BTHVN250 – A Obra Completa de Ludwig van Beethoven (1770-1827) – Trinta e três variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120 – O’Conor

Nossa travessia da obra beethoveniana chega hoje àquela que é, para mim, sua obra mais genial. Nas palavras de Hans von Bülow, as variações sobre uma valsa de Anton Diabelli, (doravante chamadas simplesmente de “as Diabelli”) são o “microcosmos da arte de Beethoven”. De fato, elas são um portfólio do poder de sua imaginação e um tour de force de seu incomparável conhecimento do teclado. A maior obra em variações de toda Música também é, na minha desimportante opinião, a maior de todas as obras escritas para piano.

Ninguém imaginaria tantos superlativos quando o editor Diabelli o convidou, juntamente com trocentos outros compositores do Império, a contribuir com uma variação para um compêndio beneficente que estava a organizar (e que será abordado numa próxima publicação) sobre uma faceira valsa de sua lavra. Beethoven, aparentemente, desdenhou o tema que lhe foi proposto, chamando-o de Schusterfleck, o “remendo de sapateiro”, uma referência às repetições de figuras em tons ascendentes a se sobreporem como remendos nas solas de sapatos, e que é um artifício comum em peças de baixo calão.


William Kinderman – um ótimo intérprete e talvez a maior autoridade hoje no
Op. 120 –  demonstra os “Schusterflecker” na valsa de Diabelli

“Tema”, aliás, não parece um termo apropriado à pequenina valsa – ou, mais exatamente, um Ländler – com pouquíssimos gestos melódicos. De qualquer maneira, Beethoven mudou de ideia a seu respeito e, deixando de lado o trabalho na Missa Solemnis, debruçou-se sobre a ninharia de Diabelli no final de 1819. Rapidamente, compôs vinte e três variações sobre ela – vinte e duas além do pedido. Os queimados prazos da Missa e das três últimas sonatas para piano chamaram-no de volta para essas obras, e ele só voltaria às Diabelli em 1823, para acrescentar-lhes mais dez variações e, enfim, mandá-las ao editor.

Diabelli deve ter-se espantado com o contraste entre a singeleza do que pediu e a transcendência do que recebeu. Seu prefácio à primeira edição deixa claro o seu pasmo:


Doravante apresentamos ao mundo Variações em nada ordinárias, e sim uma grande e importante obra-prima digna de ser alinhada com as criações imortais dos antigos clássicos – uma obra tal como apenas Beethoven, o maior representante vivo da verdadeira Arte – apenas Beethoven, e nenhum outro, pode produzir. As estruturas e ideias mais originais, os idiomas e harmonias musicais mais ousados aqui exaurem-se; todo efeito de piano baseado em uma técnica sólida é empregado, e este trabalho torna-se mais interessante pelo fato de que ele é extraído de um tema que ninguém suporia capaz dum desenvolvimento à altura do caráter com que nosso exaltado Mestre se destaca sozinho entre seus contemporâneos. As esplêndidas fugas, nos. 24 e 32, surpreenderão todos os amigos e conhecedores do estilo sério, assim como os nºs 2, 6, 16, 17, 23 &c, os brilhantes pianistas; em verdade, todas essas variações, por meio da novidade de suas idéias, do cuidado na elaboração e da beleza nas mais engenhosas de suas transições, darão à obra um lugar ao lado da famosa obra-prima de Sebastian Bach na mesma forma. Estamos orgulhosos de ter ensejado esta composição e, além disso, nos esforçamos ao máximo na impressão para combinar elegância com o máximo de precisão”

Diabelli estava certo, e as “Diabelli” ganharam um lugar no panteão das grandes obras em variações, ao lado das Goldberg. Mais que isso, foram – a despeito de suas imensas dificuldades técnicas – um instantâneo sucesso que imortalizou seu nome ademais esquecível.

Como se nota pela citação acima, o próprio autor do tema reconhecia sua surpresa com a resposta de Beethoven à sua bagatela. Ludwig, que se interessava por variações desde que usava calças curtas, decompôs a valsa de Diabelli em seus pequenos gestos – como o floreio inicial e as figurações descendentes – e assim encontrou imensas possibilidades de transformá-la (pois o termo “Veränderungen” também significa “transformação”), explorando-os às últimas consequências.

O grande Alfred Brendel assim definiu o resultado:


O tema deixou de mandar sobre sua prole rebelde. Em lugar disso, as variações decidem o que o tema pode ter a lhes oferecer. Em vez de ser reafirmado, adornado e glorificado, é melhorado, parodiado, ridicularizado, negado, transfigurado, lamentado, eliminado e finalmente elevado…

As “Diabelli” são o apogeu duma carreira intimamente ligada ao teclado, um compêndio do estado da arte de um instrumento, e o testamento pianístico de Beethoven, que, fora algumas bagatelas e rabiscos, não voltaria mais a escrever para o piano.

Analisar essa obra monumental foge, claro, ao escopo duma postagem de blog. Recomendo fortemente, nesse sentido, o livro essencial que William Kinderman (o mesmo que mais acima falou sobre a Schusterfleck) escreveu sobre ela: nada menos que sensacional, ou, como diria nosso patrão PQP Bach, IM-PER-DÍ-VEL para os diabellimaníacos entre vós outros. Limitar-me-ei a falar sobre seus intérpretes: cresci ouvindo as legendárias versões de Schnabel e Gulda; aprendi a reverenciar as leituras de Kovacevich, Pollini e Sokolov – mas, desde que o irlandês John O’Conor, talvez o mais exuberante beethoveniano da atualidade, lançou a sua, eu a tenho ouvido sem parar. Há de tudo em suas “Diabelli”: o elã, o humor, a vivacidade; a ironia, o sarcasmo, a paródia; o pathos, a ferocidade, o sublime. Uma gravação, enfim, para a eternidade.

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Trinta e três variações em Dó maior para piano sobre uma valsa de Anton Diabelli, Op. 120
Compostas entre 1819–23
Publicadas em 1823
Dedicadas a Antonie Brentano

1 – Thema: Vivace
2 – Variation 1: Alla marcia maestoso
3 – Variation 2: Poco allegro
4 – Variation 3: L’istesso tempo
5 – Variation 4: Un poco più vivace
6 – Variation 5: Allegro vivace
7 – Variation 6: Allegro ma non troppo e serioso
8 – Variation 7: Un poco più allegro
9 – Variation 8: Poco vivace
10 – Variation 9: Allegro pesante e risoluto
11 – Variation 10: Presto
12 – Variation 11: Allegretto
13 – Variation 12: Un poco più moto
14 – Variation 13: Vivace
15 – Variation 14: Grave e maestoso
16 – Variation 15: Presto scherzando
17 – Variation 16: Allegro
18 – Variation 17: Allegro
19 – Variation 18: Poco moderato
20 – Variation 19: Presto
21 – Variation 20: Andante
22 – Variation 21: Allegro con brio – Meno allegro – Tempo primo
23 – Variation 22: Allegro molto, alla « Notte e giorno faticar » di Mozart
24 – Variation 23: Allegro assai
25 – Variation 24: Fughetta (Andante)
26 – Variation 25: Allegro
27 – Variation 26: (Piacevole)
28 – Variation 27: Vivace
29 – Variation 28: Allegro
30 – Variation 29: Adagio ma non troppo
31 – Variation 30: Andante, sempre cantabile
32 – Variation 31: Largo, molto espressivo
33 – Variation 32: Fuga: Allegro
34 – Variation 33: Tempo di Menuetto moderato

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

John O’Conor, piano

 

BTHVN250, por René Denon

Vassily

1 comment / Add your comment below

  1. Que post mais delicioso de se ler.
    Impossivel nao conferir depois de tantas loas ao Sr. Connor.
    Das gravacoes que eu conheco, nao conheco muitas, gosto do Paul Lewis.
    Um grande abraco e obrigado

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