Música de câmara boa é aquela marcada por um certo clima de intimidade: menos carregado, menos intenso ou sério do que um grandioso concerto de Tchaikovsky ou sinfonia de Bruckner. O tenor alemão Peter Schreier, já então um senhor de mais de sessenta anos com uma carreira cheia de sucessos em óperas de Wagner e Mozart e paixões de Bach, reuniu-se em 2002 com András Schiff – que tinha menos de 50 – para esse recital inteiro dedicado a Lieder de Schumann. Em português: canções. Outras notáveis vozes como o barítono D. Fischer-Dieskau e a soprano Jessye Norman provavelmente fizeram gravações dessas obras com mais virtuosismo vocal, mais precisão nas subidas e descidas, mas também com certos exageros e arroubos que soam melhor em árias de ópera… Aqui nesta gravação, a voz de Schreier soa humana, muito humana, ou seja: limitada, imperfeita, o que é um diferencial em nossos tempos de gravações perfeitíssimas tanto nos clássicos quanto na música pop de autotune e shows com playback. (Breve parêntesis pra falar de outro grande cantor maduro: nos shows no Maracanã em dezembro de 2023 aos 81 anos, Paul McCartney também mostrou uma voz bastante humana e bem cuidada, mas em uns 10% das canções havia algum playback? Ou não?)
Schreier e Schiff às vezes se rendem brevemente ao estrelismo característico de intérpretes famosos mas logo depois, como aquelas flores que se fecham à noite, se seguram nos vários momentos suaves com dinâmica marcada piano. Aliás, boa parte das temáticas das canções de Schumann são romanticamente noturnas com títulos como “Noite de luar”, “Diálogo na floresta” e “Noite de Primavera”.
E uma característica comum em todos os ciclos de Lieder de Schumann é a escrita para piano sempre interessante: o pianista não está apenas acompanhando o cantor, sempre tem seus momentos de brilho com alguns ritmos, manias, trejeitos bem típicos do Schumann das obras para piano solo como o Carnaval, as Sonatas ou a Kreisleriana.
Com seu jeito de tocar pontuando as frases musicais com um certo humor húngaro discreto mas quase constante, András Schiff tem uma afinidade especial com certos compositores: Bartók, claro, mas também os barrocos Bach e Scarlatti e os centro-europeus Haydn e Schumann. O mais comum é que Schiff faça mesmo os momentos mais carregados em termos intelectuais (no Bach) ou em termos emocionais (no Schumann) com uma pitada do mesmo sarcasmo que aparece no Bartók. Respeitando os estilos de cada compositor, claro, apenas adicionando um leve tempero exótico.
Robert Schumann (1810-1856):
1-9. Liederkreis, Op. 24 (poemas de Heinrich Heine)
10-21. Liederkreis, Op. 39 (poemas de Joseph von Eichendorff)
22-37. Dichterliebe, Op. 48 (poemas de Heinrich Heine)
Peter Schreier (1935 – 2019) – tenor
András Schiff (n. 1953) – piano
Recorded: Lukaskirche, Dresden, 2002
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