Não gosto de começar uma resenha de música pelas credenciais do protagonista; parece um apelo à autoridade, um canetaço ineficaz (adianta carteirinha de virtuose se a obra não fala por si?), e um habeas corpus preventivo da resenhista em questão. Mas vejam bem, por favor me permitam notar, que o pequeno Tigran tocou piano em um palco pela primeira vez aos TRÊS ANOS de idade. Não, não sei qual palco, nem de que tamanho, nem se tocou Mozart ou a versão local de Atirei o pau no gato; não especificaram. De toda forma, em 2006 ele conquistou o 1º lugar no prêmio do Thelonious Monk Institute of Jazz, então taí a prova de que aquele talento infantil floresceu e se concretizou. (Se é que prêmio prova alguma coisa. Não, não sei se o instituto de jazz é quente, mas sob o nome do Monk, vale botar fé; ainda que confusamente tenha sido renomeado pra Herbie Hancock Institute of Jazz em 2019. Achei deselegante. Nada contra o Hancock, mas… enfim, essa é outra conversa.)
Hamasyan foi pra escola de jazz aos 9, e continuou os estudos de música na adolescência, quando sua família se mudou para a Califórnia. Mais tarde, retornou à Armênia, e fixou residência em Yerevan. Esse movimento é claro em sua música, que não somente tem influência do jazz west coast americano (e do prog rock), mas também da tradição do folk armênio, incorporando suas escalas e tonalidades. Da mais de dezena de álbuns lançados desde 2006, Shadow Theater, seu segundo para a Verve, é o que mais permanece comigo; em especial pela faixa abaixo, “The Poet”, uma deliciosa e sensível jornada de sofisticado jazz-pop que gruda no ouvido e narra melancolicamente noites tristes e solitárias.
Mas não fica por isso; Tigran demonstra um vocabulário bastante variado, que vai de momentos jazz-trio tradicional e baladas neoclássicas a composições sincopadas que remetem ao zeuhl, como “Alternative Universe”, também nesse álbum. Mas é só dar uma pesquisada no youtube pra perceber que, enquanto bom jazzista, o bicho brilha mesmo é ao vivo — como nessa versão de solos empolgantes da faixa acima, e que bate nos 20 minutos. Outro ponto forte desse álbum é a banda que lhe acompanha, e chama a atenção imediatamente o etéreo canto feminino que divide os vocais.
Não fui só eu que notei; depois de gravar e fazer tournées com Hamasyan, e lançar um disco independente, a sempre antenada ECM foi lá e pescou Areni Agbabian. A americana, que segue a carreira de seu pai, um folclorista armênio, desenvolve sua música calcada na linguagem musical de seus ancestrais, também tomando o piano como instrumento principal, complementando sua voz. O resultado surgiu em Bloom, de 2019; um álbum de canções leves, esparsas, de qualidade quase espectral. “Sereno e surreal na mesma medida“, como bem definiu a AllAboutJazz. Tendo a seu lado um percussionista, que se mantém respeitosamente tímido e, de forma brilhante, se contenta em meramente pontuar e acentuar os devaneios sonoros de Areni, o disco se revela frágil, intimista, e definitivamente belo. Mas não apenas; entre as canções, pequenas vinhetas visitam o avant-garde e trazem experimentações cinemáticas e desconcertantes, demonstrando a curiosidade e as pretensões da jovem artista.
Tigran Hamasyan – Shadow Theater (2013). Aqui.
Areni Agbabian – Bloom (2019). Aqui.
— Blue Dog
bjinos pro Caxo pela dica do Tigran~
Oba!
Fui ouvir a moça e lembra muito Dead can Dance
Muito obrigado!
Gostei muito dos dois. Acho que “espectral” foi muito exato para a moça. E me diverti — na verdade, estou ainda me divertindo — com o Tigran.
Apareça sempre que quiser-puder!