Franz Joseph Haydn (1732-1809): Sinfonias Completas 64-72, Adam Fischer

Hoje vamos trazer aos amigos do blog mais um conjunto soberbo com nove sinfonias do mestre Haydn (1732 — 1809), interpretação de altíssimo nível da Filarmônica Haydn – orquestra residente no Palácio Eszterháza – que foi fundada por Adam Fischer em 1987 como a “Filarmônica Austro-Húngara Haydn”, composta por membros da Filarmônica de Viena e da Filarmônica Nacional da Hungria. A intenção de Fischer – antes da queda da “Cortina de Ferro” – era reunir os melhores músicos originários desses dois países para superar musicalmente a barreira política tocando as obras de Joseph Haydn.

A sinfonia que inicia esta nova postagem é a número 64 em Lá maior escrita por volta de 1773. O estranho título “Tempora mutantur” é encontrado nas partes manuscritas autênticas que sobreviveram ao tempo. A citação em si é bem conhecida – “Tempora mutantur, et nos in illis” (os tempos mudam e mudamos com o tempo) – mas sua relevância precisa para a sinfonia não é clara. O primeiro movimento se contrasta com o calmíssimo e belíssimo “largo” lembra muito uma área de ópera de um certo menino prodígio da época. Segue-se o belo minuet e trio, e a obra se encerra num breve presto. Foi sugerido que a sinfonia número 65 em Lá maior originalmente concebida como uma introdução ou música incidental para um dos muitos trabalhos dramáticos realizados em Eszterháza. Foi datado dos anos 1771-1773. O animado primeiro movimento começa com três acordes, fazendo lindos desenhos nas cordas. Uma obra de sutil beleza. O presto final inicia como um movimento de caça no qual oferece aos sopros a liberdade apropriada para desenvolver.

Adam Fischer

Em meados da década de 1770, Haydn encontrou-se ocupado com as variadas obrigações de sua posição. As óperas deveriam ser compostas e encenadas tanto para o teatro em Eszterháza quanto para o teatro de marionetes o “Marionette Theatre“, e havia também as apresentações no Palácio Imperial de Schönbrunn. Embora a maior parte do trabalho de Haydn tenha sido realizada em Eszterháza, houve períodos mais curtos em Viena no qual ele era solicitado. Os meses de intenso trabalho trouxeram a composição em um nível mais pesado, várias sinfonias, incluindo as de número 66, 67 e 68, datadas dos anos de 1774 a 1776. O primeiro movimento da sinfonia 66 começa com uma fórmula que Haydn teve a oportunidade de usar em outras sinfonias, um acorde inicial em fortíssimo, seguido pelas notas descendentes do arpejo. A maior parte do belo movimento lento é confiada às cordas, com contrastes dinâmicos para os violinos. Um clímax dramático termina a primeira seção em um violino, seguido por uma seção central que é uma pérola. O tradicional minuet, emoldurando um trio no qual o fagote e o oboé se revezam para dobrar o primeiro violino. O rondo final começa com o tema principal, que são imediatamente repetidas, e esse material é usado para desenvolver uma série de nuances contrastantes. Da mesma forma orquestrada, a sinfonia número 67 em Fá maior abre com um tema muito suave e rápido dos primeiros violinos, logo respaldados pelos segundos, antes de um desenvolvimento mais forte. O ritmo raramente é interrompido ao longo do movimento, e apenas diminui para introduzir o tema secundário no qual o mesmo tema persiste. Violinos introduzem o tranquilo movimento lento. Segue-se mais um bonito minuet como terceiro movimento. O último movimento apresenta uma surpresa quando, após a apresentação dos dois temas iniciais, a orquestra silencia e seu lugar é ocupado por um trio de cordas, dois violinos solo e um violoncelo solo, em um movimento ainda mais lento, marcado como adagio, em que toda a orquestra se junta para encerrar a obra com um “allegro di molto”. Um brilhante vivace abre a sinfonia 68 em si bemol maior, sua abertura é desenvolvida por pares de oboés e fagotes. O tema secundário é anunciado pelo primeiro violino acompanhado em staccato do segundo violino, viola, violoncelo e contrabaixo, fórmula utilizada na recapitulação final, após o desenvolvimento central do tema. O minuet, aqui colocado como segundo movimento, enquadra um trio de contrastes dinâmicos. O clima muda com um rondo final de grande alegria, o movimento final é uma bela conclusão muito animada. Haydn provavelmente escreveu sua sinfonia número 69 em 1778 ou por volta do ano, dedicando-a ao general Laudon (Freiherr von Laudon), um herói célebre nas guerras contra a Turquia. Em 1783, Haydn fez um arranjo para a sinfonia ser tocada em pianoforte ( violino opcional), embora o último movimento tenha sido omitido na publicação. Em correspondência com a editora Artaria, Haydn deixou claro que a dedicatória a Laudon atrairia compradores. O movimento final é brilhante, dominado pelas cordas.

Esterhazy palace, legalzinho né ?

Por volta de 1772 a resposta do príncipe Nikolaus para o castelo de Versalhes foi concluída. Este novo palácio de verão de Eszterháza, que faz fronteira com o Neusiedlersee, agora tornou-se a casa de Haydn por grande parte do ano, e foi aqui, com as performances regulares de óperas e concertos, que a reputação do castelo como um dos mais cultos da Europa foi crescendo. O palácio ostentava sua própria casa de ópera e também como um teatro de marionetes. Mas em novembro de 1779, um incêndio, que começou quando os fogões superaqueceram e explodiram enquanto estavam trabalhando para atender a uma cerimônia de casamento, varreram a área da ópera, vizinha a cozinha. Haydn perdeu seu cravo e inúmeros manuscritos (particularmente de suas óperas) e a vida cultural do palácio parecia condenada. No entanto, a companhia de ópera se retirou para o pequeno teatro de marionetes e os fantoches para um pavilhão ainda menor nos jardins e exatamente um mês após o incêndio uma cerimônia foi realizada em que o príncipe lançou a pedra fundamental para um novo e ainda maior teatro de ópera. Foi nessa ocasião que Haydn escreveu uma nova sinfonia, sempre pronto para responder a

Pensa em um trabalhador dedicado !

circunstâncias particulares, ele produziu um trabalho digno da ocasião, sua septuagésima sinfonia em Ré maior, datada de 18 de dezembro de 1779, começa de maneira convencional. O primeiro tema é um vivace, porém é na breve seção de desenvolvimento que algo diferente do convencional acontece, o motivo é fragmentado em três camadas sobrepostas nas cordas. Este “stretto” (uma fuga, quando tema aparece em todas as vozes da orquestra em rápidas sucessões) é altamente condensado, embora não seja inédito para o período, é um antegozo do arcaísmo que está por vir. O segundo movimento andante é tão frio e bonito quanto o mármore. As repetições das diferentes seções e a enigmática estrutura contrapontística aparece por toda parte. Essa austeridade de pontuação é levada adiante para o ágil minuet (lembra muito uma passagem do “Rapto de Serralho”), para levar ao monumental allegro final. Aqui, depois de uma passagem introdutória com cadências concisas, essas notas repetidas se transformam em temas curtos que são os elementos básicos da notável seção principal, uma fuga a três vozes. A densidade e a tensão aumentam progressivamente, principalmente através do uso do “stretto”, um acorde dissonante introduz o material da fuga de forma brilhante, com o qual o movimento termina. Esta sinfonia vale o download !

Datado por volta de 1780, a sinfonia 71 em Mi bemol maior é um trabalho mais sutil e o tradicional positivismo do mestre está em toda a obra é uma ótima representante das sinfonias mais diretas de Eszterháza. Um breve adagio de introdução nos leva a um genial ‘Allegro con brio‘. Um Andante pacífico e tranquilo nos leva ao minuet (o trio é pontuado por dois solos de violino e em grande parte acompanhamento pizzicato) levam a um final exuberante. A sinfonia número 72 pertence ao período entre 1763 e 1765 mais ou menos como uma peça de exibição para seu novo quarteto de trompas na sua orquestra, ainda em formação, lembrando a estrutura da sinfonia 31, sua irmã.

Este conjunto de sinfonias nos mostram como o mestre criava efeitos sonoros inusitados, o humor haydniano é como um mundo de fundos falsos e alçapões. Mas quando um desses alçapões se abre, não se cai no abismo, mas sim no humano. Bom divertimento !

Disc: 19 (Recorded June 1997 (#64-66))
1. Symphony No. 64 (1778) in A major (‘Tempora Mutantur’), H. 1/64: Allegro con spirito
2. Symphony No. 64 (1778) in A major (‘Tempora Mutantur’), H. 1/64: Largo
3. Symphony No. 64 (1778) in A major (‘Tempora Mutantur’), H. 1/64: Menuet & trio, allegretto
4. Symphony No. 64 (1778) in A major (‘Tempora Mutantur’), H. 1/64: Finale, presto
5. Symphony No. 65 (1778) in A major, H. 1/65: Vivace e con spirito
6. Symphony No. 65 (1778) in A major, H. 1/65: Andante
7. Symphony No. 65 (1778) in A major, H. 1/65: Menuetto & trio
8. Symphony No. 65 (1778) in A major, H. 1/65: Finale, presto
9. Symphony No. 66 (1779) in B flat major, H. 1/66: Allegro con brio
10. Symphony No. 66 (1779) in B flat major, H. 1/66: Adagio
11. Symphony No. 66 (1779) in B flat major, H. 1/66: Menuetto & trio
12. Symphony No. 66 (1779) in B flat major, H. 1/66: Finale, scherzando e presto

Disc: 20 (Recorded June 1997 (#67-69))
1. Symphony No. 67 (1779) in F major, H. 1/67: Presto
2. Symphony No. 67 (1779) in F major, H. 1/67: Adagio
3. Symphony No. 67 (1779) in F major, H. 1/67: Menuetto & trio
4. Symphony No. 67 (1779) in F major, H. 1/67: Finale, allegro di molto-adagio e cantabile-allegro di molto
5. Symphony No. 68 (1779) in B flat major, H. 1/68: Vivace
6. Symphony No. 68 (1779) in B flat major, H. 1/68: Menuetto & trio
7. Symphony No. 68 (1779) in B flat major, H. 1/68: Adagio cantabile
8. Symphony No. 68 (1779) in B flat major, H. 1/68: Finale, presto
9. Symphony No. 69 (1779) in C major (‘Laudon’), H. 1/69: Vivace
10. Symphony No. 69 (1779) in C major (‘Laudon’), H. 1/69: Un poco adagio più tosto andante
11. Symphony No. 69 (1779) in C major (‘Laudon’), H. 1/69: Menuetto & trio
12. Symphony No. 69 (1779) in C major (‘Laudon’), H. 1/69: Finale, presto

Disc: 21 (Recorded June 1997 (#70 & 71) and May 1998 (#73))
1. Symphony No. 70 (1779) in D major, H. 1/70: Vivace con brio
2. Symphony No. 70 (1779) in D major, H. 1/70: Specie d’un canone in contrrapunto doppio, andante
3. Symphony No. 70 (1779) in D major, H. 1/70: Menuet & trio, allegretto
4. Symphony No. 70 (1779) in D major, H. 1/70: Finale, allegro con brio
5. Symphony No. 71 (1780) in B flat major, H. 1/71: Adagio-allegro con brio
6. Symphony No. 71 (1780) in B flat major, H. 1/71: Adagio
7. Symphony No. 71 (1780) in B flat major, H. 1/71: Menuetto & trio
8. Symphony No. 71 (1780) in B flat major, H. 1/71: Finale, vivace
9. Symphony No. 72 (1765) in D major, H. 1/72: Allegro
10. Symphony No. 72 (1765) in D major, H. 1/72: Andante
11. Symphony No. 72 (1765) in D major, H. 1/72: Menuet & trio
12. Symphony No. 72 (1765) in D major, H. 1/72: Finale, andante (Thema, variationen I-VI)-presto

Rainer Küchl, violin
Wolfgang Herzer, cello
Gerhard Turetschek, oboe
Michael Werba, bassoon
Austro-Hungarian Haydn Orchestra
Conductor: Adam Fischer

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2 comments / Add your comment below

  1. Mais um texto admirável de nosso Ammiratore, generoso nos detalhes convidativos ao mergulho neste universo haydniano, tão ampla e surpreendentemente humano! E concordo plenamente: o ponto alto desta série é a sinfonia n.70: esfuziante e espetacular. Quanto ao título da 64, creio que tenha a ver com o maravilhoso movimento lento, que com seus silêncios faz o ouvinte prever o que possa vir, e invariavelmente é enganado em sua expectativa. Os tempos mudam:não haverá aí um jogo com a polissemia do termo “tempos”? E a 72, prenúncio da espetacular 31. No mais, é prosseguir no deleite. Obrigado!

    1. Oi Pedro, muito obrigado mesmo ! Fico muito feliz com seus positivos comentários com esta modestíssima contribuição de divulgação das incríveis obras do mestre Haydn ! A sinfonia número 70, realmente como você disse é espetacular ! O largo da sinfonia 64, assim como muitos outros movimentos das sinfonias foram aproveitados em obras do gigante menino prodígio: Mozart. A relação dos dois traçamos em algumas mal traçadas linhas nas postagens restantes.
      Obrigado Pedro !
      Um forte abraço !

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