Ainda lamentando a falta de nosso grande amigo Ammiratore, a partir de hoje o PQP Bach retoma sua programação. Como habitualmente deixamos nossos posts previamente agendados — às vezes com antecedência de semanas –, temos ainda três óperas de Verdi que foram preparadas por Ammiratore. Esta é a 11ª. Teremos a 12º e a 13ª com ele e depois seguiremos. Sim, estamos indignados com o descaso com que esta terrível doença vem sido tratada em nosso país e com a perda de nosso amigo. Somos mais de dez pessoas fazendo este blog e a impressão que tenho é a de que hoje somos um pequeno formigueiro que foi pisoteado. Mas fazer o quê? Vamos seguir, porque Ammiratore jamais admitiria o fim de seu querido PQP Bach. Aqui está Attila.
PQP
UNDICI – SOLERA LICENZIATO – “ATTILA” A VENEZIA
Saindo do Peru, com seus contrastes de pele e religião, os selvagens e a cruz (talvez um triste exemplo de história que representa a visão míope de Voltaire (e dos europeus em geral) à época sobre os povos originários das Américas), Verdi escolheu uma peça que havia lido em 1844 do poeta e dramaturgo alemão Friedrich Ludwig Zacharias Werner (1768 – 1823) (que no teatro alemão reviveu o fatalismo, o gosto pelo fantástico e pelo horrendo) “König der Hunnen ( Attila, rei dos hunos )” de 1809, que carrega o cheiro dos cavalos dos bosques da Ístria, enquanto as cruzes brilhantes das igrejas bizantinas relembram o medo que os invadiu à beira da civilização. Inicialmente discutiu o assunto com Piave. No entanto, para sua segunda ópera no La Fenice, o compositor acabou optando por Solera. Não há razão clara para essa mudança ter surgido, especula-se que, ao optar por Solera, ele estava mais confortável trabalhando com um libretista que era mais adequado para “desenhar sagas épicas e afrescos histórico-religiosos.” A abordagem da Solera para o projeto foi a de enfatizar um apelo ao patriotismo italiano, especificamente veneziano, ignorando muitos dos elementos da peça original. Estes incluíram invertendo a ordem das cenas-chave e, no caso da cena de abertura que mostra a fundação de Veneza, totalmente inventada. O enredo parecia excelente para Verdi, e também a poesia que Solera havia preparado até aquele momento, com versos bem musicáveis.
Conquistara a fama, mas um novo insucesso comprometê-lo-ia pelo menos aos olhos superficiais. Era necessário vencer e o libreto de Solera dispunha de elementos que o auxiliavam, facilitando-lhe o acesso à realização do seu intento. Verdi em agosto de 1845, de Nápoles, começou a pressionar Solera para começar a produzir os atos. Muzio, o seu fiel aluno e acompanhante, escreveu a Barezzi: “O senhor Maestro escreveu a Solera que está chegando a Milão especificamente para levar o libreto de “Attila”, do qual deseja realizar seu melhor trabalho; mas aquele poeta fez muito pouco; o Sr. Maestro reclamou com Maffei e Toccagni, acredito que eles o farão trabalhar, pelo menos Solera prometeu que terminará antes que o Maestro chegue.
E os problemas com Solera estavam apenas começando….. na manhã de 21 de setembro, Verdi tomou a diligência de Nápoles com destino a Milão. Muzio se apressou em contar tudo a Barezzi: “No sábado ao toque da Ave Maria à noite chegamos a Milão depois de uma péssima viagem e sempre acompanhados por uma chuva constante e muito forte. O Maestro está de cama há dois dias com uma dor reumática; mas agora está um pouco melhor; estamos cuidando bem dele um grande alento veio das animadoras notícias que chegaram do leste: os soberanos da Rússia aplaudiram o “Due Foscari”, e no San Benedetto de Veneza, “Un giorno di Regno”, com o título de “Il festo Stanislao”, divertiu o público. O maestro comentou que “o teatro é certamente uma coisa muito engraçada”.
Este obscuro admirador acha que cabe nesta série, para ilustrar e termos uma ideia do ânimo do mestre nesta época de “galera”, uma carta que escreveu a um certo L. Masi de Roma que conhecera em Nápoles para lhe agradecer a notícia (não muito reconfortante) do desfecho de “Alzira” e para lhe dizer, como já relatamos, que o mal dessa obra estava nas entranhas: “Meu caro Masi, obrigado pelas notícias da Alzira, mas agradeço ainda mais pela memória que guarda do teu pobre amigo que está continuamente aprisionado em notas rabiscadas… Malditas notas! … Como estou de corpo e alma? … Estou bem de corpo, mas a alma é negra, sempre negra, e será sempre assim até que eu termine esta carreira que abomino … E depois? … É inútil se enganar! … sempre será tão negro! … A felicidade não existe para mim! … Você se lembra dos longos discursos que fizemos na minha sala de Nápoles? … Que filosofia! … Mas quantas verdades! .. Ah se eu tivesse cabeça e ombros de carregador! … Comeria bem e dormiria em paz os meus sonhos! … Não fique zangado, meu caro Masi, mas sempre me ame e me escreva com frequência que sempre serei grato. ” Apontado como exemplo irrefutável de seu pessimismo, o discurso traz as consequências de um período estafante em que, embora admitindo as “imagens sombrias” de sua concepção atormentada do mundo, o compositor não encontrou um momento de verdadeira paz, longe dos estímulos de uma vida fantasiosa. Obrigado a viajar constantemente, correndo para cima e para baixo para verificar se as montagens estavam indo se não para o melhor, para o menos ruim e tinha ainda , o cumprimento dos contratos. A expectativa com Attila, no entanto, lhe traz um sopro de satisfação, e maliciosamente escreveu que cogitava “deixar os críticos e jornalistas gritando e fugiria para Londres que estava de portas abertas”. O exílio é um dos seus propósitos, mas só na aparência, como se procurasse o canto do descanso, um conforto imaginário porque a ambição era bem diferente e mais forte do que a vontade de se aposentar, que também surge de vez em quando com o cansaço do corpo e alma.
Voltemos ao “…e os problemas com Solera estavam apenas começando….” Solera havia feito as malas, deixou o projeto por completo e seguiu com sua esposa para Madrid de mala e cúia, onde se tornou diretor do Teatro Real. Má não foi beeeem assim: reza a lenda que o real motivo para esta súbita mudança foi que sua esposa, a cantora Teresa Rosmira, tendo sido vaiada pelo público milanês em “Gabriela di Vergy” de Donizetti, rompeu seu contrato com o La Scala e em climão zarpou para Madrid, levando na bagagem o marido. Por certo não houve tempo nem espírito para concluir o trabalho, deixou o libreto incompleto com o último ato a terminar e sem as várias alterações solicitadas por Verdi nos outros atos. “Ma cosa resta da succedere adesso?” Verdi, após diversas tentativas vãs de despertá-lo para concluir a tarefa acabou convocando o fiel Piave para o poema e Maffei para a elaboração do final da ópera. Piave concorda em intervir no trabalho de outro artista, porque a oportunidade de trabalhar com Verdi não será discutida. Maffei faz o rascunho, Piave assumiu a poesia. Verdi instrui Piave a ignorar os planos originais de Solera para um final grandioso com coral e se concentrar nos personagens, uma mudança significativa no libreto. Uma vez em Veneza, em 25 de dezembro, ele informou Solera, embora com relutância, das novas decisões sobre o libreto e outras alterações no enredo… “Não sei se lhe escrevi outra vez que antes de sair de Milão paguei ao senhor Verati aquela sua conta. Não tens mais dívida com ninguém em Milão….. esperei até a metade do mês para receber o 4º ato seu, como te implorei em minha última carta, visto que você nunca me mandou, fiz as alterações ao lado de Piave como você me autorizou em sua última carta… a ópera acabou com um Prólogo e três atos…”, e anexou as alterações e propostas em uma carta e envia para Solera. Este ao ler as alterações desaprovava veementemente.
Temistocle Solera respondeu aborrecido, desanimado e tarde demais para reparar a falha, entristeceu-se: “Meu Verdi, a tua carta foi um raio para mim: não te posso negar a minha dor indefinível em ver um trabalho, que ousou agradar-me, encerrado como uma vil “paródia”. O cálice que você me faz beber é muito doloroso; só você poderia muito bem me fazer entender que ser libretista não é mais uma profissão para mim … Por enquanto peço que pelo menos mude um pouco as linhas que não são minhas, para que a pílula seja menos amarga.” Mas o final da carta a Verdi parecia muito mais conciliador: a crise econômica de Solera na Espanha foi tão grave que ele não hesitou em pedir: “Já que você pensa que ainda tem algo para me dar ficarei muito grato se quiser enviar este dinheiro o mais depressa possível em Barcelona, através de letras de câmbio.” Verdi jamais perdoou estes “insulto” ao seu juízo. Assim foi feita a rescisão com Solera. Depois, magoado, com as manipulações de Piave em Attila atacou, sem ética nenhuma, seu colega que alterara a ideia original do fim da ópera. Ele não era do tipo que se rebaixava a considerar seus colegas como pessoas de seu nível. Em confidências, feitas posteriormente ao biógrafo de Verdi, Eugenio Checchi, ele não dispensa a faca afiada apontada aos demais colaboradores do venerável mestre, “…são fracos como um maricas: não entendo como ele chegou a aceitar os libretos daquele burro do Piave … burro, sim senhor, e não mudo a opinião; e aquele vigarista do Salvatore Cammarano, que por ter escrito o libreto do “Trovatore” merece prisão, para dizer o mínimo.” Quando, anos depois, Solera dele se aproximou, já então em declinio de sua sorte, sua atitude foi a de Henrique V ante seu antigo companheiro de bebida: ” Não te conheço, velho; faze tuas orações….” Havia, definitivamente, algo “falstaffiano” em Solera.
Fofocas a parte, o tempo não espera e às vésperas de partir para Veneza, o mestre não havia terminado seu trabalho o poema estava demorando muito. O Tempo, que foi diminuindo visivelmente, nos leva ao dia 26 de dezembro e “Giovanna d’Arco” abriu a temporada no Fenice em Veneza, o compositor teve que estar presente. Verdi havia conseguido adiar a estreia de Attila para março. Ele ainda tinha muito a escrever. Revê com Piave os problemas que ainda estão por aparecer, problemas de estilo, libreto, verso, figurino… era demais, acabou ficando novamente de cama por dois dias: “Eu ficou dois dias na cama por causa de um maldito reumatismo! Este ano, de tempos em tempos, sou atacado por esses sinais incômodos da velhice(tinha 32 anos!) … Mas o que ficou velho? … Mas! … Mundo … Olha meu querido Piave que não façamos bagunça”, e pede um final “alla Foscari”, mas acrescenta: “Dane-se isso… gostaria que fosse como o trio de “Ernani”.
Dezembro… Attila e seus homens avançaram sacudindo as peles e espadas em grande cavalgada. Eles são pessoas queridas, fantasmas inofensivos comparados àqueles em carne e osso que depositam suas condições em cartas na caixa de correio. O editor Francesco Lucca e sua esposa Giovannina, mulher com quem é difícil discutir, perguntam quando começa a obra prometida “Masnadieri”. As editoras concorrentes da Ricordi já tinham os direitos de impressão de Attila, aguardavam o “Corsaro” já combinado com o empresário Benjamin Lumley (empresário inglês do Teatro de Sua Majestade) retirado de um poema de Byron sobre versos de Manfredo Maggioni. A viagem à Inglaterra já está sendo discutida… “quanto per me risolvere”. Os hunos se aproximam … Imagine, eles gostariam de cantar! Verdi ficou muito fraco, ganhou mais vinte dias de cama, “parecia vinte séculos”, o médico olha para ele sério: “Que coisa linda se você pudesse descansar por pelo menos seis meses!”. O “Allgemeine musikalische Zeitung”, não muito generoso com votos de melhora para o maestro, anunciou em 25 de fevereiro: “Giuseppe Verdi, o compositor de ópera que alcançou repentina fama nos últimos tempos, morreu em Veneza.”
A triste expectativa era, felizmente, um bom presságio. As forças voltaram pelo menos o suficiente para terminar o trabalho. É claro que, após as crises reumáticas, uma infecção no sistema digestivo pode ser fatal. Em 22 de março em Milão estava “muito magro”, escreve Muzio, mas seus olhos eram muito vivos e sua tez era morena. Attila por fim mereceu a palma da vitória junto com o tenaz compositor.
A estreia em Veneza no Teatro La Fenice em 17 de março de 1846 incluía o estelar elnco com Ignazio Marini (Attila), Natale Costantini (Ezio), Sophie Loewe (Odabella) e Carlo Guasco (Foresto), foi friamente recebida pelos críticos, mas Attila se tornou uma das óperas mais populares de Verdi na década de 1850. O empresário Benjamin Lumley, em sua autobiografia observa que “talvez nenhuma das obras de Verdi foi recebida com mais entusiasmo na Itália ou coroando o compositor com louros mais abundantes do que Attila. O libreto de Solera/Piave despertaria o patriotismo que, ainda em segredo, dominava todos os corações italianos. O contraste das cenas, as mutações frequentes, os efeitos assegurou o sucesso à expressão de patriotismo que vibra em toda ópera, em certas estrofes excitaria vivamente o sentimento popular. Havia no libreto frases que a música, longe de encobrir, acentuava para entusiasmar a multidão, para incitá-la a repeti-las com intenção reservada de exaltar o amor pela pátria oprimida.
Assim pensava Verdi, e não se equivocou. Falar de pátria, naquela época, equivalia a articular as mais completas aspirações de um povo. Bastava o nome “Itália” para que pulassem os corações mais apressadamente. Na noite de estreia, escutando as primeiras alusões políticas que se multiplicavam na peça, o público demonstrou o seu assentimento e seguiu com mais apreço, com maior ansiedade, o desenrolar da trama.Ainda que o autêntico mérito da música, bem apropriada, e em perfeita sintonia, fizesse prever o triunfo sem o fator patriótico, é inegável que este sentimento lhe angariou a simpatia geral, conquistando a assistência. Quando Ezio cantou a sua frase: “…Avrai tu l’universo, resta l’Italia a me !” (terás tu o universo, fique a Itália para mim !) (faixa 10 / 04)*… todo o público aplaudiu freneticamente; o grito “”Itália para nós” foi dito por milhares de gargantas simultaneamente, como se fora o ardente desejo de um povo inteiro. Dias depois, repetia-se nas ruas o grito de Ezio vibrante de oculto pensamento. Assim como as mulheres venezianas, abrasadas de amor pátrio, cantavam o trecho de Odabela: “… nós mulheres italianas, cingindo de ferro o seio, pelo ardoroso anseio sempre vereis pugnar…” Neste trecho o auditório erguia-se como um só, aclamando o maestro e a cantora que, naquele momento, parecia anunciar no palco o santo desejo de todas as italianas.
A alusão à futura glória da Itália unida, aos destinos da pátria, patenteava-se claramente na romança e Foresto, com que a plateia delirava”… querida pátria, nossa mãe e rainha de poderosos, magnânimos filhos, que descalabro, deserto, ruína; mora o silêncio da tristeza! Mas das algas desta maresia, nova Phoenix virás ressurgida, tão soberba, de galas vestida que serás o assombro do mundo!…” (faixa 19 / 06)*. Pode-se dizer que a animação derivava dos próprios sentimentos da população expressos nos cantores e não do mérito da música. A música, com suas notas maravilhosas, exprimia o desejo de batalha, de reconquista que animava os espíritos….
O Enredo
Attila é a nona ópera de Verdi com libretto de Tomistocle Solera e Francesco Maria Piave sobre “König der Hunnen “ – Attila, Rei dos Hunos – de Zacharias Werner .
*Observação: quando as faixas forem mostradas colocaremos em primeiro a versão do maestro Muti com o Samuel Ramey (1989) e a segunda opção de faixa é a versão do maestro Muti com o Ruggero Raimondi (1970). (faixa x / y)
Estreia: (Veneza) Teatro La Fenice em 17 Março de 1846.
Cenário Aquileia, as lagoas do Adriático e perto de Roma, em meados do século V
O prelúdio segue um padrão que mais tarde se tornou comum na obra de Verdi: uma abertura contida leva a um grande clímax, depois ao início da continuidade melódica que se fragmenta rapidamente.
Prologo
Cena 01 A praça de Aquileia
A ação situa-se no ano 452 da Era Cristã, e a ópera inicia-se quando Attila, o flagelo divino, invadiu a Itália e saqueou Aquileia. Entre as ruínas fumegantes da cidade, os hunos, os hérulos, os ostrogodos e outros seguidores de Attila festejam seu grande líder, a quem exaltam com palavras dignas de uma divindade nórdica, mitológica, quase wagneriana da guerra. O líder bárbaro, porém, não está inteiramente satisfeito: o triunfo que sua confiança lhe confere é obscurecido pela desobediência de seu escravo bretão Uldino, que salvou uma multidão de mulheres venezianas, em vez de matá-las segundo as ordens recebidas. Uldino declara que queria dar a Attila um presente digno dele, pois essas mulheres lutaram ferozmente no campo e, portanto, merecem a honra das armas. Um grupo de mulheres guerreiras é trazido, e sua líder Odabella, filha do governador morto de Aquileia, proclama o valor e o zelo patriótico das mulheres italianas. A ária dupla de Odabella é uma exibição vigorosa do poder do soprano, seu primeiro movimento, “Allor che i forti corrono” (faixa 06 / 03), mostrando uma forma extraordinariamente extensa que permite a Attila inserir comentários de admiração. Impressionado Attila dispõe-se a conceder-lhe o que ela pedir. E Odabella pede-lhe uma espada. Attila entrega-lhe então a sua própria arma que a mulher aceita com entusiasmo, fazendo sobre ela de imediato um voto: o de usá-la na sua vingança. Tamanha é a força desse movimento que a cabaleta, “Da te questo” (faixa 08 / 03), apenas dá continuidade ao tom musical, embora com ornamentação mais elaborada.
Quando Odabella sai, o general romano Ezio aparece para um dueto formal com Attila. Ezio pede que a audiência seja privada. Diz que o Imperador de Constantinopla está velho e enfraquecido. Valentiniano, que reina a Ocidente, é ainda um adolescente. É por isso que propõe um acordo secreto para dividir o Império Romano do Oriente e do Ocidente: Attila poderá conquistar o mundo inteiro desde que ele, Ezio, possa conservar a Itália no Andante “Tardo per gli anni, e tremulo” (faixa 10 / 04). Attila recusa furiosamente essa proposta desleal: um povo tão covarde precisa ser castigado pelo representante de Votan. Ezio ainda tenta recuar para o seu papel de mensageiro de Roma, mas Attila diz que a cidade será arrasada, ao que Ezio responde desafiando-o “Vanitosi! che abbietti e dormenti” (faixa 12 / 04).
Cena 02: O Rio-Alto nas lagoas do Adriático
A cena muda, saímos do acampamento bárbaro, vamos para Rio Alto, “nas lagoas do Adriático”, na prática no lugar onde Veneza vai nascer. Algumas cabanas sobre palafitas conectadas por pontes improvisadas; a escuridão está prestes a dar lugar à luz do amanhecer em um céu ainda desordenado com nuvens tempestuosas. Primeiro vem uma violenta tempestade orquestral, depois o amanhecer gradual é retratado com uma passagem de cores e sons orquestrais cada vez maiores. O sino da manhã toca; alguns eremitas saem das cabanas para celebrar o rito em um altar rústico de pedras. Uma novidade é trazida pelo mar nos raios da luz em expansão. Chegam barcos cheios de fugitivos, de gente que fugiu de Aquiléia: procuram fuga e refúgio; a cena em torno da sua chegada é muito descritiva, parece realmente ver os canais vindos do mar, empurrados pela brisa da manhã. Grande tensão humana e fraterna, imediatamente perceptível no coro polifônico de fugitivos que ecoa o coro monódico dos eremitas. Foresto lidera um grupo de sobreviventes do ataque de Attila em Aquileia. Entre os refugiados, Foresto, a quem essas pessoas consideram um guia e salvador. Foresto, namorado de Odabella, teme muito pelo destino da mulher, que sabe estar nas mãos do Rei Átila. Num Andantino que novamente mostra uma extensão formal incomum, “Ella in poter del bárbaro” (faixa 16 / 06), seus pensamentos se voltam para sua amada Odabella, capturada por Attila. O brilho do sol é um bom presságio, e o jovem sente que a esperança renasceu; a mesma que ele infunde nos seus companheiros de desgraça, instados por ele a construir no lugar onde eles vieram para a segurança, uma bela cidade, que não os faça lamentar a Aquileia que eles abandonaram à força. Na cabaleta subsequente, “Cara patria, gia madre” (faixa 19 / 06), o solista é acompanhado pelo coro para uma conclusão empolgante da cena Foresto pede aos seus companheiros de infortúnio que construam uma nova cidade naquele preciso local, uma cidade renascida das cinzas, como phoenix: “Sim, das algas destas ondas, / Que phoenix nova, / viverás de novo, nossa pátria mais bela, / da terra e do espanto das ondas!”: Homenagem declarada a Veneza e seu teatro.
Ato 1
Cena 01: Um bosque próximo ao acampamento de Attila
O episódio esperançoso e marcial, dá lugar à primeira cena do primeiro ato, um bosque enluarado no acampamento de Attila, que desta vez está bem mais abaixo, perto de Roma, onde o grande e terrível líder chegou. Um solo melancólico de cordas apresenta Odabella triste, que permaneceu no acampamento de Attila para encontrar uma oportunidade de assassiná-lo. Em um Andantino delicadamente marcado, “Oh! nel fuggente nuvolo” (faixa 21 / 07), Odabella vê nas nuvens as imagens do pai morto e de Foresto . O próprio Foresto aparece diante dela, ele passou por muitos perigos para alcançá-la, e agora que a encontrou naquele lugar, ele a acusa de traição: ele a viu com Attila. O dueto assume o padrão multi-movimento usual: as acusações de Foresto permanecem através do Andante menor-maior, “Si, quello io son, ravvisami” (faixa 23 / 08), mas Odabella o convence de seu desejo de matar Attila, e eles amorosamente se unem em uma cabaleta uníssono , “Oh t’innebria nell’amplesso” (faixa 25 / 08).
Cena 02: A tenda de Attila
Attila conta a seu escravo Uldino sobre um sonho terrível em que um velho um velho enorme que lhe barrava o caminho de acesso a Roma em nome de Deus gritando: “Até agora a tua missão era castigar os mortais. Retira-te! Este solo é Reino dos Deuses!” “Mentre gonfiarsi l’anima” (faixa 27 / 09). Mas ele descarta a visão com uma cabaleta guerreira, “Oltre quel limite” (faixa 29 / 09), recuperando sua frieza, Attila reúne as tropas e ordena que marchem contra Roma. Uma explosão vocal belicosa dos seguidores de Attila é interrompida por uma procissão de mulheres e crianças liderada pelo velho do sonho de Attila, eles entram no meio da cena onde estão as tropas de Attila; entre os integrantes da procissão estão também Foresto e Odabella. O Bispo Leão repete a Attila as mesmas palavras do sonho e o líder dos Hunos finalmente entende o significado de sua visão. Attila está apavorado, ele parece ver São Pedro e São Paulo apontando espadas flamejantes para ele (aqui, nas faixas 31 / 10, entra uma daquelas semelhanças musicais: em sua composição Verdi utiliza notas que se assemelham, e muito, ao Commendatore quando fala com Don Giovanni no último ato do obra prima de Mozart). Ele se ajoelha e os hunos o observam maravilhados, enquanto os anfitriões cristãos se regozijam. Sua liminar precipita o Largo do concertato finale, “No! non e sogno” (faixa 32 / 11), que é liderado por um aterrorizado Attila, cuja declamação gaguejante é respondida por uma passagem de lirismo sustentado de Foresto e Odabella. O concertato assume proporções tão impressionantes que Verdi achou por bem encerrar o ato ali, sem a tradicional estreta.
Ato 2
Cena 01: O acampamento de Ezio
Muito mais confuso, apressado e pouco leve para ser onírico, o resto da obra, ainda que a popular técnica de fabulação evite a reconstrução histórica permanece sempre no nível da fantástica inventividade.
Ezio recebe a ordem de retornar a Roma porque uma trégua foi concluída entre o rei dos hunos e o imperador Valentiniano. No Andante, “Dagl’immortali vertici” (faixa 35 / 12), ele reflete sobre a queda de Roma. Foresto aparece e sugere um plano para destruir Attila surpreendendo-o em seu acampamento. Em uma cabaleta impetuosa, “E gettata la mia sorte” (faixa 37 / 12), Ezio espera ansiosamente por seu momento de glória.
Cena 02: O acampamento de Attila
Segue-se a cena do banquete no acampamento de Attila onde os Hunos aclamam o seu rei em mais um coro bélico. Ouvem-se as trompas que anunciam a chegada dos convidados, e Attila levanta-se para os receber. Attila cumprimenta Ezio , é então que os druidas lhe segredam que Wotan os advertiu para que não se sente à mesma mesa com os seus antigos inimigos, as sacerdotisas dançam e cantam. Uma súbita rajada de vento apaga todas as velas, evento que precipita mais um concertato finale, “Lo spirto de’ monti” (faixa 41 / 14), um movimento complexo na confusão que se segue Ezio volta a apresentar a Attila a sua proposta que é novamente recusada pelo Huno com desprezo. Foresto revela a Odabella que Uldino irá em breve oferecer a Attila uma taça de vinho envenenado. Isso roubará a Odabella a sua vingança (que deseja uma vingança mais pessoal), furioso Attila quer saber o nome do responsável. Foresto aproxima-se rindo das ameaças de morte, e Odabella pede como recompensa de ter salvo a vida ao rei, que lhe seja entregue a ela o poder sobre a vida de Foresto. Attila aceita, e, como testemunho da sua gratidão, compromete-se a tornar Odabella a sua rainha e lança a estreta final, “Oh miei prodi! un solo giorno” (faixa 44 / 14). Odabella diz a Foresto que fuja, e Foresto jura vingar-se daquele gesto da jovem que interpretou como traição O ato termina com os Hunos pedindo a Attila que retome o combate contra os pérfidos romanos.
Ato 3: Um bosque
Foresto aguarda notícias do casamento de Odabella com Átila, e em uma romanza menor – maior, “Che non avrebbe il misero” (faixa 46 / 16), é informado de que o cortejo está já muito próximo, e revolta-se com a ideia de que uma jovem tão bela e tão pura o tenha traído daquela forma. Ezio chega, incitando Foresto para uma batalha rápida dizendo que os seus homens esperam apenas um sinal para atacar os Hunos. Um coro distante anuncia a procissão nupcial, mas de repente a própria Odabella aparece, incapaz de prosseguir com a cerimônia, lavada em lágrimas, implorando ao pai que lhe perdoe por ir casar-se com o seu assassino. Foresto diz-lhe que é tarde de mais para se arrepender, ao que Odabella responde dizendo que foi sempre a ele que ela amou.
Agora entra Attila, em busca da noiva, que encontra com Ezio e Foresto. O palco está armado para um quartetto finale. No Allegro, “Tu, rea donna” (faixa 50 / 18), Attila acusa os três conspiradores por sua vez, mas eles respondem, cada um com uma linha melódica diferente. No clímax do número, enquanto se ouve o clamor dos romanos no seu ataque aos Hunos, Odabella apunhala Attila. “Até tu, Odabella?” – diz ele. Mas estas últimas palavras do rei são apagadas pelos gritos de triunfo dos romanos que encontraram finalmente a vingança.
Cai o pano
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O ato final é, como vários apontaram, um pouco fraco em sua ação teatral, e as partes do enredo que Verdi e Piave criaram um tanto superficiais; talvez o plano original de Solera para um grande final coral fosse mais adequado. Tal como acontece com todas as primeiras óperas de Verdi, há momentos individuais impressionantes, particularmente nos movimentos de grandes conjuntos que inspiraram constantemente o compositor a redefinir e aprimorar sua linguagem dramática. Attila tinha um ambiente propício e foi a ópera predileta naquele tempo em que a alma da nação principiava a florescer a esperança.
A inflamação gástrica havia deixado no Maestro sequelas. O convalescente tinha que observar o descanso do trabalho, fazer exercícios, beber águas curativas e se distrair. Fulgia novamente o sol. Trabalhar era seu lema e sua distração. Quando Verdi se sentava ao piano e cobria o áspero papel com os sinais mágicos das notas, sentia a plenitude da vida e alegria de existir….
Gosto muito desta ópera de Verdi… A música é fascinante, começando pelo prelúdio impossível de resistir, e o prólogo é uma obra-prima absoluta, no geral é uma bela ópera com grandes árias e cenas que são particularmente memoráveis. Aos amigos do blog estamos compartilhando duas belíssimas versões desta ópera com o maestro Ricardo Muti (Nápoles, 1941) todos os cantores são excelentes em gravações incríveis, uma em estúdio e outra ao vivo. Verdi estava em seus anos de “galé” e a ópera termina de uma forma que sugere que ele só queria terminar tudo. Musicalmente, porém, é um banquete.
Que subam as cortinas e inicie o espetáculo ! Bom divertimento !
Personagens e intérprtes
Esta primeira gravação eu considero a mais recomendada, o principal fator é a qualidade da turma do Scala de Milão. Muti apresenta uma direção musical com um esplêndido discurso orquestral e com magníficas atuações de coro e orquestra, dentro de um espírito teatral, interpretadas de forma soberba. Outro ponto importante a se destacar é a presença do contrabaixo Samuel Ramey (1942) , esplêndido no papel-título, proporcionando uma vocalidade excepcional a partir de sua experiência de bel canto e a beleza do peculiar timbre de sua voz, o canto é irresistível. Samuel Ramey que ao longo da década de 80 inquestionavelmente acumulou mais performances no papel de Attila do que qualquer outro baixo desde a estréia no “La Fenice”… Attila “é ele”. A americana Cheryl Studer (1955) logo no Prólogo na área “Allor che i forti corrono” mostra todo seu vigor, e na faixa 21 em “Oh! nel fuggente nuvolo “ uma delicadeza nobre, um lindo canto uma ótima Odabella. O barítono Giorgio Zancanaro nas faixas “Tardo per gli anni, e tremulo”(10) e ““Vanitosi! che abbietti e dormenti”(12) canta os duetos com Ramey de forma
magnífica, são faixas incríveis, no minha nula opinião! Já o nova-iorquino Neil Schicoff (1949) é um Foresto honesto faz muito bem seu papel, junto com o coro nas grandes passagens das faixas 17, 18 e sobretudo na faixa 19 mostra bem a intensidade patriótica que Solera e Verdi queriam chegar, são lindas ! Sempre vou gostar e respeitar muito o Coro e Orchestra do “Teatro alla Scala di Milano”, sempre em grande sintonia com a orquestra e o gigante Maestro Muti ! Esta gravação eu recomendo. Tenho a absoluta certeza de que vocês vão adorar, eu prometo.
Giuseppe Verdi – Attila
Attila, rei dos hunos – Samuel Ramey, baixo
Uldino, um Breton escravo de Átila – Ernesto Gavazzi, tenor
Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Cheryl Studer, soprano
Ezio , um general romano – Giorgio Zancanaro, barítono
Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Neil Schicoff, tenor
Leone ( Papa Leão I ) – Giorgio Zurian, baixo
Coro e Orchestra del Teatro alla Scala di Milano
Conductor: Ricardo Muti
Recording: 1989
Esta segunda gravação achei interessante postar porque foi feita ao vivo em 21 de novembro de 1970 com o mesmo Ricardo Muti mais novinho mostrando sua incrível habilidade em uma das suas primeiras incursões no repertório de Verdi. Esta também é uma gravação ótima com som excelente e ao vivo! Gosto muito da regência do Muti em “Attila” é muito boa e as sutilezas da música são bem evidenciadas, o que, a meu ver, auxilia os cantores em suas interpretações dos personagens. No papel de Attila está o incrível Ruggiero Raimondi (1941) o que torna esta audição bastante atraente, também era muito jovem em 1970 nos oferece um canto viril com bastante cor e profundidade, muito boa interpretação com seu baixo-barítono característico. Guelfi se iguala a Ruggiero em seus duetos e é completamente crível como um guerreiro rude, o general romano egoísta. O canto da Antonietta Stella (1929) é maravilhoso, muito lírico ela é muito expressiva tinha 40 anos quando essa apresentação foi feita.
Ela não demonstra nenhuma dificuldade com a personagem, sua Odabella encontra belos momentos para brilhar sobretudo no início do primeiro ato em “Oh! nel fuggente nuvolo” (7). Gianfranco Cecchele (1938), um dos melhores tenores de sua época, é um Foresto também em alto nível, uma gravação muito equilibrada mostra bastante entusiasmo na interpretação, Cecchele foi, em minha opinião, voluntariamente esquecido pelas gravadoras, sempre me lembrou Mario Del Monaco…. canto “grande” e marcante. Esta é uma gravação que recomendo também, nos oferece um Verdi de primeira classe, em um nível artístico muito alto da RAI Symphony Orchestra & Chorus, com um elenco absolutamente fantástico dando uma performance apaixonada e emocionante, o som ao vivo é muito bom para transmissão mono da RAI.
Giuseppe Verdi – Attila
Attila, rei dos hunos – Ruggero Raimondi, baixo
Uldino, um Breton escravo de Átila – Ferrando Ferrari, tenor
Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Antonietta Stella, soprano
Ezio , um general romano – Giangiacomo Guelfi, barítono
Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Gianfranco Cecchele, tenor
Leone ( Papa Leão I ) – Leonardo Monreale, baixo
RAI Symphony Orchestra & Chorus, Rome
Conductor: Ricardo Muti
Live Recording, november 21, 1970
Ammiratore
PQP e Equipe,
Meus agradecimentos pela bela homenagem, ao postarem as últimas programações de Ammiratore!
Não sou místico nem religioso, mas reconheço facilmente beleza quando a vejo, transcendendo no que se deixa para trás e no que fazemos com o que os outros nos legam. Ah, a música!…
Grazie mille, Ammiratore, di tutto!
Grazie, PQP e tutti i ragazzi che fanno la squadra!
Vocês são pessoas especiais mesmo, e devem ter sido bons companheiros do Ammiratore… Que a laia daquele que nos desgovernou pague até a eternidade pelo que fizeram e pelo que não fizeram… E que o saudoso amigo de vocês esteja bem no plano superior.
Ammiratore sempre foi muito generoso e acolhedor…
abraços
RD