Já faz uns meses que o Frater Carlinus encontrou esta joia e, sabendo-a de seu especial interesse, repassou-a ao Monge Ranulfus – mas este andava ocupadíssimo com sua peregrinação da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba para as vizinhanças do Convento da Penha, 1300 Km mais ao norte, e a joia foi ficando na estante à espera de algum impulso que a recolocasse na ordem do dia. E aí…
… eis que o impulso veio em 12 de outubro da forma da postagem do Grão Mestre PQP dos concertos para violino de Brahms e de Joachim realizados por… Rachel Barton Pine – precisamente a mesma violinista da nossa joia a desempoeirar!
Verdade que quando desta gravação nossa violinista ainda não se chamava Pinheiro: aparece na capa meramente como Rachel Barton – e sua biografia na Wikipedia não esclarece nada sobre essa mudança, apesar de contar com detalhes o acidente a que ela sobreviveu por pouco dois anos antes, quando a porta de um trem prendeu seu violino e ela foi arrastada pela alça por mais de 100 metros.
Outra curiosidade sobre a violinista é que ela é chegada num heavy metal e compartilha na net suas gravações de Metallica, Ozzy e outros tais – além de, como apontou o PQP no seu post, gostar de fazer teses ou aulas de suas gravações: vejam p.ex. sua narração de como Beethoven havia originalmente dedicado a Sonata “a Kreutzer” ao violinista negro George Bridgetower (do que já tratei aqui num post), num vídeo que introduz sua própria execução da sonata: http://www.youtube.com/watch?v=6W_hXRbqNIk
Não vou falar muito aqui do conteúdo do CD; vocês encontram bastante informação no encarte incluído na postagem (com o único senão que é estar em inglês). Menciono apenas que o segundo concerto gravado é o em Lá Maior op.5 nº 2, de 1775, do Chevalier de Saint-George, de que já temos duas outras gravações aqui no PQP Bach – e bastante informação sobre o compositor nas três postagens que fiz em junho de 2010.
Saint-George é ótimo, mas o CD reserva surpresas maiores com duas outras peças: o primeiro concerto é de um outro chevalier mulato, J.J.O. de Meude-Mompass, do qual não se sabe muito mais que ter nascido em Paris, ter sido mosqueteiro a serviço de Luís XVI e exilado com a Revolução, e ter morrido em Berlim. Seu concerto é 11 anos posterior ao de Saint-George, e embora também escrito na linguagem do classicismo francês tem um caráter bastante diferente – quase como se Saint-Georges se aproximasse mais do espírito de Mozart (sem ter sido influenciado por ele, como já explicamos num post anterior!), e Meude-Mompass um tanto mais de Haydn, prefigurando aqui e ali passos que pouco depois seriam dados por um aluno deste chamado Beethoven (por exemplo, no uso dos sopros na orquestra).
Ainda mais surpreendente me parece o autor do terceiro concerto do CD, composto também em Paris pelo cubano José Silvestre White Lafitte, ou Joseph White, então com 28 anos. Isso foi em 1864, ou seja: em pleno romantismo. O mais interessante para mim é que sete anos mais tarde White teria se tornado diretor do Conservatório Imperial (?) no Rio de Janeiro, permanecendo até 1889 – data que os redatores da Wikipedia em inglês provavelmente não sabem que para nós significa “proclamação da república”, o que sugere que White tenha sido um convidado e/ou protegido de Dom Pedro II. Seu concerto lembra bastante os de Paganini, mas me parece melhor orquestrado e menos voltado à pura exibição de virtuosismo que os de seu inspirador; pode não ser uma obra prima arrasadora, mas me cai bem, muito bem.
O mesmo não posso dizer da última obra do CD, o Romance em Sol Maior do inglês Samuel Coleridge-Taylor. Tudo bem que seja importante preservar a memória e a obra desse violinista, regente e compositor – mas infelizmente ele não foi exceção à estranha maldição que parece ter afetado a música inglesa depois de Purcell e Handel e antes de Britten: esse Romance me parece insuportavelmente banal, meloso e… desnecessário. Mas isso é para o meu gosto pessoal: certamente, como diz uma canção, “se você não quer tem quem queira”… Enfim, vai aí a lista das faixas – e bom proveito!
Concertos para Violino de compositores negros dos séculos 18 e 19
Rachel Barton [Pine], violino
Encore Chamber Orchestra regida por Daniel Hege (1997)
Chevalier J.J.O. de Meude-Mompass: Concerto n.º 4 em Ré (1786)
01 Allegro
02 Adagio
03 Rondeau: Allegreto
Chevalier de Saint-George: Concerto em Lá op. 5 n.º 2 (1775)
04 Allegro moderato
05 Largo
06 Rondeau
Joseph White: Concerto em fá sustenido menor (1864)
07 Allegro
08 Adagio ma non troppo
09 Allegro moderato
Samuel Coleridge-Taylor
10 Romance em Sol Maior (1899)
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Link alternativo: BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE
Ranulfus
Saiu… saiu… monge Ranulfus! O texto ficou muito bom!
Abraços!
Reitero os elogios ao texto, Monge Ranulfus. Esta mudança de ares está lhe fazendo muito bem.
Grão Mestre PQP… Justo!
:¬)))
Ranulfus, não tinha lido este post quando comentei sobre a Rachel Barton (Pine é o sobrenome do marido, provavelmente o CD é de seu tempo de solteira) naquele dedicado ao CD Brahms/Joachim. Como sempre, ótimo texto!
E parabéns pela mudança. Sair de Curitiba sempre faz bem! E o Espírito Santo é ótimo (já morei lá, olha a coincidência). Será muito mais feliz 🙂
Pois é, José Eduardo, estamos ricos em coincidências, rsrs. Parece que andamos pesquisando as mesmas fontes sobre Rachel Barton, rsrsrs.
Mas os dois discos valem a pena, né? Isso é o que importa! (Apesar de o design da capa deste dos compositores negros ser abaixo de amador, né? Fosse publicado aqui, o portadores de complexo de vira-lata já estariam latindo: “só no Brasil, só no Brasil!”)
E obrigado pelos votos!!!
Qual a importancia de Louis Moreau Gottschalk no universo dos compositores negros?
abraços-manuel
Este CD é de 1997. Em 2004 Rachel Barton se casou com Greg Pine e a partir daí deve ter adotado o sobrenome do marido.