IM-PER-DÍ-VEL !!! Uma estupenda gravação da décima de Shosta.
Este monumento da arte contemporânea mistura música absoluta, intensidade trágica, humor, ódio mortal, tranquilidade bucólica e paródia. Tem, ademais, uma história bastante particular.
Em março de 1953, quando da morte de Stalin, Shostakovich estava proibido de estrear novas obras e a execução das já publicadas estava sob censura, necessitando autorizações especiais para serem apresentadas. Tais autorizações eram, normalmente, negadas. Foi o período em que Shostakovich dedicou-se à música de câmara e a maior prova disto é a distância de oito anos que separa a nona sinfonia desta décima. Esta sinfonia, provavelmente escrita durante o período de censura, além de seus méritos musicais indiscutíveis, é considerada uma vingança contra Stálin. Primeiramente, ela parece inteiramente desligada de quaisquer dogmas estabelecidos pelo realismo socialista da época. Para afastar-se ainda mais, seu segundo movimento – um estranho no ninho, em completo contraste com o restante da obra – contém exatamente as ousadias sinfônicas que deixaram Shostakovich mal com o regime stalinista. Não são poucos os comentaristas consideram ser este movimento uma descrição musical de Stálin: breve, absolutamente violento e brutal, enfurecido mesmo. Sua oposição ao restante da obra faz-nos pensar em alguma segunda intenção do compositor. Para completar o estranhamento, o movimento seguinte é pastoral e tranquilo, contendo o maior enigma musical do mestre: a orquestra para, dando espaço para a trompa executar o famoso tema baseado nas notas DSCH (ré, mi bemol, dó e si, em notação alemã) que é assinatura musical de Dmitri SCHostakovich, em grafia alemã. Para identificá-la, ouça o tema executado a capela pela trompa. Ele é repetido quatro vezes. Ouvindo a sinfonia, chega-nos sempre a certeza de que Shostakovich está dizendo insistentemente: Stalin está morto, Shostakovich, não. O mais notável da décima é o tratamento magistral em torno de temas que se transfiguram constantemente.
PQP Bach adverte: não ouça o segundo movimento previamente irritado. Você e sua companhia poderão se machucar.
Dmitri Shostakovich (1906-1975): Sinfonia Nº 10
1. Symphony No. 10 in E minor, Op. 93 : I. Moderato 22:45
2. Symphony No. 10 in E minor, Op. 93 : II. Allegro 4:05
3. Symphony No. 10 in E minor, Op. 93 : III. Allegretto 12:11
4. Symphony No. 10 in E minor, Op. 93 : IV. Andante – Allegro 12:56
Royal Liverpool Philharmonic Orchestra
Vasily Petrenko
PQP
Só para esclarecer (e para quem quiser executar o tema em casa): DSCH, em grafia alemã, significa: Ré, Mi bemol, Dó, Si natural.
“Mas por que diabos S é mi bemol???”
Por que não é bem S, e sim “Es”. Na notação alemã, E = mi; Es = mi bemol. Do mesmo modo: A = lá; As = lá bemol.
ATENÇÃO: não confundam com a notação inglesa:
Notação alemã: B = si bemol. H = si natural
Notação inglesa: B = si natural. H = não se usa.
E, complementando (notação inglesa, que a gente aprende quando estuda música):
A=lá/B=si/C=dó/D=ré/E=mi/F=fá/G=sol. Quando se quer bemol, coloca-se o b minúsculo na frente (ex: Bb, Eb…), e quando se quer sustenido, coloca-se o “jogo-da-velha” (C#, G#, etc.)
Da notação alemã, eu não sabia quase nada…
junto com Villa, esse é meu compositor favorito do século passado.
mas infelizmente conheço muito pouco sobre sua vida. Li muito pouco sobre ele. Das suas músicas dá para perceber que não deveria ser a personalidade mais dócil que se pode esperar.
enfim, quero mesmo a indicação de uma Biografia. Se alguém tiver uma boa para indicar ficarei grato.
http://www.sul21.com.br/blogs/miltonribeiro/2008/05/07/shostakovich-vida-musica-tempo-de-lauro-machado-coelho/
Comprei uma biografia sensacional, mas em inglês: Shostakovich – A Life Remembered, de Elizabeth Wilson. Sobre o Shosta, ele era bem dócil sim, hahahaha. As tragédias da vida dele, expressadas em sua música, nada tinham a ver com sua natureza, um homem calmo e gentil, muito bem humorado (ainda que um humor ácido na maioria das vezes) de verdade.
Todo livro é escrito em cima de depoimentos e cartas sobre ele, de seus parentes, amigos e músicos, inclusive si próprio, o que torna a biografia bem intimista. A infância dele parece ter sido felissíssima, e mesmo à partir de vários desastres pessoais no regime stalinista, ele soube seguir em frente… apenas cada vez mais tímido, reprimido, inseguro, pois era difícil confiar em alguém por puro medo. Os monstro eram soltos em sua música apenas. E nela existem muitos momentos de felicidade, também, de pura alegria ou beleza.
Shosta é fantástico!!
muito obrigado
não sabia que já tinha livro postado. também não acompanho o blog há tanto tempo.
Sei lá, acho que um compositor em plena atividade criativa na segunda metade do século XX que não se arrisca em “terrenos atonais” pode ser chamado de reacionário.
Logicamente essa postura conservadora não diz nada sobre a qualidade da obra de um compositor, até porque Shosta foi, de fato, genial. Só acho mesmo que ele poderia sair um poquinho da zona de conforto tonal. Mas é só a opinião de um leigo.
Obrigado pela postagem do CD!
Ainda que não possa ser considerado um compositor atonal, não dá pra dizer que ele tava numa zona de conforto musical também. Shosta simplesmente levava a tonalidade a extremos pouco visitados, sendo inventivo no campo formal sim. E ele se atrevia a exemplos atonais também.
Ah, que droga! Agora vou ter que ouvir o segundo movimento mesmo assim! rsrsrsrs Brincadeira. Gostei do seu texto, PQP. Legal a história dessa décima sinfonia. E legal sua descrição também. A sinfonia é isso mesmo que você falou. Muito boa mesmo. A única coisa é que não acho o terceiro movimento muito “pastoral”, como você disse. Tranquilo, sim, mas pastoral não. Ele me soa, sei lá, como um suspense, meio misterioso, meio sereno…
Gostei dessa sinfonia. O segundo movimento realmente é muito bom, música exasperada e rítmica. Acho o segundo movimento da sinfonia 4 e quarto da sinfonia 11 do Shosta também muito fortes, pra quem gostou da sinfonia 10 e não conhece as sinfonias 4 e 11, vale a pena conferir. Não conheço nada sobre a biografia do Shosta. Pensava eu que ele fosse Stalinista, mas pelos comentários de vocês não era. Afinal, qual era a relação dele com o partido comunista soviético??
Complicado de explicar em poucas palavras. Shosta era um comunista que se dava bastante mal com o estado soviético, sofreu muito. Mas houve fases…
Aqui fiz um resumão em oito posts: o primeiro é este: http://www.sul21.com.br/blogs/miltonribeiro/2010/10/01/dmitri-shostakovich-i/
Achei o segundo movimento da sinfonia muito bom mesmo, música raivosa. Lembrou-me o segundo e o quarto movimento das sinfonias quatro e onze, respectivamente, que também são muito bons. Para quem gostou da sinfonia 10, vale a pena ouvir os que eu citei. Desconheço totalmente a biografia do Shosta. Achava até que ele tinha boas relações com o partido comunista soviético! Mas, pelos comentários, não era. Afinal, ele tinha qual inclinação política??? Agora, devo agradecer ao PQPBACH oela postagem!!!Obrigado!