Há muito sem postar em nossa diletíssima página, o compadre mestre PQP Bach me veio admoestar sobre tão grave falta para com nossos fãs e para com os companheiros de Távola. Respondi que reconhecia tal demérito e me esforçaria para produzir algo que me absolvesse de tal pecado. Pontuei que, como de costume, escreveria no ímpeto das vagas etílicas, à La Prima, como costumo fazer, e que o processo de concentração etílica já estaria em curso. Estava de fato, todavia, Cronos já me corrói e as coisas não são mais como antes. Nada é como antes, sobretudo num planeta no qual um inglês raquítico de peruca inventou uma tal Lei da Gravidade pela qual tudo vem abaixo. Salvo na índia, onde qualquer oboezinho põe à riste qualquer coisa que se enrole e jaza inerte. Talvez isto explique a explosão populacional da índia. Quem dera Newton tivesse sido brasileiro, assim não teria sido atingido por uma maçã, mas por uma jaca ou um coco. Morreria e não teríamos o vexame dessa lei infeliz pela qual tudo decai ou fica a meio mastro que nem em tempos de luto nacional.
Por esses dias alguém postou no Facebook uma antiga fábula na qual um jumento ou algo assim adentrava num palácio. A moral da fábula reside em que, o jumento não se torna rei por entrar num palácio, mas o palácio vira estábulo. Eis uma perfeita parábola acerca do nosso atual momento histórico. Mas não é da nossa atual desdita que quero falar. É do processo de exaltação e diminuição dos elementos. Nada a ver também com a supracitada menção a coisas que descem ou sobem na Índia. Quero me referir a superlativações tantas vezes impingidas aos artistas: Este ou aquele é o maior do mundo! Coisa típica de dois polos: ou mesa de bar, onde se enche a cara e alardeia-se a superioridade de coisas como Romero Brito sobre Rembrandt ou, na mídia, onde Zé Pelintra do sovaco acústico seria o sumo do suprassumo – ao que multidões acorrem a engolir essa potoca. No decurso do tema do que se aumenta ou diminui, quem se lembra de uma simpática película de ficção científica chamada “O incrível homem que encolheu”? Talvez alguns lembrem.
Meu pai me falava desse filme e tive a felicidade de ver em sua companhia na TV, quando na TV ainda se passavam coisas minimamente aproveitáveis, ao menos como um saudável exercício de imaginação. Ah, “O Fugitivo” com David Jensen!; “Police Woman” com Angie Dickinson; “O Imortal” (desse só lembro eu); O homem de Seis Milhões de Dólares!”, com Lee Majors! Depois teve também “A Mulher Biônica”, “O Menino Biônico”, “O Cachorro Biônico” e o “Homem de SETE Milhões de Dólares!” que era mais forte, porém um Bad Boy e por isso apanhava no final. Inventaram até uma coisa chamada Políticos Biônicos, que felizmente jamais tive a oportunidade de compreender o que seria. Mesmo na Sessão da Tarde tínhamos clássicos que nos educavam. A partir dos anos 80 veio uma enxurrada de caça níqueis sobre adolescentes punheteiros e foi o fim.
Voltando ao “O incrível homem que encolheu”, filme no qual o protagonista, durante uma pescaria num lago ou algo assim, atravessa uma misteriosa névoa que o faz diminuir de tamanho inexoravelmente até o infinitesimal do átomo – até hoje continua diminuindo! A trilha sonora deste filme de 1957, está no nome do trompetista e band leader Ray Anthony, que tenho certeza, hoje em dia é tão lembrado quanto a série O Imortal – que só eu lembro. E que seria considerado mais tarde o último dos grandes band leaders.
Também por esses dias foi aniversário centenário de Ray Anthony – “Raymond Antonini (Bentleyville, 20 de janeiro de 1922)”. Toinho, como seria chamado no Brasil se daqui fosse, começou a estudar o trompete com seu pai, Dom Guerrino, desde a infância. Ray tocou durante breve período com a famosíssima orquestra de Glenn Miller (que não sumiu toda, como alguns ainda pensam. Foi somente o Glenn quem desapareceu no Canal da Mancha – tal e qual Saint-Exupéry. Segundo Ruy Castro, indo ver uma amante em Paris – excelente causa para se bater as botas!) Ray se alistou na Marinha e após a guerra montou sua Ray Anthony Orchestra, gravaria grandes sucessos em seu tempo. Nos anos 50 Ray entrou para o mundo da TV, casando-se com a na época considerada gostosíssima Mamie Elena Van Doren – o que certamente em nada teria a ver com a embocadura de Ray, que inicia uma carreira de ator e lidera um programa de TV. Em 61 Ray abandona – ou é abandonado – pela TV e pela beldade, porém retoma a carreira musical e o sucesso com o tema Peter Gun, do formidável Henry Mancini. Ray é um dos poucos músicos a terem uma estrelinha na Calçada da Fama em Roliúde, e também apareceu em diversos episódios de uma coisa chamada The Girls Next Door.
Nada de grande parte desses dados biográficos, no entanto, pesa essencialmente no que interessa: Ray e sua música. Voltando à questão das superlativações acima citadas, Ray não é um trompetista do calibre criativo dos grandes jazzistas, como Miles ou Chet, longe disso. Comparações seriam infelizes ou indevidas. Existem músicos e músicos e cada qual investe ou deveria investir naquilo que melhor pode fazer. Ray não é citado como virtuoso ou maior referência, como alguns outros, mas seu som marcou época e são raros os instrumentistas que conseguem marcar época com seu timbre. O trompete de Ray se enquadra em seu tempo pelo brilho e feeling, pelo espetacular e expressivo, ressaltando a beleza das melodias – a exemplo do belo e misterioso tema Harlem Nocturno, que figura na presente gravação, e que dizer da estelar Stardust de Hoagy Charmichael! Nos evoca um tempo de beleza e glamour, de chapéus de tarja larga, brumas e fumaça, atmosfera ‘noir’; lindos sobretudos – impossíveis em grande parte do nosso contexto, todavia, sonhar é permitido e beleza é beleza.
Ray é (ou foi) um líder de orquestra que produzia música deliciosa. Num tempo em que a música era feita por gente abalizada, que tinha na música a razão de viver e que dedicara toda existência à sua arte. Muito diferente dos tempos que viriam, nos quais qualquer matusquela com os cabelos em pé e uma raquete com cravelhas era empurrado goela abaixo do público como o rei do pedaço. Ray fez música num tempo em que os bifes eram medidos em quatro dedos ou cinco de altura com paquímetros de precisão e em que, após estes, podíamos fumar nossos charutos sem o opróbio de ser escorraçados para ‘um lugar ao sol’ – no batente dos fumantes dos Shoppings, como cães miseráveis. Seu som é luxuriante, brilhante, nitidamente reflexos das influências de Louis e de Harry James. Música bonita, arranjos contagiantes, excelentes músicos. Um tempo que passou e que sua orquestra e seu trompete nos fazem, se não recordar, vislumbrar o quanto perdemos.
Postagem dedicada ao meu pai, Uéliton Mendes, que sabia o que era bom.
Ray Anthony – The Young Man With The Horn (1951)
1 The Man With The Horn
2 For Dancers Only
3 Tenderly
4 Mr. Anthony’s Boogie
5 Harlem Nocturne
6 I Wonder What’s Became Of Sally
7 Mr Anthony’s Blues
8 Stardust
Wellbach