As duas obscuras cantatas presentes nessa gravação, compostas por um Beethoven que ainda não fizera vinte anos, foram suas primeiras obras de fôlego e, talvez, as primeiras a darem pistas de que o casmurro violista da corte do Eleitor de Colônia viria a ser um gênio da Humanidade.
Joseph II, Imperador Romano-Germânico, conduziu em sua década final de vida uma notável série de reformas em todo império, sobretudo em Viena, sua capital. Sua morte, em 1790, encerrou a década josefiniana, permeada pelo Iluminismo e que coincidiu, em sua maior parte, com aquela em que Mozart viveu na capital (e quem assistiu a “Amadeus” lembrará de Joseph, que reclamava das “notas demais” nas obras de Wolfgang). Beethoven, que chegaria a Viena somente depois da morte de Joseph, estava bastante familiarizado com seu espírito: sua Bonn natal era controlada por Viena, e abrigava o palácio do Eleitor de Colônia – título que pertenceu, nos últimos anos de Ludwig por lá, a Maximilian Franz, irmão de Joseph II. Ademais, participou, a convite de seu professor, Gottlob Neefe, de associações iluministas – uma das quais, a Lesegesellschaft (Sociedade de Leitura) encomendou-lhe uma cantata alusiva à morte do imperador, com letra de outro membro da sociedade, um certo Severin Anton Averdonk.
A Cantata sobre a Morte do Imperador Joseph II, composta naquele mesmo 1790, nunca foi executada durante a vida de Beethoven e só iria à prensa quase cem anos depois de sua composição, dentro do afã de editar suas obras completas na monumental Beethoven Gesamtausgabe. Aparentemente, as orquestras recusaram-se a tocá-la devido a dificuldades técnicas – o que deve ter deixado Ludwig com cara de tacho, pois uma obra assim, extensa e com um tema tão específico, dificilmente poderia ser reaproveitada. Ela é notável pelo intenso coro de abertura, no Dó menor que seria seu emblema, e que se repete no final, com poucas modificações além da coda. Diferentemente da maior parte de suas obras não publicadas, Beethoven tinha essa cantata em alguma consideração, uma vez que se baseou na ária “Da stiegen die Menschen an’s Licht” de seus dezenove anos para escrever a luminosa “O Gott! Welch’ ein Augenblick” de Leonore/Fidelio.
Sua obra-irmã, a Cantata pela Elevação do Imperador Leopold II, foi provavelmente composta naquele mesmo 1790, ano em que o irmão de Joseph II foi eleito e coroado em Frankfurt. Diferentemente da sua contraparte, e com aproximadamente metade de sua duração, ela abre sem-cerimoniosamente, como se a peça já estivesse em curso, e vai crescendo em intensidade até seu brilhante final. Chama a atenção, entre os números, a ária “Fliesse, Wonnezähre, fliesse!”, com uma difícil parte coloratura para soprano, que certamente não foi destinada a uma cantora das províncias, e sim a alguma notável intérprete em particular. A ária, bem como o trio que antecede o coro final, reflete o interesse e familiaridade do jovem renano para com a opera seria, que provavelmente conhecia bem através das companhias que passavam por Colônia e por seu trabalho na orquestra do Eleitor, em Bonn. Ainda que a cantata para Leopold seja menos ambiciosa que aquela para Joseph, ela é especialmente interessante pelo seu coro de encerramento, que tem vários gestos, além da própria tonalidade que remetem àquele do final da Nona Sinfonia, incluindo o uso repetido da palavra “Millionen”, que aparece tanto na “Stürzet nieder, Millionen, an dem rauchenden Altar!” da obra de juventude quanto na “Ihr stürzt nieder, Millionen?” que pôs em música em sua maturidade.
Ainda que não sejam obras-primas consumadas, e que talvez fosse demais querer isso dum jovem de dezenove anos, elas haverão de surpreender os leitores-ouvintes que imaginaram que Beethoven foi tão só um compositor de colheitas tardias. Essa gravação, sob a sempre impecável condução de Matthew Best, é dum cuidado que raramente vemos ter com obras obscuras. Além da distinta voz do baixo belga José van Dam, há o brilho da soprano Janice Watson, que não só fará “Da stiegen die Menschen an’s Licht” evocar a grande ária de Leonore/Fidelio, como também será a lembrança que provavelmente lhes ficará desse bom disco.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Cantata sobre a Morte do Imperador Joseph II, para solistas, coro e orquestra, WoO 87
Composta em 1790
Publicada em 1888
1 – No. 1, Coro: “Todt, stöhnt es durch die öde Nacht!”
2 – No. 2, Recitativo: “Ein Ungeheuer, sein Name Fanatismus”
3 – No. 3, Ária: “Da kam Joseph, mit Gottes Stärke”
4 – No. 4, Ária com coro: “Da stiegen die Menschen an’s Licht”
5 – No. 5, Recitativo: “Er schläft von den Sorgen seiner Welten entladen”
6 – No. 6, Ária: “Hier schlummert seinen stillen Frieden”
7 – No. 7, Coro:” Todt, stöhnt es durch die öde Nacht!”
Janice Watson, soprano
Jean Rigby, mezzo-soprano
John Mark Ainsley, tenor
José van Dam, baixo
Corydon Singers
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência
Cantata pela Elevação do Imperador Leopold II, para solistas, coro e orquestra, WoO 88
Composta em 1790
Publicada em 1888
8 – No. 1, Recitativo com coro: “Er schlummert … schlummert!”
9 – No. 2, Ária: “Fliesse, Wonnezähre, fliesse!”
10 – No. 3, Recitativo: “Ihr staunt, Völker der Erde!”
11 – No. 4, Recitativo – Trio: “Wie bebt mein Herz vor Wonne! – Ihr, die Joseph ihren Vater nannten”
12 – No. 5, Coro: “Heil! Stürzet nieder, Millionen”
Judith Howarth, soprano
Jean Rigby, mezzo-soprano
John Mark Ainsley, tenor
José van Dam, baixo
Corydon Singers
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência
“Opferlied”, para soprano, coro e orquestra, Op. 121b
Composta e publicada em 1824
13 – Mit innigem andächtigem Gefühl, in ziemlich langsamer Bewegung
Jean Rigby, mezzo-soprano
Corydon Singers
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência
“Meeresstille und Glückliche Fahrt”, cantata para solistas, coro e orquestra, Op. 112
Composta entre em 1814–5
Publicada em 1822
Dedicada a Johann Wolfgang von Goethe
14 – Meeresstille. Sostenuto – Glückliche Fahrt. Allegro vivace
Judith Howarth, soprano
Janice Watson, soprano
Jean Rigby, mezzo-soprano
John Mark Ainsley, tenor
José van Dam, baixo
Corydon Singers
Corydon Orchestra
Matthew Best, regência
Vassily