BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trio para piano, violino e violoncelo em Si bemol maior, Op. 97, “Arquiduque” [The Piano Trios – Florestan Trio]

Entre todos patronos de Beethoven, nenhum lhe foi mais querido que o arquiduque Rudolph, filho caçula do imperador. Apesar dumas poucas rusgas, a relação entre o compositor e a única pessoa a quem ensinou a sério composição foi de admiração mútua e, a despeito de todo desespero financeiro do primeiro e da fortuna do segundo, muito genuína. A correspondência entre ambos foi abundante e calorosa, e Beethoven retribuiu a generosa devoção do arquiduque com um rol de composições que, provavelmente, o tornam o dedicatário mais privilegiado da história. Contando somente as obras mais importantes, Rudolph recebeu as dedicatórias dos concertos nos. 4 e 5 para piano, da Grande Fuga para quarteto de cordas, das sonatas para piano “Lebewohl”, “Hammerklavier” e Op. 111, da Missa Solemnis e, por último mas não menos importante, o maravilhoso trio que hoje conhecemos como “Arquiduque”.

Não lhes consigo falar criticamente dessa obra que tanto amo. Desde seu primeiro gesto – o majestoso tema de abertura – ela sempre me captura para uma audição embevecida. Reconheço que o movimento que mais aprecio, e sem dúvidas o cerne da obra, é o Andante cantabile, com suas belíssimas variações. Tudo, no entanto, soa-me genial – o scherzo logo após o nobre movimento inicial, por exemplo, e a engenhosa construção do finale e suas ousadias tonais em preparação para uma mui efetiva coda. Esse trio é a joia da coroa do período intermediário da carreira de Beethoven, depois da qual ele só poderia mesmo voltar-se para uma arte muito diferente, mais radical, e visionária.

Não sou muito afeito a pintar as dores físicas de Beethoven, por acreditar que sua admirável história de superação de adversidades muitas vezes é amplificada a ponto de insinuar que devêssemos escutar suas obras com piedade, e não como frutos de um dos maiores gênios criadores que já existiram. Ainda assim, algumas histórias realmente me comovem, e uma delas é a da estreia do Op. 97. Ela ocorreu em 11 de abril de 1814, no hotel no hotel vienense “Zum römischen Kaiser”, na presença da nobreza e da intelligentsia locais. Beethoven fez questão de estrear sua obra ao piano, fazendo-se acompanhar dos amigos com o violinista Ignaz Schuppanzigh e o violoncelista Josef Linke. Sua surdez já era óbvia para todas as pessoas próximas, mas sua legendária teimosia fê-lo crer que quase nada escutar não lhe seria impedimento para tocar em público o instrumento de que fora o maior virtuose da Europa. O resultado, atesta-o Ludwig Spohr, violinista e compositor, presente na estreia:


Não foi uma boa execução. Em primeiro lugar, o piano estava totalmente desafinado, o que pouco preocupou Beethoven, porque ele não o conseguia ouvir. Em segundo lugar, por causa de sua surdez, quase nada restou do virtuosismo do artista que antes fora tão admirado. Nas passagens fortes, o pobre surdo batia nas teclas até as cordas tilintarem, e no piano ele tocava tão baixinho que grupos inteiros de notas eram omitidos, de modo que a música era ininteligível. Fiquei profundamente triste com um destino tão cruel. É uma grande desgraça ser surdo, mas como pode um músico suportar isso sem ceder ao desespero? De agora em diante, a melancolia contínua de Beethoven não era mais um enigma para mim.


E não seria mesmo, para mais ninguém. Alguns meses depois, num recital durante o Congresso de Viena, Beethoven tocaria pela última vez em público. Ao despedir-se dos palcos, enquanto via seus estipêndios minguarem, pois muitos de seus patronos não mais priorizavam sua música numa Europa devastada pelas guerras napoleônicas, passou a depender completamente da composição – e das complicadas negociações com editores – para seu sempre incerto sustento. Pior ainda, mergulhava num mundo de profundo silêncio, entrecortado tão só por zumbidos, onde só havia o som que conseguisse imaginar.

Para trazer-lhes o “Arquiduque”, escolhi a primorosa gravação do Florestan Trio, com o som sempre excelente da Hyperion. Como fiquei com pena de mutilar a série dos trios de Beethoven que eles registraram antes de infelizmente encerrarem suas atividades, resolvi trazê-la em toda sua gloriosa integridade, para que possam uma vez testemunhar a extraordinária evolução artística do jovem compositor do Op. 1 até o consumado mestre do Op. 97.

 

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio em Si bemol maior para piano, violino e violoncelo, Op. 97, “Arquiduque”
Composto entre 1810-11, revisado em 1814
Publicado em 1816
Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria

1 – Allegro moderato
2 – Scherzo: Allegro
3 – Andante cantabile ma però con moto – Poco più adagio – attacca:
4 – Allegro moderato – Presto

Allegretto para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, WoO Unv. 9 (Hess 48) (1790?)
5 – Allegretto

Variações em Sol maior sobre a ária “Ich bin der Schneider Kakadu” da ópera “Die Schwestern von Prag” de Wenzel Müller, para piano, violino e violoncelo, Op. 121a
Compostas em 1803, revisadas em 1816
Publicadas em 1824

6 – Introduzione
7 – Thema
8 – Variation I
9 – Variation II
10 – Variation III
11 – Variation IV
12 – Variation V
13 – Variation VI
14 – Variation VII
15 – Variation VIII
16 – Variation IX
17 – Variation 10
18 – Allegretto

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Dois trios para piano, violino e violoncelo, Op. 70
Compostos em 1808
Publicados em 1809
Dedicados à condessa Anna Maria von Erdődy

No. 1 em Ré maior, “Fantasma”

1 – Allegro vivace e con brio
2 – Largo assai ed espressivo
3 – Presto

No. 2 em Mi bemol maior

4 – Poco sostenuto – Allegro, ma non troppo
5 – Allegretto
6 – Allegretto ma non troppo
7 – Finale. Allegro

Allegretto para piano, violino e violoncelo em Si bemol maior, WoO 39 (1812)
08 – Allegretto

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Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1:
Publicados e estreados em 1795
Dedicados ao príncipe Karl von Lichnowsky

Trio no. 1 em Mi bemol maior

1 – Allegro
2 – Adagio cantabile
3 – Scherzo. Allegro assai
4 – Finale. Presto

Trio no. 2 em Sol maior
5 – Adagio – Allegro vivace
6 – Largo con espressione
7 – Scherzo. Allegro
8 – Finale. Presto

Trio para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, WoO 38 (?1791)
9 – Allegro moderato
10 – Scherzo: Allegro ma non troppo
11 – Rondo: Allegretto

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Dos Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1:

Trio no. 3 em Dó menor

1 – Allegro con brio
2 – Andante cantabile con variazioni
3 – Minuetto. Quasi allegro
4 – Finale. Prestissimo

Variações em Mi bemol maior sobre um tema original, para piano, violino e violoncelo, Op. 44
Compostas em 1792
Publicadas em 1804

5 – Thema – Variationen I-XIV

Trio em Si bemol maior para violino ou clarinete, piano e violoncelo, Op. 11, “Gassenhauer”
Composto em 1797
Publicado em 1798
Dedicado a
Maria Wilhelmine von Thun

6 – Allegro con brio
7 – Adagio
8 – Tema con variazioni (“Pria ch’io l’impegno”: Allegretto)

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The Florestan Trio:
Susan Tomes,
piano
Anthony Marwood,
violino
Richard Lester,
violoncelo

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para violino e piano em Sol maior, Op. 96 – Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Sonata para violino e teclado em Dó menor, BWV 1017 – Arnold Schönberg (1874-1951) – Fantasia para violino e piano, Op. 47 – Menuhin – Gould

A histórica esnobada de Rodolphe Kreutzer não criou em Beethoven urticárias para com violinistas franceses. Muito pelo contrário: admirador de Pierre Rode (1774-1830), violinista titular da corte de Napoleão, aproveitou uma visita do colega a Viena em 1812 para compor-lhe uma sonata para o instrumento. Rode, que fora um dos mais renomados violinistas da Europa, estava em declínio técnico por condições de saúde. Seu modus gallicus não era exatamente afeito nem ao temperamento, nem ao estilo de Ludwig. No entanto, aceitou a oferta, bancada pelo dedicatário da obra, o arquiduque Rudolph, que foi o pianista da estreia.

A obra composta para Rode marcou o retorno de Beethoven à sonata para violino, dez anos após sua composição anterior no gênero, para uma última experiência que praticamente arremata seu chamado período intermediário. Aquele ano de 1812 viu surgirem poucas composições, talvez pela dor de cotovelo trazida pela desilusão final com Antonie Brentano – aquela que foi, salvo melhor juízo, a “Amada Imortal” da  famosa carta que nunca chegou à destinatária. Foi o ano, também, em que escreveria em seu diário:


Tudo que se chama vida deve ser sacrificado ao sublime e tornar-se santuário da Arte”


Seria a limitada produção daquele 1812 um retiro de um sacerdote da Música a oferecer sacrifícios antes da fase mais ascética e visionária de sua vida? É bem possível. Assim como em obras do mesmo período – o quarteto Op. 95 e a sonata para piano, Op. 90, já apresentados em nossa série – Beethoven lança mão na Op. 96 de formas mais concisas para, de modo mui concentrado, expressar suas ideias. O contraste com a antecessora, a sonata que todos chamam de “Kreutzer”, mas deveriam chamar “Bridgetower”, não poderia ser maior. Em lugar do virtuosismo e da verve da “Bridgetower”, que abre com aqueles vigorosos acordes do violino solo e logo liberta a fúria concertística que permeará seu primeiro e último movimentos, a sonata que Beethoven escreveu a Rode é plácida, muito equilibrada, de caráter meio etéreo, meio pastoral. Ela inicia com extrema simplicidade: o primeiro movimento tem um tema principal que começa de maneira incomum, com um trinado, e perpassa todo o movimento com diálogos entre violino e piano, que repetem entre si, com poucos compassos de diferença, todo material temático que vai surgindo. No movimento lento, o piano tem um tema ao estilo de um hino religioso, ao qual o violino responde com um outra, mais cantável, que leva a um scherzo temperamental, com um sossegado trio. O finale foi escrito especificamente para o estilo de Rode, como Beethoven confessou ao arquiduque: “Não me apressei indevidamente para compor o movimento final, pois, em vista da execução de Rode, eu tive que mudar meus planos para esse movimento. Em nossos finales gostamos de passagens ruidosas, mas R não as aprecia – e por isso me senti um pouco tolhido”. Assim, ele escolheu abrir o movimento com um tema desconcertantemente despojado – ele sempre me lembra alguém a assobiar – sobre o qual desenvolvem-se variações cada vez mais rápidas, até que Beethoven parece abandonar os planos e mergulhar num prolongado Adagio, só para retomar o tema e encaminhar o movimento para um final rápido e efetivo.

Já lhes alcancei essa sonata numa interpretação excelente, pelo magnífico Kavakos. Achei, no entanto, que não poderia perder a oportunidade de oferecer-lhes este histórico encontro entre dois importantes músicos que nada tinham em comum, exceto o respeito um pelo outro: o pianista Glenn Gould (1933-1982) e o violinista Yehudi Menuhin (1916-1999). O precioso registro foi feito a partir do áudio de um especial de TV que foi ao ar em 1965, o qual alcançarei a vocês ao final da postagem, com obras de J. S. Bach, Beethoven e Schönberg que abarcam três séculos da tradição da música para violino e teclado. Melhores que as interpretações, talvez, sejam os diálogos que Gould e Menuhin travam acerca das obras antes de executá-las. Infelizmente, não encontrei uma versão legendada em português, nem uma transcrição dos textos. No entanto, acho que o contraste entre as posturas do fleumático Menuhin, com seu sotaque afiado pelos já tantos anos radicado no Reino Unido, e o palavroso Gould é tão interessante que dispensará tradutores. Os resultados que conseguem com seu duo, embora longe de serem interpretações de referência, não desagradarão mesmo aos numerosos detratores destes artistas incomuns, graças, a meu ver e ouvir, à imensa capacidade que Menuhin tinha de compreender e assimilar o estilo de seus colegas e responder-lhes com muito respeito, que lhe permitiria parcerias memoráveis e muito convincentes com músicos como Ravi Shankar e Stéphane Grappelli.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Sonata para violino e teclado em Sol menor, BWV 1017

1 – Siciliano. Largo
2 – Allegro
3 – Adagio
4 – Allegro

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para violino e piano em Sol maior, Op. 96
Composta em 1812
Publicada em 1816
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

5 – Allegro moderato
6 – Adagio espressivo
7 – Scherzo: Allegro – Trio
8 – Poco allegretto

Arnold SCHÖNBERG (1874-1951)

Fantasia para violino com acompanhamento de piano, Op. 47

9 – Grave – Più mosso – Meno mosso – Lento – Grazioso – Tempo I – Più mosso
10 – Scherzando – Poco tranquillo – Scherzando – Meno mosso – Tempo I

Yehudi Menuhin, violino
Glenn Gould, piano

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J. S. Bach: Sonata, BWV 1017


Beethoven: Sonata, Op. 96


Schönberg: Fantasia, Op. 47

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quarteto de cordas em Fá menor, Op. 95, “Serioso” – Franz Schubert (1797-1828) – Quarteto de cordas em Ré menor, D. 810, “A Morte e a Donzela” – Arranjos de Gustav Mahler para orquestra de cordas – Bashmet

Muito se fala da relação de Gustav Mahler com a música de Beethoven a partir de sua propensão a fazer “retoques” nas sacrossantas obras do renano. A controversa, ainda que bem-intencionada prática, fermentou a ponto de azedar os ânimos em torno da tão esperada chegada de Mahler ao cargo de diretor da Hofoper de Viena, o posto máximo da vida musical austro-húngara naquele final do século XIX. A nomeação foi antecedida por uma conversão ao catolicismo que já antevia as dificuldades que teria, como judeu, ao se tornar a maior vidraça musical do Império. Ademais, ela coroava da extraordinária carreira do maior regente de seu tempo, após galgar a escadaria que o trouxera das províncias até o Teatro Municipal de Hamburgo – onde sua reputação virara um pau de galinheiro justamente após a estreia de um Retusche à Nona de Beethoven.

A chegada de Mahler a Viena coincidiu com a eclosão, naquela capital, do movimento multicêntrico conhecido como Secessão, em que artistas plásticos, rompidos com o status quo, criavam sob o lema “A cada época, sua arte – à arte, sua liberdade”. Mahler trouxe suas maneiras irascíveis e perfeccionistas à reacionária casa de ópera, granjeando o ressentimento de seus músicos e aclamação do público pelas produções que conduzia. Seu envolvimento quase imediato com a Secessão tornou-se um caso de família quando, em 1902, casou-se com Alma Schindler, enteada do pintor secessionista Carl Moll. Mais ainda: quando da inauguração duma exposição do grupo no prédio homônimo em Viena, dedicada a representação de Beethoven nas artes, fez ouvir um arranjo para conjunto de câmara, e cheio de Retuschen, para um trecho do finale coral da até então inviolável Nona Sinfonia do mestre de Bonn.

O prédio da Secessão (Secessionsgebäude) em Viena, com o moto do movimento: “A cada época, sua arte – à arte, sua liberdade”. Foto do autor.
Tal exposição, obviamente, não teria como não ser controversa, mas os secessionistas capricharam na provocação. Para começar, a peça central era uma escultura do alemão Max Klinger (1857-1920) em que Beethoven, ídolo santificado pelos vienenses, aparecia seminu:

 

“Beethoven”, de Max Klinger (1852-1920). Museu de Artes de Leipzig, Alemanha. Foto do autor.


Para completar, Gustav Klimt (1862-1918) pintou um imenso friso para decorar as paredes do prédio da Secessão, incluindo um bom número de figuras exóticas, incluindo animais selvagens e mulheres nuas:

 

“Friso Beethoven”, de Gustav Klimt (1862-1918). Secessionsgebäude, Viena, Áustria. Foto do autor.



Uma das figuras de maior destaque no “Friso Beethoven”, como ficou conhecido, era um cavaleiro em trajes de ouro, aparentemente venerado pelas figuras circunjacentes:

“Friso Beethoven”, de Gustav Klimt (1862-1918). Secessionsgebäude, Viena, Áustria. Foto do autor.
Cuja fisionomia, para os vienenses, lembrava muito a do detestado judeu que comandava a Ópera Imperial:

 

Sim: Mahler


Nada disso, claro, ajudou a melhorar a reputação de Mahler na xenófoba e antissemítica Viena, tampouco entre seus esgotados músicos. Depois de muito entrevero, e do crescente descontentamento com o tempo que dedicava ao afã de compor, ele fechou um polpudo contrato com a Metropolitan Opera de New York, deixou a Hofoper e passou a dividir seu tempo entre exaustivas temporadas na América e verões na Europa a compor em bucólicas casinhas no campo:

A última das três “cabanas de composição” de Mahler que chegaram aos nossos dias, em Toblach/Dobbiaco, Tirol do Sul, Itália. Nela, ele passou compondo seus três últimos verões (1908-1910). Foto do autor.


Uma das mais selvagemente atacadas recriações beethovenianas de Mahler foi a do quarteto Op. 95, que ele  tinha em alta consideração como uma das mais visionárias de suas obras. Eu esperava escutar na transcrição para orquestra de cordas algo que o trouxesse para mais perto duma “Noite Transfigurada” de Schönberg (composta naquele mesmo ano), mas só consigo ouvir – afora algumas mudanças na articulação e dinâmica, em particular do uso do contraste entre subgrupos dos naipes e um eventual instrumento solista – uma releitura reverente que realça o pathos da obra do velho mestre e. Por ora, Gustav parece inocente de todas as acusações que lhe fizeram, mas sugiro que, antes de baterem o martelo e darem o veredito, aguardem a versão que lhes trarei de sua Nona retocada.

Preparem os tomates.

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)

Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Ré menor, D. 810, “A Morte e a Donzela”
Arranjo para orquestra de cordas de Gustav Mahler (1860-1911)

1 – Allegro
2 – Andante con moto
3 – Scherzo: Allegro molto
4 – Presto

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Ré menor, D. 810, “A Morte e a Donzela”
Arranjo para orquestra de cordas de Gustav Mahler

5 – Allegro con brio
6 – Allegretto ma non troppo
7 – Allegro assai vivace ma serioso – Più allegro
8 – Larghetto espressivo – Allegretto agitato – Allegro

Solistas de Moscou (Solisti Moskvi)
Yuri Bashmet, regência

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E aqui vai mais um nude de Lud Van, porque, enfim, isso não se tem todo dia. Busto por Max Klinger (1852-1920), Museum of Fine Arts, Boston, Estados Unidos (foto do autor)
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quarteto de cordas em Fá menor, Op. 95, “Serioso” [The Late String Quartets – Alban Berg Quartett]

É curioso que um compositor como Beethoven, tão pouco afeito a alcunhar suas criações, tenha aposto o título “Serioso” (“Sério”) a seu breve quarteto em Fá menor, a mais curta de suas obras do gênero e tão estilisticamente distante do seu antecessor, o Op. 74, que surpreende saber que apenas um ano aparta suas criações. Sua radicalidade levou muitos estudiosos a conjeturarem se Ludwig não pretendia criar uma obra experimental, um manifesto mais que uma peça de entretenimento. De fato, ele afirmou em sua correspondência que o quarteto se destinava “a um pequeno círculo de conhecedores, e nunca deverá ser tocado em público”. Não obstante, ele foi estreado, ainda que quatro duros anos após a composição, e a publicação ainda levaria outros dois, com a significativa dedicatória a Nikolaus Zmeskall, um amigo músico e plebeu, e não qualquer dos figurões de praxe.

Esse concentrado e turbulento quarteto ocupa posição semelhante à da Op. 90 entre as sonatas para piano: um exercício de concisão antes dos altos voos das visionárias obras derradeiras. O “Serioso” abre com um dos mais perturbadores movimentos de Beethoven, com uma agressiva frase em uníssono respondida como que  por apupos. Embora curto, ele deixa impressão diferente, tamanha a tensão no desenvolvimento e o drama nos contrastes de registros. Seu movimento lento não é assim tão vagaroso e, apesar de cantável, é centrado num fugato que poucas concessões à tensão que permeia toda a obra. O scherzo nada tem de brincadeira, apesar de sua tradução do italiano ser exatamente essa, e é um Allegro vivace que Beethoven faz questão de salientar, na própria indicação de andamento, que não pode deixar de ser serioso. O finale, por fim (e eu deveria ganhar um prêmio pela genialidade de escrever “o finale, por fim”), antecipa muitos gestos do grande quarteto em Lá menor, Op. 132, com um tenso desenvolvimento que, surpreendentemente, acaba num breve episódio em Fá maior – exatamente como a música de cena para “Egmont”, a única outra obra importante que Beethoven produziu em 1810.

Muito se discutiu se o quarteto era a expressão de suas angústias para o mundo, especialmente por conta duma correspondência contemporânea em que afirmou:


Se eu não tivesse lido em algum lugar que ninguém deveria deixar a vida voluntariamente enquanto pudesse fazer algo significativo, eu estaria morto há muito tempo e certamente por minhas próprias mãos. Oh, a vida é muito bela, mas para mim ela está envenenada para sempre”


Se assim fosse, que luz em sua vida seria aquela breve coda em Fá maior? Nunca saberemos. A surpreendente modulação, no entanto, que soa redentora como a “Sinfonia da Vitória” que encerra a música para “Egmont” é talvez o que de mais marcante haja nessa pequena e opressiva obra-prima. No dizer dum crítico, “nenhuma garrafa de espumante foi aberta numa hora melhor”.

ooOoo

Enquanto nos aproximávamos, em nossa travessia da obra completa de Beethoven, de seus últimos e transcendentais quartetos para cordas, encontrei a mesma dificuldade que já lhes apontei para com as sonatas para piano: são tantas gravações significativas que fica difícil escolher uma para lhes recomendar. Assim, escolhi também lhes oferecer, junto a cada postagem sobre um dos quartetos, a integral deles com um de meus conjuntos favoritos. Começo, pois, com a versão do Alban Berg Quartett, que criou minha gravação favorita do “Serioso” e um ciclo modelar dos visionários quartetos finais – embora possa estar, uma vez mais – como foi com Sokolov e as últimas sonatas para piano – a começar por onde deveria terminar.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quarteto em Fá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 95, “Serioso”
Composto entre 1810-11
Publicado em 1816
Dedicado a Nikolaus Zmeskall von Domanovecz

1 – Allegro con brio
2 – Allegretto ma non troppo
3 – Allegro assai vivace ma serioso
4 – Larghetto espressivo – Allegretto agitato – Allegro

Quarteto em Lá menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 132
Composto em 1825
Publicado em 1826
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

5 – Assai sostenuto – Allegro
6 – Allegro ma non tanto
7 – Heiliger Dankgesang eines Genesenen an die Gottheit, in der Lydischen Tonart: Molto adagio – Andante
8 – Alla marcia, assai vivace – attacca:
9 – Allegro appassionato

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Quarteto em Mi bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 127

Composto entre 1824-25
Publicado em 1826
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1 – Maestoso – Allegro
2 – Adagio, ma non troppo e molto cantabile – Andante con moto – Adagio molto espressivo – Tempo I
3 – Scherzando vivace
4 – Allegro

Quarteto em Dó sustenido menor para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 131
Composto entre 1825-26
Publicado em 1827
Dedicado ao barão Joseph von Stutterheim

5 – Adagio ma non troppo e molto espressivo
6 – Allegro molto vivace
7 – Allegro moderato – Adagio
8 – Andante ma non troppo e molto cantabile – Andante moderato e lusinghiero – Adagio – Allegretto – Adagio, ma non troppo e semplice – Allegretto
9 – Presto
10 – Adagio quasi un poco andante
11 – Allegro

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Quarteto em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 130
Composto entre 1824-25
Publicado em 1827
Dedicado ao príncipe Nikolay von Golitsyn

1- Adagio, ma non troppo – Allegro
2 – Presto
3 – Andante con moto, ma non troppo. Poco scherzoso
4 – Alla danza tedesca. Allegro assai
5 – Cavatina. Adagio molto espressivo
6 – Finale: Allegro

Grande Fuga em Si bemol maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 133
Composto entre 1825-26
Publicado em 1827
Dedicado ao arquiduque Rudolph da Áustria

7 – Overtura – Fuga – Meno mosso e moderato – Fuga – Coda

Quarteto em Fá maior para dois violinos, viola e violoncelo, Op. 135
Composto em 1826
Publicado em 1827
Dedicado a Johann Wolfmayer

8 – Allegretto
9 – Vivace
10 – Lento assai, cantante e tranquillo
11 – Der schwer gefaßte Entschluß. Grave, ma non troppo tratto (“Muss es sein?“) – Allegro (“Es muss sein!“) – Grave, ma non troppo tratto – Allegro

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Alban Berg Quartett:
Günter Pichler e Gerhard Schulz,
violinos
Hatto Beyerle, viola (Op. 95) – Thomas Kakuska, viola (Opp. 127, 130, 131, 132, 133 & 135)
Valentin Erben, violoncelo

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92 – Sinfonia no. 8 em Fá maior, Op. 93 – Arranjos para conjunto de sopros – Bläserensemble Sabine Meyer

A Sinfonia no. 7 foi, como já sabemos, um clamoroso sucesso e teve várias reapresentações nos meses que se seguiram à sua estreia. Beethoven estava ciente de que tinha ouro em mãos e por isso postergou sua publicação, para a aproveitar a exclusividade de execução e negociar em posição mais vantajosa com as editoras. Quando a Op. 92 enfim foi à prensa, em 1816 – quatro anos depois de sua composição e três depois da estreia -, rapidamente apareceram vários arranjos, como era a praxe da época para a divulgação de obras sinfônicas, que permitiam não só o estudo das mesmas, mas também sua execução por amadores em domicílios ou por conjuntos instrumentais menores, bem como a pirataria, preocupação recorrente do compositor, e sobre a qual não tinha o menor controle depois da publicação.

Um desses arranjos surgiu quase que simultaneamente à obra original, pelo que se infere que, mesmo que claramente não tenha sido feito por Beethoven, deve ter pelo menos contado com sua ciência e aprovação. Embora se desconheça o autor do arranjo, é bastante provável que ele seja da lavra do boêmio Wenzl Sedlák (1776-1851), que fez outras transcrições semelhantes de obras do renano para um octeto de sopros semelhante àquele para o qual Ludwig já escrevera música em Bonn, ao qual somou um contrabaixo.

Nesta gravação que lhes alcanço, o conjunto de sopros liderado pela sensacional Sabine Meyer preferiu, num ato escancarado de, ahn, nepotismo de naipe, trocar o contrabaixo por um contrafagote. O noneto resultante, como já ouvimos num outro disco, tem um som encantador. Há que, claro, se dar um desconto para ele na primeira audição, pois o portento que é a Sétima, toda cheia de cordas e de ferozes ataques a elas, não conseguiria ser transposto para um conjunto menor sem perdas. Quem superar o estranhamento e, talvez, a sensação de incompletude saboreará uma interpretação maiúscula, tanto nas execuções individuais quanto no conjunto. Não se pode deixar de comentar que Sabine Meyer, consagrada solista, tem amargas memórias do ano e pouco que passou como clarinetista da Filarmônica de Berlim, da qual foi uma das primeiras integrantes femininas e (supõe ela que por isso mesmo) defenestrada por votação dos demais músicos ao final do período de experiência. Ouvi-la liderar um conjunto numa execução tão competente duma obra sinfônica, portanto, agrada-me muito e, luvadas de pelica à parte, dá-me a certeza de que os filarmônicos berlinenses não lhe fizeram falta alguma.

Consta que Sádlak, o arranjador, transformou pelo menos seis das sinfonias restantes em nonetos. Seu arranjo para a Oitava, talvez a que mais se preste à formação e aquela que mais se adequa à longa tradição germânica da Harmoniemusik, foi infelizmente perdido. Assim, Sabine Meyer e seus sopristas encomendaram seu próprio arranjo, feito pelo catalão Joan Barcons, e que vocês também ouvirão a seguir.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92, em arranjo para noneto de sopros
Composta entre 1811-12
Publicada em 1813
Dedicada ao conde Moritz von Fries
Arranjo anônimo contemporâneo, provavelmente feito por Wenzl Sedlák (1776-1851)

1 – Poco sostenuto – Vivace
2 – Allegretto
3 – Presto – Assai meno presto
4 – Allegro con brio

Sinfonia no. 8 em Fá maior, Op. 93, em arranjo para noneto de sopros
Composta em 1812
Publicada em 1817
Arranjo de Joan Barcons (1942)

5 – Allegro vivace e con brio
6 – Allegretto scherzando
7 – Tempo di menuetto
8- Allegro vivace

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Sabine Meyer Bläserensemble
Diethelm Jonas e Thomas Indermühle, oboés
Reiner Wehle e Sabine Meyer,
clarinetes
Sergio Azzolini e Georg Klütsch,
fagotes
Klaus Frisch e Bruno Schneider,
trompas
Klaus Lohrer,
contrafagote


“Tudo o que você sempre quis saber sobre o contrafagote, mas tinha medo de
lhe baterem com um e preferiu não perguntar”

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 8 em Fá maior, Op. 93 – Chailly – Furtwängler – Gardiner – Haitink – Huggett – Jansons – Karajan – Rattle – Reiner – Solti – Toscanini – Wand

Quando a Oitava estreou, num concerto que também incluiu a já manjada e bem-sucedida dobradinha Sétima/Wellington, a reação, se não de desgosto, foi de estranheza. Depois da energia tremenda da Sétima, cuja reputação só crescia, surgia aquela sinfonia neoclássica, neo-haydniana, concisa e com três de seus quatro movimentos em sonata-forma. Estaria Beethoven, o arauto do futuro da Música, dando a ré?

Pelo jeito, não atentaram para a escrita: desde a “Eroica”, Ludwig alternava uma sinfonia inovadora e expansiva com uma contraparte concisa e/ou relaxada. Se a Quinta foi gêmea bivitelina da Sexta, os primeiros esboços da Oitava surgiram juntos aos da Sétima, que acabou tendo uma gestação mais curta. Composta essencialmente em 1812, ano em que Beethoven conheceu seu ídolo Goethe num veraneio em Teplitz/Teplice e escreveu sua famosa carta à “Amada Imortal”, a Oitava é notável por ser uma das únicas grandes obras de Beethoven sem um dedicatário. Ela já começa contrastando com sua irmã: em vez da imensa introdução que abre a Sétima, aqui uma frase assertiva inicia imediatamente os trabalhos. Não há, como na sinfonia anterior, um movimento lento propriamente dito, e sim um “pseudo-scherzo” cujo pulsar remete tanto a um metrônomo que se cogitou tratar-se de uma homenagem a seu inventor, Mälzel (a descoberta posterior de um breve cânone vocal com o tema do Allegretto e uma citação a Mälzel pareceu corroborar a teoria, mas acabou refutada como uma falsificação – mais uma – de Anton Schindler). Em seguida ao “pseudo-scherzo”, em dum scherzo propriamente dito, há um delicioso minueto – o primeiro que ele escrevia em oito anos, e mais uma jocosa referência ao não tão distante passado em que a uma sinfonia não poderiam faltar minuetos. O finale é, entre todas as partes, aquela de maior sustância: depois dum começo sutil e um tanto hesitante, a coisa vai fermentando e crescendo e tomando uma proporção tamanha que só consegue encontrar um fim com a maior e mais extravagante de todas as codas de Beethoven.

Tantos gestos de humor e bruscos imprevistos, dentro duma forma mormente clássica, foram entendidos na época como anacronismo, mas hoje eu só os consigo perceber como imensa ironia – a mesma com que Ludwig teria respondido ao comentário de seu aluno Czerny sobre o fato do público não ter aclamado a Oitava e preferido a Sétima:

Porque ela é muito melhor.

 

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 8 em Fá maior, Op. 93
Composta em 1812
Publicada em 1817

1 – Allegro vivace e con brio
2 – Allegretto scherzando
3 – Tempo di menuetto
4- Allegro vivace

Wiener Philarmoniker
Wilhelm Furtwängler
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NBC Symphony Orchestra
Arturo Toscanini
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Chicago Symphony Orchestra
Fritz Reiner
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Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan
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Chicago Symphony Orchestra
Sir Georg Solti
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Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks
Günter Wand
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Koninklijk Concertgebouworkest
Bernard Haitink
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The Hanover Band
Roy Goodman
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Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner
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Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Mariss Jansons
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Gewandhausorchester Leipzig
Riccardo Chailly
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Berliner Philharmoniker
Sir Simon Rattle
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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – “A Vitória de Wellington”, Op. 91 – Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92 – Ignaz Josef Pleyel (1757-1831) – Jubel-Marsch – Jan Václav Dusík (1760-1812) – Brunswick-Marsch – Haselböck

Talvez o disco mais interessante da série “Beethoven Resound”, que já apresentamos quando de nossa postagem sobre o “Egmont”, seja este. Ele recria o concerto de 8 de dezembro de 1813, em benefício dos soldados feridos na batalha de Hanau, com instrumentos originais e na própria sala em que ele aconteceu: o auditório da Universidade de Viena, que hoje é a Sala Cerimonial da Academia Austríaca de Ciências.

Foi o dia da sorte de Ludwig: a nata da sociedade vienense reunira-se para o evento, e muitos dos melhores músicos da época – Salieri, Hummel, Meyerbeer, Spohr e Dragonetti, virtuose do contrabaixo – estavam na orquestra. No pódio, o próprio Beethoven, que estreava duas obras: a sinfonia no. 7, concluída dois anos antes, e a “Vitória de Wellington”, escrita no verão anterior. Entre elas, e talvez as peças mais esperadas da noite, duas marchas para orquestra e… trompetista mecânico.

Sim, falamos sério

A aparição da engenhoca, tão famosa quanto Beethoven, era talvez mais aguardada que a do célebre compositor. Seu inventor, que detinha o título de Hofmechanicus (mecânico principal) da corte imperial, chamava-se Johann Nepomuk Mälzel, era amigo de Ludwig, mentor da “Vitória de Wellington” e uma figura tão rara que pediremos vênia a nosso homenageado de 2020 para dedicar-lhe o restante dessa postagem.

Filho de um organista, Mälzel (1772-1838) familiarizou-se cedo tanto com música quanto com a mecânica. Dedicou-se a construção de engenhosos aparatos, muitas vezes aperfeiçoados a partir de ideias que tomava indebitamente de outrem. Um deles foi o metrônomo, instrumento que o fez cair nas graças de Beethoven e do qual é ainda hoje, a despeito de muitos precursores, considerado o inventor. O mais famoso foi, talvez, “O Turco”, um falso autômato que jogava xadrez.

Sim.

“O Turco” foi inventado por Wolfgang von Kempelen e, pelo que consta, derrotou Napoleão anos antes de Wellington fazê-lo em Waterloo. Apresentado à fantástica criação durante uma visita ao palácio de Schönbrunn, o corso tentou trapacear três vezes, no que foi admoestado pelo oponente, que corrigiu seus movimentos anômalos e, por fim, derrubou todas as peças do tabuleiro em protesto. Jogando a sério, Napoleão perdeu a partida e, ao jogar a revanche, pediu que vendassem os olhos d’O Turco para dificultar-lhe a vida, só para perder novamente. Depois de muito furor, o trambolho acabou esquecido até que Mälzel o comprou do filho do já falecido Kempelen e, munindo-se de sua habilidade para a autopromoção, levou a máquina recauchutada – que dizia “cheque!” com um rudimentar sintetizador de voz – em turnê pela Europa. A sensação foi tamanha que Mälzel chegou até às Américas com seu show itinerante, até que o mau cheiro da história toda fizesse um grupo de sabidos (que incluía um certo Edgar Allan Poe) a expor a verdade: “O Turco” era tão só uma elaborada fraude que contava com um enxadrista tamanho econômico espremido entre seus mecanismos.

Não me digam

Mälzel, como já mencionamos, era amigo de Beethoven, que adotou entusiasticamente o metrônomo e foi um dos primeiros compositores a prescreverem andamentos baseados nele. Ademais, caiu nas graças do renano ao construir-lhe diversas tubas auditivas que muito o ajudaram antes da surdez entrevá-lo de vez no silêncio. Mälzel, no entanto, era um homem de negócios, e o trabalho prévio com Salieri e Haydn fê-lo enxergar uma perspectiva de bufunfa grande numa parceria com Ludwig. O triunfo do duque de Wellington sobre Joseph Bonaparte em Vitoria, Espanha, incendiara de otimismo os vienenses, que tinham comido pão duríssimo durante as duas ocupações napoleônicas. Mälzel pressentiu o tilintar das patacas e não se fez de rogado: propôs a Beethoven que escrevesse uma composição baseada na vitória de Wellington, para seu panharmonicon, um caixotão cheio de engrenagens que imitava, através de vários tubos, os sons de metais e madeiras, e acionava instrumentos de percussão por sistemas pneumáticos.

Ei-lo

Mais que isso, Mälzel esboçou o plano geral da composição – um exército de cada lado, com suas respectivas canções patrióticas, fanfarras, percussão e ruídos bélicos, e uma sinfonia triunfante no final com um fugato baseado em God Save the King. O resultado, claro, foi a “Vitória de Wellington”, que ficou tão grande que não coube no panharmonicon. Beethoven expandiu-a, então, ainda mais e orquestrou-a para o concerto beneficente. Mälzel, no entanto, não deixou de vender seu peixe, fazendo ouvir duas marchas tocadas por um inacreditável trompetista autômato, acompanhadas pela orquestra regida por Ludwig. A plateia, já embriagada pela Sétima Sinfonia, veio abaixo, e imediatamente os dois começaram a traçar novos planos. A parceria azedaria em breve, muito porque Beethoven acusaria Mälzel – levando-o inclusive aos tribunais – de apropriação de sua obra, ao executar arranjos não autorizados dela, ao passo que Mälzel a considerava sua própria cria intelectual. O inventor tomou o rumo de Munique, de Paris e, enfim, do Novo Mundo, onde conquistou fama e limitada fortuna com suas engenhocas antes de morrer a bordo de um navio, na costa de Venezuela, num incidente de bebedeira.

Para esta gravação, uma recriação do trompetista de Mälzel – sem as cabulosas roupas que lhe colocavam, e que eram mudadas a cada peça – participa das marchas que servem de entreato às composições de Ludwig. Pode ser que seu som pareça precário a nós outros, cínicos ouvintes modernos, mas se pusermos de lado os anacronismos e levarmos em conta de que ele é fruto duma imaginação de mais de duzentos anos, ele não deixa de soar como uma pequena maravilha. Ao escutá-lo, fico a imaginar a cara com que Ludwig regeu a orquestra para o solo do boneco e… ah, eu me divirto. E vocês, não se divertirão?

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92
Composta entre 1811-12
Publicada em 1813
Dedicada ao conde Moritz von Fries

1 – Poco sostenuto – Vivace
2 – Allegretto
3 – Presto – Assai meno presto
4 – Allegro con brio

Ignace Joseph PLEYEL (1757-1831)
orquestrada por Thomas Trsek (1966)

5 – Jubel-Marsch

Jan Ladislav DUSSEK (Jan Václav Dusík) (1760-1812)
orquestrada por Thomas Trsek

6 – Brunswick-Marsch, C. 263

Ludwig van BEETHOVEN

Wellingtons Sieg oder die Schlacht bei Vittoria in Musik gesetz von Ludwig van Beethoven (“A Vitória de Wellington ou a Batalha de Vitoria, posta em música por Ludwig van Beethoven”), Op. 91
Composta em 1813
Publicada em 1816
Dedicada a George, príncipe regente da Inglaterra (futuro rei George IV)

07 – Die Schlacht (A Batalha): Marsch, Rule Britannia – Marsch, Marlbororough – Schlacht, Allegro
08 – Sieges-Symphonie (Sinfonia da Vitória): Intrada, Allegro ma non troppo – Allegro con brio

Orchester Wiener Akademie
Martin Haselböck,
regência

Reconstrução do trompetista automático de Johann Nepomuk Mälzel coordenada por Jakob Scheid (Universidade de Viena), com colaboração de Hubert Kowar,  Birgit Lodes, Christoph
Reuter e Rebecca Wolf.

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A engenhoca em ação

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92 – Chailly – Furtwängler – Gardiner – Haitink – Huggett – Jansons – Karajan – Rattle – Reiner – Solti – Toscanini – Wand

[após analisar os movimentos da “Sinfonia Pastoral”] Esses movimentos não eram mais que “lembranças” – ou seja, imagens, não realidade imediata e sensível. Mas a onipotente violência do anseio artisticamente necessário o impulsionava rumo a essa realidade. Dar a suas próprias formas sonoras a densidade, a firmeza imediatamente cognoscível e sensivelmente segura, como se com um bem-aventurado consolo a houvesse percebido na manifestações da Natureza – essa foi a amorosa alma do gozoso impulso que nos ofereceu a soberanamente magnífica Sinfonia em Lá maior. Todo o ímpeto, todo o anseio e a fúria do coração se transformam aqui em deliciosa alegria transbordante que, com onipotência báquica, nos arrasta por todos os lugares da Natureza e por todos os mares e correntes da vida, fazendo com que, conscientes de nós mesmos, lancemos gritos de júbilo em qualquer lugar em que entremos levando este ousado compasso da humana dança das esferas. Esta sinfonia é a própria apoteose da dança: é a dança em sua máxima essência, o ato mais feliz do movimento corporal, idealmente encarnado, por assim dizê-lo, em sons. A melodia e a harmonia concentram-se no vigoroso esqueleto do ritmo com em sólidas figuras humanas que, ora com enormes membros articulados, ora com elástica e delicada suavidade, quase ante nossos olhos acabam por formar uma ciranda numerosa e bem perfilada, quer amorosa, quer atrevida, às vezes séria, às vezes sossegada, ora judiciosa, ora jubilosa, a imortal forma continua ressoando, até que no último turbilhão do prazer um beijo cheio de alegria culmina no derradeiro abraço”

Richard Wagner,

“Das Kunstwerk der Zukunft” (“A Obra de Arte do Futuro”).

Leipzig, Otto Wigand Verlag, 1850. P. 91-92.

Tradução de Vassily (grifos do autor)

Admito que gastei quase toda a energia que pretendia dedicar a essa postagem na tradução desse convoluto excerto de Wagner. Ainda assim, fiz questão de fazê-la, porque sempre adorei a “apoteose da dança” com que Wagner tão celebremente denominou a Sétima de Beethoven, mas nunca antes lera o termo dentro do devido contexto, em seu calhamaçudo ensaio sobre o futuro da Arte.

Que me restaria comentar, então, depois tão apoteóticas loas? Talvez tentar colocar a Sétima em seu contexto. Apesar de desde então reconhecido como um dos maiores entre todos os compositores, a fama de Beethoven era eclipsada pelo sucesso avassalador de outros músicos, especialmente de Rossini. Ninguém hoje sonharia em mencioná-los na mesma frase, mas reputação alguma, por si só, encheria os bornais de Beethoven, sempre nas raias do desespero na luta por subsistir. Ele já tivera muito sucesso com obras que não contava entre suas melhores, como notoriamente o septeto, ou algumas canções, como “Adelaide”. A Sétima, no entanto, representou uma das raras ocasiões em sua carreira em que um grande e instantâneo sucesso alinhou-se ao reconhecimento de seu mérito artístico e seu próprio contentamento com a obra. O Allegretto, chamado de “a coroa da música instrumental moderna”, teve que ser repetido na estreia. A sinfonia foi reapresentada muitas vezes nos meses seguintes, com aplausos que “chegaram ao êxtase”. Ainda que entendamos o contexto especial em que ela foi estreada – a derrocada de Napoleão, somada a triunfos militares austríacos, evocando emoções celebratórias -, ela ainda hoje nos conquista pelo apelo irresistível e energia rítmica. Diferentemente da “Eroica”, não houve reclamações de que ela fosse por demais exigente aos ouvintes ou obra tão só para “conhecedores”, é notável como, mesmo com uma orquestra mais modesta, sem trombones e somente duas trompas, Beethoven conseguiu fazê-la soar tão impetuosa e assertiva quanto em suas melhores sinfonias anteriores.

Poderíamos passar eras divagando sobre a ambiciosa abertura, com a mais longa introdução de toda história sinfônica, ou sobre a beleza do segundo movimento, o Allegretto supracitado, construído sobre um ritmo obstinado e um acorde instável na abertuda, e que evolui engenhosamente para uma fuga. Também seria possível discutir como o scherzo frenético consegue ser tão enérgico e ainda assim não cansar o ouvinte para o finale de ainda mais frenética energia. Mas traduzir Wagner, como já lhes disse, me cansou, e mesmo que nenhum outro motivo houvesse para escutar a Sétima, bastar-me-ia a recomendação do próprio Beethoven, que sobre ela disse:

Um dos mais felizes produtos de meus pobres talentos.

O que, convenhamos, não é pouco.

 

 

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sinfonia no. 7 em Lá maior, Op. 92
Composta entre 1811-12
Publicada em 1813
Dedicada ao conde Moritz von Fries

1 – Poco sostenuto – Vivace
2 – Allegretto
3 – Presto – Assai meno presto
4 – Allegro con brio

Wiener Philarmoniker
Wilhelm Furtwängler
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NBC Symphony Orchestra
Arturo Toscanini
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Chicago Symphony Orchestra
Fritz Reiner
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Berliner Philharmoniker
Herbert von Karajan
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Chicago Symphony Orchestra
Sir Georg Solti
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Sinfonieorchester des Norddeutschen Rundfunks
Günter Wand
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Koninklijk Concertgebouworkest
Bernard Haitink
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The Hanover Band
Monica Huggett
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Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner
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Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks
Mariss Jansons
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Gewandhausorchester Leipzig
Riccardo Chailly
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Berliner Philharmoniker
Sir Simon Rattle
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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – “A Vitória de Wellington”, Op. 91 – Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893) – Abertura Solene “O Ano de 1812”, Op. 49 – Capricho Italiano, Op. 45 – Doráti

Todo Marlon Brando tem seu dia de Alberto Roberto, e todo Beethoven tem sua “Vitória de Wellington”.

Essa composição sui generis teve imenso sucesso quando de sua estreia, num concerto em benefício dos soldados feridos na batalha de Hanau, no qual também foi estreada a sinfonia no. 7. A orquestra foi regida pelo próprio Beethoven, numa de suas últimas aparições públicas como intérprete antes da surdez torná-las impossíveis.

A despeito da aclamação da turba, incensada pelas notícias dos reveses sofridos por Napoleão nos campos de batalha, e pela bufunfa considerável que trouxe aos bolsos sempre carentes do compositor, houve também muita estranheza, principalmente entre seus admiradores e seu círculo de amigos mais próximos. Ludwig, afinal, amplamente reconhecido como o maior compositor em atividade, sempre fora muito meticuloso com aquilo que levava a público. Isso aplicava-se em especial à sua música sinfônica, porque ele sabia que seriam cada vez mais as massas pagadoras de ingressos, e não os estipêndios da nobreza, que garantiriam seu pão e seu schnapps naquela nova Europa que se redesenhava. Assim, parecia incongruente que um homem que passara anos rabiscando seus cadernos de anotações para parir um só movimento sinfônico – o primeiro de sua quinta sinfonia – tenha tão rapidamente composto uma peça ruidosa para surfar a voga nacionalista e encher a mão de gaita.

O que soou mais constrangedor aos admiradores, na época – à parte da desilusão de ver o idolatrado mestre preterir os ideais em favor do vil metal -, foi a maneira crua com que foi representado o embate dos exércitos – inglês de um lado, representado por “Rule, Britannia”, e francês do outro, com “Marlbrough s’en va-t-en guerre” (que nos é familiar como “Ele é um bom companheiro”), com percussão imitativa e ruídos bélicos variados . Nada havia de pioneirismo, claro, numa composição assim, dada a tradição de battaglie escritas por gente do naipe de Byrd e Biber, e mesmo várias peças francesas a celebrarem os feitos de Napoleão, como “La Bataille d’Austerlitz”, de Louis-Emmanuel Jadin. Nunca, no entanto, um compositor na posição de Beethoven tinha feito algo do gênero, e para exposição tão escancarada.

Embora nunca tenha defendido que seu Op. 91 fosse uma obra-prima, Beethoven não reclamou do dinheiro que ganhou com a peça e, ademais, estava contente com a possibilidade de garantir para si um futuro como compositor para grandes eventos públicos. Admito que, ao reouvi-la agora, depois de muitos anos, ela não me pareceu tão ruim: se a “Batalha” soa só barulhenta, a “Sinfonia da Vitória” tem bons momentos. Independentemente de minha desimportante opinião, o truque deu certo e teve seus imitadores. Tchaikovsky não teve dúvidas de seguir o mesmo roteiro em sua Abertura Solene “O Ano 1812”,  ainda mais grandiloquente e ruidosa (embora seu uso de “La Marseillaise” seja um anacronismo, pois a canção fora banida por Napoleão ao proclamar-se imperador e era pouco provável que tenha sido escutada entre suas legiões durante a invasão da Rússia).

A “1812”, assim como o “Capricho Italiano”, também está incluída no disco que lhes alcanço, em que o ótimo Antal Doráti conduz orquestras, banda e uma série de artefatos geradores de morte, cuja descrição na capa do disco tem tanto destaque quanto os intérpretes não letais. Apesar de jurássica, é muito bem gravada e inclui comentários muito pertinentes, feitos pelo compositor e crítico Deems Taylor naquele engraçadíssimo sotaque mesoatlântico típico dos filmes estadunidenses até os anos 50.

Dessa feita, ouçam as barulhentas crias de Tchai e Lud Van, mas peguem leve com os tomates, pois Beethoven não os levava na esportiva e, certa vez, respondeu uma crítica mais áspera à sua “Vitória de Wellington” com essa sentença que eu me nego a traduzir:

Was ich scheiße ist beßer, als was du je gedacht

Googleiem aí.

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

Abertura Solene “O Ano 1812”, para orquestra e banda, Op. 49 (orquestração original)
01 – Abertura
02 – Comentários sobre a abertura (em inglês)

Minneapolis Symphony Orchestra
University of Minnesota Brass Band
com um canhão de bronze fabricado em Douay, França, em 1775, cedido pela Academia Militar de West Point (Estados Unidos) e os sinos do carrilhão memorial Laura Spelman Rockefeller na Riverside Church, New York City, Estados Unidos
Antal Doráti, regência

Capriccio Italien, para orquestra, Op. 45
03 – Andante un poco rubato

London Symphony Orchestra
Antal Doráti, regência

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Wellingtons Sieg oder die Schlacht bei Vittoria in Musik gesetz von Ludwig van Beethoven (“A Vitória de Wellington ou a Batalha de Vitoria, posta em música por Ludwig van Beethoven”), Op. 91
Composta em 1813
Publicada em 1816
Dedicada a George, príncipe regente da Inglaterra (futuro rei George IV)

04 – Die Schlacht (A Batalha): Marsch, Rule Britannia – Marsch, Marlbororough – Schlacht, Allegro
05 – Sieges-Symphonie (Sinfonia da Vitória): Intrada, Allegro ma non troppo – Allegro con brio
06 – Comentários sobre a obra (em inglês) – efeitos sonoros

London Symphony Orchestra
com um dois canhões de bronze de 6 lb, um obuseiro de 12 lb, mosquetes franceses estilo Charleville e mosquetes ingleses Brown Bess, cedidos pela Academia Militar de West Point
Salvas de artilharia e mosquetes sob o comando de George C. Stowe, da unidade reativada da Guerra Civil, Bateria B da 2nd New Jersey Light Artillery
Antal Doráti, regência

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Melhor capa da história

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano em Mi menor, Op. 90 [Beethoven – Piano Sonatas Opp. 90, 106 & 111 – Sokolov]

Depois de parir petardos como a “Waldstein” (Op. 53) e a “Appassionata” (Op. 57) e romper todas as costuras da sonata para piano, Beethoven voltou-se bissextamente para seu meio favorito de expressão. Em franco contraste com as onze notáveis sonatas que lhe brotaram da pena nos cinco anos que antecederam a Op. 57, houve um hiato de cinco anos entre a “Appassionata” e a sonata seguinte, Op. 78. E, se é verdade que as três sonatas seguintes (Opp. 78, 79 e 81a) vieram ao mundo ao longo de meros dois anos, também não se nega que elas sejam, em duração e escopo, muito mais sucintas que suas antecessoras.

Pois entre o adeus ao arquiamigo Rudolph (Op. 81a) e a sonata seguinte, que lhes trago hoje, passaram-se quatro anos. Em seu retorno ao gênero, Beethoven manteve a concisão que dedicara às obras anteriores. No entanto, a Op. 90 parece-me melhor definida pela palavra concentração, tamanha a riqueza de ideias expressas pelo compositor em tão poucos minutinhos. Ainda que frequentemente incluída entre as últimas sonatas de Beethoven, não há na Op. 90 os gestos visionários das sonatas seguintes. Composta em 1814, mesmo ano em que a revisão de “Fidelio” foi concluída, ela me parece mais um retorno do compositor a um gênero que lhe era muito confortável do que uma busca de renovar um meio – ou, talvez, um grande ensaio-geral para desenferrujar e criar fôlego para as cinco últimas e transcendentais sonatas que comporia entre 1816 e 1821.

São apenas dois movimentos, todos com indicações de andamento e expressão em alemão, como seria quase sempre o caso nas sonatas seguintes. Especula-se que a preferência pelo alemão fosse um reflexo do espírito nacionalista que ressurgia nos povos de língua alemã naquela Europa sacudida por Napoleão – ou talvez nada disso, e apenas a vontade de se exprimir em sua língua materna. Apesar de descrita como uma obra em Mi menor e de fato começar nessa tonalidade, a Op. 90 seria melhor descrita como uma sonata em Mi, uma vez que o primeiro movimento desenvolve-se predominantemente em menor, e o segundo, em maior.

O primeiro, “com vivacidade, e sentimento e expressão do começo ao fim”, baseia-se praticamente num só tema e, em que pesem alguns momentos de tensão, deixa uma impressão de fluidez e constrita simplicidade. Alguns biógrafos atribuem a tensão supracitada a um conteúdo programático, que teria sido descrita pelo compositor como “a tensão entre a cabeça e o coração”, numa referência aos entreveros vividos pelo dedicatário, o conde Lichnowsky, em função duma paquera sua, mas o mais provável é que essa anedota seja mais uma atochada do factotum Schindler. Já o segundo, “não muito rápido, e para ser tocado de maneira muito cantável” é um cálido rondó com um tema que parece schubertiano, e que se resolve numa coda muito efetiva que não detrata a serenidade do movimento.

Ao nos encaminharmos para a reta final dessa travessia da integral beethoveniana, encontraremos obras tão transcendentais, tão ricamente abertas a seus intérpretes, que não teria como lhes alcançar uma interpretação favorita sem o pesar de preterir tantas e tão notáveis outras. Assim, preferi abordá-las individualmente em minhas postagens e, pelo mesmo motivo, alcançarei aos leitores-ouvintes, na medida do possível, uma série completa das últimas sonatas para cada postagem sobre elas.

Para o Op. 90, começo como talvez devesse terminar: por Grigory Sokolov. Nada afeito aos estúdios, e certamente ainda menos simpático a gravação de integrais tão só pela necessidade de gravá-las, o genial petersburguense frequentemente inclui as últimas sonatas em seus longos e variados recitais. Trago-lhes, pois, além da Op. 90 – aqui abordada com moderação nos andamentos ainda maior que a prescrita por Beethoven, uma tradicional opção de Sokolov em prol da clareza e da atenção aos detalhes -, uma “Hammerklavier” extraordinária gravada na década de 70 (gravação diferente da que já foi publicada aqui) e uma Op. 111 à qual, talvez mais do que qualquer outra versão, só se possa seguir o silêncio.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Mi menor, Op. 90
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada ao príncipe Moritz von Lichnowsky

1 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck
2 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen

Grande Sonata para piano em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
Composta entre 1817-18
Publicada em 1819
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria

3 – Allegro
4 – Scherzo: Assai vivace
5 – Adagio sostenuto
6 – Introduzione: Largo – Allegro – Fuga: Allegro risoluto

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

7 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
8 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Grigory Sokolov, piano

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Polonaise, Op. 89 – Bagatelas para piano, Opp. 119 & 126 – Schiff

Uma polonaise de Beethoven? Sim, e bastante oportunista: o ano era 1814, o Congresso de Viena repaginava a Europa pós-napoleônica e Beethoven circulava, na condição de mais célebre compositor vivo, entre a nobreza reunida naquela capital. A polonaise, dança que chegara às cortes francesas dois séculos antes, fazia muito sucesso nos salões europeus que, na mesma medida, eram abastecidos com nova música naquele ritmo característico. Beethoven, que apresentara algumas peças bem nhé no Congresso, buscava sofregamente atender comissões em troca de dinheiro. Uma das mais fáceis foi a da tzarina Elizaveta Alexeyevna da Rússia, a quem dedicou uma breve polonaise para piano solo em troca da considerável soma de cinquenta ducados. A peça, tão pouco dançante quanto se poderia esperar dum grande pianista e terrível dançarino, tem um desenvolvimento muito curto, espremido entre uma introdução com floreios pianísticos e uma coda incomumente longa, e é notória não só por ser uma das primeiras polonaises de salão escritas por um compositor dessa grandeza, como também por ser muito parecida com as primeiras tentativas de Chopin no gênero – que seriam impressas meros três anos depois, quando o polonesinho tinha meros sete anos

Muito mais interessante do que a peça em si é o pretexto que ela nos oferece para escutarmos o interessantíssimo instrumento usado nessa gravação. Conhecido como “o piano de Beethoven” e exibido com destaque no Museu Nacional Húngaro em Budapest, ele foi dado de presente ao compositor pelo fabricante John Broadwood, de Londres, em 1817. Chamá-lo daquele jeito, no entanto, é apenas uma meia-verdade. Não que o piano não fosse realmente de Beethoven, cujo nome fora gravado no instrumento pelo fabricante e que o preservou em seu apartamento até sua morte, mas sua surdez, àquela época, já estava tão profunda que ele não tinha mais condições de tocá-lo, nem de experimentar sua música nele. Não obstante, Ludwig o maltratou a ponto de, quando o piano foi removido de seu legendariamente caótico apartamento e vendido depois de sua morte, não haver “som algum nos agudos e as muitas cordas partidas ficarem enrodilhadas como um arbusto espinhoso numa galé”. Depois de algumas revendas, o instrumento foi adquirido por Franz Liszt, que o restaurou e o legou, em testamento, para o Museu Nacional Húngaro. Não se sabe o quanto o som delicado e anasalado do Broadwood teria agradado os ouvidos de Beethoven, notoriamente crítico às limitações dos instrumentos de sua época. Sabe-se que ele tinha ressalvas mesmo aos seus pianos preferidos, os de Conrad Graf, que tinham um som robusto, mais uniformidade entre os registros e, fundamental para Ludwig, a maior extensão entre seus contemporâneos. Era sob um dos pianos de Graf, aliás, doado a ele pelo próprio construtor, que Beethoven guardava o seu penico, que aparece nos relatos de vários visitantes, tamanho era o destaque que sua posição e olor tinham em sua sala de estar dos infernos.

As demais peças ouvidas nessa gravação, feita in loco no auditório do museu, são todas contemporâneas ao Broadwood e, por não exigirem muito do mecanismo, soam-lhe bem apropriadas sob as mãos do jovem András Schiff, então com 23 anos e ainda a morar em sua Budapest natal.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Seis bagatelas para piano, Op. 126
Compostas em 1824
Publicadas em 1825

1 – Andante con moto, cantabile e compiacevole
2 – Allegro
3 – Andante, cantabile e grazioso
4 – Presto
5 – Quasi allegretto
6 – Presto – Andante amabile e con moto

Cinco peças tardias para piano

7 – Allegretto em Si menor, WoO 61 (1821)
8 – Valsa em Mi bemol maior, WoO 84 (1824)
9 – Écossaise em Mi bemol maior, WoO 86 (1825)
10 – Valsa em Ré maior, WoO 85 (1825)
11 – Allegretto quasi andante em Sol menor, WoO 61a (1825)

Onze novas bagatelas para piano, Op. 119
Compostas entre 1820-1822
Nos. 7-11 publicadas no tratado de piano de F. Starke em 1821
Coleção completa publicada em 1823

12 – Allegretto
13 – Andante con moto
14 – A l’Allemande
15 – Andante cantabile
16 – Risoluto
17 – Andante — Allegretto
18 – Allegro, ma non troppo
19 – Moderato cantabile
20 – Vivace moderato
21 – Allegramente
22 – Andante, ma non troppo

Polonaise em Dó maior para piano, Op. 89
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada à Imperatriz Elizaveta Alexeyevna da Rússia

23 – Alla polacca, vivace

András Schiff, pianoforte (John Broadwood & Sons, London, 1817)
Gravado no Museu Nacional Húngaro (Magyar Nemzeti Múzeum) em Budapest, Hungria, 1977.

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Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Octeto em Mi bemol maior, Op. 103 – Rondino, WoO 25 – Septeto, Op. 20 (arranjo para noneto) – Sabine Meyer Bläserensemble

Já que nos debruçamos sobre a ótima música para instrumentos de sopro que Beethoven escreveu em sua juventude, permitam-me dar um salto em seu catálogo de obras para apresentar-lhes o Op. 103, seu único octeto.

Apesar de se supor composto para a extraordinária Harmonie a serviço de Maximilan Franz, Eleitor de Colônia e patrono em sua Bonn natal, o octeto não foi executado por aquele conjunto de sopros antes da chegada de Beethoven a Viena para estudar com o grande Haydn. Intitulado originalmente “Parthia” e com a indicação “num concerto”, que faz supor que, em algum momento, ele fosse destinado a um palco, e não ao entretenimento duma corte, ele foi explicitamente mencionado numa carta de Beethoven a Nikolaus Simrock, seu amigo de Bonn, trompista da Harmonie e futuro editor, em que perguntava se o octeto já tinha sido tocado por lá. Alguns meses mais tarde, Haydn escreveria ao Eleitor de Colônia para dar conta dos progressos feitos por seu aluno turrão e solicitar um aumento da bolsa paga a Beethoven, anexando, para documentar tais progressos, algumas das composições do rapaz. O Eleitor foi demolidor em sua resposta, afirmando que já estava a gastar muito dinheiro e que quase todas as composições enviadas, incluindo o octeto, já tinham sido escritas em Bonn e que, portanto, não representavam progresso algum. Haydn deve ter ficado com cara de tacho e, já mais preocupado com suas exaustivas, ainda que muito lucrativas, excursões à Inglaterra do que em dar aulas ao renano enrolão, acabou por deixar de lado suas lições, o que muito aliviou o pupilo, que procurou a tutela de Albrechtsberger e Salieri para, sem a ajuda do Eleitor de Colônia, conquistar a cena musical vienense.

Ainda que composto em Bonn e revisado em Viena em 1793, o octeto só foi publicado em 1830, o que justifica seu alto número de Opus. Talvez mais conhecido em sua recauchutagem como um quinteto de cordas (Op. 4), é uma obra que, embora claramente evocativa do estilo de Mozart, tem a acidez e as explosões de temperamento tão típicas de Beethoven. Do ponto de vista formal, ele já demonstra a predileção do jovem compositor por um scherzo no lugar do minueto, apesar de ainda intitulá-lo Menuetto. Embora haja equilíbrio entre as partes, é notória a proeminência das difíceis partes para trompa, instrumento a que Ludwig estava aparentemente muito familiarizado, talvez pela amizade com Simrock. Da mesma forma, o primeiro oboé conduz os três primeiros movimentos – incluindo um dueto com o fagote no Andante – e o clarinete se encarrega de incendiar o Finale com muito virtuosismo.

No manuscrito do octeto, após o minueto, há um curto e riscado fragmento de um Andante, que foi descartado pelo compositor e substituído pelo Finale supracitado. Descoberto entre os papeis de Beethoven após sua morte, o Andante foi intitulado “Rondino” e publicado separadamente em 1830.

A gravação que lhes apresentamos traz a extraordinária clarinetista Sabine Meyer a liderar um conjunto de sopristas não menos fabulosos, que inclui Albrecht Mayer, oboísta dos filarmônicos de Berlim, e se encerra com um arranjo muito interessante do septeto de Beethoven feito por Jiří Družecký (que, germanizado e sem diacríticos, fica Georg Druschetzky). Nele, as partes do violino, da viola e do violoncelo foram redistribuídas entre pares de oboés, clarinetes, trompas e fagotes, aos quais se soma um contrafagote, que assume o papel do contrabaixo. Não sei se Beethoven chegou a conhecer esse arranjo, mas tenho o palpite – a despeito de seu hábito de renegar o septeto, mesmo com todo sucesso que teve, por considerá-lo muito inferior às suas obras ulteriores – de que ele o aprovaria. O contrafagote muda completamente o caráter da peça, além de estar bem de acordo com o uso que Ludwig fez dele no final da carreira, acrescentando uma parte para o instrumento a todas suas obras mais importantes. Além disso, a virtuosística parte do primeiro clarinete, tomada ao violino, permite a Sabine Meyer alguns belos voos e nos faz lamentar que o mestre de Bonn não nos tenha legado um concerto para esse instrumento.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Octeto em Mi bemol maior para dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes e duas trompas, Op. 103
Composto em 1792
Publicado em 1834

1 – Allegro
2 – Andante
3 – Menuetto
4 – Finale. Presto

Rondó (Rondino) em Mi bemol maior para dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes e duas trompas, WoO 25
Composto em 1793
Publicado em 1830
5 – Andante

Sabine Meyer Bläserensemble
Diethelm Jonas e Albrecht Mayer
, oboés
Reiner Wehle e Sabine Meyer, clarinetes
Dag Jensen e Georg Klütsch, fagotes
Nikolaus Frisch e Bruno Schneider, trompas

Septeto em Mi bemol maior para violino, viola, clarinete, trompa, violoncelo, fagote e contrabaixo, Op. 20, em arranjo para noneto de sopros por Jiří Družecký (1745-1819)
Composto entre 1799-1800
Publicado em 1802 (septeto)
Dedicado à imperatriz Maria Theresa da Áustria
Arranjo para noneto publicado em 1814

6 – Adagio – Allegro con brio
7 – Adagio cantabile
8 – Tempo di menuetto
9 – Tema con variazioni (Andante)
10 – Scherzo
11 – Andante con moto alla marcia

Sabine Meyer Bläserensemble
Diethelm Jonas e Albrecht Mayer,
oboés
Reiner Wehle e Sabine Meyer,
clarinetes
Dag Jensen e Georg Klütsch,
fagotes
Nikolaus Frisch e Bruno Schneider,
trompas
Klaus Lohrer,
contrafagote

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

 

 

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trio, Op. 87 – versões para oboé, clarinete e fagote – para dois violinos e viola – para trompete, trompa e trombone – para três clarinetes – Variações sobre “Là ci darem la mano”, WoO 28 – Sonata para trompa e piano, Op. 17 – Trio para flauta, piano e fagote, WoO 37 – Les Vents Français

Como mencionamos ontem, as duas peças que Beethoven dedicou ao incomum conjunto de dois oboés e um corne inglês tinham destinatários específicos. Sabendo que a instrumentação era tão atraente quanto esdrúxula, Ludwig escreveu sua composição em quatro pentagramas: um para cada oboé e outro para corne inglês, todos em clave de sol, e um em clave de Dó, com material muito semelhante à parte do corne inglês, mas mais desenvolvida. Assim, ao propor uma parte para viola e supor que os violinistas não teriam dificuldades de tocar as partes dos oboés, o compositor não só autorizou, como também prescreveu a execução da obra pelo conjunto muito mais encontradiço de dois violinos e viola.

A primeira gravação que lhes trarei, no entanto, é para uma combinação diferente e, a meu ver, ainda mais atraente de instrumentos. A interação dos timbres tão característicos do oboé, do clarinete e do fagote trazem colorido às duas despretensiosas e tão bem escritas peças para trio de sopros, realçam o cantabile dos movimentos lentos e, particularmente nas variações, fazem ouvir as diferentes vozes com mais clareza. Além disso, ela servirá de pretexto para lhes apresentar o excelente conjunto Les Vents Français (“Os Sopros Franceses”), uma reunião de brilhantes solistas à qual, aqui, se junta o pianista Éric Le Sage, que tão bem toca Beethoven. De lambujem, mais uma versão da sonata para trompa que Ludwig dedicou a Giovanni Punto, seu amigo efêmero, o que lhes assegura que, se a fortuna dependesse de gravações do Op. 17, eu realmente não seria pobre.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio em Dó maior para dois oboés e corne inglês, Op. 87
(versão para oboé, clarinete e fagote)
Composto provavelmente em 1793
Publicado em 1806

1 – Allegro
2 – Adagio cantabile
3 – Menuetto. Allegro molto. Scherzo
4 – Finale. Presto

François Leleux, oboé
Paul Meyer, clarinete
Gilbert Audin, fagote

Trio em Sol maior para piano, flauta e fagote, WoO 37 (1786)

5 – Allegro
6 – Adagio
7 – Andante con variazioni

Emmanuel Pahud, flauta
Gilbert Audin, fagote
Eric Le Sage, piano

Variações em Dó maior sobre a “Là Ci Darem La Mano”, da ópera “Don Giovanni” de Mozart, para dois oboés e corne inglês, WoO 28 (versão para oboé, clarinete e fagote)
Compostas provavelmente em 1795
Publicadas em 1806

8 – Tema
9 – Variação I
10 – Variação II
11 – Variação III
12 – Variação IV
13 – Variação V
14 – Variação VI
15 – Variação VII
16 – Variação VIII – Coda

François Leleux, oboé
Paul Meyer, clarinete
Gilbert Audin, fagote

Sonata em Fá maior para piano com uma trompa ou violoncelo, Op. 17
Composta em 1800
Publicada em 1801
Dedicada à baronesa Josefine von Braun

17 – Allegro moderato
18 – Poco adagio, quasi andante
19 – Rondo – Allegro moderato

Radovan Vlatković, trompa
Éric Le Sage, piano

Dos Três Duos para clarinete e fagote, WoO 27

No. 3 em Si bemol maior
20 – Allegro sostenuto
21 – Aria con variazioni

Paul Meyer, clarinete
Gilbert Audin, fagote

Les Vents Français
Emmanuel Pahud, flauta
François Leleux, oboé
Paul Meyer, clarinete
Gilbert Audin, fagote
Radovan Vlatković, trompa

com
Eric Le Sage, piano

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Além da ótima versão acima, resolvi alcançar-lhes o trio Op. 87 em outras três roupagens, incluindo aquela para dois violinos e viola prevista por Beethoven:

Versão para trompete, trompa e trombone
New York Brass Arts Trio
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Versão para dois violinos e viola
The Millennium Trio
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Versão para três clarinetes (apenas os três últimos movimentos)
Bruce Nolan Ensemble
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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

 

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trio para dois oboés e corne inglês, Op. 87 – Variações sobre “Là ci darem la mano”, WoO 28 – Quinteto para sopros, WoO 208 – Sonata para trompa e piano, Op. 17 – Sexteto para sopros, Op. 71 – Rondino, WoO 25 – Ricercar Academy

Ao chegar a Viena em 1792 para estudar com Hadyn, Beethoven já tinha composto e esboçado obras em quase todos os gêneros frequentados pelo Mestre de Rohrau. Em poucos deles ele fora mais prolífico que na Harmoniemusik, a escritura para conjuntos de sopros a serviço de membros da aristocracia. A corte do Eleitor de Colônia em Bonn, em cuja orquestra Ludwig tocara viola, tinha um notável grupo de sopristas que certamente ajudou o compositor a familiarizar-se com os timbres e particularidades técnicas dos instrumentos, enquanto fermentava ideias, estudos e coragem para enfim escrever sua primeira sinfonia.

Na capital imperial, que já tinha sua corte repleta de ótimos músicos e com Antonio Salieri firmemente estabelecido com Kapellmeister, cargo que manteria até a antessala de sua morte em 1824, as poucas oportunidades que Beethoven teve para escrever para sopros vinham de músicos amadores. Um trio de irmãos – Johann, Franz e Philipp Teimer –  trouxe-lhe o desafio de escrever para o incomum conjunto de dois oboés e corne inglês. O trio resultante, publicado postumamente e com o enganosamente tardio número de Opus 87, foi em verdade composto antes mesmo de Ludwig planejar seu Opus 1. Embora não apresente grandes desafios técnicos a seus instrumentistas, é uma obra simpática e bem acabada no escopo de quatro movimentos que o compositor buscava dominar em seus primeiros anos em Viena: um primeiro movimento em sonata-forma estrita, com repetição de exposição, um movimento lento lírico, um minueto que é um scherzo em tudo, exceto na denominação, e um final ebuliente – o mesmo arcabouço de sua primeira sinfonia, que só viria sete anos depois.

Não se sabe em que condições ocorreu a estreia da obra, nem qual foi a impressão dos irmãos Teimer a respeito dela. Supõe-se que tenham gostado, porque dois anos depois Ludwig ainda escreveria uma outra peça para a mesma formação: as oito engenhosas variações sobre o indefectível dueto “Là ci darem la mano” do “Don Giovanni” que Mozart estreara em Praga sete anos antes e que continuava a ser um imenso sucesso. Algo mais desenvolvidas que as obras em variações que Beethoven até então escrevera para piano, são muito interessantes e menos constritas por exigências de forma que o trio. Esquecidas por mais de um século, só foram redescobertas e publicadas em 1914 – quando a Música digeria a “Sagração da Primavera” e o mundo mergulhava em sua Primeira Grande Guerra.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Rondó (Rondino) em Mi bemol maior para dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes e duas trompas, WoO 25
Composto em 1793
Publicado em 1830
1 – Andante

Marcel Ponseele e Ann van Lancker, oboés
Eric Hoeprich e Joost Hekkel, clarinetes
Marc Vallon e Jean-Louis Fiat, fagotes
Claude Maury e Piet Dombrecht, trompas

Trio em Dó maior para dois oboés e corne inglês, Op. 87
Composto provavelmente em 1793
Publicado em 1806

2 – Allegro
3 – Adagio cantabile
4 – Menuetto. Allegro molto. Scherzo
5 – Finale. Presto

Marcel Ponseele e Michel Henry, oboés
Taka Kitazato, corne inglês

Sexteto em Mi bemol maior para dois clarinetes, duas trompas e dois fagotes, Op. 71
Composto em 1796
Publicado em 1810

6 – Adagio – Allegro
7 – Adagio
8 – Menuetto. Quasi allegretto
9 – Rondo. Allegro

Eric Hoeprich e Joost Hekkel, clarinetes
Marc Vallon e Jean-Louis Fiat, fagotes
Claude Maury e Piet Dombrecht, trompas

Variações em Dó maior sobre a “Là Ci Darem La Mano”, da ópera “Don Giovanni” de Mozart, para dois oboés e corne inglês, WoO 28
Compostas provavelmente em 1795
Publicadas em 1806

10 – Tema – Variações I-VIII – Coda

Marcel Ponseele e Michel Henry, oboés
Taka Kitazato, corne inglês

Quinteto para oboé, três trompas e fagote em Mi bemol maior, Hess 19
Completado por Leopold Alexander Zellner (1823-1894)
Composto provavelmente em 1793
Completado e publicado em 1862

11 – Allegro
12 – Allegro maestoso
13 – Minuetto

Marcel Ponseele, oboé
Johann van Neste, Claude Maury e Piet Dombrecht, trompas
Marc Vallon, fagote

Sonata em Fá maior para piano com uma trompa ou violoncelo, Op. 17
Composta em 1800
Publicada em 1801
Dedicada à baronesa Josefine von Braun

14 – Allegro moderato
15 – Poco adagio, quasi andante
16 – Rondo – Allegro moderato

Claude Maury, trompa
Guy Penson, piano

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Missa em Dó maior, Op. 86 – Ah! Perfido/Per Pietà, Non Dirmi Addio, Op. 65 – Ne’ giorni tuoi felici, WoO 93 – Tremate, empi, tremate, Op. 116 – Watson – Rigby – Ainsley – Howell – Best

Ao aceitar em 1807 a encomenda do príncipe Nikolaus Esterházy II para compor uma missa para o onomástico da esposa, Beethoven receava ter que calçar, com pezinhos de criança, sandálias que lhe seriam por demais grandes. A casa de Esterházy, afinal, estava acostumada a ouvir uma missa nova composta para a princesa a cada 12 de setembro, e nos dez anos anteriores as obras lhe tinham sido providas por Johann Nepomuk Hummel e, claro, aquele com quem Beethoven mais temia ser comparado: Joseph Haydn, seu antigo professor, de quem Nikolaus tinha sido o último mecenas.

Os temores de Ludwig, então com 36 anos, tinham toda razão de ser: a despeito do reconhecimento como compositor de música instrumental, sua única experiência anterior com a música sacra tinha sido o oratório Christus am Ölberge, com resultados, como ele próprio reconhecia, pífios. O velho Haydn, por sua vez, tinha em seu portfólio quatorze missas, quase todas obras-primas consumadas, e, embora já aposentado pela doença que o mataria em poucos anos, era amplamente considerado o maior expoente vivo da Música.

O príncipe, no entanto, pagava bem e exigia um prazo firme, ao que Beethoven respondeu compondo uma missa bastante tradicional, com os cinco movimentos de praxe (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus/Benedictus, e Agnus Dei) e uma estrutura mormente sinfônica, sem os dramáticos contrastes característicos de sua música instrumental. A obra foi gelidamente recebida pelos Esterházy, que certamente estranharam as diferenças entre o que Beethoven lhes trouxe e aquilo que Haydn lhes entregara anualmente desde os tempos de Nikolaus I, o primeiro patrono do velho mestre. Conta-se que o príncipe chegou a exclamar “meu caro Beethoven, o que foi isso que você fez novamente?”, para a gargalhada de Hummel, também presente, ao que Ludwig retirou-se enfurecido. A história, contada pelo factotum e falsificador de documentos Schindler, possivelmente foi exagerada, mas tem seus fundamentos: quando a obra foi enfim publicada – depois duma negociação teimosa em que ela acabou cedida como brinde num pacotão de outras obras -, ela acabou dedicada a Esterházy algum, e sim ao conde Kinsky.

Os contemporâneos também não se entusiasmaram muito. E. T. A. Hoffmann, naquele mesmo famoso ensaio em que explodiu em arrebatamento acerca da Quinta, e apesar de reconhecer que a obra era “inteiramente digna do grande mestre” quanto à sua “estrutura interna, bem como sua inteligente orquestração”, tascou:

“… de que Beethoven seria comparado a Haydn em termos de estilo e compostura, o crítico [Hoffmann] não tinha dúvidas, mesmo antes de ter lido ou ouvido uma nota da presente obra; mas ele se sentiu desapontado em sua expectativa com relação à sua concepção e expressão do texto da Missa. Em outras ocasiões, o gênio de Beethoven pôs em movimento, propositalmente, o maquinário do temor, do terror. Assim, pensou o crítico, seu espírito também se encheria de profundo temor ao contemplar as coisas celestiais, e ele expressaria esse sentimento por meio de sons. Pelo contrário, no entanto, toda a Missa expressa um otimismo infantil que, por sua própria pureza, confia devotamente na graça de Deus e apela a ele como um pai que deseja o melhor para seus filhos e ouve suas orações…”

Apesar de muito esculachada, a Missa em Dó é uma obra com muitas qualidades. É provável que os conservadores ouvidos austro-húngaros tenham estranhado a falta de números vocais para os solistas, dada a opção de Beethoven por colocá-los a cantar em conjunto, integrando-os com o coro. Pouco comum na época, e radicalmente diferente das missas de Haydn, é a que a missa em Dó maior apenas começa e se encerra nessa tonalidade, passeando por várias outras ao longo de seus movimentos. Há alguns bons momentos fugais, e um toque surpreendente, embora não completamente original (há um precedente famoso na Missa em Si menor de J. S. Bach), com o retorno da música do Kyrie no finalzinho do Dona Nobis Pacem.

As três peças que arredondam o disco nada têm de sacro: são todas frutos da pretensão de Ludwig de ficar rico como compositor de óperas em italiano. A primeira, Ah, perfido!, é a mais famosa ária de concerto que ele compôs e já lhes foi apresentada algumas vezes em nossa jornada por sua obra, numa delas jocosamente comparada às faixas dum compacto de Silvio Cesar. As outras duas – o dueto Ne’ giorni tuoi felici (“Em teus dias felizes”) e o trio Tremate, empi, tremate (“Tremei, ímpio, tremei”) – são como trabalhos de conclusão de curso, produtos dos estudos de composição vocal e prosódia em italiano sob orientação de Antonio Salieri, debruçando-se especificamente sobre o problema de escrever duetos e trios naquele idioma. Como exercícios que são, quase todos números vocais de concerto de Beethoven não tiveram sua orquestração completa pelo compositor. A única exceção foi Tremate, que talvez considerou boa o bastante para ser apresentada, o que só veio a acontecer em 1814, o ano em que Leonore teve uma segunda chance nos palcos como Fidelio, e tendo como solistas justamente a Leonore e o Fidelio da estreia da ópera ressurrecta.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Missa em Dó maior para solistas, coro e orquestra, Op. 86
Composta em 1807
Publicada em 1812
Dedicada ao conde Ferdinand Kinsky

1 – Kyrie
2 – Gloria
3 – Credo
4 – Sanctus
5 – Benedictus
6 – Agnus Dei

Janice Watson, soprano
Jean Rigby, contralto
John Mark Ainsley, tenor
Gwynne Howell, baixo
Corydon Singers
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência

“Ah! perfido!”, cena e ária para soprano e orquestra, Op. 65
Composta em 1796
Publicada em 1805
Dedicada (no manuscrito) à condessa Joséphine de Clary

7 – Scena: Ah! perfido, spergiuro
8 – Aria: Per pietà, non dirmi addio

Janice Watson, soprano
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência

9 – “Ne’ giorni tuoi felici”, dueto para soprano, tenor e orquestra, WoO 93 (1802)

Janice Watson, soprano
John Mark Ainsley, tenor
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência

10 – “Tremate, empi, tremate”, trio para soprano, tenor, baixo e orquestra, Op. 116 (1802)

Janice Watson, soprano
John Mark Ainsley, tenor
Gwynne Howell, baixo
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Christus am Ölberge, Op. 85 – King – Harwood – Klee

Já lhes falei que não sou um grande fã do único oratório de Beethoven, mas o fato é que, até agora, a melhor versão da obra não tinha sido publicada por aqui. Resolvido: se não será esta gravação a colocar Ludwig no patamar – posição que ele, aliás, nunca almejou – dos grandes oratoristas, acho que o canto impecável de James King e Elizabeth Harwood, ambos no auge de suas capacidades vocais, sob a condução segura do já veteraníssimo Bernhard Klee deixa o Christus am Ölberge tão bonito quanto ele pode ser. E mais não lhes conto, porque eu já lhes contei antes.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Christus am Ölberge, oratório para solistas, coro e orquestra, Op. 85
Composto em 1803
Publicado em 1811

1 – Introdução: Grave – Adagio
2-  Recitativo: “Jehovah, du mein Vater!”
3 – Ária: “Meine Seele ist erschuttert”
4 – Recitativo: “Erzittre, Erde!”
5 – Ária: “Preist des Erlosers Gute”
6 – Recitativo: “Verkundet, Seraph, mir dein Mund”
7 – Dueto: “So ruhe denn”
8 – Recitativo: “Wilkommen, Tod!”
9 – Coro dos soldados: “Wir haben ihn gesehen”
10 – Recitativo: “Die mich zu fangen augezogen”
11 – Coro dos soldados: “Hier ist er”
12 – Recitativo: “Nicht ungestraft”
13 – Trio: “In meinen Adern wuhlen”
14 – Coro dos soldados: “Auf, ergreifet den Verrater!”

15 – Coro dos Anjos “Welten singen Dank und Ehre”

James King, tenor (Jesus)
Elizabeth Harwood, soprano (
Serafim)
Franz Crass, baixo (Pedro)
Wiener Singverein
Wiener Symphoniker
Bernhard Klee, regência

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Egmont, Op. 84 – Die Weihe des Hauses, Op. 124 – Föttinger – Malkovich – Haselböck

Quando o Burgtheater de Viena, em 1809, decidiu fazer uma nova montagem do “Egmont” de Johann Wolfgang Goethe, estreado vinte anos antes, não poderiam ter feito melhor escolha para o autor de sua música incidental. Beethoven idolatrava Goethe e respondeu à encomenda com grande entusiasmo, dedicação e, no que lhe era realmente incomum, rigoroso cumprimento dos prazos combinados. A montagem foi um sucesso e, ainda mais importante para Ludwig, Goethe adorou a música, que, nas palavras do mestre das Letras, evocou o caráter de seu drama com “notável gênio”.

“Egmont”, a tragédia, acompanha os dias finais de Lamoraal, o conde flamengo de Egmont, que luta contra a opressão dos invasores espanhóis capitaneados pelo duque de Alba. Abandonado pelos correligionários, o conde é aprisionado pelos inimigos. Clärchen, sua amada, vem a seu socorro e tenta, sem sucesso, libertá-lo. Desesperada com a falha de seus esforços, Clärchen suicida-se. Egmont é, enfim, condenado à morte e encara com altivez o caminho para o patíbulo, certo de que sua ilibada trajetória e dedicação à causa que lhe custará a vida inspirará seus compatriotas no caminho para a liberdade. A música de Beethoven para “Egmont” é pouco ouvida além da poderosa abertura, o que é uma pena, pois, a despeito da pouca coesão entre suas peças, tem vários momentos memoráveis – sobretudo as duas canções de Clärchen e a “Sinfonia da Vitória” que evoca o fim heroico de Lamoraal. As semelhanças da trama com a de “Leonore” – o herói aprisionado, a heroína que vem em seu socorro – são notáveis, e não se pode duvidar de que elas tenham instigado Ludwig, talvez ressentido com o fracasso de sua única ópera, que reestrearia cinco anos depois, amplamente retrabalhada, como “Fidelio”.

A gravação que escolhi provém de Resound, uma série muito especial produzida por Stephan Reh e dirigida por Martin Hasselböck. Nela, a Wiener Akademie Orchester executa obras de Beethoven, sob a regência de Hasselböck, não só com instrumentos originais, mas com as forças orquestrais usadas nas estreias e, sempre que possível, nos locais em que elas aconteceram. Como o Burgtheater em que se ouviu pela primeira vez o “Egmont” não existe mais, e o teatro com esse nome que hoje há em Viena é uma reconstrução de um novo Burgtheater, destruído por bombardeios, escolheu-se fazer a gravação num outro notável teatro vienense: o Theater in der Josefstadt, o mais antigo teatro da cidade ainda em funcionamento, e que foi reinaugurado em 1822 com a abertura Die Weihe des Hauses (“A Consagração da Casa”), também incluída no disco.

As gravações da música incidental de “Egmont” costumam incluir uma parte para narrador que, embora não previstas no original, ajudam a contextualizar a música de cena, na ausência do texto de Goethe. Já lhes alcançamos aqui, anteriormente, uma poderosa versão narrada pelo inesquecível Bruno Ganz. Para a série Resound, foram feitas versões em alemão e inglês, e cada qual ficou a cargo de um grande ator. A primeira foi lida pelo austríaco Herbert Föttinger, de distinta carreira no teatro vienense, que foi um excelente Fausto e um notável Valmont em “Ligações Perigosas”, além de diretor duma montagem de “Fidelio” regida por Nikolaus Harnoncourt no próprio Theater an der Wien em que a ópera estreou e, não menos importante, diretor artístico do Theater in der Josefstadt em que foi feita a gravação. Já a versão em inglês é lida pelo brilhante John Malkovich, que curiosamente também viveu um Valmont inesquecível, mas no cinema, e cujo estilo harmoniza tão bem com a música, executada com o conjunto instrumental menor que o costumeiro, que passou a ser meu “Egmont” favorito.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Música para a Tragédia “Egmont” de Johann Wolfgang von Goethe, Op. 84
Composta entre 1809-1810
Publicada em 1810 (abertura) e 1812 (demais peças)

1 – Abertura. Sostenuto, Ma Non Troppo – Allegro
2 – Monólogo e Canção: Die Trommel gerührt
3 – Monólogo e Entreato no. 1: Andante
4 – Monólogo e Entreato no. 2: Larghetto
5 – Monólogo e Canção: Freudvoll und leidvoll, gedankenvoll sein
6 – Monólogo e Entreato no. 3: Allegro
7 – Monólogo e Entreato no. 4: Poco sostenuto e risoluto
8 – Monólogo e Música: Clärchens Tod bezeichnend: Larghetto
9 – Melodrama: Poco sostenuto
10 – Monólogo e Sinfonia da Vitória: Allegro con brio

Bernarda Bobro, soprano
Wiener Akademie Orchester
Martin Haselböck,
regência

“Die Weihe des Hauses”, Abertura em Dó maior, Op. 124
Composta em 1822
Publicada em 1825
Dedicada ao príncipe Nikolai Golitsin
11 – Maestoso e sostenuto – Allegro

Wiener Akademie Orchester
Martin Haselböck, regência

Versão em alemão, com narração de Herbert Föttinger
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Versão em inglês, traduzida por Christopher Hampton e narrada por John Malkovich
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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sexteto, Op. 81b – Septeto, Op. 20 – The Gaudier Ensemble

Se Viena em 1810 estava uma baderna, imaginem então como estava a abadernada vida de Ludwig van Beethoven. Sem dinheiro, e com dificuldades de negociar a venda de suas obras, recorreu àquele velho golpe, que tantas vezes aqui apontamos, de requentar suas obras antigas e atingir novos editores. E se lhe faltava foco para as tarefas mais essenciais da vida, que se diria então das suas filigranas? Naturalmente, assim, o outrora meticuloso catálogo de suas composições publicadas também foi tragado pelo vórtex da zorra em que sua vida mergulhou. O resultado foi que Beethoven tocou o ficken Sie sich para seu próprio catálogo e acabou por publicar duas obras como Opus 81, o que levou a posteridade a considerar a sonata Lebewohl como Op. 81a, e o requentado sexteto para trompas e quarteto de cordas como o Op. 81b.

Requentado, sim, mas muito bom – e o jovem Ludwig, afinal de contas, sabia escrever para sopros. O sexteto foi provavelmente composto em 1795, nos seus primeiros anos em Viena, enquanto estudava com Haydn. Não se sabe em que circunstâncias, nem para quem foi composto. O fato de ter sido publicado, quinze anos depois, em Bonn pela firma de Nikolaus Simrock, que já publicara a sonata para violino e piano, Op. 47 (aquela que eu gostaria de chamar de “Bridgetower” mas tanta gente insiste em chamar de “Kreutzer”), talvez indique que ela foi escrita para conterrâneos do compositor. Talvez o próprio Simrock, nascido em Mainz, fosse o músico que Beethoven tivesse em mente: amigo do compositor desde os tempos em que tocaram juntos na orquestra do Eleitor de Colônia, na qual Simrock era trompista e Beethoven tocava viola (insira aqui sua piada de violista: _____________________), é muito plausível que ainda tivesse a capacidade de tocar uma das exigentes partes de trompa, que ficam ainda mais difíceis nos instrumentos sem válvulas daquela época. Qualquer que seja seu destinatário, este sexteto é a única obra de Ludwig na tradição da serenata-divertimento para sopros e cordas em que Mozart e Haydn foram tão prolíficos. Uma obra de Mozart, aliás – o quinteto para trompa e cordas, K. 407, na mesma tonalidade de Mi bemol maior -, é tão notavelmente semelhante ao sexteto que não parece haver muita dúvida de que ela foi a inspiração para a obra do renano.  Escrita em três movimentos, diferentemente dos divertimentos, que costumavam ter mais de cinco, ele tem um caráter decididamente virtuosístico para as trompas, e a prescrição no frontispício da primeira edição – a de que um contrabaixo dobrasse a parte do violoncelo – sugere fortemente que o sexteto tenha o caráter dum miniconcerto para duas trompas, com um vibrante Allegro de abertura, um Adagio cantável, como um dueto de ópera, e um serelepe finale com toques emulando aqueles de trompa de caça. A saborosa obra, aqui, tem a companhia do famoso Septeto, Op. 20, que tanto lucro deu a Beethoven e que ficou tão famoso que o compositor chegou mesmo a renegá-lo, aborrecido com seu sucesso que, a seu ver, ofuscava obras suas bastante melhores. A interpretação é do Gaudier Ensemble, um conjunto de distintos instrumentistas de algumas das melhores orquestras europeias, com o sempre ótimo som da Hyperion garantindo o prazer e a fidelidade da experiência aural.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Septeto em Mi bemol maior para violino, viola, clarinete, trompa, violoncelo, fagote e contrabaixo, Op. 20
Composto entre 1799-1800
Publicado em 1802
Dedicado à imperatriz Maria Theresa da Áustria

1 – Adagio – Allegro con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Tempo di menuetto
4 – Tema con variazioni. Andante
5 – Scherzo – Allegro molto e vivace
6 – Andante con moto alla marcia – Presto

The Gaudier Ensemble:

Richard Hosford, clarinete
Robin O’Neill, fagote
Jonathan Williams, trompa
Marieke Blankestijn, violino
Roger Tapping, viola
Christoph Marks, violoncelo
Stephen Williams, contrabaixo

Sexteto em Mi bemol maior para duas trompas, dois violinos, viola e violoncelo, Op. 81b
Composto provavelmente em 1795
Publicado em 1810

7 – Allegro con brio
8 – Adagio
9 – Rondo: Allegro

The Gaudier Ensemble:

Jonathan Williams e Philip Eastop, trompas
Marieke Blankestijn e Iris Juda,
violinos
Jane Atkins,
 viola
Christoph Marks,
 violoncelo

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Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para piano, Op. 81a (“Lebewohl”) & Op. 31 nos. 1 & 2 – Perahia

Beethoven ficou tiririca ao saber que seu editor resolveu dar à sonata para piano, Op. 81a, um subtítulo em francês. Apesar de ser amplamente conhecida como “Les Adieux”, em deferência ao compositor nós não a chamaremos assim. Bastaria mencionar que o título original, “Lebewohl” (“Adeus”), aparece acompanhando as três primeiras notas do movimento de abertura, mas vamos além: naquele turbulento 1809, o francês era provavelmente o último idioma que Ludwig gostaria de ouvir. Napoleão, que invadira novamente a Áustria, bombardeou Viena em 11 de maio, muito para o desespero de Beethoven, que passou a noite em claro, afogando-se em travesseiros, temendo que o ruído dos canhões detonasse ainda mais sua já precária audição. No dia seguinte, os franceses tomaram a capital austríaca, num déjà vu muito indigesto para quem já tinha visto sua única ópera fracassar na estreia porque o público era quase todo de invasores franceses. Ademais, o adeus a que o título se refere só poderia ser dito em alemão, pois foi certamente neste idioma que Beethoven despediu-se de seu aluno e patrono, o arquiduque Rudolph, que deixara Viena um mês antes para refugiar-se com a família imperial na Hungria. Instigado pelos sinceros sentimentos despertados pela partida daquele seu grande amigo, Ludwig dedicou-lhe uma sonata para piano, sob cujo primeiro movimento anotou “O Adeus (“Lebewohl”) – Viena, 4 de maio de 1809 – por ocasião da partida de Sua Alteza Imperial, o venerável arquiduque Rudolph”. Os dois movimentos restantes foram iniciados mais tarde, no mesmo ano, talvez até depois do armistício que levou os franceses a deixarem a Áustria, depois de abocanharem vários nacos de seu território. O arquiduque só voltaria a Viena em janeiro de 1810, e a sonata em sua homenagem iria a prensa um ano depois, com os subtítulos gálicos que enfureceram o compositor. Beethoven, que sempre se referiu à sonata como “Lebewohl, Abwesenheit und Wiedersehen” (“Adeus, Ausência e Reencontro”), assim expressou seu descontentamento ao editor:

“Acabo de receber o “Adeus” etc. e devo apontar que há outras cópias com um título em francês – por quê? “Lebewohl” é muito diferente de “les adieux”; é dito a uma só pessoa com o mais caloroso afeto; o outro, a grupos, a cidades inteiras!”

Independentemente do título, sempre considerei esta obra críptica uma armadilha à espera de qualquer pianista que se disponha à monumental jornada pelas trinta e duas sonatas. Ela, de fato, já foi o calcanhar de Aquiles de muitos grandes beethovenianos, mais ou menos como a “Pastoral” costuma ser entre as sinfonias. Ainda que a “Lebewohl” muitas vezes seja chamada de programática, Beethoven nunca descreveu seu programa, pelo que se depreende que sua intenção era mais evocar sentimentos do que contar uma história. É, enfim, muito difícil convencer numa obra tão elaborada, que o compositor anotou tão meticulosamente com instruções, e eu acho que o maravilhoso Murray Perahia não tem pares nessa sensível leitura da “Lebewohl”, que a um só tempo faz justiça à riqueza da composição e honra o memorial que Beethoven legou a seu grande amigo.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Das Três sonatas para piano, Op. 31
Compostas em 1802
Publicadas em 1803

Sonata no. 2 em Ré menor, “Tempestade”
1 – Largo – Allegro
2 –  Adagio
3 – Allegretto

Sonata no. 3 em Mi bemol maior, “Caça”
4 – Allegro
5 – Scherzo – Allegretto vivace
6 – Menuetto – Moderato e grazioso
7 – Presto con fuoco

Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 81a, “Les Adieux”
Composta entre 1809-10
Publicada em 1811
Dedicada a Rudolph, arquiduque da Áustria

8 – Das Lebewohl (Les Adieux): Adagio – Allegro
9 – Abwesenheit (L’Absence): Andante espressivo (In gehender Bewegung, doch mit viel Ausdruck)
10 – Das Wiedersehen (Le Retour): Vivacissimamente (Im lebhaftesten Zeitmaße)

Murray Perahia, piano

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Fantasia para piano, coro e orquestra, Op. 80 – Concerto para piano, violino e violoncelo em Dó maior, Op. 56 – Chamayou – Conunova – Clein – Kadouch – Equilbey

Depois de tanto lhes escrever – e de tanto vocês me aguentarem -, permitir-me-ei ser muito sucinto e direto.

Como sabem (ou talvez não, pois volta e meia alguém manda mensagem dando a entender que considera que o blogue tem um só autor), o PQP Bach é fruto de um trabalho colaborativo, não remunerado e, para alguns de nós, tibiamente reconhecido. Todos nós pagamos nossos boletos com outras lidas, e nenhum deles é pago com música. Músicos, aliás, quase não somos – poucos tiveram treinamento musical formal. Melômanos, claro, somos todos, e essa obsessão comum acabou por nos aproximar, a partir da criação do blogue pelo patrão, há quase quatorze anos, e da construção gradual, combinando convocações, autoconvites e casualidades, de nossa cambada de autores.

E não, não nos conhecemos todos. Alguns se conhecem, e uns poucos conhecem a maioria dos outros. Estamos mais ou menos esparramados pelo Brasil, e até fora dele, a maioria longe de seu pago, polinizando música pela blogosfera enquanto a vida, volta e meia, nos taca fogo na cara e alguma boa alma nos vem apagá-lo com o tamanco. Comunicamo-nos muito, é verdade, mas nos encontramos menos do que gostaríamos. A ideia dum grande encontro pequepiano, claro, está sempre presente, mas o fato é que temos que nos conformar, na prática, com miniencontros, normalmente tomando um goró, batendo um rango, ou na frente duma TV, assistindo a um péssimo Gre-Nal e com um gato ciumento no colo (caso verídico).

O mais perto que chegamos do megaencontro foi no ano passado, quando o colega e muso Avicenna reuniu-se com alguns de nós e com sua incrível família e nos proporcionou uma tremenda tarde de sábado e um banquete de estragar as já indecentes panças. Graças ao trânsito, cheguei grosseiramente atrasado e, a despeito da alegria de ter comparecido, senti que não consegui expressar ao anfitrião minha gratidão, se não pela acolhida imperial, pela oportunidade de conhecê-lo e à sua família. Faltava-lhe também retomar as postagens, o que nos prometeu fazer tão logo as circunstâncias lhe permitissem.

Pois bem: agora que Avicenna está de volta ao blogue, quis alcançar-lhe um agrado, mas tão logo ele voltou, acabou por anunciar seu desligamento por motivos de força maior. Não vi melhor maneira de homenageá-lo do que trazendo uma postagem com sua musa, a divina Sandrine Piau. Vá lá que ela não é muito fã de Beethoven, e que sua participação nesse disco é praticamente uma ponta como solista na ademais pouco exigente Fantasia Coral. Mas sei que isso não importará a Avicenna. O que importa, sim, é que ele está novamente aqui com a gente, e que certamente uivará ao ouvir sua querida Piau.

Grato por tudo, Mestre de Avis!

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Fantasia em Dó menor para piano, coro e orquestra, Op. 80, “Fantasia Coral”
Composta em 1808
Publicada em 1810
Dedicada a Maximilian Joseph, Rei da Baviera

1 – Adagio
2 – Finale: Allegro – Meno allegro (Allegretto) – Allegro molto – Adagio ma non troppo – Marcia, assai vivace – Allegro – Allegretto ma non troppo, quasi andante con moto (»Schmeichelnd hold und lieblich klingen«) – Presto

Bertrand Chamayou, piano
Sandrine Piau, soprano
Anaik Morel, contralto
Stanislas de Barbeyrac, tenor
Florian Sempey, barítono
Accentus
Insula Orchestra
Laurence Equilbey, regência

Concerto em Dó maior para violino, violoncelo, piano e orquestra, Op. 56
Composto entre 1803-05
Publicado em 1807
Dedicado a Joseph Franz Maximilian, príncipe Lobkowitz

4 – Allegro
5 – Largo (attacca)
6 – Rondo alla polacca

Alexandra Conunova, violino
Natalie Clein, violoncelo
David Kadouch, piano
Insula Orchestra
Laurence Equilbey, regência

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Aguardando o uivo do Mestre de Avis

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

 

In memoriam Leon Fleisher (1928-2020): Two Hands

O terceiro ato da incrível trajetória de Leon Fleisher começou na década de 90, quando, após mais de trinta anos sem tocar com as duas mãos, a misteriosa condição que levou seus dedos da direita a desobedecerem-no ganhou um nome.

A distonia focal, de causas ainda não bem compreendidas e sem cura definitiva, leva os músculos a contraírem-se involuntariamente. Fleisher, que nunca desistira de voltar a tocar com as duas mãos, submeteu-se a tratamentos experimentais com toxina botulínica e recuperou o controle sobre os dedos amotinados. Depois de alguns recitais pouco divulgados, anunciou, para assombro do mundo, que voltaria aos palcos com um repertório convencional.

Enquanto deixava claro que não estava curado, pois as injeções de Botox precisavam ser repetidas a cada poucos meses, Fleisher pegou novamente a estrada e voltou a ser aclamado, também, por sua mão direita. Embora sem dúvidas tenha sido cuidadoso com as dificuldades propostas pelo repertório – o que, enfim, qualquer pianista a caminho dos oitenta anos faria de qualquer maneira -, jogou-se com muito apetite à carreira bimanual. Sem abandonar suas atividades pedagógicas, passou a apresentar em concertos e recitais não só o repertório para uma e duas mãos, com também regeu concertos do teclado e peças orquestrais do pódio (o trabalho de regente, brincava ele, dava-lhe a sensação da “bunda crescer dez vezes, depois de tantos anos escondendo-a da plateia”). Tocou muito jazz, também, instigado pelo filho Julian, compositor e cantor do gênero que, por ser o primeiro filho do segundo casamento de Fleisher, era por ele bem-humoradamente chamado de “Op. 2, no. 1”.

Em 2004, depois de quarenta anos sem gravar com as duas mãos, ele lançou um álbum chamado… “Duas Mãos”. O repertório combina um pot pourri de peças curtas, pelas quais Fleisher tinha carinho especial – a peça de Bach/Petri lhe soava como um “antônimo ao 11 de setembro”, e o noturno de Chopin era a peça favorita de sua mãe – com a monumental, derradeira sonata de Schubert, uma das peças favoritas do pianista. e que ele já gravara no vigor de seus trinta e poucos anos. Mesmo que desmerecêssemos a obstinada, belíssima trajetória de superação que tornou possível esta gravação, não precisamos olhá-la com admiração ou piedade para apreciar seus imensos méritos artísticos. Talvez os dedos do jovem virtuoso que conseguiu a proeza de tocar George Szell sem levar um sabão sequer do tirano fossem capazes de mais prestigitação melhor, mas quem compara a gravação da D. 960 com aquela que Fleisher fez da mesma obra aos trinta e poucos anos encontra na versão de 2004 um maravilhoso controle do andamento e uma sabedoria, especialmente no expressivo uso dos silêncios, que escancaram sua superioridade.

A sonata de Schubert é daquelas obras, como a Op. 111 de Beethoven, à qual só se pode seguir silêncio. Com ela, pois, encerramos nossa homenagem ao grande homem que nos deixou há exatos trinta dias, depois de tanto dar ao mundo em oito décadas de carreira.

Descanse em paz, Leon – e grato por tudo.

LEON FLEISHER – TWO HANDS

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Transcrição de Myra Hess (1890-1965)

1 – Jesu, Joy of Man’s Desiring (transcrição para piano do coral “Jesus bleibet meine Freude”, da cantata “Herz und Mund und Tat und Leben”, BWV 147)

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Transcrição de Egon Petri (1881-1962)

2 – Sheep May Safely Graze (transcrição para piano da ária “Schafe können sicher weiden”, da cantata “Was mir behagt, ist nur die muntre Jagd”, BWV 208)

Giuseppe Domenico SCARLATTI (1685-1757)

3 – Sonata em Mi maior, K. 380 (L. 23)

Fryderik Franciszek CHOPIN (1810-1849)

4 – Mazurka em Dó sustenido menor, Op. 50 no. 3
5 – Noturno em Ré bemol maior, Op. 27 no. 2

Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)

6 – Suite Bergamasque: Clair de Lune

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828)

Sonata em Si bemol maior, D. 960, Opus Póstumo

7 – Molto moderato
8 – Andante sostenuto
9 – Allegro vivace con delicatezza
10 – Allegro ma non troppo

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Leon Fleisher – Two Hands from Thomas Duperre on Vimeo.
A incrível trajetória de Leon Fleisher e seu comovente retorno ao repertório para as duas mãos inundam de emoção os vinte minutos de “Two Hands – The Leon Fleisher Story”, documentário realizado por Nathaniel Kahn em 2006.

Vassily

In memoriam Leon Fleisher (1928-2020): Maurice Ravel (1875-1937) – Concerto para piano e orquestra em Ré maior – Sergei Prokofiev (1891-1953) – Concerto para piano e orquestra no. 4, Op. 53 – Benjamin Britten (1913-1976): Diversions

Quando aqueles dedos da mão direita começaram a curvar-se teimosamente, Leon Fleisher, então com trinta e poucos anos e a requisitada agenda cheia para talvez mais trinta, não imaginava que eles lhe davam os primeiros sinais de um então inominado problema que, eventualmente, o faria perder completamente o controle dos movimentos da mão direita.

Após submeter-se sem sucesso a diversos tratamentos experimentais – muitos deles com o grande pianista e tremendo amigo Gary Graffman, sobre cuja mão direita também recaiu a mesma desgraça -, Fleisher não se deu por vencido e, sem abandonar a busca por uma cura, passou a explorar o repertório escrito para a mão esquerda dos pianistas, gravando-o e levando-o em turnês pelo planeta.


O compositor William Bolcom homenageou Graffman e Fleisher, amigos e companheiros de infortúnio, compondo um concerto para dois pianos tocados com a mão esquerda, cuja estreia mundial corresponde à gravação do vídeo acima

A maior parte desse significativo repertório deve-se a um só homem: o pianista vienense Paul Wittgenstein, que perdera o braço direito em combate na Primeira Guerra Mundial e, admiravelmente, retomou sua carreira artística após o armistício. Obstinado e, não menos importante, muito endinheirado, fez três ciclos de encomendas a compositores renomados para que lhe criassem obras executáveis somente com a mão esquerda. O primeiro ciclo, nos anos 20, viu surgirem obras de Erich Wolfgang Korngold, Richard Strauss, Bohuslav Martinů  e Franz Schmidt. O segundo, nos anos 30, incluiu Maurice Ravel e Sergei Prokofiev. Por fim, entre 1940-45, depois de fugir do Nazismo e radicar-se nos Estados Unidos, Wittgenstein solicitou obras aos ingleses Benjamin Britten e Norman Demuth.

O pianista pagava bem e exigia muito, de modo que as estreias das obras e os direitos de longa data sobre sua execução ficavam, contratualmente, sob sua responsabilidade. Ademais, contrariando o “pagando bem, que mal tem?” com que certamente aquela grana toda sorria naqueles bicudos tempos de guerra na Europa, os compositores não ganharam muitos mimos de Wittgenstein. O concerto de Prokofiev – que ouvirão a seguir – foi devolvido com um agradecimento e a ressalva de que o dedicatário não entendera “uma só nota dele” e que, enquanto a iluminação não viesse, ele não o tocaria. O concertino de Martinů foi também devolvido, o que foi sorte melhor que a Klaviermusik de Paul Hindemith, que Wittgenstein estudou e, sem entender tchongas, escondeu tão bem entre seus papeis que a peça só foi encontrada depois da morte de sua esposa, em 2001. Três anos depois de redescoberta, e oitenta anos após sua composição, a Klaviermusik foi pela primeira vez ouvida em público, estreada por nosso homenageado, Leon Fleisher, em 2004.

Entre toda a, chamemo-la assim, “Wittgensteiniana” para a mão esquerda, o concerto de Ravel é certamente a obra mais célebre. Concebido em um só movimento com seções contrastantes, e iniciando com um sensacional solo de contrafagote, ele distingue-se pela intrincada escritura pianística que emula, com muito sucesso, a impressão dum pianista a tocar com dez dedos. Consta que, ao ouvi-lo tocado pelo dedicatário, Ravel enfureceu-se com alterações arbitrárias que este fizera na orquestração e, pior ainda, com vários cortes, e nunca mais falou com Wittgenstein. Este, pelo jeito um homem de poucas papas na língua, também levou uma carga de azia para o normalmente pacífico Benjamin Britten, que não levou tanta fé em suas “Diversions” quanto deveria e, talvez contaminado pela pentelhância do pianista, acabou por não promover sua obra mesmo depois da morte do encomendante. É uma pena, porque é uma composição muito bem trabalhada que, assim como o concerto de Prokofiev, não busca imitar o efeito de duas mãos a tocarem, e sim explorar o teclado como um novo meio.

Joseph Maurice RAVEL (1875-1937)

Concerto para piano e orquestra em Ré maior, para a mão esquerda

1 – Lento – Andante – Allegro – Tempo 1˚

Sergey Sergeyevich PROKOFIEV (1891-1953)

Concerto para piano e orquestra no. 4 em Si bemol maior, Op. 53, para a mão esquerda

2 – Vivace
3 – Andante
4 – Moderato
5 – Vivace

Benjamin BRITTEN (1913-1976)

Diversions, para piano (mão esquerda) e orquestra, Op. 21

6 – Theme. Maestoso
7 – Var. 1: Recitative. L’Istesso Tempo
8 – Var. 2: Romance. Allegretto mosso
9 – Var. 3: March. Allegro con Brio
10 – Var. 4: Arabesque. Allegretto
11 – Var. 5: Chant. Andante solennemente
12 – Var. 6: Nocturne. Andante piacevole
13 – Var. 7: Badinerie. Grave
14 – Var. 8: Burlesque. Molto moderato
15 – Var. 9a: Toccata I. Allegro
16 – Var. 9b: Toccata II. L’Istesso tempo
17 – Var. 10: Adagio
18 – Finale – Tarantella. Presto Con Fuoco

Leon Fleisher, piano
Boston Symphony Orchestra
Seiji Ozawa, regência

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Além da notável carreira concertística com obras para a mão esquerda, Leon Fleisher distinguiu-se como pedagogo. Era muito querido por sua postura amável, que buscava contribuir com o aperfeiçoamento de seus estudantes sem moldar-lhes o estilo a seu próprio. Sugiro fortemente àqueles que entendem inglês que acompanhem esta masterclass em que a extraordinária Yuja Wang – então com 17 anos e aluna de Gary Graffman, grande amigo de Fleisher – desenvolve sua interpretação duma das mais sublimes sonatas de Schubert através de gentis contribuições do mestre.

Vassily

In memoriam Leon Fleisher (1928-2020): Johannes Brahms (1833-1897) – Concertos para piano, Opp. 15 & 83 – Variações sobre um tema de Händel, Op. 24 – Valsas, Op. 39

Escrever sobre um artista tão universalmente amado como Leon Fleisher, que deixou nossa mascarada distopia no último 2 de agosto, sempre parecerá supérfluo. Suas credenciais para a fama são óbvias a todos os que o puderam conhecer, e seu imenso legado fala por si só. Ademais, o colega René Denon já lhe fez aqui uma  belíssima homenagem, e certamente mais oportuna que a minha.

Não lhe farei exéquias, portanto. Uma carreira imensa e fecunda como a de Fleisher, aspergindo grande música ao longo de sete décadas, ao deixa pouco espaço para prantos. Devemos, claro, celebrá-la com música, e é com a música de Brahms, compositor pelo qual o jovem Leon tinha uma afinidade que parecia inata, que saudamos o primeiro ato de sua vida artística: o ex-menino prodígio, aluno de Schnabel, que estreou no Carnegie Hall sob Monteux aos dezesseis anos e aos trinta, já virtuoso consumado, vai a Cleveland encarar o genial tirano George Szell e com ele realizar os concertos de Brahms duma maneira que só posso reagir com améns.

Johannes BRAHMS (1833-1897)

Concerto para piano e orquestra no. 1 em Ré menor, Op. 15

1 – Maestoso
2 – Adagio
3 – Rondo. Allegro non troppo

Leon Fleisher, piano
Cleveland Orchestra
George Szell, regência

Variações e fuga para piano sobre um tema de Händel, Op. 24

4 – Aria
5 – Variation I
6 – Variation II
7 – Variation III
8 – Variation IV: Risoluto
9 – Variation V: Espressivo
10 – Variation VI
11 – Variation VII: Con vivacità
12 – Variation VIII
13 – Variation IX: Poco sostenuto
14 – Variation X
15 – Variation XI
16 – Variation XII
17 – Variation XIII: Largamente, ma non più
18 – Variation XIV
19 – Variation XV
20 – Variation XVI
21 – Variation XVII: Più mosso
22 – Variation XVIII
23 – Variation XIX: Leggiero e vivace
24 – Variation XX
25 – Variation XXI
26 – Variation XXII
27 – Variation XXIII
28 – Variation XXIV
29 – Variation XXV
30 – Fuga

Leon Fleisher, piano

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Concerto para piano e orquestra no. 2 em Si bemol maior, Op. 83

1 – Allegro non troppo
2 – Allegro appassionato
3 – Andante
4 – Allegretto grazioso

Leon Fleisher, piano
Cleveland Orchestra
George Szell, regência

Dezesseis valsas para piano, Op. 39

5 – No. 1 em Si maior: Tempo giusto
6 – No. 2 em Mi maior
7 – No. 3 em Sol sustenido menor
8 – No. 4 em Mi menor: Poco sostenuto
9 – No. 5 em Mi maior
10 – No. 6 em Dó sustenido maior: Vivace
11 – No. 7 em Dó sustenido menor
12 – No. 8 em Si bemol maior
13 – No. 9 em Ré menor
14 – No. 10 em Sol maior
15 – No. 11 em Si menor
16 – No. 12 em Mi maior
17 – No. 13 em Dó maior
18 – No. 14 em Lá menor
19 – No. 15 em Lá maior
20 – No. 16 em Ré menor

Leon Fleisher, piano

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A legendária estreia de Leon Fleisher no Carnegie Hall, tocando o primeiro concerto de Brahms sob a batuta de Pierre Monteux, que só teve o seguinte para dizer do rapaz: “a descoberta pianística do século”

Vassily

.: interlúdio :. Centenário de Bird – Charlie Parker with Strings

Se vivo estivesse, Charles Parker, Jr. teria feito cem anos ontem.

Reconheço o ridículo do “se vivo estivesse” – pois, ainda que a heroína e a bebida não o matassem aos meros trinta e quatro anos, e de tal maneira que o legista pensou que ele tivesse sessenta, sua pobre carcaça não iria mesmo tão longe. Todavia, sempre o senti assim mesmo, tremendamente vivo. Cada vez que escuto algum de seus álbuns, é como se aquele som inimitável estivesse a ser criado ali do meu lado, naquele exato momento, com todo olor de goró e cigarros. Por outro lado, o impacto do meteoro Bird foi tão avassalador que é difícil imaginar um mundo sem ele, de modo que me parece estranho que ele tenha partido meros vinte anos antes de eu, que me acho tão garoto, aqui chegar para escutá-lo. Poucas pessoas foram tão influentes para a Música – quase nenhuma, com certeza, numa trajetória tão fulgurantemente breve – de modo que, sim: Bird está muito vivo.

E por achá-lo tão vivo que quase caí da cama ontem ao perceber, entre espessas remelas, que se passara quase todo o 29 de agosto e eu esquecera de prestar a Bird a homenagem que, há já um bom tempo, eu lhe prometera fazer pelo centenário. Mais ainda: não tinha a menor ideia de qual gravação eu lhes alcançaria do inestimável gênio. Enquanto pensava no que escrever, a abertura de “Just Friends”, que voltava sem parar a meus esquecidos miolos, resolveu a questão: aquele solo frenético e fluido a irromper após uma açucarada introdução das cordas sempre calou fundo cá comigo, e Charlie Parker with Strings foi a gravação que fundiu meu ouvido granítico e o convenceu a derreter-se com jazz.

Muitos fãs de Parker rechaçam With Strings como uma concessão comercialoide, feita justamente para ouvintes que, como eu outrora, jamais cogitaram adquirir uma gravação do gênero. Ainda assim, acho que ela se presta muito bem à homenagem. Aquelas sessões de gravação em New York City, somadas a algumas outras tomadas ao vivo, foram a realização dum sonho longamente acalentado por Bird, que muito desejava tocar com acompanhamento de cordas – e seu sax contralto, como é óbvio para qualquer um que aqui o ouça, ficou muito à vontade para decolar entre seus companheiros engomadinhos.

Com as devidas desculpas ao ídolo pelo lapso de esquecer seu centenário, e aos seus fãs, por uma escolha de repertório que talvez não os agrade, alcanço-lhes Charlie Parker with Strings com a certeza, reavivada enquanto a escuto pela trocentésima vez, de que Bird não nos deixou em 1955: outros cem anos se passarão, e talvez mais cem vezes cem, e seu visionário legado ainda não terá achado um ouvido capaz de lhe ser contemporâneo.

CHARLIE PARKER WITH STRINGS

Charlie Parker with Strings (primeiro LP, Mercury MG-35010)

01 – Just Friends (John Klenner, Sam M. Lewis)
02 – Everything Happens to Me (Tom Adair, Matt Dennis)
03 – April in Paris (Vernon Duke, E.Y. Harburg)
04 – Summertime (George Gershwin, Ira Gershwin, DuBose Heyward)
05 – I Didn’t Know What Time It Was (Richard Rodgers, Lorenz Hart)
06 – If I Should Lose You (Ralph Rainger, Leo Robin)

Charlie Parker, sax contralto
Mitch Miller, oboé
Bronislaw Gimpel, Max Hollander e Milton Lomask, violinos
Frank Brieff, viola
Frank Miller, violoncelo
Myor Rosen, harpa
Stan Freeman, piano
Ray Brown, contrabaixo
Buddy Rich, bateria
Jimmy Carroll, arranjos e regência
Gravadas em estúdio em 30 de novembro de 1949

Charlie Parker with Strings (segundo LP, Mercury MGC-109)

07 – Dancing in the Dark (Arthur Schwartz, Howard Dietz)
08 – Out of Nowhere (Johnny Green, Edward Heyman)
09 – Laura” (David Raksin, Mercer)
10 – East of the Sun (and West of the Moon) (Brooks Bowman)
11  – They Can’t Take That Away from Me” (George & Ira Gershwin)
12 – Easy to Love (Cole Porter)
13 – I’m in the Mood for Love (Jimmy McHugh, Dorothy Fields)
14 – I’ll Remember April (Gene de Paul, Pat Johnston, Don Raye)

Charlie Parker, sax contralto
Joseph Singer, trompa
Eddie Brown, oboé
Sam Caplan, Howard Kay, Harry Melnikoff, Sam Rand e Zelly Smirnoff, violinos
Isadore Zir, viola
Maurice Brown, violoncelo
Verley Mills, harpa
Bernie Leighton, piano
Ray Brown, contrabaixo
Buddy Rich, bateria
Xilofone e tuba – artistas desconhecidos
Joe Lipman, arranjos e regência
(gravações em estúdio em 5 de julho de 1950)

Faixas-bônus:

15 – Temptation (Nacio Herb Brown, Arthur Freed)
16 – Autumn in New York (Vernon Duke)
17 – Lover (Richard Rodgers, Lorenz Hart)
18 – Stella by Starlight (Victor Young, Ned Washington)

Charlie Parker, sax contralto
Al Porcino, Chris Griffin e Bernie Privin, trompetes
Will Bradley e Bill Harris, trombones
Murray Williams e Toots Mondello, sax contralto
Hank Ross, sax tenor
Stan Webb, sax barítono
Artie Drelinger, oboé
Sam Caplan, Sylvan Shulman (provavelmente) e Jack Zayde, violinos
Verley Mills, harpa
Lou Stein, piano
Bob Haggart, contrabaixo
Don Lamond, drums
Madeiras, violinos, violas e violoncelo – artistas desconhecidos
Joe Lipman, arranjos e regência
Gravadas em estúdio em janeiro de 1952

19 – Repetition (Hefti)

Charlie Parker, sax contralto
Vinnie Jacobs, trompa
Al Porcino, Doug Mettome e Ray Wetzel, trompetes
Bill Harris e Bart Varsalona, trombones
John LaPorta, clarinete
Murray Williams e Sonny Salad, sax contralto
Pete Mondello e Flip Phillips, sax tenor
Manny Albam, sax barítono
Sam Caplan, Zelly Smirnoff, Gene Orloff, Manny Fiddler, Sid Harris e Harry Katzmann, violinos
Nat Nathanson e Fred Ruzilla, violas
Joe Benaventi, violoncelo
Tony Aless, piano
Curly Russell, contrabaixo
Shelly Manne, bateria
Diego Iborra, percussão
Neal Hefti, arranjo e regência
Gravado ao vivo no Carnegie Hall, New York City, em dezembro de 1947

20 – What Is This Thing Called Love? (Porter)
21 – April in Paris (Duke, Harburg)
22 – Repetition (Neal Hefti)
23 – You’d Be So Easy to Love (Porter)
24 – Rocker (Gerry Mulligan)

Charlie Parker, sax alto
Tommy Mace, oboé
Sam Caplan, Ted Blume e Stan Karpenia, violinos
Dave Uchitel, viola
Violoncelista desconhecido
Wallace McManus, harpa
Al Haig, piano
Tommy Potter, contrabaixo
Roy Haynes, bateria
Gravadas ao vivo do Carnegie Hall, New York City, em 17 de setembro de 1950

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Túmulo de Charlie Parker em Kansas City, Missouri. Bird foi sepultado na cidade em que cresceu, homônima àquela em que nasceu, que fica do outro lado do rio Missouri, no estado do Kansas. O enterro cristão na cidade natal ocorreu aparentemente contra sua vontade – ele queria ser enterrado sem qualquer pompa em Long Island, ao lado da filha Pree, que morreu aos três anos. Notem que o instrumento na lápide, além de estar invertido, não é o sax contralto com que Bird se imortalizou, e sim um sax tenor (foto do autor)Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Fantasia para piano, coro e orquestra, Op. 80 – Egmont, Op. 84 – “Ah, perfido!”, Op. 65 – Abertura Leonore no. 3, Op. 72a – Kissin – Ganz – Studer – Abbado

O brontossáurico concerto de 22 de dezembro de 1808, ao qual já nos referimos várias vezes ao longo da série e que será objeto duma postagem específica, foi certamente um dos mais memoráveis de todos os tempos. Beethoven, não satisfeito com as três horas e meia de sua música que já programara, incluindo as estreias públicas das sinfonias nos. 5 e 6, do quarto concerto para piano e de dois movimentos da missa em Dó maior, decidiu oferecer à já assoberbada audiência um grand finale que reunisse as forças vocais e instrumentais envolvidas nos números pregressos – ainda que tivesse, como de fato aconteceu, que lhes raspar com vigor o fundo do tacho da energia, certamente quase toda despendida na execução de tanta e tão exigente música.

O grand finale, claro, foi a Fantasia para a incomum combinação de piano, coro e orquestra, Op. 80, a única composição escrita especialmente para aquela noite. Como o lucro das bilheterias reverteria para seus surrados bolsos, Ludwig tentou preparar-se da melhor maneira possível. Infelizmente, essa maneira possível era sua própria, destemperada e atrapalhada maneira, que ainda por cima se viu obrigada a transpor obstáculos logísticos e artísticos para que o concerto se realizasse, o que incluiu contratação de músicos, ensaios e arranca-rabos diversos. Não é difícil imaginar que, mesmo para os bagunçados padrões beethovenianos, a composição da Fantasia Coral deu-se em condições de completa baderna, com o previsível cenário de cópias das partes sendo feitas na última hora, de instrumentistas lendo à primeira vista as partituras ainda com tinta úmida, e com Beethoven improvisando o solo inicial porque simplesmente não o conseguira colocar no papel. O resultado artístico, naquela congelante noite de inverno, foi pífio: o compositor-pianista e a orquestra não se entenderam (houve mesmo um momento em que tiveram que recomeçar a peça), o coro embabanou-se, a plateia reagiu conforme o termômetro, e a obra foi rapidamente esquecida. Sua publicação em Leipzig, dois anos depois e que em nada ajudou a ressuscitá-la, e foi notória somente pela dedicatória ao rei bávaro, uma ideia dos editores que instilou mais alguns galões de ira no já tão genioso Beethoven. Foi só muito depois da morte do compositor, e particularmente depois do imenso sucesso de sua Nona Sinfonia, que a Fantasia Coral voltou a ser apreciada como uma precursora da obra mais famosa, cujo finale, nas palavras de Ludwig, era “no estilo de minha fantasia para piano e coro, mas numa proporção mais grandiosa, com solos vocais e coros baseados nas palavras da famosa e imortal canção An die Freude de Schiller”. De fato, o artifício de fazer seguir a um tema com variações uma apoteose coral com a palavra “Freude” (“Alegria”) só não torna a fantasia mais familiar que o próprio tema, muito parecido com aquele que permeia a Ode sobre o poema de Schiller, e que Beethoven tomou de sua canção Gegenliebe (WoO 118).

Hoje em dia, se não imensamente popular, a Fantasia Coral tem sido revisitada com frequência para, assim como em sua estreia, encerrar eventos musicais muito especiais. É o caso da gravação que lhes apresento, realizada ao vivo na noite de Ano Novo de 1991. Eu era muito novo e estudava para o vestibular, vivia de mesada em cruzeiros-novos, e sonhava em assistir a um concerto na Philharmonie. No entanto, mesmo que tivesse a oportunidade de me catapultar para Berlim e infiltrar-me clandestinamente na veneranda sala de concertos, eu nem sei se teria roupa para testemunhar o grande Bruno Ganz recitando o “Egmont” de Goethe, entre intervenções de Cheryl Studer, com Abbado regendo os filarmônicos locais. E, ainda que tivesse roupa, nem sei se teria compostura de, no final de tudo, ouvir Evgeny Kissin, então um garoto de vinte anos, tocar a Fantasia Coral desse jeito, com toda facilidade. O efeito do programa, que ainda inclui a ária “Ah, perfido!” e uma poderosa “Leonore no. 3”, é arrebatador – o que dá uma ideia da saturação sensorial que não aturdiu o público vienense daquela noite lá de 1808, que, depois dessa hora e pouco que passamos com Abbado, ainda tinha mais três horas de Beethoven para escutar.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Música para a Tragédia “Egmont”, de Johann Wolfgang von Goethe, Op. 84
Composta em 1810
Publicada entre 1810-12

1 – Abertura
2 – Lied
3 – Zwischenaktmusik I (entreato)
4 – Lied
5 – Zwischenaktmusik III
6 – Zwischenaktmusik IV
7 – Musik. Klärchens Tod bezeichnend
8 – Melodram
9 – Siegessymphonie

Bruno Ganz, ator
Cheryl Studer, soprano

Ah, perfido!“, recitativo e ária para soprano e orquestra, Op. 65
Compostos em 1796
Publicados em 1805
Dedicados a condessa Josephine von Clary-Aldringen

10 – Recitativo: “Ah, perfido!” (Dó maior) – Ária: “Per pietà, non dirmi addio” (Mi bemol maior)

Cheryl Studer, soprano

Abertura  “Leonore no. 3”, em Dó maior, Op. 72b
Composta em 1806

11 – Adagio – Allegro

Fantasia em Dó menor para piano, coro e orquestra, Op. 80, “Fantasia Coral”
Composta em 1808
Publicada em 1810
Dedicada a Maximilian Joseph, Rei da Baviera

12 – Adagio – Finale: Allegro – Meno allegro (Allegretto) – Allegro molto – Adagio ma non troppo – Marcia, assai vivace – Allegro – Allegretto ma non troppo, quasi andante con moto (»Schmeichelnd hold und lieblich klingen«) – Presto

Yevgeny Kissin, piano
Cheryl Studer, soprano
John Aler, tenor
Friedrich Molsberger, baixo
RIAS-Kammerchor

Berliner Philharmoniker
Claudio Abbado, regência

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Vassily