Uma polonaise de Beethoven? Sim, e bastante oportunista: o ano era 1814, o Congresso de Viena repaginava a Europa pós-napoleônica e Beethoven circulava, na condição de mais célebre compositor vivo, entre a nobreza reunida naquela capital. A polonaise, dança que chegara às cortes francesas dois séculos antes, fazia muito sucesso nos salões europeus que, na mesma medida, eram abastecidos com nova música naquele ritmo característico. Beethoven, que apresentara algumas peças bem nhé no Congresso, buscava sofregamente atender comissões em troca de dinheiro. Uma das mais fáceis foi a da tzarina Elizaveta Alexeyevna da Rússia, a quem dedicou uma breve polonaise para piano solo em troca da considerável soma de cinquenta ducados. A peça, tão pouco dançante quanto se poderia esperar dum grande pianista e terrível dançarino, tem um desenvolvimento muito curto, espremido entre uma introdução com floreios pianísticos e uma coda incomumente longa, e é notória não só por ser uma das primeiras polonaises de salão escritas por um compositor dessa grandeza, como também por ser muito parecida com as primeiras tentativas de Chopin no gênero – que seriam impressas meros três anos depois, quando o polonesinho tinha meros sete anos
Muito mais interessante do que a peça em si é o pretexto que ela nos oferece para escutarmos o interessantíssimo instrumento usado nessa gravação. Conhecido como “o piano de Beethoven” e exibido com destaque no Museu Nacional Húngaro em Budapest, ele foi dado de presente ao compositor pelo fabricante John Broadwood, de Londres, em 1817. Chamá-lo daquele jeito, no entanto, é apenas uma meia-verdade. Não que o piano não fosse realmente de Beethoven, cujo nome fora gravado no instrumento pelo fabricante e que o preservou em seu apartamento até sua morte, mas sua surdez, àquela época, já estava tão profunda que ele não tinha mais condições de tocá-lo, nem de experimentar sua música nele. Não obstante, Ludwig o maltratou a ponto de, quando o piano foi removido de seu legendariamente caótico apartamento e vendido depois de sua morte, não haver “som algum nos agudos e as muitas cordas partidas ficarem enrodilhadas como um arbusto espinhoso numa galé”. Depois de algumas revendas, o instrumento foi adquirido por Franz Liszt, que o restaurou e o legou, em testamento, para o Museu Nacional Húngaro. Não se sabe o quanto o som delicado e anasalado do Broadwood teria agradado os ouvidos de Beethoven, notoriamente crítico às limitações dos instrumentos de sua época. Sabe-se que ele tinha ressalvas mesmo aos seus pianos preferidos, os de Conrad Graf, que tinham um som robusto, mais uniformidade entre os registros e, fundamental para Ludwig, a maior extensão entre seus contemporâneos. Era sob um dos pianos de Graf, aliás, doado a ele pelo próprio construtor, que Beethoven guardava o seu penico, que aparece nos relatos de vários visitantes, tamanho era o destaque que sua posição e olor tinham em sua sala de estar dos infernos.
As demais peças ouvidas nessa gravação, feita in loco no auditório do museu, são todas contemporâneas ao Broadwood e, por não exigirem muito do mecanismo, soam-lhe bem apropriadas sob as mãos do jovem András Schiff, então com 23 anos e ainda a morar em sua Budapest natal.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Seis bagatelas para piano, Op. 126
Compostas em 1824
Publicadas em 1825
1 – Andante con moto, cantabile e compiacevole
2 – Allegro
3 – Andante, cantabile e grazioso
4 – Presto
5 – Quasi allegretto
6 – Presto – Andante amabile e con moto
Cinco peças tardias para piano
7 – Allegretto em Si menor, WoO 61 (1821)
8 – Valsa em Mi bemol maior, WoO 84 (1824)
9 – Écossaise em Mi bemol maior, WoO 86 (1825)
10 – Valsa em Ré maior, WoO 85 (1825)
11 – Allegretto quasi andante em Sol menor, WoO 61a (1825)
Onze novas bagatelas para piano, Op. 119
Compostas entre 1820-1822
Nos. 7-11 publicadas no tratado de piano de F. Starke em 1821
Coleção completa publicada em 1823
12 – Allegretto
13 – Andante con moto
14 – A l’Allemande
15 – Andante cantabile
16 – Risoluto
17 – Andante — Allegretto
18 – Allegro, ma non troppo
19 – Moderato cantabile
20 – Vivace moderato
21 – Allegramente
22 – Andante, ma non troppo
Polonaise em Dó maior para piano, Op. 89
Composta em 1814
Publicada em 1815
Dedicada à Imperatriz Elizaveta Alexeyevna da Rússia
23 – Alla polacca, vivace
András Schiff, pianoforte (John Broadwood & Sons, London, 1817)
Gravado no Museu Nacional Húngaro (Magyar Nemzeti Múzeum) em Budapest, Hungria, 1977.
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Vassily