Um belíssimo CD, muito bem interpretado. As obras de von Bingen são realmente excelentes, de uma estranha e permanente intensidade. Bem, como eu sou um amante da cerveja — espero que a maioria de vocês também seja –, confiram abaixo o papel desta “gênia” medieval na produção da bebida. Afinal, Santa Hildegard (sim, ela foi canonizada) é a Santa do Lúpulo. Foi a abadessa e santa alemã que relatou, no século XII, a propriedade conservante do lúpulo na cerveja. E ela também descreveu o orgasmo feminino, o que faz dela uma pioneira.
Feminista, santa e rebelde: A monja que descreveu o orgasmo feminino há 900 anos
Ela foi pintora, poeta, compositora, cientista, monja, filósofa, médica e profeta. Conheça a incrível história de Hildegarda de Bingen, a monja feminista que escrevia poemas de amor e sexo, e descreveu o orgasmo feminino no ano de 1.140 d.c.
Décima filha de um casal católico, Hildegarda de Bingen teve seu destino determinado ao nascer, seria doada como dízimo à igreja.
Nascida na cidade de Bermersheim na Alemanha no ano de 1.098, Hildegarda foi entregue à Igreja para ser monja.
Seus pais a deixaram em um monastério que possuía uma ala destinada às mulheres quando ela tinha apenas oito anos de idade.
Desde os três anos Hildegarda tinha visões, mas só depois dos quarenta começou a escutar uma voz que lhe dizia que escrevesse e desenhasse tudo aquilo que seus olhos e ouvidos alcançassem.
Conheça agora essa mulher incrível que escreveu e desenhou o que sua alma lhe pediu, e nos deixou uma obra intrigante e bela, sobre a mulher, a amor e o sexo.
Quem foi a monja Hildegarda
Pintora, poeta, compositora, cientista, monja, filósofa, profeta… Uma mulher de um poder e uma coragem impensáveis para a época, que conseguiu uma autorização do vaticano para estudar e escrever sobre seus estudos.
Vivendo em um monastério de monjas desde criança, Hildegarda tornou-se abadessa. Atormentada por suas visões convenceu o Papa que a permitisse escrevê-las e assim começou a registrar suas visões, suas previsões, escreveu livros de medicina, de remédios naturais, cosmologia e teologia.
Com o passar do tempo a monja começou a estreitar relações com as autoridades eclesiásticas e políticas tornando-se conselheira, algo que era totalmente vetado para mulheres naquela época.
Uma mulher visionária, detentora de algum poder secreto que a fez ascender a posições jamais imaginadas em uma era medieval, onde mulheres eram queimadas por produzirem remédios caseiros ou simplesmente por escolherem uma religião não cristã.
A monja e o sexo
Com relação ao sexo a monja foi uma revolução quase inacreditável. Hildegarda falava do tema com uma liberdade que não existia na época, especialmente na vida religiosa, e mais ainda se tratando de uma mulher.
Em uma linguagem clara e apaixonada Hildegarda fez o que seria a primeira descrição do orgasmo feminino do ponto de vista de uma mulher e se atreveu a garantir que o prazer sexual era de ambos, homem e mulher, e não somente do homem como se fazia acreditar na época.
Para ela, o ato sexual era algo belo, sublime e ardente. Nos seus livros dedicados à medicina abordou com frequência o tema da sexualidade.
No livro “Causa et Curae” (Causa e Cuidado), escrito por ela, vemos uma descrição detalhada e técnica do ato sexual entre homem e mulher:
“Quando a mulher se une ao homem, o calor do cérebro dela, que tem em si o prazer, faz com que ela saboreie o prazer da união e atraia a ejaculação do sêmen. E quando o sêmen cai em seu lugar, esse fortíssimo calor do cérebro o puxa e o retém consigo, e imediatamente o órgão sexual da mulher se contrai e se fecham todos os membros que durante a menstruação estão prontos para abrir-se, do mesmo modo como um homem forte agarra uma coisa dentro de sua mão.”
Hildegarda de Bigen no livro “Causa et Curae”
Eva e a maça: A verão feminista de Hildegarda sobre o pecado original
Além de sua produção relacionado ao sexo, em particular sobre a mulher e sua sexualidade, Hildegarda tinha uma leitura bem polêmica com relação a diversos dogmas católicos, como por exemplo sua visão ultra feminista de Eva e o pecado original.
No livro “História Medieval do sexo e do erotismo”, Ana Martos explica a forma como Hildegarda percebia a passagem bíblica onde somos apresentados ao pecado através do deslize de Eva com a maça e o assédio da serpente:
“Assim como para Santo Agostinho a concupiscência é o castigo de Deus, para Hildegarda, que não se atreveu a contradizê-lo e admitiu a ideia de que o pecado original era de luxúria, a culpa foi de Satanás, que soprou veneno sobre a maçã antes de entregá-la a Eva, invejoso de sua maternidade. Esse veneno foi, precisamente, o prazer, e seu sabor, o desejo sexual.”
História medieval do sexo e do erotismo – Ana Martos
Incrível o que foi capaz de produzir esta mulher, em 1.140! Uma época onde as mulheres eram perseguidas e queimadas em gigantescas fogueiras. Uma figura especial não só na história do conhecimento, mas também da Igreja Católica.
“O desejo sexual é o sabor da maçã”
Poemas de amor e sexo da monja rebelde
O erotismo permeou toda sua obra, seus poemas também levantavam as questões sexuais.
“Tu Dulcissime Amator” (Seu doce amante,) um poema dedicado às virgens:
Nascemos no pó,
ai!, ai!, e no pecado de Adão
É muito duro resistir
O sabor que tem a maçã
Eleva-nos, Cristo Salvador
Cerveja e ressaca, temas que Hildegarda tratou em seus livros sobre saúde
A monja era a favor da cerveja e tinha até uma receitinha caseira para curar a ressaca que aparece em seu livro de medicina “Causa et Curae” (Causa e Cuidado):
“(…) de sua parte, a cerveja engorda as carnes e proporciona ao homem uma cor saudável no rosto, graças à força e boa seiva de seu cereal. Em troca, a água debilita o homem e, se está doente, às vezes lhe causa malignidade ao redor dos pulmões, já que a água é fraca e não tem vigor nem força alguma. Mas um homem saudável, se bebe água às vezes, ela não lhe fará mal.
Para atenuar os sintomas do excesso, molhar uma cadela na água e, com essa água, molhar a frente da pessoa afetada.”
Hildegarda de Bingen no livro “Causa et Curae”
A santa Hildegard von Bingen
Canonizada em 2012, a santa “Hildegard von Bingen” teve uma vida movimentada e repleta de êxitos.
É difícil compreender como uma monja que viveu em uma época onde as mulheres não tinham direito a quase nada, nem mesmo de aprender a ler e escrever, foi capaz de conseguir tanto espaço para se expressar e produzir.
Alguns indícios nos ajudam a chegar mais perto de entender o que foi a vida desta mulher, que estava cercada de encantos e magias inexplicáveis.
Suas várias mortes, as premonições, o uso que fazia da música para curar doenças, e sua morte real aos 82 anos em uma época em que a expectativa de vida era de 40, constroem um pouco essa aura de santa que sempre envolveu a menina que foi dada à Igreja como dízimo.
O filme que conta a fascinante história de Hildegarda Von Bingen
“Visión” foi lançado em 2009 e conta a história desta santa feminista da era medieval.
Os diálogos do filme estão baseados em frases textuais extraídas de seus tratados e cartas.
Aa músicas que compõem a trilha sonora do filme foram compostas pela própria Hildegarda durante sua vida no convento nos anos 1.100.
Um filme lindo para uma história incrível que vale à pena assistir. As fotos que ilustram esse post foram todas tiradas deste filme.
Artistas que se inspiraram na vida da monja feminista
Além da medicina, da ciência e da filosofia, Hildegarda foi uma artista, escreveu poemas e compôs músicas. E claro que inspirou, e continua inspirando até os dias de hoje vários artistas ao redor do mundo.
Um destes artistas é o músico americano Devendra Banhart, que fez uma canção que se chama “Für Hildegard von Bingen”.
Esta música foi inspirada nesta santa alemã, revolucionária e feminista.
Deixo aqui o videoclipe da música, com Hildegarda sendo interpretada por uma joven negra, rebelde e feminina, que foge do convento para ser uma cantora de sucesso.
Esta foi Hildegarda von Bingen, uma santa, rebelde e feminista que nos fascina pela força com que se manteve fiel aos seus ideais, mesmo vivendo em uma época onde as mulheres não deveriam falar, nem pensar.
Próxima semana vamos conhecer a história de mais uma mulher intrigante e inspiradora, que ousou ser mais do que a sociedade permitia a uma mulher ser.
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Hildegard von Bingen, a santa do lúpulo
Quem já pesquisou a história dos ingredientes cervejeiros – mais especificamente o lúpulo – provavelmente topou com o nome da abadessa alemã Hildegard von Bingen, um dos luminares do conhecimento sobre a flor que dá amargor e aroma à cerveja, além de conservar a bebida. Como virou santa em 1584, é fácil imaginar que vez em quando se dê uma rezadinha para Hildegard, para que a brassagem não desande ou sobre dinheiro e saúde para a próxima boa cerveja.
Hildegard, nascida em 1098 na Renânia, tem fama cervejeira merecidíssima, mas não é autora da primeira citação a respeito do lúpulo na elaboração de uma de nossas bebidas prediletas, como se diz à boca larga. A glória cabe a outro santo, Adelardo, que em 822, no monastério beneditino de Corbie, França, enumerava obrigações dos abades – uma delas fornecer um décimo do malte e do lúpulo colhido ao monge incumbido de fabricar a cerveja. Adelardo não deixa claro como o lúpulo era utilizado na fabricação de cerveja, mas chegou antes. De qualquer forma, não perca sua fé: reze para os dois santos.
Hildegard foi quem, pela primeira vez, explicitou a qualidade conservante do lúpulo para a cerveja, embora não fosse grande fã dos efeitos da planta no organismo. Em sua avaliação, o lúpulo deixava o cabra meio jururu, caidão. “Ele não é muito útil ao bem estar do homem, porque faz a melancolia crescer, deixa a alma do homem triste e faz pesar seus órgãos internos. Porém, como resultado de seu próprio amargor, evita certas putrefações das bebidas, às quais deve ser adicionado, e assim elas podem durar muito mais tempo”, escreveu na obra Physica Sacra, de cerca de 1150, em que descreve o uso medicinal e prático de várias espécies que pesquisou.
Se você ainda devota Hildegard como a mais lupulina de todas as santas, é bom saber que ela preferia uma cerveja mais levinha, feita à base de aveia, gruit e folhas de freixo. Na mesma obra ela dá a receita: “Se você também deseja fazer cerveja com aveia sem lúpulo, mas apenas com gruit, deve fervê-la depois de adicionar um número muito grande de folhas de freixo. Esse tipo de cerveja purga o estômago do bebedor e torna seu coração leve e alegre”.
Outro mito que envolve Hildegard von Bingen é o de que ela própria teria sido mestre-cervejeira. Adoraríamos ardentemente acreditar nisso, mas não há documento que prove a destreza da santa no comando das panelas de brassagem. O historiador da cerveja Martyn Cornell, no entanto, acredita sua obra deixa indícios suficientes de que ela manjava de longe a técnica de fazer cerveja com lúpulos e é de se supor que tenha de fato colocado a mão na massa em algum momento. Suposição com base em sua história de mulher curiosa.
Pioneira na cerveja, no feminismo, na causa ecológica e na música
Uma história peculiar e avançada para a época, dada a posição inferior da mulher na Europa do século 12 e em séculos subsequentes. Como décimo rebento da família (na época era comum ter-se mais de uma dezena de filhos), Hildegard nasceu predestinada a ser confiada à igreja, como mandava a tradição. Aos 8 anos foi entregue aos cuidados de Jutta, mestra em um claustro de monjas no mosteiro beneditino de Disibodenberg, onde em 1114 fez seus votos definitivos e ingressou na ordem.
De pequena tinha visões e acreditava ouvir a voz divina. Viveu em relativa clausura até chegar à casa dos 40 anos, mas acredita-se que tenha desenvolvido seus conhecimentos de medicina e botânica atendendo a gestantes e doentes que acorriam ao mosteiro. Dizia não ter tido uma educação muito esmerada, mas a obra caudalosa que escreveria durante a segunda metade de sua vida (chegou aos 81) prova o contrário.
Em 1141, teve uma visão que a ordenou que escrevesse tudo o que ouvia. Era Ele, afinal, quem mandava aquela brasa. Pôs mãos à obra e seus escritos chegaram ao conhecimento do Papa Eugênio III, que deu aval ao seu pensamento teológico. A aprovação papal fez de Hildegard uma celebridade na Europa e, fato incomum para uma mulher da época, viajou por Alemanha e parte da França pregando a doutrina cristã em público – a única mulher na história medieval a fazê-lo. Em vida, sua obra foi aceita pelos teólogos da Universidade de Paris, então a mais respeitada instituição de ensino europeia. A essa altura, também atendendo ao chamado de uma visão, já havia criado seu próprio mosteiro, em Bingen am Rhein (daí a alcunha von Bingen).
Sua obra extrapolou as questões de fé (como sabemos, chegou à cerveja) e envolveu teses e saberes que inspiram até hoje os movimentos feminista e ambiental. Não via o papel da mulher em seu tempo como satisfatório e foi a primeira a escrever sobre sexualidade e ginecologia, inclusive descrevendo o orgasmo feminino. Fez alegorias em que Deus era a figura de uma mãe amamentando a humanidade e a criação. Sua visão da medicina tinha caráter holístico, acreditava na união indissolúvel do homem com a natureza (não se formou médica, no entanto, pois o ensino era vetado para mulheres). Uma de suas profecias (fez várias) pregava que a profanação da natureza faria com que ela se voltasse contra o homem. Alguma relação com aquecimento global, efeito estufa e outras catástrofes modernas?
Foi biografada por dois monges com quem conviveu e essas obras ajudaram o processo de canonização, uma vez que lhe atribuíam milagres. Estudiosos atuais, porém, discutem a origem das visões de Hildegard. Uma turma acredita que se tratava de alucinações, causadas por uma espécie de neurose histérica, ou obra de uma terrível enxaqueca crônica. Há quem seja da tese de que Hildegard foi mesmo esperta: numa época em que não se ouvia a voz da mulher em nenhum assunto considerado sério, o prestígio de uma suposta revelação divina poderia abrir-lhe os ouvidos alheios.
Como se fosse pouca coisa, Hildegard von Bingen ainda compôs uma obra musical – evidentemente sacra, para ser cantada por freiras. Sua música ficou esquecida por séculos até 1979, quando ganhou as primeiras gravações. Lançado em 1982, o álbum A Feather On The Breath Of God, da soprano inglesa Emma Kirkby, virou hit. Hoje há dezenas de gravações disponíveis. E milhares de cervejas, mais ou menos lupuladas, para nosso prazer.
Hildegard von Bingen (1098-1179): Music From Symphonia Harmonia Caelestium Revelationum (Alba)
1 O Viriditas 8:48
O Virilissima Virga (11:35)
2 O Virilissima Virga
3 Columba Aspexit
4 O Virilissima Virga
5 O Euchari 8:32
6 O Quam Mirabilis Est 3:27
7 Ave Generosa 8:08
Caritas Abundat (10:22)
8 Caritas Abundat
9 O Frondens Virga
10 O Nobilissima Viriditas
11 O Spirit Sancto 8:07
Alto Vocals – Agnethe Christensen
Harp – Helen Davies
Pipe [Pipe & Pasaltery], Tar (Drum), Triangle – Poul Høxbro
Members of the vocal ensemble CON FUOCO
PQP
Sem dúvida, um dos melhores e mais completos posts de 2022. Dia Internacional da Mulher é pra ser comemorado e lembrado assim, com mulheres extraordinárias!
Belo post, mais que oportuno! Vou ver o filme sobre esta fascinante mulher, não o conhecia. Se me permitem uma pequena correção: O Tu, dulcissime amator (há uma interjeição e vírgula aí que não podem ser ignoradas) se traduz por “Oh Tu, dulcíssimo amante”, referido ao próprio Cristo, o que só reforça a linha argumentativa do texto em seu todo. Abraços
Adoráveis postagens em homenagem às mulheres, musicistas ou não. Viva Hildegard e viva PQPBach!