NOVE – GIOVANNA D’ARCO” MA SENZA ROGO
Pode ser que algumas obras de Verdi não originem hoje as emoções, não provoquem o delírio que despertavam naquela época atribulada na Itália; nem por isso deixaram de prosseguir seus caminhos. Compostas, orquestradas para o público contemporâneo, por estes foram escutadas, preferidas, festejadas. Naquela temporada de 1844-45 Roma era um barril de pólvora, os Estados Papais e os Estados de Bourbon foram testemunhas de ações revolucionárias promovidas por partidários de Giuseppe Mazzini (os Mazzinianos extremistas, organizaram um movimento político chamado Jovem Itália. O lema era “Deus e o povo” e o seu objetivo era a união dos estados italianos numa única república). Tinham começado em Savigno Bolognese e Imola, com resultados muito graves para os insurgentes, detenções e muitas mortes.
Verdi aparentemente não participou de nada além do trabalho para o teatro. Após as positivas apresentações de “Idue Foscari”, em Roma, o maestro voltou a Milão. Lá ele era aguardado com alegria pelos amigos Toccagni, Tito Ricordi, Pedroni (também amigo de Donizetti) e pelo irreprimível “Calimero” Pasetti. No dia seguinte a sua chegada, almoçaram juntos e brindaram com vinhos franceses. Foram eles os únicos a lhe fazer companhia, além de Muzio, naquele outono e inverno milaneses que, generosamente, distribuía frio e neve em grandes quantidades.
Em dezembro, a composição da então “Joana d’Arc” começou, quase imediatamente interrompida pelos ensaios e preparação de “I Lombardi” que ocorreria em 26 de dezembro no La Scala. Os ensaios (I Lombardi ) deram muito trabalho ao compositor e, mesmo que trabalhasse com determinação e fúria, não ficou satisfeito; na verdade, ele nem mesmo compareceu às primeiras apresentações no teatro tal o desapontamento com a falta de recursos disponibilizados pela gerência na montagem. Conta-se que o maestro durante os ensaios dos lombardos tivesse decidido não mais compor para o Scala.
O biógrafo milanês Carlo Gatti (1876-1965) nos conta que “A tendência das apresentações musicais no La Scala tornaram-se insuportáveis. A festa de vaidades e arrogância que imperava entre as “estrelas” dominavam: são duas ou três, pagas com abundância pelo empresário, que gasta até o que não tem, contando com este poder das “estrelas” para atrair o público, e é obrigado a economizar em todo o restante. A orquestra insuficiente em termos de instrumentistas e mal distribuída. Os coros são desajeitados na movimentação e na organização. Os cenários e as roupas muitas vezes antigos e remendados. Contra este mau hábito surge o vigor de Verdi, chama para si a responsabilidade de melhorar as apresentações do La Scala. Ele se prepara para reconstruir a orquestra, para equilibrá-la, para completá-la nas várias famílias de instrumentos. Em seguida, ele se volta para melhorar o desenho dos cenários, as luzes, a disposição das salas; ele espera dos cantores uma participação mais próxima e calorosa na representação das histórias dramáticas. O compositor pula no palco, estala os dedos, marca o tempo com os pés como se quisesse tirar dele um lampejo de chama. Em muitas outras montagens pelos palcos que atuou ele se entregará com a mesma energia. Essa energia, esbanjada em cada momento de sua atividade e em cada problema, fez com que superasse com excelentes resultados, muitas vezes extraordinários, o altíssimo número de produções teatrais montadas depois de 1842: “De Nabucco em diante não tive, pode se dizer, uma hora de calmaria. Foram dezesseis anos de trabalho ininterrupto! “, ele escreveu a Maffei em maio de 1858.”
As cartas que Muzio escrevia a Barezzi (ou Barezzone, como os amigos o chamavam) deste tumultuado dezembro de 1844 são interessantes: “Vou aos ensaios com o Maestro e lamento vê-lo cansado; grita que parece desesperado; bate o pé tanto que parece tocar órgão com pedaleira; transpira tanto que cai na partitura. O Maestro não assistiu às primeiras apresentações do “I Lombardi”… se ele estivesse lá teriam corrido bem, pois nos ensaios a música estava melhor do que nas apresentações. Falei isso para o Maestro, de que quando ele está lá um simples olhar, um sinal dele e os cantores, os coros e a orquestra parecem ser tocados por uma faísca elétrica, e então vão muito bem… ”
Após alterações dos censores a ópera muda de nome para “Giovanna d’Arco” que é um “dramma” lirico dividido em um prólogo e três atos, o maestro havia sugerido ao empresário Merelli que Temistocle Solera fosse contratado como o libretista. Solera foi devidamente contratado e – com típico exagero – destacou o fato de que seu libreto sobre a vida de Joana d’Arc era “original”, não devendo nada a Shakespeare ou a Schiller. Podemos afirmar então que o libreto de Solera foi inspirado apenas “vagamente” na peça “Die Jungfrau von Orleans” de Friedrich von Schiller (1759-1805). Ela é a sétima ópera de Verdi. Verdade seja dita que a obra reflete, apenas em parte, a história de Joana d’Arc. Verdi retoma, assim, a veia épica religioso-popular e faz da famosa história uma lenda, uma carta sagrada que deriva não só do libreto, mas da música.
A Sinfonia, dividida em três partes, coloca na primeira uma atmosfera de tragedia tempestuosa, em que o motivo pastoral que se segue evoca a vida pacífica dos suíços, como em “Guilherme Tell” de Rossini, retratando a feliz menina do campo Giovanna. Mas o final “Allegro”, que assume o clima de uma grande tragédia, acolhe o tema do triunfo militar, o coro do povo, na abertura do prólogo, sente a força esmagadora do opressor. Embora inspirado nos grandes coros patrióticos de obras anteriores, tem a angústia, a força dobrada da “pátria oprimida”. As injúrias contra os estrangeiros são sensacionais, os gritos das mulheres são igualmente comoventes.
A partitura foi escrita durante o outono e inverno de 1844-45. Sua primeira apresentação no La Scala em 15 de fevereiro de 1845 foi um grande sucesso de público, apesar de que os críticos foram bastante desdenhosos com a ópera. Porém naquela temporada foi um “êxtase recebido” pelo público e foram dadas respeitáveis 17 performances. Porém ao final, pelo fato do envolvimento exaustivo do maestro em todas as fases da montagem, como dissemos, os padrões de produção estavam muito abaixo das suas expectativas e causaram uma rixa entre ele e Merelli que resultou em anos sem estreias das obras de Verdi no La Scala: a Giovanna original era Erminia Frezzolini, que já havia estreado “I Lombardi alla prima crociata”, dois anos antes. O próprio Verdi estimava seu trabalho, mas estava descontente com a forma como ela havia sido imposta para o papel pelo teatro, caracterizando as normas da deterioração das produções de Merelli. Além disso, devido a subterfúgios nas negociações de Merelli para adquirir os direitos de pontuação junto a editora Ricordi, o compositor jurou nunca mais lidar com o empresário, e nem a pisar no palco do La Scala. Na verdade, o teatro teria que esperar por 36 anos para outra estréia da obra de Verdi, que seria a versão revisada do “Simon Boccanegra”.
Giovanna, uma sagrada guerreira, incomodou os apáticos habitantes do teatro milanês durante os ensaios da ópera a ela dedicada. Na verdade, também parecia contrastar outras produções em andamento, como se o arcanjo da confusão tivesse entrado nas “dependências” do La Scala. As fieis descrições que Muzio fazia para Barezzi contava a vida no teatro: “Giovanna está sempre sendo representada às quartas, quintas, sábados e domingos; e estes dias o teatro fica lotado como nas primeiras noites … se não fosse essa ópera o negócio da companhia ia mal. Merelli ainda queria contratar o Sr. Maestro para mais algumas temporadas por qualquer valor po ele estipulado, mas o Maestro não quer mais escrever para o La Scala; nem encenar ou dirigir nenhuma de suas obras; e ele diz que não vai pisar naquele palco novamente.” E como que para reforçar a ameaça dessas nuvens negras e raios, ele conta sobre um infortúnio acontecido naqueles dias nas dependências do grande teatro: “No La Scala também temos um grande baile, do qual gostamos muito, é decorado com um luxo de surpreender, em dado momento o palco se transforma no Grande Teatro Fenice iluminado para festa; com um surpreendente e variado número de máscaras, uma delícia. Ontem à noite despencou um dos cenários enquanto se fazia o baile, a madeira que a sustenta estava rachada há muito tempo e ontem ela quebrou e caiu em cima de quatro pessoas nos ombros, foi uma confusão; a vida era temida; a cortina caiu; as senhoras que estavam no baile ficaram com muito medo; e dizem que uma chegou a dar à luz (uma menina). Foi muito assustador.”
Mas além do “mau-olhado”, como Giovanna se saiu ? Muzio sugeriu um resultado muito bom; basicamente a música de Giovanna deu certo e em abril já se ouviam na rua: “Já temos a música da Giovanna nos órgãos que funcionam e as bandas sempre tocam”, confirma Muzio. A ópera não foi um triunfo. As falhas de Giovanna recaíam principalmente no libreto, e Donizetti também defendeu isso ao escrever ao cunhado Antonio Vasselli: “Você viu que a música de Verdi foi muito bem em Milão. Dizem que ele escreveu boa música para um libreto infame”. Solera guardou as inexatidões históricas esquecendo a visão poética, e procurando antes o sensacionalismo teatral reduzindo a três as personagens principais: Giovanna e o Delfim de França (Carlo VII) protagonistas de um amor amaldiçoado e Giacomo, o pai de Giovanna, que surge como denunciante da própria filha a qual, além de práticas de bruxaria, acredita ter uma ligação amorosa com o Delfim, os críticos não perdoaram. Mas, enfatizamos, Verdi estava na crista da onda e dificilmente teria caido dela; uma recepção fria não era suficiente para mortificá-lo: em suas obras o público agora reconhecia uma grande parte de si mesmo, de suas esperanças, afetos e sofrimentos. Até os grandes da ópera o reconheciam com mérito, e o próprio
Rossini, ao enviar-lhe votos de felicidades para Giovanna a partir do final de janeiro, escrevera-lhe de maneira familiar, com estima, o aposentado maestro o agradece por ter gentilmente escrito para seu amigo, o tenor Nicola Ivanoff, um novo Finale da segunda parte de Ernani. O tenor a cantou em Parma com grande satisfação, e deve-se acrescentar que Verdi também gostou. Além disso, Rossini pagou generosamente a Verdi pela inserção da área, e informou que tinha ouvido falar da “fúria” causada em Florença pelo “Due Foscari” e pediu desculpas por não ter respondido antes devido a uma espinha que tinha “pernas e braços comprometidos e sem falar da dor que sentia”. Reza a lenda quando um Rossini vem falar com você sobre seus furúnculos, significa que você está “dentro” de sua estima sincera. E isso significa que é hora de ir em frente sem desacelerar. “Tampe seus ouvidos à crítica (nenhum crítico jamais foi capaz de determinar as escolhas de um músico), cerrar os dentes e pronto”. Verdi então se declarou satisfeito com o trabalho realizado, amou Giovanna com amor convicto.
Para a primeira produção da ópera em Roma, três meses após a estréia de Milão, a trama teve de ser alterada sem qualquer conotação religiosa por ordem do censor papal. O título foi alterado para “Orietta di Lesbo”, a ação foi deslocada para a ilha grega da heroína, agora de origem genovesa, que tornou-se uma líder contra os turcos. Performances deste título foram também dada em Palermo, em 1848. Para os próximos 20 anos, Giovanna d’Arco teve sucesso contínuo na Itália, aparecendo em Florença, Lucca, e Senigallia, em 1845, Turim e Veneza, em 1846, Mantua, em 1848, o Milão novamente mais três vezes em 1851, 1858 e 1865.
O Enredo
Dramma lirico em um prólogo e três atos de giuseppe Verdi para um libreto de Temistocle Solera, baseado “só de leve” na peça “Die Jungfrau von Orleans” de Friedrich von Schiller; Milão, Teatro alla Scala, 15 de fevereiro de 1845.
Local: Dom-Rémy, Reims e perto de Rouen em 1429
Como dissemos a bela abertura está dividida em três movimentos. O primeiro é tempestuoso e incerto; o segundo é um Andante pastorale com flauta solo, oboé e clarinete (com os tons da abertura “Guillaume Tell” de Rossini); o último retorna ao tempestuoso menor, mas termina em um triunfante e belicoso maior. Não chega a ser uma obra-prima, mas ocasionalmente é apresentado nas salas de concertos.
O prólogo, dividido em duas seções, é repleto de eventos.
Prólogo.
Cena 1 – Um grande salão em Dom-Rémy
O Prólogo passa-se em Dom-Rémy, terra natal de Giovanna d’Arco, onde os habitantes se inquietam com as notícias da guerra trazidas pelos oficiais do exército francês que dizem que o país está a ser destruído por bárbaros ingleses, e que Orleans está sitiada devendo sucumbir a qualquer momento. A cena de abertura é uma cavatina convencional para o tenor, embora com intervenções corais invulgarmente importantes (Verdi e Solera sem dúvida desejavam manter sua imagem com os milaneses depois de Nabucco e eu Lombardi). Mesmo antes de o tenor entrar, o coro uníssono condena o triste destino da França em “Maledetti cui spinge rea voglia”, e as forças corais são novamente proeminentes nos movimentos líricos do solista, particularmente em um tempo di mezzo excepcionalmente longo. O rei Carlo VII, após admitir a derrota, narra um sonho (“Sotto una quercia”, faixa 04). Ele diz que uma imagem da Virgem que encontrara num altar na floresta lhe dera ordem para entregar as armas. Pela descrição que faz do local, os aldeões dizem tratar-se duma região assombrada habitada por espíritos malignos. Mas o Delfim ri-se dessa superstição popular, e dirige-se para o local da floresta onde está o altar com a imagem da Virgem para aí depor a sua espada e o seu elmo dizendo ser seu desejo de libertar-se do peso da coroa.
Cena 2 – Uma floresta
Giacomo aparece para uma breve cena, expressando temores de que sua filha Giovanna possa estar aliada ao diabo. Em um andante beliniano altamente ornamentado (“Sempre all’alba ed alla sera”, faixa 09), ela ora por armas na batalha que se aproxima. No interior da floresta, junto do altar, Giovanna reza revelando à Virgem o estranho pressentimento que a persegue e que lhe diz ter sido incumbida duma missão. Faz então um pedido: “uma espada e um elmo para ir combater o invasor”. E continua a repetir “uma espada e um elmo” até adormecer. Quando ela adormece, um coro de demônios (recomendando alegremente os pecados da carne) e de anjos (prometendo sua glória como salvadora de seu país) brigam por sua atenção. Chega então o Delfim que vem cumprir o prometido, e coloca aos pés da imagem da Virgem as suas armas. Enquanto isso acontece Giovanna continua a sonhar: espíritos malignos dizem-lhe para reparar no jovem que a observa com olhar apaixonado, enquanto visões celestiais a aconselham a abdicar do amor carnal, e a entregar-se à missão de libertar a França em nome de Deus. A esta exortação Giovanna responde estar pronta. O Delfim ouve o grito da jovem e aproxima-se. Giovanna reconhece-o, e devolve-lhe a espada e o elmo que encontrara junto do altar, suplicando-lhe que não abandone o combate, e dizendo que irá estar ao seu lado comandando os seus exércitos. Impressionado com o tom profético do apelo da jovem o Delfim cede. Eles se unem em uma cabaleta animada e sincopada, durante a qual Giacomo os vê juntos e conclui que sua filha enfeitiçou de alguma forma o rei originada pela influência dos espíritos malignos. Profere então uma maldição contra a filha. (a belíssima faixa 12, o Placidão, Milnes e Caballé estão excelentes! ).
Ato 1
Cena 1 – Um lugar remoto espalhado por pedras no acampamento inglês perto de Reims
A música gloriosa que inicia o ato é a peça coral “Ai, lari … Alla pátria” (faixa 13 – ela foi posteriormente “reciclada” no “Requiem”).Os soldados ingleses foram derrotados e lamentam os seus mortos dizendo que a derrota se deveu a poderes sobrenaturais que protegem os franceses desde o aparecimento do novo comandante dos exércitos, uma camponesa de Dom-rémy. Mas o comandante Talbot discorda, diz que é tudo imaginação originada pelo medo. . Giacomo chega para anunciar que a mulher que inspira as forças francesas pode ser sua prisioneira naquela noite. Num sostenuto Andante, “Franco son io” (faixa 15), ele vem oferecer-se para lhe entregar a filha que acredita ter desonrado o seu nome ao ligar-se a Carlos VII; a cabaleta seguinte, “So che per via di triboli” (faixa 16), explora os sentimentos ternos de um pai. A progressão usual do lacrimoso Andante para a cabaleta energética é então revertida, o que permite uma cabaleta Donizettiana de ritmo moderado e incomumente comovente, totalmente carente do impulso rítmico Verdiano característico.
Cena 2 – Nos jardins da corte em Reims
Giovanna diz sentir-se feliz por se ver livre do elmo e da espada, e por poder descansar em trajes de mulher sem ser importunada pelos clamores da multidão Mas não está disposta a deixar Carlos e a corte: as vozes demoníacas ainda a atormentam. Ela canta sobre sua casa na floresta simples em “O fatidica foresta” (faixa 18) outro exemplo delicioso de pastoral Verdiana. Particularmente notável e lindíssimo é o adagio “T’arretri e palpiti!” (faixa 20), Carlos VII oscila entre o desconforto com o comportamento dela e as tentativas de acalmá-la com expressões de amor. Num instante de fraqueza Giovanna responde que também o ama. Mas as vozes celestiais voltam a manifestar-se dizendo-lhe que deve resistir a todos os desejos terrenos. O Delfim não ouve as vozes, e não entende a reação da jovem que inexplicavelmente recusa o seu amor. Chega então um oficial que diz que o povo está junto da catedral para assistir à cerimônia da coroação. O Delfim diz a Giovanna que será ela quem o irá coroar e que só aceitará a coroa se for posta pelas suas mãos. Enquanto os dois seguem juntos para a catedral ouvem-se as vozes dos espíritos malignos que rejubilam por aquela que julgam ser a sua vitória sobre a inocência de Giovanna. “Vieni al tempio” (faixa 22).
Ato 2
Uma praça em Reims junto da catedral
Uma “grande marcha triunfal” em louvor de Giovanna e Carlo VII e da sua vitória sobre o invasor. A procissão entra na catedral. Giacomo entra também: ele pretende denunciar a filha publicamente. É assim que, depois da coroação, quando o Delfim proclama Giovanna padroeira da França, Giacomo observa, dando vazão ao seu zelo religioso em uma romanza menor-maior, “Speme al vecchio era una figlia” (faixa 24), denuncia sua filha sai de entre a multidão acusando-a de blasfêmia, e dizendo que a filha foi buscar os seus poderes nas práticas de bruxaria. O movimento mais interessante é o Andante, “No! forme d’angelo” (faixa 27): fragmentos de duetos desacompanhados de Carlos VII e Giacomo são justapostos com um cantabile estendido para Giovanna; ai Verdi encontra espaço para dar asas à sua sensívell personalidade musical. O Delfim não acredita, defende Giovanna com veemência, mas a jovem fizera um voto de silêncio e nada declara em sua defesa se recusa três vezes a negar as acusações de sacrilégio de Giacomo. Esse silêncio é interpretado por todos como uma confissão de culpa, e o Delfim vê-se obrigado a entregá-la aos ingleses que lhe reservam o destino da fogueira, o dramático e grandioso fim do ato, “Ti descolpa” (faixa 28).
Ato 3
Dentro de uma fortaleza inglesa junto do campo de batalha
Giovanna está presa por correntes a um banco, observa enquanto os ingleses e franceses lutam, notando com consternação que Carlos VII foi cercado e ao ouvir as sentinelas falar da batalha implora que a soltem para poder ir combater. Chega Giacomo, seu pai. Ele acredita que Giovanna continua a pensar no amante, mas acaba por compreender que ela reza e que as suas orações se dirigem a Deus, portanto ela é inocente daquilo que ele a acusara. As fervorosas orações de Giovanna alertam Giacomo para o erro da acusação, e eles se unem em um dueto de explicação e reconciliação, cuja seção mais impressionante é o lento movimento lírico, “Amai, ma un solo istante” (faixa 30), no qual uma sucessão comovente de as ideias melódicas sustentam a aceitação gradual do pai da pureza da filha. Decide então libertá-la, e abençoa-a.
Depois de aceitar a benção do pai, Giovanna corre para ajudar os franceses, pega a sua espada e parte para o campo de batalha. É pela voz de Giacomo que ouvimos a descrição da batalha, que com a ajuda de sua filha a balança pendeu decisivamente contra os ingleses. Carlos VII sai vitorioso, perdoa Giacomo, mas fica sabendo que Giovanna foi gravemente ferida. Na romanza “Quale più fido amico” (faixa 35), delicadamente composta para trompa inglesa solo e violoncelo, ele lamenta sua perda. Giovanna é levada ao ritmo de uma marcha fúnebre e tem força suficiente para saudar o pai e o rei e aguardar as boas-vindas no céu. Ela lidera o conjunto final com um solo elaboradamente ornamentado acompanhado por violoncelo de obbligato antes de um longo tema, a donzela, cujo rosto parece iluminado por uma aura misteriosa, ouve uma última vez as vozes celestiais antes de morrer.
Cai o pano
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O libretto de Solera é bem distante dos fatos históricos e pode deixar a desejar, mas a música é de Verdi, o jovem gênio de 31 anos que mostra muitas dicas emocionantes do que está por vir. Uma das coisas mais interessantes que este obscuro admirador percebeu ao elaborar os textos e performances destas primeiras óperas de seus “anos de galera” é ouvir os pré-ecos das obras-primas do futuro. Verdade que não há uma única melodia famosa na bela Giovanna d’Arco, mas eu adorei cada momento. É como ir ao “Cirque du Soleil” e voltar para casa com imagens vagas das maravilhas da vida na Terra. Os fãs de Verdi, assim como os que não o conhecem, vão se deliciar com esta ópera! É mais uma bela jóia Verdiana negligenciada. Então aí está, vale a pena sim a audição. Que subam as cortinas e se inicie o estpetáculo !!!!!
Giuseppe Verdi – Giovanna d’Arco
Personagens e Intérpretes
Vamos compartilhar com os amigos do blog esta clássica gravação feita em 1972 que dificilmente acusa sua idade. Esta gravação da ópera merece ser ouvida por seus ritmos enérgicos, instrumentação de metal, melodias folclóricas e lirismo, além de ser bem curtinha (quase duas horas). É uma bela obra de Vedi mas com ecos de Donizetti, cada personagem recebe uma parte justa de árias solo, assim como eram as ópera sérias dos tempos passados, as cabalettas voam, permitindo amplo espaço para interpolação e exibição de notas altas. A Giovanna de Caballe tem a maior parte da glória da interpolação, e aqui está ela, flutuando sua marca registrada o pianissimi
em peças como “O fatidica foresta” (faixa 18), a peça mais lírica da obra, e último trio “Che mia fu” (faixa 37). Caballe lida facilmente com a coloratura do papel-título. A voz da Montserrat nesta gravação, para este admirador, é um pote de ouro puro 18k, e seu envolvimento e entrega por si só valeria o download, eu posso entender claramente porque ela tem tantos fãs. O jovem Plácido Domingo em seu auge vocal inicial, estava com 31 anos nesta gravação, no qual a voz está em seu estado mais doce e totalmente impassível. A nota alta no final da cabaleta de “Pondo e latal, martiro” (faixa 06) raramente é ouvida nas produções de Domingo em seus anos mais maduros me lembra “di quella pira”. Esses foram os primeiros anos de sua carreira e o estímulo da crítica ainda não havia impulsionado o cantor a expandir os centros para emular a sensualidade carusiana. Domingo mostra-se totalmente à vontade e também sempre foi um excelente intérprete, capaz de explorar da melhor forma a beleza do timbre para fins amorosos, com um sotaque nobre e eloquente . A excelente dicção faz o resto. Faço um discurso semelhante para Milnes. A voz extensa era usada com frequência em papéis dramáticos de barítono, seus melhores momentos foram os líricos, e de fato no papel deste Giacomo consegue encontrar-se perfeitamente à vontade tanto no erro como na dor do pai. Robert Lloyd também em ótima forma oferece um belo canto em seu poderoso baixo.
A qualidade do som é excelente e o então promissor maestro de 29 anos, James Levine, faz um trabalho maravilhoso, começando com a abertura deliciosa, até os refrões finais. Levine tem uma afinidade especial por esse repertório. Sua energia irresistível, até atrevida, mantém as atenções presas, uma explêndida execução. O coro ambrosiano e a The London Symphony Orchestra são excelentes como sempre. Esta gravação eu recomento fortemente, muito bem feita.
Giovanna – Montserrat Caballé
Carlo VII – Placido Domingo
Giacomo – Sherrill Milnes
Delil – Keith Erwen
Talbot – Robert Lloyd
The Ambrosian Opera Chorus – Chorus Master – John McCarthy
The London Symphony Orchestra
James Levine
Recorded: 01 sep 1972
Ammiratore