A música do compositor ucraniano Valentin Silvestrov — disse uma vez nosso chefe PQP Bach — é delicada mas nada fácil de ignorar. É um sussurro muito instigante e contemporâneo. As sonatas para piano de Silvestrov têm algo em comum com as de Scriabin, a semelhança talvez possa ser descrita como uma tendência dos dois compositores a saborear as dissonâncias, ou seja, abordá-las de forma, lenta, suave, cheia de segundas e terceiras intenções…
Alexei Lubimov (nasc. 1944) é um pianista e cravista russo. Seu interesse, nas décadas de 1960 e 70, por compositores contemporâneos ocidentais como Arnold Schoenberg e Karlheinz Stockhausen o levou a ser mal visto pelas autoridades soviéticas: talvez como estratégia para ficar menos visado, ele se dedicou então a estudar a sonoridade de instrumentos antigos. Pela gravadora Erato, Lubimov gravou uma inovadora integral de sonatas de Mozart em um fortepiano de época. Depois, ele gravaria pela Bis o concerto n. 11 de Mozart, para dois pianos, com Brautigam, também em instrumentos de época (neste caso, réplicas do original). Ele também apareceu aqui no blog com um belíssimo Chopin, rara incursão de Lubimov no repertório romântico. Mas ele não deixaria de se interessar por música contemporânea (por exemplo aqui: Ustvolskaya, Gubaidulina, Górecki e Pelécis). E de Silvestrov, além deste disco pela Erato, Lubimov também gravou pela ECM obras para piano solo e com orquestra.
Ivan Monighetti, também nascido na Rússia mas com família em parte ocidental como o sobrenome entrega, atualmente vive na Suíça. Já Lubimov continua morando na Rússia, onde teve um recital com obras de Schubert e Silvestrov interrompido pela polícia. Sobre Monighetti, o violoncelista Mstislav Rostropovitch costumava dizer: “é um de meus alunos favoritos. Tendo conduzido a orquestra sua gravação dos concertos de Tishchenko e de Boris Tchaikovsky, eu não pude evitar o orgulho por meu notável pupilo.” A sonata para violoncelo e piano de Silvestrov, de 1983, foi dedicada a Monighetti, assim como a 2ª sonata para piano foi dedicada a Lubimov.
Hoje os países de Lubimov e de Silvestrov estão em guerra. Vamos nos permitir ouvir essa arte profunda e multifacetada que fazem Lubimov e Monighetti com as partituras de Silvestrov, sem fazer comentários tratando uma carnificina humana como se fosse uma partida de futebol? Vamos nos permitir ouvir com atenção as sensações causadas pelo piano e pelo violoncelo, sem pensamentos pré-concebidos sobre nações e outras abstrações? Será que conseguimos não nos rebaixar ao nível que esperam da gente? Sem arte, não há esperança.
Valentin Silvestrov (1937):
1. Sonate N° 2: Moderato stringendo (17:00) (1975)
2. Sonate N° 3: Preludio – Fuga – Postludio (15:27) (1979)
3-4 Sonate N° 1: Moderato, con molto attenzione – Andantino (16:21) (1972)
5. Sonate pour Violoncelle et Piano: Andante – Allegro vivace – Animato dolce – Allegro vivace (20:40) (1983)
Piano – Alexei Lubimov
Violoncello – Ivan Monighetti
Recorded 14-18/01/1991: Salle de l’Arsenal de Metz, France
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