Jean-Philippe Rameau (1683-1764): Les Grands Motets (Herreweghe)

Rameau, pelo que dizem, não era muito religioso. Ele tocou órgão em igrejas por décadas como um ganha-pão, mas todas suas composições para teclado parecem pensadas para o cravo. Contemporâneo do anticlerical Voltaire (1694-1778), ele talvez tivesse opiniões sobre a Igreja Católica semelhantes às do famoso escritor. Aliás, Voltaire colaborou com Rameau em algumas obras, e em toda a sua correspondência, ele se refere ao compositor pelo apelido Orphée-Euclide, um resumo do caráter ao mesmo tempo colorido e intelectual, inebriante e matemático de Rameau, autor de um célebre Traité de l’harmonie publicado em 1722, além de várias outras obras escritas, como um artigo na primeira versão da Encyclopédie, intitulado Erreurs sur la musique (Erros sobre a música, em 1755). Nos motetos de Rameau, portanto, não se deve buscar um sentimento religioso de grande devoção, a maior qualidade dessas obras é a orquestração pioneira, a magistral combinação de instrumentos e vozes, com uma certa leveza instrumental que será a marca de grandes orquestradores franceses muitos anos depois. Chama atenção o papel da flauta, com solos suaves que têm um efeito de acalmar os sentimentos, papel semelhante ao que o instrumento tem em algumas cantatas de Bach, como na BWV 78 (flauta transversa) e na BWV 106 ‘Actus tragicus’ (flauta doce). Neste álbum de 1982, o time comandado por Herreweghe é composto por cinco cantores solistas (duas mulheres, três homens), coro, violinos I e II, violas e violas da gamba, contrabaixo, flautas, oboés, fagotes e órgão.

Moteto, segundo o Dictionnaire de l’Academie française, é um salmo ou outras palavras de devoção vertidas em música para serem cantadas à Igreja, e que não fazem parte da liturgia comum, isto é, a liturgia que inclui o Gloria, o Credo, o Agnus Dei, etc. Na França dos Luíses 14 e 15, surge a denominação “Grand motet”, para motetos com coro e orquestra, enquanto eram chamados “Petit motet” aqueles para um ou mais solistas, mas sem coro. Na Itália, mais ou menos na mesma época, havia os oratórios de A. Scarlatti e de Vivaldi. Quando ouvimos o Gloria de Vivaldi ou o Quam dilecta de Rameau, com sua intricada combinação de coros, árias solo e duetos, orquestração com curtos e coloridos solos de flauta ou oboé, tudo isso com o objetivo de comunicar mensagens religiosas, é fácil lembrar também das Cantatas Sacras de Bach.

E aqui é bom observar o anacronismo que hoje é inevitável, mas que devemos ao menos reproduzir com consciência do seu caráter absurdo: as obras vocais de Bach só foram ser chamadas cantatas (Bachkantate) bem depois, provavelmente pelos românticos do século 19. Nessa denominação que se tornou usual, as obras mais longas de Bach são chamadas Oratórios (de Natal, de Páscoa), enquanto usa-se o nome Motetos para as obras puramente corais, sem árias para solistas vocais. As Paixões obviamente são chamadas Paixões, e o termo “Cantata” – de etimologia óbvia: música cantada – acaba englobando tudo que sobra, o que dá um total de umas 200 obras sacras e mais algumas dezenas de cantatas seculares compostas por Bach.

Assim, hoje em dia é possível ouvir o Gloria de Vivaldi ou os Motetos de Rameau e pensar que eles têm estrutura de cantatas, mas o oposto é que faz mais sentido: as cantatas de Bach, ao alternarem coros, árias e recitativos, têm estrutura semelhante à dos Oratórios italianos e dos Grandes Motetos franceses. Até porque a palavra cantata, na época, se aplicava sobretudo às cantatas para voz solo e conjuntos instrumentais de câmara, ou mesmo apenas para voz e baixo contínuo. Essas cantatas, nesse sentido, tiveram entre seus maiores expoentes os italianos Barbara Strozzi (1619-1677) e Alessandro Scarlatti (1660-1725) e o alemão Georg Friedrich Händel (1685-1759).

Jean-Philippe Rameau (1683-1764): Motets à grand chœur, soli, orgue et orchestre

1-6. In convertendo (Grande Moteto para 5 solistas, coro e orquestra) (Salmo nº 125)
“In convertendo” – Recitativo (tenor) – Gravement
“Tunc repletum est” – Coral – Gai
“Magnificavit Dominus” – Duo (soprano, baixo) – Lent – très gai
“Converte Domine” – Recitativo (baixo) – Lent; “Laudate nomen Dei” – Coral – Choeur gracieux
“Qui seminant” Trio (soprano, alto e baixo)
“Euntes ibant et flebant” – Coral – Choeur

7-13. Quam dilecta (Grande Moteto para 3 solistas, coro e orquestra) (Salmo nº 84)
“Quam Dilecta” – Ária (soprano) – Tendrement
“Cor Meum Et Caro Mea” – Coral – Choeur
“Et Enim Passer” – Ária (tenor) – Gratieusement
“Altaria Tua” – Trio (sopranos e baixo) – Gravement
“Beati, Qui Habitant” – Recitativo (Tenor) e Coral – Légèrement et Marqué
“Domine, Deus Virtutum” – Ária (baixo) – Gravement
“Domine Virtutum Beatus Homo” – Coral – Modéré – Gai – Modéré

14. Laboravi (Grande Moteto para 5 solistas e baixo contínuo) (Salmo 69)
Suzanne Gari (soprano), Lieve Monbaliu (soprano)
Henri Ledroit (countertenor)
Guy de Mey (tenor)
Stephen Varcoe (baritone)
Peter Kooy (bass)
La Chapelle Royale
Collegium Vocale Gent
Philippe Herreweghe

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Emocionante, né, Herreweghe?

Pleyel

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