BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para trompa e piano, Op. 17 – Johannes Brahms (1833-1897) – Trio para trompa, violino e piano, Op. 40 – Nikolaus von Krufft (1779-1818) – Sonata para trompa e piano – Greer

Volta e meia o resmelengo Ludwig abria uma janela em suas preocupações habituais mais prementes para impressionar-se com alguém. Na maior parte das vezes, esse alguém trajava vestidos e anáguas, pertencia à aristocracia, e estava do outro lado de um abismo amoroso intransponível para um homem de modestas origens. Noutras, Beethoven impressionava-se com algum músico que lhe instigava a produção febrilmente rápida de alguma obra para seu instrumento – como foi com os irmãos Dupont, que inspiraram as faceiras sonatas para violoncelo do Op. 5, e com o boêmio Jan Václav Stich (1746-1803), virtuose da trompa, mais conhecido pela versão italiana de seu nome, Giovanni Punto (sim: “Stich”=”ponto”. Ponto para Stich, pela marotice – e outro para mim, pelo trocadilho).

Punto foi um dos trompistas mais influentes da história, responsável por inovações técnicas que expandiram enormemente as capacidades do instrumento – mais notadamente, o uso da mão direita dentro da campana, que permitiu ao instrumentista, pela primeira vez, produzir notas fora da série harmônica. Era um personagem pitoresco, que trazia em seu currículo uma fuga espetacular da propriedade dum nobre de quem seu pai era servo, e que deu ordens expressas de arrebentar os dentes do fujão, se capturado fosse, para que nunca mais pudesse produzir música com sua boca. Rodou todo o continente, causando sensação a cada cidade em que chegava, precedido por sua imensa fama. Beethoven, procrastinador compulsivo, prometeu-lhe uma sonata com acompanhamento de piano em poucos dias, mas só resolveu iniciá-la, no que lhe era bem típico, no antepenúltimo dia. Finalizando a parte da trompa na véspera da estreia da obra em Viena, com ele próprio ao piano, improvisou a maior parte de sua, bem, parte, de modo que, quando bisaram o último movimento, a plateia ouviu uma peça substancialmente diferente da que escutara antes. A repercussão foi boa a punto (pois eu não perderia o trocadilho) de Stich convencer o quase balzaquiano ermitão a deixar seu bastião vienense e acompanhá-lo em turnê pelo continente. No concerto seguinte, em Pest, a dupla provocou a seguinte reação de um crítico:

“Quem é esse Beethovener? [sic] Não o conhecemos. O senhor Punto, claro, é muito conhecido”

A breve parceria não iria muito longe, pois o pau comeu logo depois da apresentação em Pest. Punto, injuriado, seguiu sua trajetória rocambolesca pela Europa, enquanto “Beethovener” voltou a Viena, colocou enfim a procrastinada sonata toda na pauta e a publicou em 1800 através da firma de Tranquillo Mollo (excelente nome). O frontispício destinava-a “para piano com uma trompa ou um violoncelo”, de maneira a permitir uma maior divulgação da obra, dada a escassez de trompistas capazes de tocá-la. Sabendo de sua história, acredito que os leitores-ouvintes compartilharão comigo a impressão de que o movimento lento foi algo feito realmente às pressas, como que composto nas coxias do teatro, mesmo com a tentativa velhaca de disfarçar seu laconismo com a transição decididamente brusca para o rondó final.

A presente gravação, feita com instrumentos de época, também inclui o belo trio Op. 40 de Brahms, composto em homenagem a sua recém-falecida mãe e notório pelo maravilhoso, sentido Adagio mesto, e por uma sonata do austríaco Nikolaus von Krufft, contemporâneo de Beethoven, que também teve aulas com Albrechtsberger e, provavavelmente, também foi inspirado por Punto a escrever para seu complicado instrumento. O trompista Lowell Greer usa aqui três trompas naturais diferentes, contemporâneas de cada obra, inclusive para tocar Brahms – que prescreveu uma trompa natural para seu trio, a despeito de já haver, em sua época, trompas com válvulas, que diminuíram bastante as dificuldades em tocar passagens cromáticas.

Johannes BRAHMS (1833-1897)

Trio em Mi bemol maior para trompa, violino e piano, Op. 40
1 – Andante
2 – Scherzo
3 – Adagio Mesto
4 – Finale: Allegro con brio

Lowell Greer, trompa natural
Stephanie Chase, violino
Steven Lubin, fortepiano

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata em Fá maior para trompa e piano, Op. 17
Composta em 1800.
Publicada em 1801
Dedicada à baronesa Josefine von Braun

5 – Allegro moderato
6 – Poco Adagio, quasi Andante
7 – Rondo: Allegro moderato

Nikolaus Freiherr VON KRUFFT (1779-1818)

Sonata em Fá maior para trompa e piano
8 – Allegro moderato
9 – Andante espressivo
10 – Rondo: Alla Polacca

Lowell Greer, trompa natural
Steven Lubin, fortepiano

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“Giovanni O QUÊ?”
#BTHVN250, por René Denon


Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quinteto para piano e sopros, Op. 16 – Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Quinteto para piano e sopros, K. 452 – Sinfonia Concertante, K. 297b – Gieseking – Philarmonia Wind Ensemble – Karajan

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quinteto para piano e sopros, Op. 16 – Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) – Quinteto para piano e sopros, K. 452 – Sinfonia Concertante, K. 297b – Gieseking – Philarmonia Wind Ensemble – Karajan

Assim como com os concertos para piano e orquestra, qualquer um que propusesse um quinteto para piano e sopros no final do século XVIII teria um imenso fantasma a assombrá-lo: o de Mozart, que compusera para o gênero uma obra-prima, em Mi bemol maior. Beethoven, sempre disposto a calcar-se em modelos do passado para buscar sua própria linguagem, não só se dispôs a escrever um quinteto para piano e sopros, como o fez para o mesmo conjunto e na mesma tonalidade que o do mestre de Salzburg, num gesto quase confesso de que nele buscava não só inspiração, mas que com ele pretendia ser cotejado.
A gravação que lhes apresento presta-se muito bem aos intentos de Lud Van: o quinteto de Mozart a abre, ao segue a contraparte de Beethoven. A comparação tenderia a ser bastante cruel com a obra do mestre mais jovem, pois o K. 452 é daquela sorte de eufonia mozartiana tão difícil de igualar que o próprio autor a considerou, em carta ao pai, uma das melhores coisas que já escrevera. O Op. 16, entretanto, é atraente pelo uso imaginativo dos sopros, prenúncio do uso revolucionário que Beethoven faria deles em suas obras orquestrais vindouras.
A maior atração deste registro de 1956, com som apenas razoável, são seus intérpretes. Os sopros – oboé, clarinete, trompa e fagote – são tocados pelos primeiros músicos de seus naipes na Philharmonia Orchestra sob a égide de Karajan, incluindo o legendário Dennis Brain, para muitos o mais influente trompista desde Giovanni Punto – de quem voltaremos a falar na postagem de amanhã -, que infelizmente morreria muito jovem no ano seguinte, deixando uma série de gravações paradigmáticas do repertório concertístico para seu instrumento. Ao piano, uma outra lenda: Walter Gieseking – que, assim como Karajan e Furtwängler, enfrentou sanções por seu envolvimento com o Partido Nazista e buscou guarida artística, como os outros dois, junto a Walter Legge, à EMI e à Philharmonia. No último ano de sua vida, o grande intérprete alemão dá-nos uma lição da elegância que marcou suas interpretações de Bach, Mozart e Beethoven. O álbum encerra com a sinfonia concertante que Mozart teria escrito (pois a autenticidade da obra é muito controversa) para o mesmo quarteto de sopros e orquestra, sob a direção de Karajan, que reforça a impressão que o colega Pleyel mui apropriadamente apontou acerca das interpretações dos quintetos: “a gravação tem a estética de Karajan transposta para a música de câmara: tudo suave, contínuo, sem cortes, quase pecando por excesso de brilho”.

Ditto.

Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)

Quinteto para piano, oboé, clarinete, trompa e fagote em Mi bemol maior, K. 452
1 – Largo – Allegro moderato
2 – Larghetto
3 – Allegretto

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Quinteto para piano, oboé, clarinete, trompa e fagote em Mi bemol maior, Op. 16
Composto entre 1796-1797
Publicado em 1801
Dedicado ao príncipe Joseph zu Schwarzenberg

4 – Grave – Allegro ma non troppo
5 –  Andante cantabile
6 – Rondo: Allegro ma non troppo

Walter Gieseking, piano
Philharmonia Wind Ensemble: 
Sidney Sutcliffe, oboé
Bernard Walton, clarinete
Dennis Brain, trompa
Cecil James, fagote

Atribuída a Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)

Sinfonia Concertante em para piano, oboé, clarinete, trompa e fagote em Mi bemol maior, K. 297b
7 – Allegro
8 – Adagio
9 – Andante con variazioni

Sidney Sutcliffe, oboé
Bernard Walton, clarinete
Dennis Brain, trompa
Cecil James, fagote
Philharmonia Orchestra
Herbert von Karajan, regência

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Walter refletindo sobre seu voto em 1933

Vassily

[Restaurado] BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concertos para piano e orquestra, Opp. 15 & 19 – Argerich – Sinopoli

Enfim, concertos para piano – e Ludwig deve ter pensado o mesmo quando publicou esses dois, em 1801. Ele já os vinha tocando havia algum tempo, em seu afã de consolidar-se em Viena como um compositor-virtuose ao feitio do jovem Mozart, cujos extraordinários concertos para piano pairavam intimidadoramente sobre qualquer desgraçado que se aventurasse pelo gênero. Era fundamental que um postulante ao panteão do teclado tivesse seus cavalos de batalha, e por isso Lud Van pariu cuidadosamente estes dois, após longa e insegura gestação. Percebam que eu não os numerei no título, enquanto lhes explico: além de nenhum deles ter sido o primeiro concerto escrito por Beethoven – distinção que cabe a um concerto em Mi bemol (WoO 4), composto ainda na adolescência e do qual restou apenas a parte para piano -, o primeiro a ser publicado foi o segundo a ser estreado, e vice-versa. Assim, o concerto Op. 15, composto em 1795, foi estreado nove meses depois do Op. 19, que marcou a estreia pública de Beethoven como pianista em Viena e já vinha sendo esboçado desde os tempos de Bonn. Embora baseiem-se firmemente em modelos de Haydn e Mozart, há amplos toques beethovenianos nas modulações inesperadas e mudanças bruscas de humor, e na escrita pianística, tão brilhante quanto a que se esperaria duma obra composta para pavonear sua capacidade ao teclado. O compositor legou-nos suas próprias cadências para as obras, que são as utilizadas na presente gravação e nos dão um sabor de seu talento improvisatório – que, junto com a prestidigitação pianística, era o que mais incensava a fama do rapaz antes de se firmar como compositor.

Cada vez que escuto Martha Argerich tocar esses concertos, fico pensando o quanto o Beethoven garotão não se reconheceria temperamento artístico sanguíneo e nas execuções exuberantes da deusa portenha do piano. Suas interpretações lideram minha preferência, ainda que reconheça suas idiossincrasias, e muito embora prefira suas gravações com Abbado, já publicadas aqui. A Philharmonia Orchestra sob Giuseppe Sinopoli, um regente muito especial, corresponsável por uma das mais belas gravações do concerto para violino do renano, aqui aparece meio apagada, sem muito brilho, sensação reforçada pelo som cavernoso da gravação. Mas Martha, asseguro-lhes, como sempre vale o download.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto para piano e orquestra em Dó maior, Op. 15
(cadências de Beethoven)
Composto em 1795
Publicado em 1801
Dedicado à princesa Anna Louise Barbara Odescalchi

1 – Allegro con brio
2 – Largo
3 – Rondo. Allegro scherzando

Concerto para piano e orquestra em Si bemol maior, Op. 19
(cadências de Beethoven)
Composto em 1787-1789, revisado em 1795
Publicado em 1801
Dedicado a Carl Nicklas von Nickelsberg

4 – Allegro con brio
5 – Adagio
6 – Rondo: Molto allegro

Martha Argerich, piano
Philharmonia Orchestra
Giuseppe Sinopoli, regência

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Marthita, nossa deusa, toca estes concertos desde que se conhece por gente: ei-la,
aos oito anos, interpretando o concerto no. 1 sob a regência de Alberto Castellanos

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

[restaurado por Vassily em 5/6/2021, em homenagem aos oitenta anos da Rainha!]

 

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para piano Opp. 14, 26 e 28 – Perahia

Depois de alguns de vocês transformarem-me em bonequinho de voodoo por ter trazido duas postagens em sequência com pianistas malditos na interpretação de Beethoven, redimo-me em alto estilo enquanto desinfeto as agulhadas. Ninguém me espetará, espero, por postar Murray Perahia. Sua seleção de repertório para esta gravação é perfeita: abre com a sonata em Lá bemol maior, com suas belíssimas variações iniciais e a marcha fúnebre, prossegue com o par de diminutas sonatas do Op. 14, e encerra com a majestosamente serena sonata Op. 28, alcunhada “Pastoral”.

Depois do sucesso da predecessora “Patética”, Beethoven publicou duas sonatas muito curtas e contrastantes. A primeira do Op. 14 é tecnicamente facílima – provavelmente pensada na execução por amadores – e de escritura muito transparente, e não surpreende que o autor a tenha transcrito para quarteto de cordas dois anos depois. A segunda é composicionalmente mais complexa, cheia de surpresas e mudanças harmônicas, e está distante das mãos dos diletantes. Já a belíssima e bem acabada sonata “Pastoral” (outra das alcunhas atribuídas por editores que não tiveram a anuência de Beethoven), assim chamada talvez por seu caráter idílico, sem grandes dramas e tensões, ou pelo uso de bordões no baixo, é uma das minhas favoritas. Concluída e publicada no mesmo 1801 que testemunhou a saída das prensas da sonata Op. 26 e das duas do Op. 27, é um encerramento apropriado para essa tetralogia incomum para o compositor, que nunca mais comporia tantas sonatas para piano em tão pouco tempo. Mais que isso, demonstra, pelos contrastes vivos entre quatro obras de tanta qualidade, que o melhor pianista de Viena também já era, com folgas, seu maior compositor.

A leitura de Perahia, que muito me agrada, atenua a dramaticidade de movimentos como a “Marcia Funebre” da Op. 26 em prol de humor, que permeia todo o recital e lhe instila um convincente senso de continuidade – uma proposta de interpretação totalmente diferente daquela de Horowitz, que foi muito próximo de Perahia na velhice e lhe serviu, como não poderia deixar de ser, de profunda inspiração.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha Fúnebre”
Composta em 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

1 –  Andante con variazioni
2 – Scherzo. Molto allegro
3 – Marcia funebre sulla morte d’un eroe
4 –  Allegro

Duas sonatas para piano, Op. 14
Compostas em 1798-1799
Publicadas em 1799
Dedicadas à baronesa Josefa von Braun

No. 1 em Mi maior
5 – Allegro
6 – Allegretto – Trio
7 – Rondo. Allegro comodo

No. 2 em Sol maior
8 – Allegro
9 – Andante
10 – Scherzo. Allegro assai

Sonata para piano em Ré maior, Op. 28, “Pastoral”
Composta em 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao conde Joseph von Sonnenfels

11 – Allegro
12 – Andante
13 – Scherzo. Allegro vivace
14 – Rondo. Allegro ma non troppo

Murray Perahia, piano

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Volodya mandando vocês espetarem as orelhas de seu bonequinho de voodoo

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para piano Opp. 13, 10 no. 3 e 57 – Horowitz

Depois de Gould, Horowitz.

Minha determinação em ganhar um lugar de honra no Livro do Ódio de vós outros certamente será premiada depois que eu lhes trouxer mais um entre os grandes pianistas mais malditos do século XX para tocar neste Festival Beethoven. E começo afirmando-lhes que, por tudo que sobre ele li, Horowitz detestava Beethoven – o que provou gravando-o pouquíssimo e banindo-o de seus recitais por uma boa parte da carreira. Não o entendia e tinha ranços em tentar imprimir sentido no que chamava de “bagunça sonora” do renano. Ademais, as obras principais do mestre alemão, ainda que tecnicamente muito difíceis, não lhe permitiam momentos de bravado para seduzir com seus muitos truques pianísticos as plateias. Não foi à toa, portanto, que uma das poucas obras de Beethoven que tocava com certa frequência e gravou mais de uma vez foi a sonata Op. 57, a “Appassionata”, que muito se presta àqueles momentos horowitzianos que seus admiradores tanto apreciam em obras de Rachmaninov e Scriabin.

Não há como saber se a recíproca, se Vladimir e Ludwig tivessem sido contemporâneos, seria verdadeira. Todavia, qualquer pessoa que já tentou produzir sons com um teclado admira a maestria de Horowitz em fazê-lo, por maiores que sejam as restrições que tenha ao restante de suas qualidades de intérprete. Não são poucos os pianistas do panteão que o consideram o maior de todos que ouviram – a deusa Martha Argerich, por exemplo -, embora seja igualmente fácil reconhecer que suas interpretações de boa parte do repertório, Beethoven incluso, pareçam priorizar o momento, o detalhe, e o colorido à estrutura das peças, qualidades que certamente o fariam cair em desgraça junto a Ludwig, que tinha profundo desdém por tal abordagem, manifesto muitas vezes acerca de virtuoses itinerantes que volta e meia tentavam, sem sucesso, arrebatar-lhe a posição de melhor pianista de Viena

Posto isso, e gasturas que vocês possam ter com Horowitz à parte, acredito que sua leitura para a sonata Op. 13, cognominada “Patética” pelo editor da obra, seja a melhor das que fez para o punhado de sonatas do renano que levou a disco. Acho que seu estilo é bem apropriado para o primeiro movimento, ao sublinhar seus contrastes, e acho difícil alguém fazer o teclado cantar como Horowitz o faz no célebre Adagio cantabile. Ademais, a peça é concisa o bastante para que a encerre convincentemente, sem incorrer nas inconsistências de andamento que tanto criticam nele. Completam o disco uma gravação muito boa da terceira sonata do Op. 10, em que as inconsistências supracitadas talvez apareçam (não que eu ligue para elas), e a já mencionada sonata “Appassionata”, em que Horowitz está um pouco mais próximo de seu quintal.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Dó menor, Op. 13, “Patética”
Composta em 1798
Publicada em 1799
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

1 – Grave – Allegro di molto e con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Rondo: Allegro

Três sonatas para piano, Op. 10 – No. 3 em Ré maior
Composta e publicada em 1798
Dedicada à condessa Anne Margarete von Browne

4 – Presto
5 – Largo e mesto
6 – Menuetto: Allegro
7 – Rondo: Allegro

Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata”
Composta entre 1804-1805
Publicada em 1807
Dedicada ao conde Franz von Brunswick

8 – Allegro assai
9 – Andante con moto
10 – Allegro ma non troppo – Presto

Vladimir Horowitz, piano

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Lud Van emergindo de seu congelamento em carbonita para invadir a tumba de Vladimir Samoylovich e quebrar-lhe os ossos
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

 

 

BTHVN250 – A Obra completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violino e piano, Op. 12 – Kavakos – Pace

Se apreciadas no contexto da evolução de Beethoven como compositor, muito evidente nas obras solo para piano, as melífluas sonatas para violino do Op. 12 podem parecer até um retrocesso: clássicas, bem no prumo das de Mozart, sem sobressaltos, soam até mais antigas que aquelas para violoncelo do Op. 5, compostas dois anos antes.  Diferentemente destas, frutos do contato com virtuoses numa corte real, e das sonatas para violino Op. 47 (a “Kreutzer”) e a Op. 96, dedicadas a solistas ilustres, as Op. 12 não tinham intérpretes específicos em vista, tampouco grandes pretensões – como atesta seu frontispício, aliás, que as descreve sem-cerimoniosamente como “sonatas para o pianoforte ou cravo, com acompanhamento de um violino”. Dedicando-as ao ainda muito influente Antonio Salieri, com quem pretendia estudar, Beethoven provavelmente quis fazer bom cartaz, pisando terreno firme e não ferindo as sensibilidades do velho professor. Parece que funcionou: em dois anos, ele iniciaria seus estudos com Salieri, dentro de seu projeto de fazer fortuna escrevendo óperas em italiano.

Uma das poucas dificuldades de escrever aqui no PQP Bach é tentar trazer novidades relevantes a um acervo gargantuano alimentado cotidianamente diariamente por colegas com tão fino gosto quanto apetite pantagruélico por novidades fonográficas. Quase todas minhas versões preferidas das sonatas para violino já estavam aqui – mas faltava essa, com o ateniense de ouro, Leonidas Kavakos, e o riminese Enrico Pace, talvez de todas a mais lindamente burilada e de articulações mais trabalhadas, que ficam ainda mais notáveis em função dos andamentos mais lentos escolhidos pela dupla. Kavakos é capaz de todas virtuosidades, mas aqui prefere privilegiar o timbre – e o seu, em minha desimportante opinião, é o mais belo entre os de todos violinistas em atividade. O som de seu Stradivarius é tão lindo que a gente nem liga para a alegada banalidade que os críticos, que desde o final do século XVIII já esperavam novidades de Beethoven, apontaram nessas sonatas – nós as ouvimos entre sorrisos, e só capazes de pensar nas próximas.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três sonatas para violino e piano, Op. 12
Compostas entre 1797-1798
Publicadas em 1798
Dedicadas a Antonio Salieri

Sonata no. 1 em Ré maior

1 – Allegro con brio
2 – Tema con variazioni: Andante con moto
3 – Rondo: Allegro

Sonata no. 2 em Lá maior

4 – Allegro vivace
5 – Andante, più tosto allegretto
6 – Allegro piacevole

Sonata no. 3 em Mi bemol maior

7 – Allegro con spirito
8 – Adagio con molta espressione
9 – Rondo: Allegro molto

Leonidas Kavakos, violino
Enrico Pace, piano

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Pace, Kavakos e Stradivarius

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trios para clarinete, violoncelo e piano, Opp. 11 (“Gassenhauer”) & 38 – Beethoven Trio

As duas obras para trio que hoje apresentamos são mais conhecidas em outras roupagens. O Op. 11 foi concebido para clarinete, na tonalidade de si bemol que lhe é tão confortável, mas rapidamente acomodado numa versão com violino, instrumento mais encontradiço, já publicada nesta série. Depois que o ouvimos com clarinete, entretanto, fica difícil escutar as passagens tão idiomáticas que Beethoven lhe escreveu em qualquer outro timbre. A alcunha “Gassenhauer” traduz-se, grosso modo, como “sucesso popular” (hit ou Schlager), no sentido das canções pegajosas cantaroladas por todos nas ruelas (Gassen, em alemão) – no caso, a ária “Pria ch’io l’impegno”, da ópera “L’amor marinaro ossia Il corsaro” de Joseph Weigl, um tremendo sucesso na Viena da época que foi amplamente usado como tema para obras com variações. O trio em si garante alguns minutos agradáveis, se não exatamente memoráveis – embora, e fica aqui a advertência, a tal “Gassenhauer” seja realmente MUITO grudenta.

O trio Op. 38, por sua vez, é uma versão do próprio compositor para o seu bem-sucedido septeto, Op. 20, arranjada para um conjunto instrumental mais econômico. O tal septeto fez tanto sucesso que Beethoven chegou a irritar-se com a imensa demanda por ouvi-lo em toda parte, e em diferentes arranjos, por considerar que compusera coisas muito melhores. Além da versão para clarinete, há outra para violino, violoncelo e piano, cujo dia também chegará por aqui.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trio em Si bemol maior para clarinete, piano e violoncelo, Op. 11, “Gassenhauer”
Composto em 1797
Publicado em 1798
Dedicado a
Maria Wilhelmine von Thun

1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Tema con variazioni (“Pria ch’io l’impegno”: Allegretto)

Trio em Mi bemol maior para clarinete, piano e violoncelo, Op. 38
Composto entre 1799-1800 (versão original do septeto, Op. 20)
Arranjado e publicado como trio em 1805
Dedicado à imperatriz Maria Theresia

4 – Adagio – Allegro con brio
5 – Adagio cantabile
6 – Tempo di menuetto
7 – Tema con variazioni: Andante
8 – Scherzo: Allegro molto e vivace
9 – Andante con moto alla marcia – Presto

Beethoven Trio
Raffaele Bertolini, clarinete
Silvano Fusco, violoncelo
Marco Schiavo, piano

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Joguei “Gassenhauer” no Google – e foi isso que me apareceu

Vassily

 

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Sonatas e Partitas para violino solo, BWV 1001-1006 – James Ehnes

Parem tudo o que estão fazendo e ouçam isso. Não exagero: eu parei minha série de postagens da obra completa de Beethoven em pleno Ano Beethoven, e acho que Ludovico não se chatearia com a reverência ao demiurgo João Sebastião, recriado pelo talento do mais fascinante dos violinistas em atividade, o canadense James Ehnes. Atentem para os andamentos mais lentos que o habitual, que permitem à linda entonação de Ehnes destacar as diversas vozes com clareza, particularmente nas fugas. Percebam seu uso comedido do vibrato, tão em desuso nessa era de preferências historicamente informadas, que nem de longe descamba para romantismo ou, menos ainda, sacarose sentimental. Maravilhem-se com momentos como o prelúdio da terceira partita, que cintila e efervesce. E – nem sei o que lhes dizer – SINTAM nessa Chacona, também mais lenta que o costumeiro, o domínio absoluto que Ehnes tem sobre tudo, e sobretudo ao pulso do tempo, enquanto desenrolam-se as engenhosas variações na criação instrumental suprema de Bach. Eu fui fisgado logo no primeiro acorde da primeira sonata, e só parei de ouvir muito depois da última partita terminar, para então colocar novamente a Chacona para conseguir acreditar no que meus sentidos me diziam: que aquela era a mais bela versão das sonatas e partitas que conheci na última década, e certamente uma das melhores que jamais existirão.

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

J. S. BACH – THE SIX SONATAS & PARTITAS FOR SOLO VIOLIN – JAMES EHNES

DISCO 1

Sonata no.1 em Sol menor para violino solo, BWV 1001
1 – Adagio
2 – Fuga
3 – Siciliana
4 – Presto

Partita no.1 in Si menor para violino solo, BWV 1002
5 – Allemanda
6 – Double
7 – Corrente
8 – Double
9 – Sarabande
10 – Double
11 – Tempo di Borea
12 – Double

Sonata no.2 in Lá menor para violino solo, BWV 1003
13 – Grave
14 – Fuga
15 – Andante
16 – Allegro

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DISCO 2

Partita no. 2 em Ré menor para violino solo, BWV 1004
1 – Allemanda
2 – Corrente
3 – Sarabanda
4 – Giga
5 – Ciaccona

Sonata no.3 em Dó maior para violino solo, BWV 1005
6 – Adagio
7 – Fuga
8 – Largo
9 – Allegro assai

Partita no.3 em Mi maior para violino solo, BWV 1006
10 – Preludio
11 – Loure
12 – Gavotte en Rondeau
13 – Menuet I
14 – Menuet II
15 – Bourrée
16 – Gigue

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James Ehnes, violino

Ehnes e seu Stradivarius, preparando-se para enfeitiçar vocês

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para piano, Opp. 10 & 26 – Gould

Bem, eu avisei que lhes traria Gould.

Antes que me chovam tomates por trazer este mais controverso de todos os grandes pianistas, justifico-me: depois de Bach, Beethoven é o segundo compositor mais importante em seu legado discográfico. Ademais, e a despeito da fama de ludwigófobo que construiu por interpretações bizarras como as que deu para a “Appassionata”, Glenn reconhecia o gênio do renano e pôs seu domínio fenomenal do teclado e a heterodoxia nas escolhas interpretativas para legar-nos gravações muito recompensadoras àqueles que não consigam se deixar irritar por seus expedientes de costume, como o de propor alterações dinâmicas e agógicas a bel prazer, e, mais notoriamente, aquele de cantarolar ao teclado. Gould está especialmente canoro nos movimentos de abertura das sonatas, aos quais ele imprime andamentos frenéticos. A articulação impecável e clareza com que ele distingue as vozes, responsável por muito da mágica gouldiana a tocar Bach, aqui brilha com clareza, particularmente no último movimento da segunda sonata, um fugato matreiro. E a terceira sonata, que considero a primeira obra-prima de Beethoven no gênero, com seu belíssimo, sentido Adagio, é tão equilibrada que se pode facilmente esquecer do escândalo causado por Gould quando, em seguida ao terremoto do sucesso de sua gravação de estreia, escolheu levar a disco as três últimas sonatas para piano de Ludwig, com recepção que variou do pasmo a, claro, jorros de ódio. E, falando em ódio, já que vocês estão a esvurmá-lo por mim, convido-os a tentarem aplacá-lo ouvindo a sonata Op. 26, com suas maravilhosas variações de abertura e a marcha fúnebre, que o canadense despacha com elegância e sem qualquer bizarrice. Vocês quase não o reconhecerão tocando e, talvez, até me perdoem – pelo menos, claro, até a próxima postagem de Gould.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três Sonatas para piano, Op. 10
Compostas entre 1796-1798
Publicadas em 1798
Dedicadas à condessa Anne Margarete von Browne

No. 1 em Dó menor
1 – Allegro molto e con brio
2 – Adagio molto
3 – Finale. Prestissimo

No. 2 em Fá maior
4 – Allegro
5 – Allegretto
6 – Presto

No. 3 em Ré maior
7 – Presto
8 – Largo e mesto
9 – Menuetto. Allegro
10 – Rondo. Allegro

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha fúnebre”
Composta entre 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky

11 – Andante con variazioni
12 – Scherzo, allegro molto
13 – Maestoso andante, marcia funebre sulla morte d’un eroe
14 – Allegro

Glenn Gould, piano

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Gould, à espera de que vocês o odeiem outra vez
#BTHVN250, por René Denon


Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para piano Opp. 7, 10 no. 3 & 57 – Hewitt

Se havia quaisquer dúvidas de que Ludwig van Beethoven – pianista virtuoso de fama consolidada em Viena, professor de piano requisitado e compositor crescentemente reconhecido – pretendia romper com tradições para fazer ouvir sua voz altamente individual, elas dissiparam-se quando, aos 26 anos, ele publicou a Sonata em Op. 7. Composta durante uma visita a Pressburg (hoje Bratislava, Eslováquia), estava entre as obras preferidas de Beethoven, que quis deixar isso claro ao dar-lhe um número próprio de opus, lançando-a separadamente, e não em dupla ou trinca, que era a praxe da época. De lambujem, chamou-a de “Grande Sonata”, título que lhe é muito apropriado, tanto pela duração – a segunda mais longa entre suas sonatas, menor somente que a transcendental “Hammerklavier” – quanto pelo escopo grandioso da obra, especialmente se a comparamos às sonatas anteriores do Op. 2. Ainda que nela haja muito pouco que fizesse imaginar o que viria com as vinte e oito sonatas seguintes, o abismo que a separa das Op. 2 só não é menor que aquele entre ela e a três sonatas do Op. 10  – a terceira das quais abre esta gravação, e que serão objeto de uma postagem específica.

Para encerrar, uma “Appassionata” sem-cerimoniosa e atenta à partitura, carregando as marcas registradas da canadense Angela Hewitt, que, depois levar ao disco e às salas de concerto de todo mundo interpretações de Bach que já nasceram clássicas, voltou-se para as sonatas do renano com toda bagagem de clareza, respeito às intenções do compositor e rejeição ao bravado amealhados na larga experiência de interpretação das obras do Maior de Todos. Apesar de nunca ter prometido a integral das trinta e duas sonatas, Hewitt já está há mais de década e no oitavo volume deste afã e, através do bonito som de seus queridos pianos Fazioli, propõe-nos uma refrescante maneira de ouvir Beethoven.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três Sonatas para piano, Op. 10
No. 3 em Ré maior
Composta entre 1797-8
Publicada em 1798
Dedicada à condessa Anna Margaret von Browne

1 – Presto
2 – Largo e mesto
3 – Menuetto. Allegro
4 – Rondo: Allegro

Grande Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 7
Composta entre 1797-8
Publicada em 1798
Dedicada à condessa Babette von Keglevics

5 – Allegro molto e con brio
6 – Largo, con gran espressione
7 – Allegro
8 – Rondo: Poco allegretto e grazioso

Sonata para piano em Fá menor, Op. 57, “Appassionata”
Composta entre 1804-5
Publicada em 1807
Dedicada ao conde Franz von Brunsvik

9 – Allegro assai
10 – Andante con moto
11 – Allegro ma non troppo – Presto

Angela Hewitt, piano

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Angela e seu Fazioli
#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonata para piano a quatro mãos, Op. 6 – Marchas, Op. 45 – Grande Fuga para piano a quatro mãos, Op. 134 – Variações, WoO 67 & 74 – Demus – Shetler

Diferentemente da postagem anterior, com obras e performances eletrizantes, chego a um capítulo da obra do mestre renano que não me desperta muito entusiasmo. Suas peças para duo pianístico, que cabem todas num só disco, já foram postadas anteriormente no PQP Bach e mereceram, na ocasião, um meu comentário modorrento. Admito que talvez não esteja sendo justo com criações despretensiosas que não foram destinadas a causar estupor nos palcos, nas mãos de virtuoses, nem a estimular impulsos mecenáticos entre nobres endinheirados, e sim aos amadores em suas residências. Instrumentos de teclado eram crescentemente mais comuns nos lares, e a música para piano a quatro mãos – fosse ela original, ou arranjada para duo a partir de obras para conjuntos maiores – era um veículo importante de divulgação de composições naquela época em que o acesso a concertos ainda era mormente um privilégio e as gravações não estavam sequer na ficção científica, porque, talvez, nem ficção científica existisse.

A singela sonata Op. 6, uma das mais curtas entre as sonatas de Beethoven, com suas figurações simples que se dividem e repetem entre as quatro mãos, foi certamente dedicada ao estudo e à prática de conjunto. As  simpáticas, despreocupadas Marchas, Op. 45, são de interesse um pouco maior, e ficam mesmo intrigantes quando se sabe que foram compostas em torno do período de desespero em Heiligenstadt, que culminou com o famoso testamento que algum dia abordaremos nesta série. Completam a gravação obras de fases contrastantes da carreira do compositor: aquela sobre um tema do Conde Waldstein (WoO 67), seu patrono em Bonn, datam, naturalmente, de seus últimos anos na cidade natal, e são interessantes pelas sugestões de colorido orquestral; as variações sobre sua canção “Ich denke dein” (WoO 74) foram dedicadas em Viena às condessas Therese e Josephine von Brunsvik, quase que certamente para o uso das moças (e, provavelmente, para impressioná-las); e a transcrição da Grande Fuga (Op. 134; originalmente o finale do quarteto de cordas, Op. 130, e editada em separado como Op. 133), que foi a última obra pianística que publicou. Muito me intrigam os motivos que levaram a este arranjo da mais radical e visionária das obras de Beethoven, recebida com reações que variavam entre a estranheza e as conjecturas de que o compositor enlouquecera, para um meio tão burguesmente doméstico como o do piano a quatro mãos. Enquanto o escutava, a preparar este texto, percebi pela primeira vez que a falta dos ataques furiosos às cordas, tão essenciais ao impacto da versão original, permitia uma percepção mais clara das vozes e da magistral transfiguração delas dentro do modo beethoveniano de tratar as leis da fuga. A obra futurística e iracunda para quarteto de cordas fica mais transparente e, voilà – 1 x 0 para você, velho Ludwig!

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata em Ré maior para piano a quatro mãos, Op. 6
1 – Allegro molto
2 – Rondo. Moderato

Três Marchas para piano a quatro mãos, Op. 45
3 – No. 1 em Dó maior
4 – No. 2 em Mi bemol maior
5 – No. 3 em Dó maior

Oito Variações em Dó maior para piano a quatro mãos sobre um tema do Conde Waldstein, WoO 67
6 – Thema. Andante con moto – Variationen I-VIII

Seis Variações em Ré maior sobre a canção “Ich denke Dein”, de Beethoven, WoO 74
7 – Thema. Variationen I-VI

Grande Fuga em Si bemol maior para piano a quatro mãos, Op. 134
8 –  Overtura. Allegro –  Fuga. Allegro – Meno mosso e moderato – Allegro – Allegro molto e con brio – Allegro molto e con brio

Jörg Demus e Norman Shetler, piano

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Meus desimportantes resmungos quanto à obra de Beethoven para duo pianístico não me permitiram a gentileza de apresentar os intérpretes da gravação no corpo do texto. Acredito que o ilustre Jörg Demus (1928-2019) recentemente falecido, dispense apresentações. Norman Shetler (1931) nasceu nos Estados Unidos, vive na Áustria há décadas, é recitalista, requisitado acompanhante de cantores e instrumentistas, e famoso marionetista. Ei-lo, com um amigo, nesta última função

 

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5 – Variações – Wispelwey – Lazić

Nas sonatas para violoncelo de quase todo o barroco até aquelas de Boccherini, o teclado limitava-se ao acompanhamento em baixo-contínuo de um solista que, normalmente, tentava aprontar algo no registro agudo do instrumento, sem que houvesse nelas, praticamente, uma parte para teclado independente. Os grandes Mozart e Haydn, modelos mais importantes para o jovem Beethoven, deram completamente de ombros ao violoncelo como solista em música de câmara, muito por conta das limitações dos instrumentos de antanho, cujo som tendia a ser abafado pelos pianos nos registros graves, o que desestimulava quaisquer intenções virtuosísticas. No entanto, os luthiers do final do século XVIII fizeram o violoncelo evoluir enormemente, de modo que, quando da visita de Beethoven à corte de Berlim em 1796, havia já um bom número de solistas de renome no instrumento outrora tido somente como um grave e modesto acompanhante. E, assim como aconteceria depois com o violinista Bridgetower e a sonata “Kreutzer”, foi um encontro de virtuoses a centelha para a criação intempestiva de uma obra revolucionária – no caso, de Beethoven com os irmãos Jean-Pierre e Jean-Louis Duport, primeiro e segundo violoncelistas da corte da Prússia, encabeçada ela própria por um violoncelista amador, o rei Friedrich Wilhelm II. Entusiasmado com o que ouviu dos irmãos, Ludwig escreveu com rapidez este par de sonatas, no que certamente contou com a consultoria dos virtuoses franceses, e estreou-as ainda na corte, tocando ele próprio a elaborada, independente parte do piano, inventando assim,  praticamente sozinho, a sonata clássica para violoncelo e piano.

Se as sonatas têm tantos nomes e sobrenomes ilustres envolvidos em sua gênese, há bastante mistério sobre quem inspirou as três séries de variações para violoncelo e piano compostas por Beethoven, duas das quais estão incluídas neste disco. As exigências técnicas, bem menores que aquelas das sonatas, deixam-nas ao alcance de competentes amadores, e é bastante provável que tenham sido escritas por encomenda para alguns deles, inda mais por conta dos populares temas que lhes servem de base. A série mais interessante, aquela sobre o tema de “Judas Maccabaeus” de Händel, atesta o vivo interesse de Beethoven na música do saxão, que descobrira através de um de seus patronos, o barão von Swieten, e que o inspiraria ainda por muito tempo, como atesta a citação bastante conspícua e literal dum tema do “Messiah” na Missa Solemnis, já no final de sua carreira.

Cresci ouvindo essas sonatas com tantos ótimos duos (Rostropovich/Richter, Fournier/Gulda, Maisky/Argerich) que ficou difícil escolher um só deles para compartilhar com os leitores-ouvintes. Optei pelo que talvez é o menos conhecido entre os de excelência, o do violoncelista neerlandês Pieter Wispelwey e do pianista croata Dejan Lazić. Li em algum lugar que Wispelwey é um dos precursores da geração de generalistas-especialistas, por estar à vontade tanto com as cordas de tripa e a música antiga quanto com aquelas de aço na música moderna. Aqui, com um violoncelo Guadagnini e cordas de aço, ele dialoga maravilhosamente com o ótimo Lazić, que não nos deixa esquecer o apreço com que Beethoven, então mais conhecido como pianista do que como compositor, escrevia para brilhar nas partes destinadas a ele mesmo. Mesmo para quem já as conhece bem, as sonatas soam como novidades excitantes e equilibradas – e as variações, que mesmo sob arcos e mãos ilustres tendem a aborrecer um tanto, cintilam à altura de quem as escreveu.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5

No. 1 em Fá maior
1 – Adagio sostenuto
2 – Allegro
3 – Rondo: Allegro vivace

Doze Variações em Fá maior sobre “Ein Mädchen oder Weibchen”, de “Die Zauberflöte” de Mozart, para violoncelo e piano, Op. 66
4 – Thema
5-16 – Variationen 1-12

Duas Sonatas para violoncelo e piano, Op. 5

No. 2 em Sol menor
17 – Adagio sostenuto ed espressivo
18 – Allegro molto più tosto presto
19 – Rondo: Allegro

Doze Variações em Sol maior sobre “See the conqu’ring hero comes”, do Oratório “Judas Maccabaeus” de Händel, para violoncelo e piano, WoO 45
20 – Thema
21-32 – Variationen 1-12

Pieter Wispelwey, violoncelo
Dejan Lazić, piano

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#BTHVN250, por René Denon
Uma ótima interpretação do Op. 5 com instrumentos antigos: a de Alberto Kanji e Liliane Kans, uma produção independente lançada pela Tratore. Para acessar links para a compra, clique na imagem

 

Vassily

 

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Quintetos para cordas, Opp. 4 & 104 – Zürcher Streichquintett

 

 

 

Diferentemente dos trios para piano e quartetos para cordas, aos quais Beethoven dedicou-se ao longo de toda a vida, e ao breve surto de produção de trios para cordas no início da carreira, o quinteto para cordas não despertou muito o interesse do mestre. De suas três composições no gênero, todas com duas violas, apenas aquela do Op. 29 foi originalmente composta para a formação. As outras duas, que hoje apresentamos, são versões de obras anteriores – muito embora o número de opus do quinteto em si bemol maior, op. 4, publicado em 1796, não nos faça imaginar que ele seja uma adaptação bastante retrabalhada do octeto na mesma tonalidade, op. 103, editado somente em 1834, sete anos após a morte do compositor. Apesar da atraente variedade tímbrica da obra póstuma, o Op. 4 é melhor acabado que o original, especialmente nas transições de temas dos movimentos inicial e final. Com o Op. 104, ocorre o contrário: trata-se de uma transcrição mormente literal de um dos trios com piano do Op. 1, que foi uma das primeiras obras publicadas pelo compositor, e com bastante êxito, depois de chegar a Viena, e justamente aquele que foi mais criticado por Haydn, então seu professor. No final da carreira, Beethoven recorreu frequentemente ao expediente de publicar arranjos de obras antigas, contando com a boa acolhida por conta de sua já estabelecida fama como maior compositor vivo, especialmente nas épocas de vacas magras e de tormentas pessoais: em 1819, ano em que publicou o Op. 104, estava envolvido com a interminável composição da Missa Solemnis e, muito dolorosamente, com a disputa pela custódia do sobrinho Karl com a odiada cunhada Johanna, aquela mesma que foi designada como a incógnita “Amada Imortal” do compositor na película homônima de 1994, uma conclusão tão bizarra que só poderia ser produto do tubo digestivo de alguém – no caso, de um atochador como Anton Schindler, o factotum de Beethoven que faz as vezes de investigador no filme.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Schindler, o atochador

Quinteto para dois violinos, duas violas e violoncelo em Mi bemol maior, Op. 4 (adaptação do octeto para sopros, Op. 103)

1 – Allegro con brio
2 – Andante
3 – Menuetto: Allegretto – Trio I & II
4 – Finale: Presto

Quinteto para dois violinos, duas violas e violoncelo em Dó menor, Op. 104 (adaptação do trio para piano, violino e violoncelo, Op. 1 no. 3)

5 – Allegro con brio
6 – Andante cantabile con Variazioni
7 – Minuetto. Quasi allegro
8 – Finale. Prestissimo

Zürcher Streichquintett (Quinteto de cordas de Zurique)

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

 

 

 

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Três sonatas para piano, Op. 2 – Perahia

 

 

 

 

A reação de Haydn aos Trios Op. 1 certamente emputeceu e muito Ludwig – conhecido pelos colegas da corte de Bonn como “espanhol louco”, pela cor negra dos cabelos, pelo temperamento irascível e, plausivelmente, pelas reações sanguinolentas ao bullying inerente à posição de violista -, mas não o impediu de dedicar seu Op. 2 em italiano ao “signore Giuseppe Haydn”. Também, pudera: desentender-se com o maior compositor vivo, inda mais na cidade que era a um só tempo seu quartel-general, uma capital imperial e, ainda mais importante, a Meca da Música Ocidental, não era uma opção ao compositor aspirante que já adquirira alguma fama como virtuose ao piano. Não por acaso, compôs para seu instrumento favorito essas sonatas que, embora calcadas na forma e estrutura (quatro movimentos, um scherzo no terceiro) das sonatas de Mozart e Haydn, já extrapolam em alguns aspectos seus modelos, especialmente na segunda, cheia de ousadias, e na terceira, bastante virtuosística.

Para interpretá-las neste longo festival Beethoven, para o qual prometi gravações inéditas aqui no PQP Bach, preferi não me fiar a uma série integral das 32 sonatas, algumas das quais pretendo publicar por aqui. Isso, inevitavelmente, inda mais num antro de melômanos com vastas discotecas beethovenianas como é este blogue, levar-me-á a recorrer a alguns intérpretes que, embora muito queridos a mim, são malditos neste recinto (sim, Glenn e Vladimir: estou olhando para vocês). Por ora, relaxem, pois quem lhes trago é o maravilhoso Murray Perahia, que gravou o Op. 2 bem na época em que enfrentava um grave problema numa mão que quase lhe encerrou a carreira. Quem o ouve nessas gravações, as minhas preferidas para essas sonatas, nem imagina as dores por que ele passava, e só consegue desejar o melhor em saúde para o mestre do Bronx, a fim de que, quem sabe, algum dia ele nos legue uma integral das míticas trinta e duas.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Três Sonatas para piano, Op. 2
Compostas entre 1793-1795
Publicadas em 1796
Dedicadas a Joseph Haydn

No. 1 em Fá menor
1 – Allegro
2 – Adagio
3 – Menuetto and Trio (Allegretto)
4 – Prestissimo

No. 2 em Lá maior
5 – Allegro vivace
6 – Largo appassionato
7 – Scherzo: Allegretto
8 – Rondo: Grazioso

No. 3 em Dó maior
9 – Allegro con brio
10 – Adagio
11 – Scherzo: Allegro
12 – Allegro assai

Murray Perahia, piano

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We wish you smilier days, Mr. Perahia!

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

 

BTHVN250 -A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trios para piano, violino e violoncelo, Opp. 1 & 11, WoO 38 & 39 – The Castle Trio

 

 

Quando da publicação destes trios para piano, violino e violoncelo, em 1795, o jovem Beethoven, que deixáramos na publicação anterior de malas prontas para sair de sua Bonn natal e não mais voltar, já se encontra estabelecido em Viena e confiante o bastante para, mesmo tendo outrora publicado obras diversas, atribuir à trinca de trios o título de primeira obra – seu Opus 1. A estreia aconteceria na casa do dedicatário, o príncipe Lichnowsky, e na presença de Haydn, que voltara à cidade após sua temporada com os Esterházy e suas bem-sucedidas viagens a Londres e gozava da reputação inconteste de maior compositor vivo. Beethoven, que estudara brevemente com ele ao chegar de Bonn, ficara decepcionado com o pouco interesse que percebia em seu professor, muito ocupado com seus projetos londrinos. Não obstante, aguardava com muita expectativa sua impressão acerca dos trios. Haydn, que chegaria havia pouco de viagem, estava exausto e, aparentemente, não teve muita paciência para com as obras. Criticou-as  muito, principalmente a terceira – justamente o preferido de Beethoven, a que melhor repercutiria e aquela na tonalidade que lhe seria tão típica em Dó menor -, e recomendou que Beethoven não a publicasse. O jovem renano, no que lhe era bem típico, deu de ombros e, talvez mordido pela crítica, insistiu na publicação, que foi um sucesso.

Na interpretação que lhes alcanço, do excelente Castle Trio, foram utilizados instrumentos originais do acervo do Smithsoniam Museum. Mesmo aqueles que entre vós outros torçam o nariz para o uso de instrumentos de época provavelmente apreciarão o trabalho do trio, que inclui o pianista Lambert Orkis, conhecido por sua longa parceria com a divíssima violinista Anne-Sophie Mutter, que não o troca por ninguém mais. Completando a gravação, estão a versão com violino do trio op. 11, alcunhado “Gassenhauer”, que é mais conhecido em sua roupagem com clarinete, que também postaremos em breve; o trio WoO 38, publicado postumamente e escrito provavelmente nos últimos meses em Bonn, e o Allegretto WoO 39, composto em 1812 e dedicado como presente a Maximiliane Brentano, filha de sua grande amiga Antonie.

A foto ruim, trio ótimo

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

CD 1
Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1
Publicados e estreados em 1795
Dedicados ao príncipe Karl von Lichnowsky

No. 1 em Mi bemol maior

1 – Allegro
2 – Adagio cantabile
3 – Scherzo. Allegro assai
4 – Finale. Presto

No. 2 em Sol maior
5 – Adagio – Allegro vivace
6 – Largo con espressione
7 – Scherzo. Allegro
8 – Finale. Presto

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CD2

Três Trios para piano, violino e violoncelo, Op. 1

No. 3 em Dó menor

1 – Allegro con brio
2 – Andante cantabile con variazioni
3 – Minuetto. Quasi allegro
4 – Finale. Prestissimo

Trio em Si bemol maior para clarinete, piano e violoncelo, Op. 11, “Gassenhauer”
Composto em 1797
Publicado em 1798
Dedicado a
Maria Wilhelmine von Thun

5 – Allegro con brio
6 – Adagio
7 – Tema con variazioni (“Pria ch’io l’impegno”: Allegretto)

Trio para piano, violino e violoncelo em Mi bemol maior, WoO 38 (?1791)
8 – Allegro moderato
9 – Scherzo: Allegro ma non troppo
10 – Rondo: Allegretto

Allegretto para piano, violino e violoncelo em Si bemol maior, WoO 39 (1812)
11 – Allegretto

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The Castle Trio
Lambert Orkis, piano
Marilyn McDonald, violino
Kenneth Slowik, violoncelo

Aqui, uma foto melhorzinha

 

#BTHVN250, por René Denon

Vassily

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Variações para piano sobre uma marcha de Dressler, WoO 63 – Variações para piano, WoO 64-68 – Buchbinder

BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Variações para piano sobre uma marcha de Dressler, WoO 63 – Variações para piano, WoO 64-68 – Buchbinder

Inauguramos, com esta postagem, uma série que ocupará quase todo este ano da graça do ducentésimo quinquagésimo aniversário do nascimento de Ludwig van Beethoven. Se o colapso não bater antes à minha porta, ou se a marota artéria cerebral obliterada que me levou a esta proposta não desentupir em desespero, deverei alcançar-lhes toda a obra conhecida e publicada do genial renano já posta em disco, em gravações inéditas aqui no PQP Bach, até a data magna dos ludwigomaníacos, em dezembro.

Será, claro, um trabalho mastodôntico e doidivano, mas nenhum sofrimento para mim, ludwigomaníaco desde moleque. Não exagero: meu primeiro contato com Beethoven (descontando a musiquinha de espera do telefone lá de casa, que era “Pour Elise”) foi aos seis para sete anos, quando me chegou às mãos uma revista da Disney sobre, bem, Beethoven.

Sim, não lhes minto

Naturalmente, pouco se poderia esperar de beethoveniano de um cachorro antropomórfico esmerilhando, de pernas cruzadas, um piano. Lembro-me, no entanto, de não ter compreendido como um músico podia ser surdo. Tampei minhas pequenas orelhas e tentei me imaginar ouvindo e fazendo música daquele jeito, e não consegui. Acudi-me com meu pai:

– Pai, Beethoven é surdo?
– Sim, ele era surdo.
– Era?
– Sim, ele já morreu há muito tempo.
– Mas como é que ele era músico se ele era surdo?
– Ele imaginava a música e colocava no papel, filho.
– Ele não ouvia música?
– Não, a música estava na cabeça dele.
– Mas como ele não escuta se ele tem as orelhas do Pateta?
– Isso é só uma historinha. Ele era uma pessoa como a gente. Vem cá que vou te mostrar o Beethoven.

E aí abriu um espesso volume da enciclopédia para apontar-me uma gravura de um tio sério e descabelado. Meu diagnóstico sumário:

– Ele deve estar bem brabo por ser surdo, né?

ooOoo

Pano rápido. Passam-se cinco anos e o velho piano de minha avó, desamparado desde a venda e demolição da abandonada casa no interior, chega até a minha. Sobre o tampo empoeirado, e sem muita cerimônia, o rapaz do caminhão de mudanças coloca um busto.

– Quem é, Pai?
– É Beethoven, filho.

Claro que era Beethoven! Um pouco mais de ordem nos cabelos, sim, mas a mesma seriedade no semblante, por demais apropriado ao longo dos muitos anos em que eu maltrataria o pobre teclado subjacente tentando tocar alguma coisa. Sempre que errava (o que era, bem, quase sempre), pedia desculpas ao sisudo busto branco, enquanto quase comemorava o fato dele, por ser uma escultura – inda mais de Beethoven -, nada poder ouvir.

Junto com o piano, muita poeira e artrópodes sortidos, veio um punhado de discos bem prejudicadinhos. Um deles, imediatamente, chamou-me a atenção, por estampar na capa exatamente o retrato descabelado e seriíssimo que meu pai me mostrara anos antes: Beethoven, sempre ele.
Soprando para longe uns bons nacos de poeira, coloquei o disco na vitrola e o que ouvi, e que me marcou a ferro pelo resto da vida, foi isso:

Escutei, extático, os dois lados do compacto, enquanto a janta esfriava. Lembro de minha mãe chamando-me, furibunda. Veio à sala e, ao me ver daquela maneira, tão absorto, deixou-me lá. Eu, o mesmerizado garoto que perderia o sorteio do bife, só tinha sentidos para aquela música. Então era isso que ele ele tinha na cabeça! Afinal, fora isso que ele colocara sobre o papel! E foi assim, na miudeza de meus onze anos, que Ludwig van Beethoven estreou na minha vida para nunca mais deixá-la.

ooOoo

Frontispício da primeira edição das Variações sobre uma Marcha de Dressler, publicada em Mannheim em 1782. Notem tanto a grafia errada do sobrenome do jovem “Louis van Betthoven” quanto a idade inexata do “jovem amador de dez anos”. Johann van Beethoven, desde cedo determinado a explorar o filho como criança-prodígio, sonegava-lhe um ano de idade desde seu primeiro concerto público, aos sete anos, para que pensassem que fosse ainda mais jovem. Ludwig, então com onze anos, completaria doze em dezembro.

Nem sequer suspeitaria que, duzentos e três anos antes, um outro menino de onze anos, na distante Bonn, capital do Eleitorado de Colônia – curiosamente muito próxima da cidade de meu avô, o proprietário daquele soturno busto de Beethoven que tanto sofreu com minha precária desenvoltura ao piano -, tinha sua primeira obra publicada em Mannheim. Filho de uma família de músicos com raízes flamengas pela parte do pai, e de cozinheiros do lado da mãe, Ludwig tinha dois irmãos mais jovens e já perdera outros tantos em tenra idade. Seu talento musical era tão evidente que, versado já em piano, viola e violino, fizera seu primeiro concerto público aos sete anos. Seu pai, um tenor na corte do arcebispo de Colônia,  via no filho mais velho um potencial filão de fortuna, se ele viesse a ser um novo Mozart e, ele próprio, seu Leopold. Johann, no entanto, era um alcoolista violento que espancava Ludwig com frequência e o deixou sob a tutela de professores abusivos, incluindo um que, insone, arrastava o menino para fora da cama a fim de lhe ensinar de madrugada. As coisas melhorariam um pouco quando, aos nove anos, iniciou seus estudos de piano e composição com Christian Neefe, o organista da corte de Bonn, que providenciou a publicação das Nove Variações sobre uma Marcha de Dressler, que vocês ouvirão a seguir.

Ludwig aos treze anos, já com os malares vermelhos que o acompanhariam por toda vida.

A obra, que provavelmente teve colaboração de Neefe, segue as convenções das variações figurativas da época e não deixa de impressionar, fruto que foi da pena de um menino de onze anos. Embora nada que se ouça nelas dê pistas de um criador genial, é curioso notar que nessa diminuta peça já estão presentes três  elementos cruciais na futura obra de Beethoven: a tonalidade de Dó menor, a forma da variação e o ritmo de marcha. Outras séries de variações, também inclusas nesta gravação, surgiriam ainda nos anos de Bonn – e é notável a evolução do jovem compositor quando comparamos as Variações Dressler com, por exemplo, aquelas sobre uma ária de Righini, compostas alguns anos depois. Ludwig, então, já tinha feito sua primeira viagem a Viena para tentar estudar com Mozart, mas teve que voltar a Bonn por conta da doença que mataria a mãe e o levaria a assumir a tutela dos irmãos mais novos, posto que o pai se afundava cada vez mais em seus charcos de etanol. A despeito de algumas anedotas, não se sabe ao certo se chegou a se encontrar com o célebre colega – e Mozart, já doente e endividado, provavelmente não tinha tempo nem recursos de assumi-lo como pupilo. De qualquer maneira, enquanto tocava viola na corte do Eleitor e cuidava dos irmãos, o rapazote já sabia que seu norte era Viena (a sudeste). Aos vinte e dois anos, deixaria a provinciana Bonn para estudar com Haydn na capital austríaca. Entre as recomendações, estava uma nota de seu patrono, o conde Waldstein, que escrevera:


Durch ununterbrochenen Fleiß erhalten SieMozarts Geist aus Haydns Händen”
(“Através da diligência ininterrupta, obterá o espírito de Mozart pelas mãos de Haydn”)


Mozart morrera, e Haydn mostrar-se-ia um professor pouco dedicado. Não faltaria a Ludwig, no entanto, a diligência ininterrupta, nem a implacável autocrítica que o levariam, através de enormes dificuldades, à mais impressionante e bem documentada evolução artística entre os grandes compositores. E será esta trajetória magnífica – das Variações Dressler até os últimos retoques nos derradeiros, visionários quartetos de cordas do final de sua vida – que reconstruiremos ao longo do ano do jubileu dum dos mais geniais filhos da Humanidade.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1882)

1 – Nove Variações sobre uma Marcha de Dressler, WoO 63
2 – Seis Variações sobre uma Canção Suíça, WoO 64
3 – Vinte e quatro Variações sobre “Venni Amore” de Righini, WoO 65
4 – Treze Variações sobre “Es war einmal ein alter Mann” de “Das rote Käppchen” de Dittersdorf, WoO 66
5 – Doze Variações sobre “Menuett à la Viganò” de Haibel, WoO 68

Rudolf Buchbinder, piano

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#BTHVN250, por René Denon

Vassily

.: interlúdio :. Yamandu, 40 anos: Dois Tempos – Lucio Yanel e Yamandu Costa (2001)

.: interlúdio :. Yamandu, 40 anos: Dois Tempos – Lucio Yanel e Yamandu Costa (2001)

Anteontem, Yamandu Costa celebrou seu aniversário, como o faz desde 2013, no aconchegante espaço do StudioClio em Porto Alegre, oferecendo um recital intimista, com mínima amplificação, para um punhado de privilegiadas pessoas -entre as quais estava eu, seu fã incondicional. Desde a primeira vez que o ouvi, eu e ele ainda garotos, dar uma canja num boteco em minha agriamarga Dogville natal, já se passaram vinte anos. Neles, acompanhei a trajetória hiperbólica do tipo sui generis e sem-cerimonioso, sempre de alpargatas e bombachas, de seus pagos meridionais para encantar o mundo todo. Sempre o achei um assombro, tanto pela aparente facilidade com que faz tudo o que quer com o violão, quanto pela habilidade com que, a partir de referências regionais, lança ao mundo criações amplamente improvisadas, de apelo instantâneo e universal, reinventando-as cada vez que as revisita. No entanto, como sói acontecer com os frutos dessa província corroída há tanto tempo pelo costume de incensar bairristicamente os medíocres enquanto estilinga os grandes talentos, espinafrar o garoto-prodígio já foi um esporte muito popular: seu som era “sujo”, suas ideias eram mais rápidas que seus dedos, que sua improvisação era só um sem-fim de micagens com escalas, ele era um enganador que nada duraria – um “fogo de palha”, como por aqui se diz. Ao ouvi-lo ontem, e pela primeira vez num ambiente tão camerístico, a destilar seus inúmeros truques violonísticos para servir sua assombrosa criatividade, o agora quarentão Yamandu conseguiu emocionar-me para além do assombro e do estupor. Depois de acompanhá-lo ao longo de quase toda carreira, por tantos shows e recitais, solo e nas mais diversas companhias musicais, eu finalmente entendi por que Kurt Masur chamou-o de “Paganini do violão” e Paco de Lucía o aplaudiu de pé. Escutando seu som desnudo tão de perto, consegui enfim embarcar no mesmo transe em que ele se imbui a cada peça que toca, e do qual parecia, anteontem, demorar ainda para despertar. Meus olhos suavam tanto quanto suava o aniversariante na canícula porto-alegrense: seu som, talvez agora “limpo” o bastante para os detratores, continuava inconfundível; seus dedos acompanhavam todas suas ideias; as escalas despachadas em velocidade lúbrica eram apenas um entre seus incontáveis recursos técnicos; e o garoto-prodígio, brilhante e cru, tornara-se um artista maduro e expressivo, capaz mesmo da improvável proeza de comover as nada impressionáveis fibras deste meu miocárdio empedernido.

Para celebrar os quarenta anos do genial passo-fundense, cidadão adorado do mundo que não esquece de seu pago, compartilhamos uma de suas primeiras gravações. Lançada em 2001 – ano em que Yamandu se projetou nacionalmente – e fora de catálogo, “Dois Tempos” é um duo com seu mentor e amigo, o correntino Lucio Yanel – um venerável violonista que, por doença da esposa, está afastado dos palcos e estúdios e, por isso, precisando de ajuda. Quem gostar da gravação e quiser ajudá-lo pode seguir este link. Tenho certeza de que o aniversariante adoraria ser presenteado com uma ajuda a seu mestre!

DOIS TEMPOS – LUCIO YANEL & YAMANDU COSTA

1 – Dois Tempos
2 – Doutor Sabe Tudo
3 – La Cau
4 – Pot-pourri: El Paraná en una Zamba – Zamba Del Grillo
5 – Amazônia
6 – Brejeiro
7 – La Libre
8 – Itá Enramada
9 – Milongueo Del Ayer
10 – Cristal
11 – Brasiliana Número 4: Samba Bossa Nova – Valsa – Choro
12 – Por Do Sol

Lucio Yanel e Yamandu Costa, violões

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Mestre e pupilo

Vassily

Arturo Benedetti Michelangeli, 100 anos: Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Concerto para piano e orquestra no. 5 – Sergiu Celibidache #BTHVN250

O último dia 5 teria sido o centésimo aniversário daquele gélido e sensacional colosso do piano que atendia pelo nome lapidar de Arturo Benedetti Michelangeli. Notoriamente recluso e pouco afeito a manifestar-se de maneiras diferentes de música (e olhe lá!), ele provavelmente não estaria nem aí para seu centenário, e sequer nos abriria a porta de sua amada propriedade às margens do lago de Lugano para lhe alcançarmos os parabéns, de modo que sobraria para algum de nós outros celebrar a data. É isso o que fazemos, trazendo-lhes um LP em que o Concerto no. 5 de Beethoven soa nobre, mas sem pompa imperial, dentro daquela precisão elegante e sem arroubos responsável por boa parte do mito de ABM, muitas vezes criticado pela estreiteza do diminuto repertório, que burilava à perfeição. No pódio, o também mítico Sergiu Celibidache rege a orquestra do ORTF num acompanhamento impecavelmente talhado ao feitio do solista. O extraordinário regente romeno, notório pela abordagem sui generis da interpretação musical, avesso a gravações e um dos últimos condutores que eu imaginaria lidando com um virtuoso, tinha Michelangeli, com quem colaborava frequentemente, na mais alta consideração. Espero que a qualidade do som, infelizmente bastante abaixo do ideal, não os afaste da oportunidade de apreciar essa peso-pesadíssima parceria.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Concerto no. 5 para piano e orquestra em Mi bemol maior, Op. 73, “Imperador”
1 – Allegro
2 – Adagio un poco mosso
3 – Rondo: Allegro

Arturo Benedetti Michelangeli, piano
Orchestre national de l’Office de Radiodiffusion-Télévision Française (ORTF)
Sergiu Celibidache, regente

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Benedetti osculando Michelangeli

 

 

#BTHVN250

Vassily

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Friedrich Gulda spielt Beethoven – Sämtliche Klaviersonaten (9/9) #BTHVN250

Gulda arremata a integral das sonatas para piano de Beethoven com excelentes interpretações para as três derradeiras. Gosto especialmente da Op. 110, e admiradores de sua versão antológica para o “Cravo bem Temperado” ouvirão seus ecos na incrível fuga final. Já quem esperava que o também jazzista Fritschi fosse botar as manguinhas de fora nos trechos do assim chamado “proto-jazz” nas sublimes variações que concluem a Op. 111 vai se surpreender com o pulso que ele mantém ao longo de todo movimento, coroando sem arrebatamentos a série que é um dos pináculos da literatura pianística. E espero que quem conhece Gulda somente como o tiozão excêntrico de barrete na cabeça, imagem que ele consolidou na maturidade e velhice, possa admirar o consumado mestre que ele era e, em que pese a má qualidade de som de suas gravações de juventude (pois Gulda é, disparadamente, o mais mal gravado dos grandes pianistas), explorar um pouco mais sua vasta e muito variada discografia.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – Sonata para piano no. 30 em Mi maior, Op. 109 (1820)
– Vivace ma non troppo – Adagio espressivo – Prestissimo
– Andante – molto cantabile ed espressivo
– Moderato cantabile – Molto espressivo

2 – Sonata para piano no. 31 em Lá bemol maior, Op. 110 (1821)
– Allegro molto
– Adagio ma non tropo – Fuga – Allegro ma non troppo

3 – Sonata para piano no. 32 em Dó menor, Op. 111 (1821-2)
– Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
– Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Friedrich Gulda, piano

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Vassily

– Wie geht’s?

 

#BTHVN250

Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Friedrich Gulda spielt Beethoven – Sämtliche Klaviersonaten (8/9) #BTHVN250

Cada vez que, numa integral das sonatas para piano de Beethoven, se chega à tiranossáurica “Hammerklavier”, eu falto com educação para com as pobres sonatas que dividem o disco com a avantajada Op. 106. Não será o caso nesta série de Gulda, pois a peça que abre o CD é uma obra-prima consumada, a Op. 101, normalmente considerada a primeira obra do visionário período final da produção do compositor, e que termina, assim como sua vizinha de disco, com um magistral movimento contrapontístico.

Falando em contraponto… Bem, eu lhes falei que me é muito difícil não falar da Op. 106 – e talvez melhor seja chamá-la assim, pois a denominação “Hammerklavier” que a consagrou também foi aplicada por Beethoven à Op. 101. O que mais me intriga nela nada tem a ver com o movimento de abertura, que chega-chegando, mostrando que o que vem em seguida é algo sem precedentes na história da música, nem com o lilliputiano Scherzo que antede do transcendental Adagio, o mais longo e sentido movimento de uma sonata para piano até então. O que me faz sempre voltar a ela é o complicadíssimo finale, uma fuga colossal que abre com longuíssimo e bizarro tema, toma várias liberdades em relação às regras canônicas, e que impõe dificuldades nababescas ao executante, e de tal maneira que mesmo grandes pianistas deixam nele transparecer suas humanas limitações e, não raro, seu alívio ao martelar aquele acorde de Si bemol final (aos que duvidam de mim, sugiro procurarem o vídeo de Brendel tocando esse acorde para verem que não exagero). Talvez não exista uma interpretação totalmente satisfatória deste Leviatã, mas o fato é que Gulda é dos poucos que conheço que conclui a travessia sem aparentar dificuldades técnicas, e despacha os compassos finais com uma secura de quem, sem se impressionar com tantos trinados e semicolcheias, parece já estar pensando na Op. 110.

FRIEDRICH GULDA SPIELT BEETHOVEN – SÄMTILCHE KLAVIERSONATEN (8/9)

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

1 – Sonata para piano no. 28 em Lá maior, Op. 101 (1816)
– Allegretto ma non troppo
– Vivace alla Marcia
– Adagio ma non troppo – Con affetto – Presto – Allegro

2 – Sonata para piano no. 29 em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier” (1817-8)
– Allegro
– Scherzo – Assai vivace – Presto
– Adagio sostenuto
– Largo – Allegro risoluto –  Fuga a tre voci con alcune licenze

Friedrich Gulda, piano

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Vassily

PROFESSOR DE MARTHA ARGERICH. Sem mais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

#BTHVN250

O Mestre Esquecido, capítulo IX (Liszt – Sonata Dante – Consolação no. 3 – Transcrições de Lieder de Schubert – Antonio Guedes Barbosa)

O Mestre Esquecido, capítulo IX (Liszt – Sonata Dante – Consolação no. 3 – Transcrições de Lieder de Schubert – Antonio Guedes Barbosa)

Depois de mais de quatro anos, e por mea maxima culpa, retomamos com uma postagem inédita a série dedicada ao Mestre Esquecido, enquanto esperamos concluí-la antes de 2023, ano em que Antonio completaria 80 anos, e no qual lamentaremos os 30 anos de sua morte.

As obras que ora apresentamos foram gravadas nos Estados Unidos em dois momentos distintos da carreira de Barbosa. Os arranjos de Liszt para os Lieder de Schubert foram gravados em 1979, e são as mais belas leituras que conheço dessas partituras que, convenhamos, são bem mais Liszt do que Schubert, e que sob mãos menos hábeis acabam soando como pichações sonoras das sublimes melodias inventadas pelo Franz mais velho. Já a Consolação e a Sonata Dante, gravadas em abril de 1993, mostram o Mestre no auge de sua forma e, salvo melhor juízo, foram seu canto de cisne fonográfico – as últimas gravações que faria antes de sucumbir, no setembro seguinte, a um infarto fulminante.

LISZT – SONATA DANTE – 9 TRANSCRIÇÕES DE LIEDER DE SCHUBERT – CONSOLAÇÃO NO. 3 – ANTONIO GUEDES BARBOSA

Franz LISZT (1811-1886)

1 – Années de pèlerinage, deuxième année, S, 161,”Italie” – no. 7: Après une lecture du Dante
2 – Six Consolations pour piano, S. 172: no. 3 em Ré bemol maior – Lento placido

Franz Peter SCHUBERT (1797-1828), transcrições de Franz LISZT

3 – Die Forelle, S. 564
4 – Erlkönig, S. 558
5 – Auf dem Wasser zu singen, S. 558 no. 2
6 – Du bist die Ruh’, S, 558 no. 3
7 – Ständchen, S. 558 no. 9
8 – Wohin?, S. 565 no. 5
9 – Frühlingsglaube, S. 558 no. 7
10 – Gretchen am Spinnrade, S. 558 no. 8
11. – Ellens Dritter Gesang  (“Ave Maria”), S. 558 no. 12

Antonio Guedes Barbosa, piano

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Abaixo, o registro da participação de Antonio no programa “Espaço Livre” da Rádio MEC, em 1987:

Capa do mesmo álbum nos Estados Unidos, onde foi lançado pela Connoisseur Society. Barbosa faleceria poucos dias depois do lançamento brasileiro, pela saudosa Kuarup

Vassily [revalidado em 15/1/2021]

Gabriel Yared (1949) – Trilha Sonora Original para “Camille Claudel”, de Bruno Nuytten (1988)

Gabriel Yared - Camille Claudel front and backLongo, belo e seriíssimo, Camille Claudel parece muito mais antigo do que seus meros trinta e um anos fazem parecer. Claro que não nos debruçaremos aqui sobre suas virtudes e problemas. Limitar-nos-emos a uma menção à interpretação maiúscula de Gérard Dépardieu como Auguste Rodin e ao papel da vida de Isabelle Adjani, absurdamente bela e transcendentemente imbuída da personagem-título dessa obra que também produziu. Camille Claudel interessa-nos, dentro do escopo deste blogue, pela grande música que lhe compõs o libanês Gabriel Yared, que se inspirou escarradamente em Mahler, Schönberg e Richard Strauss para criar uma trilha que, acredito, se sustenta sozinha. E aos tantos fãs do filme que a gente sempre encontra pelos caminhos do planeta, e que estavam desesperados à cata de sua “bande originale”, a busca acabou: ei-la, direto de um sebo de Bonn!

CAMILLE CLAUDEL – BANDE SONORE ORIGINALE DU FILM – GABRIEL YARED

01 – Camille
02 – Rodin
03 – Danande
04 – Folie Neubourg
05 – Portrait
06 – Lettre
07 – Camille et Rodin
08 – Banquet
09 – Camille et Paul
10 – Rupture
11 – Seule
12 – Enterrement
13 – Internement

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Isabelle Adjani como Camille Claudel: visceral e transcendente
Isabelle Adjani como Camille Claudel: bela e transcendente

 

 

 

 

 

 

 

Vassily

.: interlúdio :. Tributo a Marcus Pereira

 

Capa esbodegada, álbum fora de catálogo
Capa esbodegada, álbum fora de catálogo

Quando postei aqui e ali, com excelente repercussão, as gravações que Arthur Moreira Lima fez das obras de Ernesto Nazareth, um de nossos leitores-ouvintes comentou o seguinte:

“Excelente postagem! Agradecido. Queremos mais Arthur e Ernesto e muitos outros!
Gostaria de perguntar (ou acrescentar) se a iniciativa dessas gravações são obra de um sujeito genial chamado Marcus Pereira, a quem muito devemos pela sua coragem de construir um grande e excelente painel de nossas raízes musicais. E muito mais!
Se for o caso, os créditos seriam bem-vindos, pois muitos ainda não o conhecem e nem sua magnifica obra”

Nosso leitor-ouvinte está certíssimo: não só essas gravações foram lançadas pelo notável selo Discos Marcus Pereira, como realmente fiquei devendo não só o reconhecimento, mas também a homenagem ao construtor do que muito bem chamou de “grande e excelente painel de nossas raízes musicais”.

Com algum atraso, reparo meu erro e presto o devido tributo a este importante incentivador da música brasileira, através deste álbum que, assim como TODA a coleção dos Discos Marcus Pereira, está lamentavelmente fora de catálogo. Lançado em 1982, um ano após a morte de Marcus, ele reúne alguns dos pontos altos da rica discografia do selo (à qual voltaremos no final da postagem).

A reportagem seguinte, publicada n’O Globo, dá ideia da coragem do cidadão:

“Por Helena Aragão
20/12/2014

RIO — Marcus Pereira não compunha, não tocava instrumentos e não cantava, mas foi um personagem importante para a música brasileira em uma de suas décadas mais frutíferas: a de 1970. Para muitos, era um empresário quixotesco que quis transformar a produção musical regional brasileira em sucesso de mercado e que, com a mesma disposição, atacava as grandes gravadoras e os hits de televisão. Na lembrança dos amigos, sobressai a imagem de um sujeito de coração grande, capaz de empregar gente ameaçada pelo regime militar e “adotar” artistas que considerava talentosos. Todas essas versões se misturam numa personalidade heterogênea, motor de uma empresa que lançou alguns dos mais interessantes discos brasileiros entre 1974 e 1981. De Cartola à Banda de Pífanos de Caruaru, de Ernesto Nazareth (pelas mãos do pianista Arthur Moreira Lima) a Paulo Vanzolini, do Quinteto Armorial a Elomar, a Discos Marcus Pereira abriu espaço para compositores e intérpretes que transbordavam em criatividade, mas encontravam pouco espaço nos escaninhos das majors.

Advogado de formação, Marcus migrou logo cedo para a área de publicidade e abriu sua própria agência na década de 1960. Foi lá que começou a flertar com a produção musical: passou a fazer discos para dar como brinde aos clientes. Mais tarde, em 1973, apostou todas as fichas em uma gravadora independente. Aquele ano foi para arrumar a casa, e apenas cinco discos foram lançados comercialmente (todos feitos como brindes nos anos anteriores: os quatro volumes da coleção “Música popular do Nordeste” e “Brasil, flauta, cavaquinho e violão”). Em 1974, ela apareceu de fato para o mundo, lançando mais de 20 discos em 12 meses. A Discos Marcus Pereira não levava o nome do dono à toa: a empresa vivia, de fato, em função de seus humores e sonhos.

Sonhos que deram origem a discos pioneiros. A robusta coleção “Música Popular do Brasil”, que começou pelo Nordeste e depois teve mais 12 discos destinados às outras regiões, é um exemplo. A aposta em Cartola é outro, mas guarda um detalhe curioso: relutante no primeiro momento, o empresário acabou convencido por seu sócio Aluizio Falcão e pelo produtor musical Pelão a fazer o disco, que acabou sendo saudado como um dos melhores de 1974. Com cerca de 140 lançamentos em nove anos, o catálogo impressiona em quantidade e variedade. E, para defendê-lo em suas convicções culturais e empresariais, Marcus se armou com tudo que podia, lutando contra um mercado já dominado e elegendo inimigos complicados.

Com convicções fomentadas por movimentos da época, como o Centro Popular de Cultura (CPC), por polêmicas como as da MPB contra as guitarras elétricas e por discussões folcloristas, ele ficou ainda mais determinado a se dedicar apenas ao mercado fonográfico após uma viagem a Recife, em 1963, quando conheceu o frevo de perto. Para Marcus, a “legítima” música brasileira devia fazer parte dos números grandiosos daquela indústria.

Enquanto isso, o trabalho com publicidade o desinteressava cada vez mais. No livro sobre O Jogral, bar “de resistência cultural” que frequentava em São Paulo, escreveu: “É difícil gostar de ser cúmplice de interesses que vivem de estimular, ao delírio, o consumo numa sociedade onde apenas uma minoria tem condições de consumir”.

Quando a coleção do Nordeste ganhou os prêmios Noel Rosa (da crítica paulista) e Estácio de Sá (do Museu da Imagem e do Som carioca), ele teve certeza de que a mudança de rumos era acertada. Anos mais tarde, no lançamento da coleção Centro-Oeste/Sudeste, escreveu no encarte: “Essa repercussão, na verdade, deve-se à beleza e comunicatividade de uma riqueza enorme que estava enterrada, neste país de tantas riquezas enterradas, e da qual nós colhemos pequena amostra, que é a cultura de nosso povo”. Os discos da coleção “Música Popular do Brasil” alternavam gravações documentais com as de artistas consagrados, como Elis Regina (Sul) e Martinho da Vila (Sudeste/Centro-Oeste). Este último, aliás, deixou o exército para se dedicar apenas ao samba graças ao estímulo de Pereira.

Ao apostar todas as fichas em discos “de conceito”, sem ter um elenco fixo ou coletâneas de sucesso, Marcus Pereira tentou criar um nicho de mercado, mas logo viu que não seria fácil. Ao longo dos anos seguintes, começou a ter problemas de distribuição e nas parcerias com gravadoras de maior porte para fabricação dos vinis. Seus esforços, em geral louvados pela imprensa, muitas vezes eram também questionados em relação a práticas paternalistas — e ele não se furtava em entrar em discussões por meio dos jornais. Aos poucos, as dívidas foram aumentando e saindo do controle. Além disso, Marcus enfrentava problemas pessoais. Em 1981, depois de voltar de uma viagem de férias, deu fim à vida com um tiro.

Em 1982, a Discos Marcus Pereira encerrou suas atividades. O catálogo foi absorvido pela Copacabana, empresa que também não resistiria muito tempo, passando o material em seguida para a ABW, que relançou “Música Popular do Brasil” (em 1994), entre outros, em CD (tiragens logo esgotadas). Hoje o acervo pertence à EMI, que por sua vez foi comprada por um consórcio liderado pela Sony.

A gravadora foi uma das precursoras na busca da “independência” fonográfica no Brasil — ainda que esse termo ainda não fosse usado. Nos anos 1980, os mercados internacionais começam a atentar mais para as músicas locais. O termo world music, criado no fim da década, passou a reunir todo tipo de canção folclórica ou étnica. Quatro décadas depois do início da aventura de Pereira, se o que ecoa de seu discurso pode soar um tanto datado para alguns, o impacto dos discos que lançou segue reverberando nos ouvidos das novas gerações”

Infelizmente, o extenso catálogo dos Discos Marcus Pereira está numa gaveta de gravadora, da qual, no que depender da vontade do público e do senso de lucro da empresa, não sairá tão cedo. Para piorar, é difícil até de achar a maior parte dos discos na rede… MAS É AÍ que é a minha deixa para lhes dizer que eu tenho a discografia completa do selo digitalizada. São mais de cento e oitenta álbuns, o que significa mais .: interlúdios :. do que aqueles que teremos até o final dos tempos. Por isso, postarei, aos poucos, aqueles que eu achar melhores. Ah, e para que vocês se manifestem e me ajudem a pinçar e sugerir alguns itens para publicação, o catálogo está aqui.

TRIBUTO A MARCUS PEREIRA (1982)

01 – Papete – Engenho de Flores (Josias Silva Sobrinho)

02 – Cartola – As Rosas não Falam (Cartola)

03 – Irene Portela – De Teresina a São Luís (João do Vale & Helena Gonzaga)

04 – Leci Brandão – Antes Que Eu Volte a Ser Nada (Leci Brandão)

05 – Renato Teixeira – Moreninha, Se Eu Te Pedisse (Rossini Tavares De Lima)

06 – Dércio Marques – O Menino (El Niño) (Atahualpa Yupanqui & Dércio Marques)

07 – Nara Leão – Cuitelinho (Tradicional)

08 – Doroty Marques – Eterno Como Areia (José Maria Giroldo)

09 – Léo Karan – Jesuína (Léo Karan & Gilberto Karan)

10 – Chico Maranhão – A Vida de Seu Raimundo (Chico Maranhão)

11 – Adauto Santos – De Amor Ou Paz (Luis Carlos Paraná & Adauto Santos)

12 – Luis Carlos Paraná – Vou Morrer De Amor (Luis Carlos Paraná)

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Marcus Pereira (1930-1981)
Marcus Pereira (1930-1981)

Vassily Genrikhovich

 

Festival Preisner: Zbigniew Preisner (1955) – Trilha sonora original para “The Secret Garden”, de Agnieszka Holland

Festival Preisner: Zbigniew Preisner (1955) – Trilha sonora original para “The Secret Garden”, de Agnieszka Holland

Um filme visualmente suntuoso como “O Jardim Secreto”, baseado no romance homônimo de Frances Hodgson Burnett e sensivelmente realizado por Agnieszka Holland, não poderia ter uma música que causasse menor impressão. Preisner, compatriota de Holland, caprichou e legou-nos uma trilha sonora que, talvez, seja entre as suas a que melhor se sustente sem as imagens. A agitada abertura, com toda sua percussão, soa pouco “preisneriana”, mas em seguida todos os gestos tão caros ao compositor – os temas singelos, a preferência pelos sopros (especialmente o oboé e as flautas-doces) e pelo piano, o uso econômico da instrumentação, com diálogos instrumentais como que em prosa – vão surgindo, entremeados por todos os melífluos clichês que imaginaríamos num filme sobre crianças – violinos trinando, glockenspiele, coros angélicos. Quando nos damos conta, depois de uma que outra sugestão de Dvořák, já se foram, muito belos, seus trinta e poucos minutinhos.

THE SECRET GARDEN – ORIGINAL MOTION PICTURE SOUNDTRACK
MUSIC COMPOSED BY ZBIGNIEW PREISNER

1 – Main Title
2 – Leaving The Docks
3 – Mary Downstairs
4 – First Time Outside
5 – Skipping Rope
6 – Entering The Garden
7 – Walking Through The Garden
8 – Mary And Robin Together
9 – Shows Dickon Garden
10 – Awakening Of Spring
11 – Craven Leaves
12 – Taking Colin To The Garden
13 – Colin Opens His Eyes
14 – Colin Tries Standing
15 – Colin Loves Mary
16 – Craven’s Return
17 – Looking At Photos
18 – Craven To The Garden
19 – Colin Senses Craven
20 – Happily Ever After

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Não: eu jamais perderia a chance de postar mais uma foto de Irène Jacob ♡

Vassily

Festival Preisner: Zbigniew Preisner (1955) – Trilha sonora original para “La Double Vie de Véronique”, de Krzysztof Kieślowski

“A Dupla Vida de Véronique” é um dos filmes mais belos e estranhos que conheço. Belo pela luz dourada, por seus suaves verdes e vermelhos, pelos imensos silêncios entremeados pela música de Zbigniew Preisner, e sobretudo pelo rosto da divina Irène Jacob – no papel de sua vida -, iluminado maravilhosamente por Sławomir Idziak e seguido com discrição e sensibilidade por Krzysztof Kieślowski. Estranho porque, entre outros motivos, muito pouco acontece em “Véronique” e, no entanto, nada nele é tedioso. Poucas vezes vi a introspecção, que me é tão cara, retratada na tela assim, vivamente. É um filme, talvez, sobre a sensação de não estarmos sozinhos, de que há algo ou alguém a viver paralelamente conosco; uma experiência tão bela quanto estranhíssima, que abre mais questões do que as responde, e inda mais a cada revisita.

ZBIGNIEW PREISNER – LA DOUBLE VIE DE VERONIQUE – BANDE SONORE ORIGINALE DU FILM

1 – Weronika
2 – Véronique
3 – Tu Viendras
4 – L’Enfance
5 – Van den Budenmayer: Concerto en Mi Mineur, Version de 1798
6 – Véronique
7 – Solitude
8 – Les Marionnettes
9 – Theme: Première Transcription
10 – L’Enfance II
11 – Alexandre
12 – Alexandre II
13 – Theme: Deuxième Transcription
14 – Concerto en Mi  (Instrumentation Contemporaine No. 1)
15 – Concerto en Mi (Instrumentation Contemporaine No. 2)
16 – Concerto en Mi (Instrumentation Contemporaine No. 3)
17 – Van den Budenmayer: Concerto en Mi Mineur, Version de 1802
18 – Générique de Fin

Jacek Ostaszewski, flauta
Elzbieta Towarnicka, soprano
Coro Filarmônico da Silésia
Orquestra Filarmônica de Katowice
Antoni Wit, regência

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