Há quem duvide de que o homem foi à lua. Eu acredito, pois que seria uma tolice típica da nossa espécie (mais propriamente do gênero masculino). Se era por falta de cratera, que viessem conhecer nossas estradas, ruas e calçadas. Aqui em Salvador-BA tem um buraco do qual saem chineses aos magotes semanalmente. Mas como reza uma conhecida canção, a propósito, de um talentosíssimo baiano, sobre o luar nada mais se tem a dizer, só nos restando assim apreciá-lo. Ocorre que amiúde um plenilúnio nos inebria, como se o víssemos pela primeira vez. Jaci na mitologia Tupi; Máni, entidade masculina na mitologia nórdica e irmão da deusa Sól; Selene para os antigos gregos; lar do Super Mouse (quem lembra dele?), vizinho de São Jorge e seu dragão. Essa conversa de viagem à lua não é coisa nova. Talvez o autor mais antigo a imaginar tal odisseia tenha sido Luciano de Samósata, por volta de 150 d.C., em sua obra ‘Uma História Verdadeira’. Ah sim! é mentira, Terta? Bradaria o saudosíssimo Chico Anísio na pele do veríssimo Pantaleão. Luciano narra uma fantástica viagem à lua e menciona extraterrestres, 2000 anos antes da invenção da Ufologia, de Spielberg e dos fumarentos acampamentos na Chapada Diamantina. No século XVIII, o bibliotecário, escritor, cientista e, conforme um biógrafo, trapaceiro, o alemão Rudolph Erich Raspe, escreveu sobre o simpaticíssimo Barão de Munchausen, que dentre inúmeras proezas e tropelias, ascende aos céus de navio e visita o Rei da Lua. No século XIX, o genialíssimo Edgar Allan Poe manda seu intrépido Hans Pfaall para a lua num balão. Naquele mesmo século, o maravilhoso e profético Júlio Verne nos legaria o delicioso ‘Da Terra à Lua’, que nos primórdios do cinema seria tão bem ilustrado pelo gênio do grande Georges Méliès. Como vemos, nosso satélite não atrai apenas as marés, mas nosso imaginário, como nenhum outro personagem do teatro celestial. É inumerável a quantidade de poemas e canções, da antiguidade aos nossos tempos, de Omar Khayyam a Glenn Miller; passando por uma certa Sonata cujo subtítulo apócrifo deixaria seu compositor furioso e por uma das peças mais encantadoras da música de um certo gaulês chamado de impressionista. A Lua sem dúvida é o refúgio de todo poeta, compositor, enfim artista ou quem quer que se arvore a escrever num momento zero de inspiração (como no presente instante). Ela funciona para fascinar e inspirar, com sua luz, suas fases, seus mistérios.
O tema ‘Moon and Sand’ já cativa pelo título, que evoca algo das Mil e uma Noites, filmes de Valentino, romances aventurescos e praias ao luar. Foi composto por Alec Wilder, cancioneiro e compositor erudito, e teve diversas gravações ao longo das décadas, sendo a primeira delas de Xavier Cugat e sua Orquestra em 1941, hoje um nome um tanto esquecido. Uma bonita melodia emoldurada por uma progressão harmônica expressiva cujas características bastante peculiares atrai irresistivelmente os improvisadores. Um registro marcante do tema se encontra na trilha sonora do documentário ‘Let’s Get Lost’, sobre o fabuloso Chet Baker; interpretado pelo próprio, naturalmente. Esse precioso e um tanto raro registro traz um trompetista que brilha altaneiro sobre todos os outros trompetistas do jazz na atualidade. É o último dos gênios trompetistas vivos do jazz, e que os céus o preservem, o magnífico, lírico, adorável, Tom Harrell. Acompanhado pelo excepcional pianista muito pouco comentado em nossas plagas, o formidável Jacky Terrasson, artista de prodigiosa habilidade, feeling e fantástica imaginação, que com este álbum fez sua estreia no mundo fonográfico. No repertório, temas de diversos autores. Só um deles, ’20 Bars Tune’, é do trompetista. Temos ‘Tune Up’, um clássico de Miles Davis; do grande Tadd Dameron, a belíssima balada ‘If You Cold See Me Now’; ‘Just Around Midnight’, a joia de Thelonius Monk; outro encanto de balada, ‘Beautiful Love’, de Victor Young; ‘Com Alma’, de Dizzy Gillespie, entre outros. Tudo tocado com feliz e despojado talento e feeling, como pede o melhor do jazz. A formação em duo é das mais intimistas e difíceis para um trompetista. Particularmente falando como adepto do instrumento, é das minhas formações preferidas. Essa camerística composição teve como pioneiras no mundo do jazz as gravações dos lendários Joe King Oliver e Jelly Roll Morton (‘Tom Cat Blues’ e ‘King Porter Stomp’, de 1924); seguidos por Louis Armstrong e Earl Hines (‘Weather Bird’, de 1928). Um dos mais belos registros nessa formação tive o prazer de postar aqui no PQP, o disco ‘Diane’, com Chet Baker e o pianista Paul Bley. Fico a dever outra joia, também com Tom Harrell e o pianista Dado Moroni, para breve. Mr. Harrell, a quem escrevi no Facebook dizendo que ele me faz crer em anjos músicos. Ele curtiu! Fiquei feliz da vida. Dedico esta postagem à amiga, hoje raio de luar, Lara Lins.
Moon and Sand – Tom Harrell & Jacky Terrasson (1991)
- Moon and Sand (Alec Wilder)
- Tune Up (Miles Davis)
- Beautiful Love (Victor Young)
- If You Cold See Me Now (Tadd Dameron)
- 20 Bars Tunes (Tom Harrell)
- What Kind of Fool Am I (Leslie Bricusse)
- Parisian Thoroughfare (Bud Powell)
- Janine (Duke Pearson)
- Just Around Midnight (Thelonious Monk)
- Rythm-A-Ning (Thelonouis Monk)
- Com Alma/Well You Needn’t (Dizzy Gillespie/Th. Monk)
Wellbach
Os deuses estavam ao meu lado. Era uma tediosa sexta, até, ao acaso, ter o prazer de ler, fresquinho, um texto do enciclopédico Wellbach. Quem misturaria tupis, gregos e supermouse? Agora, bendito fim de sexta, ouvindo um bom jazz.
Só ele misturaria mesmo… E dá certo!
Rss, na mistureba, vale tudo. Obrigado! Abrs
Rs, obrigado, Alex! vai gostar do disco. Felicidades. Abrs
Seu texto atiçou minha vontade de ouvir!
Que bom, vale ouvir, disco raro e bonito. Abrs.