Sinfonia Nº 1, Op. 10 (1924-1925)
Shostakovich começou a escrever esta sinfonia quando tinha dezessete anos. Antes disso, tinha composto alguns scherzi que só interessaram à musicólogos. Sua estreia foi mesmo com esta Nº 1, terminada antes do autor completar vinte anos. Ela tornou aquele estudante de música, mais conhecido por ser pianista-improvisador de três cinemas mudos de Petrogrado, internacionalmente célebre. Tal fama pode ser atribuída por Shostakovich ser o primeiro rebento musical do comunismo, mas ouvindo a sinfonia hoje, não nos decepcionamos de modo algum. É música de um futuro mestre.
Ela começa com um toque de trompete ao qual, se acrescentarmos um crescendo, tornar-se-á um tema de Petrouchka, de Igor Stravinsky. Alguns regentes russos fazem esta introdução exatamente igual à Petroushka. É algo curioso que o jovem Dmitri tenha feito esta homenagem, quando dizia que seus modelos — e isto foi comprovadíssimo logo adiante — eram Mahler, Bach, Beethoven e Mussorgski. Mas há mesmo algo de “boneca triste” no primeiro movimento desta sinfonia. O segundo movimento possui um curioso tema árabe, que é a primeira grande paródia encontrada em sua obra. Um achado.
O movimento lento, muito triste, é daqueles que os anticomunistas mais truculentos considerariam uma comprovação do sofrimento do compositor sob o comunismo e de uma postura fatalista do tipo isto-não-vai-dar-nada-certo, porém acreditamos que a morte de seu pai, ocorrida alguns meses antes e a internação de Dmitri num sanatório da Crimeia (ele contraíra tuberculose) tenha mais a ver. Há um belíssimo solo funéreo de oboé nele.
Sinfonia Nº 6, Op. 54 (1939)
Uma perfeição esta sinfonia cujo dramático, concentrado e lírico primeiro movimento (um enorme Largo) é seguido por dois allegros, sendo o último pra lá de burlesco e circense (Presto). A estrutura estranha e inexplicável tem o efeito, ao menos em mim, de uma compulsão por ouvi-la e reouvi-la. Acho que volto sempre a ela com a finalidade de conferir se o primeiro movimento é mesmo tão perfeito e profundo e para buscar uma explicação para a galinhagem final — isto aqui não é uma tese acadêmica, daí a palavra “galinhagem” ser permitida… Nossa sorte é que existe aquele segundo Allegro central para tornar a passagem menos chocante. Esta belíssima obra talvez faça a alegria de qualquer maníaco-depressivo. É uma trilha sonora perfeita para quem sai das trevas para um humor primaveril em trinta minutos — ou menos. Começa estática e intelectual para terminar num circo. Simplesmente amo esta música! É um pacote completo de desespero, sorrisos e gargalhadas.
Dmitri Shostakovich (1906-1975): Integral das Sinfonias e mais — CD 1 de 12 (Ashkenazy)
Symphony No.1, Op.10
1-1 Allegretto – Allegro Non Troppo
1-2 Allegro
1-3 Lento
1-4 Lento – Allegro Molto
Symphony No.6 In B Minor, Op.54
1-5 Largo
1-6 Allegro
1-7 Presto
Royal Philharmonic Orchestra
Vladimir Ashkenazy
PQP
Vem cá, PQP…. Qual sua integral favorita de Shostakovich? Só tenho a versão do Haitink e gosto muito. Ao mesmo tempo, acho que não a ouvi suficiente (VERGONHA! SHAME!), porque quando ouço interpretações de outros regentes (por exemplo, Wigglesworth), não consigo perceber muita diferença a não ser em um andamento um pouco mais rápido ou mais lento aqui ou ali. 🙁
Eu prefiro os russos — Kodrashin, Gergiev, Maxim Shostakovich e Ashkenazy, etc. Acho que há mais compreensão. Sou casado com uma violinista russa que sempre me explica as diferenças. Vou dar um exemplo simples. O segundo movimento da quinta foi descrito pelo compositor como uma ironia à burocracia e que orquestra deveria imitar, em determinados momentos, o carro de uma máquina de escrever sendo jogado de volta para a direita com um manotaço. Isso se repete, ouça lá. Quem faz isso? Os russos. Mas Haitink entra fácil na lista, principalmente pela 11ª e 15ª.
Também acho que às vezes não se dá respeito ao velho Tchai. Os russos o tratam com maior sofisticação. Mas acho que o sotaque deles em Beethoven e Brahms é de matar. Tudo vira Tchai.
Abraço.