“A Obra Completa para Órfica” é o título mais sensacionalista em todo meu duvidoso histórico aqui no PQP Bach, uma esdrúxula dourada de pílula que entrará para a história do blog, uma vez que tudo o que Ludwig escreveu para órfica se resume a duas diminutas peças (WoO 51), que doidivanas como eu volta e meia chamam “sonatina para piano”, supondo que houvesse um terceiro movimento, hoje perdido. Balela pura: nunca foram assim chamadas por Beethoven, que as pretendeu como peças separadas, e muito menos compostas para o piano. O título foi, sim, uma invenção de seu primeiro editor, a fim de que ela apetecesse mais aos pianistas.
Sei que me choverão tomates por fazer postagens de tamanha insignificância. No entanto, prometi-lhes a obra completa do renano e, se não postasse esse disco, não faltaria um completista compulsivo para, ao final da série, brotar dum subsolo a bradar, para minha vergonha, “RÁ, MAS TU NÃO POSTASTE A OBRA COMPLETA PARA ÓRFICA”. Pois bem, aqui está o minúsculo WoO 51, dedicada a Eleonore von Breuning, cujo esposo, Franz Gerhard Wegeler, atestou, numa carta para comunicar a morte de Ludwig a amigos em comum, a existência de “duas peças para órfica que Beethoven compôs para minha esposa”, confirmando assim não só a dedicatária, mas também o instrumento para a qual ele escreveu as peças usurpadas pelos pianistas.
Mas… e que raios é uma órfica? Bem: ei-la.
A curiosa traquitana foi bolada por um certo Carl Leopold Röllig, que já inventara uma harmônica de vidro acionada por teclados, em 1796, e a descreveu como “instrumento que difere completamente em construção do teorbo, do alaúde e da cítara inglesa e espanhola e os supera em beleza de som e variedade”. A órfica era, de fato, muito bonita, claramente inspirada nas representações da lira de Orfeu (daí seu nome), e sua curiosa mescla de instrumento de teclado com de cordas beliscadas não tornam disparatado considerá-la uma precursora da keytar.
Foto: Thomas Hawk (CC BY-SA 3.0)
O pequeno teclado e o som acanhado, parecido com o de um piano de brinquedo, levaram a órfica ao oblívio, e os poucos instrumentos remanescentes permaneceram em museus, à espera de algum tarado como o alemão Tobias Koch, que resolveu se celebrizar ao fazer a première mundial da diminuta obra no instrumento para o qual foi composta e resolveu incluir, para arredondar o disco, quatro peças ainda menores, da lavra do mesmo Röllig que inventou o troço. O grande total, com 16 minutos, é possivelmente a mais breve gravação que já publicamos por aqui.
Para não ganhar fama de quem trabalha pouco, Koch resolveu encher dois discos com peças variadas de Beethoven, muito bem tocadas num pianoforte de som deveras interessante. Entre elas, as três séries de bagatelas publicadas com número de Opus, a única Fantasia para piano, o rondó “Fúria pelo Tostão Perdido”, e aquela peça em Fá menor, encontrada no chamado “caderno de esboços Kullak”, que foi possivelmente a última composição que Ludwig concluiu.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Duas peças para órfica, WoO 51
1 – No. 1: Allegro
2 – No. 2: Andante
Carl Leopold RÖLLIG (1754 – 1804)
Kleine und leichte Tonstücke für die Orphika nebst drey Solfeggi für eine Hand allein (“Peças pequenas e fáceis para órfica com três solfejos para uma só mão”) (1797)
3 – No. 1: Moderato
4 – No. 2: Andantino
5 – No. 3: Andante
6 – No. 4: Solfeggio – Adagio
Tobias Koch, órfica
Ludwig van BEETHOVEN
1 – Rondó em Dó maior, WoO 48
2 – Rondó em Lá maior, WoO 49
3 – Bagatela para piano, WoO 54, “Lustig-Traurig”
4 – Fuga em Dó maior, Hess 64
Dois prelúdios em todas tonalidades maiores, Op. 39
5 – Präludium Nr. 1
6 – Präludium Nr. 2
7 – Rondó em Dó maior, Op. 51 no. 1
8 – Allegretto em Dó menor, WoO 53
9 – Allegretto in Dó menor, Hess 69
10 – Rondó em Sol maior, Op. 51 no. 2
11 – Rondó a capriccio em Sol maior, Op. 129, “Wut über den verlorenen Groschen”
12 – Prelúdio em Fá menor, WoO 55
13 – Andante em Fá maior, WoO 57
14 – Polonaise em Dó maior, Op. 89
15 – Fantasia para piano, Op. 77
Sete bagatelas para piano, Op. 33
1 – Andante grazioso quasi allegretto
2 – Scherzo. Allegro
3 – Allegretto
4 – Andante
5 – Allegro ma non troppo
6 – Allegro quasi Andante, con una certa espressione parlante
7 – Presto
Onze novas bagatelas para piano, Op. 119
8 – Allegretto
9 – Andante con moto
10 – À l’Allemande
11 – Andante cantabile
12 – Risoluto
13 – Andante – Allegretto
14 – Allegro ma non troppo
15 – Moderato
16 – Vivace moderato
17 – Allegramente
18 – Andante, ma non troppo
Seis bagatelas para piano, Op. 126
19 – Andante con moto cantabile e compiacevole
20 – Allegro
21 – Andante cantabile e grazioso
22 – Presto
23 – Quasi allegretto
24 – Presto – Andante amabile e con moto – Tempo I
25 – Bagatela em Dó menor, WoO 52
26 – Bagatela em Dó maior, WoO 53
27 – Bagatela em Dó maior, Hess 73
28 – Bagatela em Mi bemol maior, Hess 74
29 – Bagatela em Lá menor, WoO 59: “Für Elise” – Poco moto
30 – Peça em Si bemol maior, WoO 61
31 – Peça em Si menor, WoO 61 “für Ferdinand Piringer”
32 – Peça em Sol menor, WoO 61 “für Sarah Payne”
33 – Peça em Fá menor
34 – Peça em Dó maior, WoO 62, “Último pensamento musical”
Tobias Koch, fortepiano
Detalhe de uma órfica. Foto de Jorge Royan/http://www.royan.com.ar (CC BY-SA 3.0)
Vassily