Ao longo de seus quarenta e cinco anos de carreira, Beethoven tomou emprestados dezenas de temas a seus colegas compositores. No começo, ele o fazia simplesmente porque a forma do tema com variações era muito popular entre os compositores-pianistas, e era praxe lucrativa compor sobre árias e canções em voga. Ao estabelecer-se como o melhor pianista de Viena, ele acostumou-se a usar temas alheios – às vezes já conhecidos, outras vezes ditados pelo público ou mesmo por rivais – para exibir seu talento como improvisador, pelo qual foi por um bom tempo até mais famoso do que como compositor. Por fim, e principalmente nas Variações “Diabelli”, ele mostrava a sua incomparável capacidade de transformar o mais frugal dos temas ao decompô-lo, parodiá-lo e reinventá-lo, enquanto exibia seu enciclopédico conhecimento das capacidades do teclado.
O bicho era tão bom nisso que não surpreende que poucos compositores depois dele tenham tomado seus temas para comporem variações – ninguém, enfim, quer mostrar seus pés pequenos sambando dentro de tão grandes chinelas. Um dos poucos insensatos a fazê-lo foi Max Reger…
… que, só pela cara, a gente já vê que manjava de todos os paranauê.
De fato, sua vasta e mormente desconhecida obra demonstra duma forma quase fanfarronística seu domínio das técnicas de composição. Escrever fugas, por exemplo, parecia-lhe um passatempo. Compor variações E fuga sobre um tema de Beethoven, então, jamais o intimidaria – foi ele, enfim, o homem responsável pela transcrição de muito da obra de J. S. Bach para duo pianístico, o que fez com muita competência e resistindo firme à tomatina que lhe jogaram.
As “Variações e Fuga sobre um Tema de Beethoven” (1904) são uma obra fundamental do repertório para duo, e aliás uma das poucas composições de Reger que, infelizmente, aparecem com alguma frequência em qualquer repertório. O tema que escolheu foi o da breve bagatela para piano em Si bemol maior, Op. 119, no. 11, que ele passa por um rigoroso corredor-polonês contrapontístico que culmina – como era seu costume em obras com variações – com uma assertiva fuga final. Anos mais tarde, ele orquestraria oito das doze variações, mas a roupagem sinfônica não conquistou a relativa popularidade do original.
Neste álbum duplo que lhes apresento, a obra ganha um ótimo tratamento por dois artistas de primeiríssima. András Schiff e Peter Serkin apresentaram o repertório do disco numa série de recitais ao longo de 1999, para enfim gravá-lo em New York, e é evidente que se deram muito bem no processo. Tenho pena, só, das duas singelas obras de Mozart, eclipsadas pelas variações de Reger e pela tonitruante Fantasia Contrappuntistica de Busoni que, apesar de inicialmente intitulada Grosse Fuge, homenageia a “Arte da Fuga” de J. S. Bach. Talvez seja demais para uma quinta-feira à tarde, então compreenderia se, para prevenirem a saturação sensorial (se é que eu já não os saturei para sempre com tanto Beethoven), vocês salvassem o álbum para ouvi-lo depois dum bom tempo longe de mim.
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Fuga em Dó menor para dois pianos, K. 426
1 – Allegro Moderato
Johann Baptist Joseph Maximilian REGER (1873-1916)
Variações e fuga sobre um tema de Beethoven para dois pianos, Op. 86
2 – Thema: Andante
3 – Un poco più lento
4 – Agitato
5 – Andantino grazioso
6 – Andante sostenuto
7 – Appassionato
8 – Andante sostenuto
9 – Vivace
10 – Sostenuto
11 – Vivace
12 – Poco vivace
13 – Andante con grazia
14 – Allegro pomposo
15 – Fuge: Allegro con spirito
Dante Michaelangelo Benvenuto Ferruccio BUSONI (1866-1924)
Fantasia Contrappuntistica para dois pianos, BV 256b
1 – Choral-Variationen
2 – Fuga I
3 – Fuga II
4 – Fuga III
5 – Intermezzo
6 – Variatio I
7 – Variatio II
8 – Variatio III
9 – Cadenza
10 – Fuga IV
11 – Corale
12 – Stretta
Wolfgang Amadeus MOZART
Sonata em Ré maior para dois pianos, K. 448/375a
13 – Allegro con spirito
14 – Andante
15 – Allegro Molto
András Schiff e Peter Serkin, pianos
Vassily
Boa noite
Seria possível revalidar os links para os CDs que estão no post “A Quatro Mãos: Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Concertos de Brandenburg, transcritos por Max Reger – Duo Trenkner-Speidel” , acessados através de “…J. S. Bach para duo pianístico…” que está neste post?
Grato.
Pronto!
Grato.
Muito obrigado pela interessante postagem.
A Hyperion tem uma série de discos com transcrições de obras de J. S. Bach, entre eles o disco 7 é todo de transcrições de Max Reger (https://www.hyperion-records.co.uk/dc.asp?dc=D_CDA67683). Para quem gosta de transcrições é uma série muito boa