Depois de publicar música tocada em Timbuktu e arredores e de provocar arcadas engulhadas com músicos apresentados como “analfabetos musicais” e “bugres que sabem tocar”, venho trazer ainda mais desconforto aos puristas com este álbum em que Paco de Lucía, um dos grandes nomes do flamenco, toca música erudita.
Os sumo-sacerdotes do purismo e parte da crítica, claro, caíram de tacape em cima do solista quando o disco foi lançado em 1992, por ocasião do jubileu da chegada de Colombo às Américas. Chamaram-no, entre outras coisas, de bufão e pretensioso, acusaram-no de desrespeitar as intenções do compositor e atacaram-no, óbvio, por ser um músico de flamenco e, por isso, supostamente incapaz de tocar música de concerto.
[quanto às acusações de desrespeito ao compositor, sugiro que prestem atenção no senhor idoso que aparece em segundo plano na capa do CD, à direita: ele é o PRÓPRIO Joaquín Rodrigo, que supervisionou pessoalmente a gravação. Sem mais.]
O público adorou, Rodrigo adorou, eu adorei, e o disco envelheceu muito bem. Como que para alimentar as acusações de seus detratores, Paco trouxe para o “Concierto de Aranjuez”, sem nenhum constrangimento, toda a sua caixa de ferramentas flamencas, e a abriu em sua interpretação: estão lá os ataques furibundos às cordas, os efeitos percussivos, as articulações características. O que ele conseguiu, ao menos para os meus ouvidos, foi fazer o “Concierto” soar vigoroso como nunca, com um frescor inédito.
CLARO que essa gravação, apesar de suas qualidades, não tem UMA GOTA SEQUER de violão clássico (soletando para quem ainda não entendeu: P-A-C-O D-E L-U-C-Í-A). Por isso, lógico, os devotos dessa escola provavelmente odiarão a interpretação, da qual sugiro que passem ao largo.
Aos demais, o que eu e meu ouvido bruto e pouco preconceituoso lhes podemos dizer é que, depois de Paco, se tornou muito inglória a tarefa de escutar outras interpretações do “Concierto” sem o élan que ele traz a esta figurinha tão fácil quanto linda do repertório do violão.
Três excertos da Suíte Iberia de Isaac Albéniz, transcritos mui idiomaticamente para trio de violões, completam essa gravação de que vocês podem até não vir a gostar, mas que recomendo muito conhecer.
CONCIERTO DE ARANJUEZ DE JOAQUÍN RODRIGO
interpretado por PACO DE LUCÍA
Joaquín RODRIGO Vidre (1901-1999)
Concierto de Aranjuez em Ré maior para violão e orquestra
01 – Allegro con espirito
02 – Adagio
03 – Allegro gentile
Paco de Lucía, violão
Orquesta de Cadaqués
Edmon Colomer, regência
Isaac Manuel Francisco ALBÉNIZ y Pascual (1860-1909)
Três peças da Suite Iberia
04 – Triana
05 – El Albaicín
06 – El Puerto
Paco de Lucía, José María Bandera e Juan Manuel Cañizares, violões
Vassily Genrikhovich
Li em algum lugar que o próprio Paco de Lucia comentou que estava muito nervoso durante a gravação . A presença de Joaquin Rodrigo e de diversos violonistas na platéia o deixou tremendamente desconfortável e intimidado.
Os comentários do DVD dão conta disso: em suma, ele confessa a insegurança de estar longe de sua praia. Mas a ideia de convidá-lo para a gravação foi justamente do próprio compositor que, como se vê na capa do disco, sentou ao lado de Paco durante o concerto.
Vassily, há uns anos atrás postei aquele Cd do Paco em que ele toca diversas peças de Manuel de Falla. Nem preciso dizer que a postagem teve um grande número de downloads, talvez passando dos mil …
Aquela gravação é MARAVILHOSA! Acabo de ver que ela foi pelo ralo junto com o Rapidshare. Será que poderias colocá-la na lista de espera para revalidação??? Desde já agradeço!
Meu caro Vassily, assim que possível… como comentei em email do grupo meu escritório está uma loucura pois estou realizando algumas mudanças nele. Foi com esse disco (tenho o LP) que conheci Paco de Lucia e Manuel de Falla.
Não te preocupes, que já encontrei a gravação na rede e a estou escutando agora! 🙂
Registro Histórico.
Como ficar indiferente diante deste comovedor Adagio do Aranjuez.
Grato e um forte abraço do Dirceu.
Há tempos procuro esta gravação! Ficaria muito grato se o amigo revalidasse o link.
favor republicar.
Pois é, Vassily, coisas do destino! Não previa uma coincidência como esta nem na próxima conjunção quádrupla de planetas, mas se deu…
Então, que seja, uma dose dupla de Aranjuez, um com pegada mais flamenca e outra quite british, mas muito bonita também. E de quebra eu lembrei do Miles, miles ahead!
Abração!
René Denon