Johannes Brahms (1833-1897): 8 Danças Húngaras, 18 Valsas, 11 Variações sobre um tema de Schumann (Jordans & Doeselaar, Piano a quatro mãos)

Depois de Bach e Beethoven, é claro que o pessoal da música historicamente informada ia chegar até o 3º B. Recentemente PQP postou os concertos de Brahms com Buchbinder e Harnoncourt, com instrumentos modernos mas concepção bastante diferente das gravações às quais estamos mais acostumados. Em 2019, András Schiff gravou os mesmos concertos utilizando um piano Blüthner de 1859. E em 2020, dois pianistas holandeses gravaram este disco para o selo belga Passacaille, utilizando um outro piano da marca alemã Blüthner (circa 1867). Essa marca de pianos com sede em Leipzig existe até hoje e é tão respeitada quanto a austríaca Bösendorfer e a alemã-americana Steinway, ainda que esta última predomine no mundo todo por motivos em parte musicais, em parte de publicidade e grana pesada.

Diferença entre um Erard (1908) de cordas paralelas e um Steinway de cordas cruzadas

Nos anos 1860 a Blüthner ainda usava cordas retas, o que dá uma sonoridade ligeiramente diferente para os harmônicos. As cordas cruzadas foram se tornando o padrão no fim do século XIX, pois permitiam acomodar cordas mais longas, o que significava mais ressonância (som mais forte) para o instrumento. Essa obsessão pela potência sonora (Freud explica?) tem a ver com o uso do piano em salas de concerto cada vez maiores. Por exemplo a principal sala de concertos de Leipzig, o Gewandhaus, tinha 500 lugares em sua primeira versão (1781), em 1842 sua versão reformada já acolhia mil pessoas e em 1884 uma nova sala com o mesmo nome tinha 1700 assentos. Após os bombardeios de 1943, o novo Gewandhaus (1977) tem 1900 lugares. Capacidade parecida com os 1739 assentos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro quando inaugurado (1909) e com as duas mil pessoas que cabem no Concertgebouw (Amsterdam, 1888) e na Salle Pleyel (Paris, 1927).

Mas o programa de hoje não é para essas grandes salas de concerto, e por isso mesmo ele combina tão bem com a sonoridade mais delicada, mais intimista do piano Blüthner de 1867. Estamos falando de música para piano a quatro mãos, que naqueles tempos era uma ótima oportunidade para juntar lado a lado casais, mãe e filha, amigos, enfim qualquer dupla na intimidade do lar. Tanto Beethoven como Brahms têm uma série de obras publicadas para quatro mãos.

A obra-prima inquestionável de Brahms para piano a quatro mãos, já conhecida da maioria dos nossos leitores, é a série de Danças Húngaras publicadas entre 1869 e 1880. A inspiração na música popular coloca uns toques apimentados, umas pitadas de mistério e de inesperado nesse compositor que normalmente é bem mais civilizado e intelectual. As mudanças de andamento e de caráter são constantes. Vejam o que disse a revista Gramophone de março de 2022:

We have to thank Brahms for the idea of the Hungarian dance as a discrete genre. He published two volumes (for piano four hands) in 1869, and two more in 1880. It’s generally assumed that he took the idea from an 1853 concert tour in which he (aged 20) had accompanied Hungarian violinist Ede Reményi as the latter improvised in Hungarian folk style.

Years later, in the Ungärische Tänze, Brahms sincerely believed that he was arranging folk melodies (which is why he never gave them an opus number). In fact, several living composers later claimed authorship, including Reményi himself. Yet the style hongrois had been adding colour (whether original or not) to western European music for decades, for example in Haydn’s Piano Trio Hob XV:25 (1795) and Berlioz’s ‘Marche hongroise’ (1846). Liszt’s first 15 Hungarian rhapsodies (published 1851-53) had given the style a renewed currency, and it fell to 20th-century musicologists to point out that all this ear-tickling exotica was merely an (often flamboyant) imitation of a single, very particular branch of Hungarian popular music: the stylised dances performed by Roma gypsy  musicians in Budapest cafes and at aristocratic soirées.

O resto do álbum é um repertório menos conhecido de Brahms: as 18 Liebeslieder-Walzer (Valsas-canções-de-amor) foram publicadas originalmente para piano a quatro mãos e quatro solistas vocais. Entre as poucas gravações, há uma famosa, de 1937-38 com Dinu Lipatti and Nadia Boulanger ao piano e quatro cantores. Provavelmente a pedido de seu editor, Brahms arranjou essas valsas apenas para dois pianistas, sem cantores. E também fez um arranjo orquestral de algumas delas, única versão dessas valsas a ter aparecido aqui no blog. Tanto as valsas quanto as Varições sobre um tema de Robert Schumann, op.23, mostram um Brahms mais sério, com andamentos mais constantes. Especialmente nas variações sobre o tema do compositor recentemente falecido, Brahms se mostra muito reverente e respeitoso, seja por causa da ajuda que Robert Schumann deu para alavancar sua carreira, seja em respeito à viúva Clara Schumann, com quem Brahms teria passado muitas noites… tocando a quatro mãos. E vocês pensando em outra coisa, como se esse blog fosse lugar para espalhar boatos!

Até onde sabemos, trata-se da primeira gravação de Brahms a quatro mãos em um piano do século XIX. Se eu fosse você, baixava correndo por causa das Danças Húngaras, mesmo que incompletas. O resto são figurinhas raras pra completar o álbum.

Johannes Brahms (1833-1897): Música para Piano a Quatro Mãos
1-5. Hungarian Dances, WoO 1, No. 1-5
6-16. Variations on a Theme by Robert Schumann in E-Flat Major, Op. 23
17-34. Liebeslieder-Walzer, Op. 52a, No. 1-18
35-37. Hungarian Dances, WoO 1, No. 8, 11, 13

Wyneke Jordans, Leo van Doeselaar – Blüthner grand piano, Leipzig, circa 1867, stored for years in Berlin, now in the Edwin Beunk Collection (Netherlands)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Piano Bluthner de cordas retas (circa 1867) usado nesta gravação

Pleyel

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