse uma obra-prima, Beethoven não reclamou do dinheiro que ganhou com a peça e, ademais, estava contente com a possibilidade de garantir para si um futuro como compositor para grandes eventos públicos. Admito que, ao reouvi-la agora, depois de muitos anos, ela não me pareceu tão ruim: se a “Batalha” soa só barulhenta, a “Sinfonia da Vitória” tem bons momentos. Independentemente de minha desimportante opinião, o truque deu certo e teve seus imitadores. Tchaikovsky não teve dúvidas de seguir o mesmo roteiro em sua Abertura Solene “O Ano 1812”, ainda mais grandiloquente e ruidosa (embora seu uso de “La Marseillaise” seja um anacronismo, pois a canção fora banida por Napoleão ao proclamar-se imperador e era pouco provável que tenha sido escutada entre suas legiões durante a invasão da Rússia).
A “1812”, assim como o “Capricho Italiano”, também está incluída no disco que lhes alcanço, em que o ótimo Antal Doráti conduz orquestras, banda e uma série de artefatos geradores de morte, cuja descrição na capa do disco tem tanto destaque quanto os intérpretes não letais. Apesar de jurássica, é muito bem gravada e inclui comentários muito pertinentes, feitos pelo compositor e crítico Deems Taylor naquele engraçadíssimo sotaque mesoatlântico típico dos filmes estadunidenses até os anos 50.
Dessa feita, ouçam as barulhentas crias de Tchai e Lud Van, mas peguem leve com os tomates, pois Beethoven não os levava na esportiva e, certa vez, respondeu uma crítica mais áspera à sua “Vitória de Wellington” com essa sentença que eu me nego a traduzir:
Was ich scheiße ist beßer, als was du je gedacht
Googleiem aí.
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
Abertura Solene “O Ano 1812”, para orquestra e banda, Op. 49 (orquestração original) 01 – Abertura
02 – Comentários sobre a abertura (em inglês)
Minneapolis Symphony Orchestra University of Minnesota Brass Band com um canhão de bronze fabricado em Douay, França, em 1775, cedido pela Academia Militar de West Point (Estados Unidos) e os sinos do carrilhão memorial Laura Spelman Rockefeller na Riverside Church, New York City, Estados Unidos Antal Doráti, regência
Capriccio Italien, para orquestra, Op. 45 03 – Andante un poco rubato
London Symphony Orchestra Antal Doráti, regência
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Wellingtons Sieg oder die Schlacht bei Vittoria in Musik gesetz von Ludwig van Beethoven (“A Vitória de Wellington ou a Batalha de Vitoria, posta em música por Ludwig van Beethoven”), Op. 91 Composta em 1813 Publicada em 1816 Dedicada a George, príncipe regente da Inglaterra (futuro rei George IV)
04 – Die Schlacht (A Batalha): Marsch, Rule Britannia – Marsch, Marlbororough – Schlacht, Allegro
05 – Sieges-Symphonie (Sinfonia da Vitória): Intrada, Allegro ma non troppo – Allegro con brio
06 – Comentários sobre a obra (em inglês) – efeitos sonoros
London Symphony Orchestra com um dois canhões de bronze de 6 lb, um obuseiro de 12 lb, mosquetes franceses estilo Charleville e mosquetes ingleses Brown Bess, cedidos pela Academia Militar de West Point
Salvas de artilharia e mosquetes sob o comando de George C. Stowe, da unidade reativada da Guerra Civil, Bateria B da 2nd New Jersey Light Artillery Antal Doráti, regência