O sleep, again deceive me,
To my arms restore my wand’ring love!
Uma das coisas que me impede de ouvir mais obras barrocas com vozes e coro – oratórios, música sacra, óperas – é a duração dessas obras. Oratório tal de tal compositor, 3 CDs! Ópera deste ótimo compositor, mais outros tantos CDs. E tem a minha mania (cada dia mais fraca) de ouvir a obra toda. Imaginar essas peças completas no nosso dia-a-dia provoca, senão um choque cultural, pelo menos um pequeno abalo. Entender isso deve ser um bom tema para uma dissertação de mestrado em antropologia, talvez. O tempo que as pessoas dispunham para esses entretenimentos nos dias de suas criações, muito provavelmente era diferente do que dispomos hoje para os nossos próprios entretenimentos. Isso sem contar as infinitas possibilidades de que dispomos para as nossas escolhas de diversão.
Talvez isso explique o sucesso de lindas peças mais ‘curtas’ do período barroco, como o Glória, de Vivaldi, ou o Stabat Mater, de Pergolesi. Mas, divago… O que eu quero dizer é que achei muito interessante essa proposta do grupo Les Ombres, de montar um espetáculo, que posteriormente rendeu o álbum. Eles reuniram peças e trechos de obras de diferentes compositores do mesmo período cultural para montar uma ‘narrativa’ que justapõem o mito de Sêmele, que é muito bonito, com a (des)aventura de Ícaro.
Cena de uma das apresentações…
No caso de Sêmele, a história vai, mais ou menos, assim: ela teve um caso com Zeus (que surpresa!), o que gerou ciúmes em Hera, que resolveu vingar-se da rival. (Ciúmes, vingança… bom, não é?) Hera astuciosamente transmutou-se na aia de Sêmele e lhe sugeriu que pedisse ao deus que lhe mostrasse toda a sua ‘majestade divina’. O deus a alertou que isso poderia ser um pouquinho demais, mas ela, atiçada pelas pérfidas e invejosas (outro sentimento danado de bom nessas histórias) irmãs Ino e Agave, insistiu com o deus. Como Zeus estava sob juramento de cumprir a todos os desejos de Sêmele, foi obrigado a exibir seus raios e trovões, que acabou incendiando o palácio onde estavam e tudo o mais, matando a pobre Sêmele.
Zeus então retirou o feto calcinado fruto desse amor e o implantou em sua própria coxa, donde nasceu o deus Dionísio (Viva Bacchus, Bacchus viva!).
O mito de Ícaro é mais conhecido, pelo menos eu creio. Dédalo e seu filho Ícaro ‘voam’ da Ilha de Creta usando asas construídas pelo engenhoso Dédalo com cera e penas. A despeito dos conselhos do pai (desde aqueles dias, filhos davam trabalho) Ícaro voa perigosamente perto do Sol e acaba (a cera derrete, essas coisas…) com os burros n’água, mitologicamente.
O programa do álbum inicia com uma sinfonia de pífaros, de ótimo augúrio, seguido de uma suíte de danças, com uma ária, com trechos de Marais. A seguir, uma cantata de Destouches, ‘Sémélé’. Até aí, tudo em francês.
Quando entra Handel, percebemos na hora, um de seus lindos concerti grossi, seguido da belíssima ária de sua ‘Semele’, da qual ‘roubei’ dois versinhos finais e coloquei no início da postagem, a título de preâmbulo… Divino, para mim, vale o disco. Uma ‘aria’ para a flauta e, na sequência, uma cantata em italiano “Tra le fiamme’, sobre o mito de Ícaro, que termina com os seguintes versos, a título de ‘moral’:
Sì, sì, pur troppo è vero:
nel temerario volo
molti gl’lcari son, Dedalo un solo.
Para terminar, uma exibição de gala das habilidades do saxão, árias de Semele e Theodora, lindamente acompanhadas por orquestra. Maraviglia!
Marin Marais (1656 – 1728)
Sémélé (Excerpts From Opera, 1709)
- Marche D’ægipans Et de Ménades
- Ouverture
- Air « Quel Bruit Nouveau Se Fait Entendre »
- Deuxième Air Des Guerriers
- Chaconne
André-Cardinal Destouches (1672 – 1749)
Sémélé (Cantata, 1719)
- Récitatif « Déjà Par Un Serment Terrible »
- Air « Ne Cesse Point de M’enflammer »
- Récitatif « Aussitôt Le Bruit Du Tonnerre »
- Air « Est-il Un Destin Plus Heureux »
- Récitatif « Elle Finit, Elle Est Toute Embrasée »
- Air « Régnez Sans Partage »
George Friedric Handel
Concerto Grosso No. 4 En Fa Majeur, HWV 315, Op. 3
- Largo – Allegro – Largo
- Andante
- Allegro
Semele, HWV 58 (From Opera 1743)
- Air « Oh Sleep »
Il Penseroso Ed Il Moderato, HWV 55 (1740)
- Air « Sweet Bird » (instrumental)
Tra Le Fiamme, HWV 170 (1707)
- Air « Tra Le Fiamme »
- Récitatif « Dedalo Già »
- Air « Pien di Nuovo E Bel Diletto »
- Récitatif « Sì, Sì, Purtroppo è Vero »
- Air « Voli Per L’Aria »
- Récitatif « L’uomo Che Nacque Per Salire Al Cielo »
- Air « Tra Le Fiamme »
Semele, HWV 58 (From Opera, 1743)
- Symphonie
- Récitatif « Iris Impatient Of Thy Stay »
- Air « Endless Pleasure »
- Récitatif « No More »
- Air « Hence, Iris, Hence Away »
Theodora (From Opera, 1750):
- Symphonie
- Air « To Thee, Thou Glorious Son Of Worth »
Chantal Santon, soprano
Mélodie Ruvio, contralto
Les Ombres (Ensemble)
Sylvain Sartre, violino, flauta, direção artística
Margaux Blanchard, viola da gamba, direção artística
Recording in June 2013 at Espace Bonnet de Jujurieux, France
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
MP3 | 320 KBPS | 179 MB

De uma entusiástica crítica amadora: Pour qui aime la musique baroque! Ce CD est magnifique, la musique de Marin Marais, coule comme un ruisseau! On a envie de le suivre! [Para quem ama música barroca! Este CD é magnífico, a música de Marin Marais flui como um riacho! Queremos segui-la!]

A grana que eles ganhavam com música ia quase toda para as parrucchieres…
Uma opção para ouvir o disco:



