Anton Webern é o nome que sempre aparece quando o assunto é música moderna. Sua importância é indiscutível. Ele junto com Schoenberg e Alban Berg foram os criadores da música dodecafônica ou serial. Mas apesar do laço forte entre os três, é possível perceber características peculiares e caminhos distintos entre eles. Cada um deixou uma marca pessoal em suas obras. Nem por isso Webern é tão apreciado ou admirado como seus dois colegas. Poucos ouvem Webern, e muitos desses ouvem por obrigação.
Com o tempo e a boa vontade Webern começa a ser ouvido e executado nas salas de concertos. Mas realmente o ouvinte deve ser prevenido que não é tarefa fácil apreciar a música desse compositor. Ela é compacta e cortante como uma navalha. Onde, muitas vezes, perder um detalhe é perder o movimento inteiro de uma obra. Por isso apresento as obras completas de Anton Webern para que vocês mesmos avaliem esse compositor. Como virei torcedor de sua música, trago aqui seu mais competente advogado: Pierre Boulez.
Esta é a segunda integral realizada por Boulez. Alguns preferem a primeira versão (3 cds da Sony), acham mais empolgante (eu tenho essa versão, e não viveria sem ela). Mas essa segunda versão é tão boa quanto a primeira, e tem a vantagem de possuir uma qualidade de gravação melhor, além disso, essa integral tem as obras de juventude (aquelas sem opus). Desta maneira, a integral passa a ter 6 cds que pretendo postar aqui de maneira vagarosa para que os ouvintes julguem com cuidado.
O primeiro disco começa com a obra mais empolgante de Webern, a Passacaglia para orquestra op.1 (1908). Talvez a obra mais executada e gravada do mestre junto com Piano Variations op.27. Por incrível que pareça uma das melhores versões dessa obra é a de Karajan com a Filarmônica de Berlim. Mas esta versão de Boulez, também com a Filarmônica de Berlim, é genial pela transparência. Todos sabemos que Boulez é mestre em apresentar todos os detalhes de uma obra, mesmo que muitas vezes isso sacrifique a espontaneidade. Mas no caso de Webern, essa maneira de Boulez é perfeita. Como veremos, Webern escreveu muitas obras antes de sua Passacaglia. Obras de juventude, pouco originais. Como é o caso da última obra deste cd – Im Sommerwind (1904). Obra orquestral fortemente influenciada por Richard Strauss. O interessante é que essa simpática peça, desprezada pelo próprio Webern, tem sido regularmente executada.
A outra importante peça deste disco e que, podemos dizer, a primeira grande obra que caracteriza a forma econômica e concisa de Webern são as 5 movimentos para quarteto de cordas op.5 de 1909. A versão deste primeiro cd é o arranjo feito pelo próprio compositor em 1929 para orquestra de cordas. Mesmo assim não perdemos a nitidez dos timbres e texturas experimentadas por Webern na versão para quarteto de cordas.
Ainda em 1909 Webern escreveu outra obra de grande importância – as 6 peças para orquestra op.6. Claro que aqui a grande influência vem das 5 peças orquestrais de Schoenberg, pelas quais Webern tinha grande admiração. Mas não se enganem, Webern já tinha voz própria mesmo com seus 26 anos de idade. Às vezes penso que Schoenberg foi muito mais um parceiro que mestre dos dois outros compositores da Segunda Escola de Viena, acho que esse papel cabe mais a Mahler. Tanto a op.5 como a op.6 merecem silêncio absoluto e total concentração do ouvinte.
Esse primeiro disco é mesmo muito cativante. É impossível passar por ele e desprezar o que virá pela frente. Além das obras chaves e de juventude, temos um grande exemplo do poder de imaginação de Webern – a transcrição da fuga a 6 vozes da Oferenda Musical de Bach. Aqui Bach não é mais um compositor barroco. Sua música abstrata e complexa é levada pelas mãos de Webern para o modernismo. É, sem dúvida, a transcrição mais celebrada junto com os quadros de exposição de Ravel.
Para fechar o disco algumas transcrições da Danças Alemãs de Schubert feitas por Webern em 1931. Mas aqui o compositor não coloca cores diversas da leveza e simplicidade das peças originais.
Anton Webern (1883-1945): Obra Completa – Disco (1/6)
1. Passacaglia for Orchestra op.1
2 – 6. 5 Movements for String Quartet, Op.5
7 – 12. Six pieces for orchestra, Op.6 – Original version (1909)
13. Musical Offering, BWV 1079 – Transcription: Anton Webern – Fuga (Ricercata) a 6 voci Berliner Philharmoniker
14 – 15. Six German Dances, D820 – orch. Anton Webern – No. 1 – 3
16. Im Sommerwind
Performed by Berlin Philharmonic Orchestra
Conducted by Pierre Boulez
CDF Bach
Bravo!
O professor não foi Mahler,este fazia música narrativa, se bem que realmente aspectos tecnicos já estão ali presentes como a fragmentação musical , hipercromatismos[vindos de Wagner],dissonâncias e modulações extremadas a ponto de se perder o centro tonal, mas como continuo achando e defendo o pai da música moderna como você mesmo diz é a musica dita abstrata bachiana do final da vida,estão ali as raízes da música moderna.Bem não foi sem propósito que Webern realizou esta Oferenda.
Ave Bach!
Pontuação do meu texto a cargo do pessoal…rsrs..na empolgação acabei esquecendo de cumprimentá-lo, CDF Bach , você realmente é fudidíssimo! Tem coragem, e brilhante o seu texto ligando a música moderna com o Mestre Bach!
Caros Salinas e Raí,
Obrigado pelas palavras.
Sobre o papel de Mahler, podemos conversar mais sobre o assunto. Mas ela teve importância vital na obra dos três compositores.
Caros, até aonde eu saiba Webern não foi o criador do dodecafonismo junto com Schoenberg e Berg – quem foi o criador foi somente Schoenberg. Quanto ao final desta mesma frase, que termina em “música dodecafônica ou serial”, ela nos leva a crer que estes são dois termos para uma mesma coisa – o que de fato não é. O dodecafonismo é tão somente um tipo de serialismo, é uma imposição sobre como construir a sua série.
E, ao que diz respeito ao Mahler, eu concordo com C.D.F. que este teve uma grande importância na vida dos três.
Agora eu paro com minhas chatices por aqui.
Abraços!
Eu achava que Weber seria incapaz de compor algo tão meloso quanto “Im Sommerwind”. Ten até HARPA na sua forma mais lírica… é o fim do mundo
Excelente texto!
Agostinho,
Se levarmos ao pé da letra você está certo, mas no contexto da música dodecafônica ou serial (usualmente os dois termos se equivalem, e são comumente usados pra definir a mesma coisa) Webern teve tanta importância quanto Schoenberg na formação desta “escola”. Da mesma maneira como pouca gente diz que Haydn foi o pai do classicismo, e Mozart e Beethoven foram seus discípulos. Tanto a escola “clássica” quanto a “dodecafônica” tiverem três mestres e formadores.
Acontece que no serialismo você tem que obedecer a ordem de entradas das 12 notas[ em série] , ao passo que no dodecafonismo a ordem pode ser aleatória; realmente o serialismo é um tipo de dodecafonismo, mais rígido ainda; o dodecafonismo é muito rígido diferentemente do que alguns pensam; seu núcleo, insisto, está lá no Cravo Bem Temperado,claro, se me entendem.
vou pular esse.
(tá deixando as crianças mandarem na casa, seu pqp?!)
Data Venia, CDF Bach: a influência de Webern realmente é grande, mas não na formação do dodecafonismo, do qual Schoenberg é a maior referência.
A influência de Webern só viria a partir da década de 50, “post mortem”, através da chamada escola de Darmstadt, que pregava o “serialismo integral”.
Webern morreu incompreendido e anônimo. Na primeira metade do século XX, o “chefe-de-escola” era realmente Schoenberg.
Data Venia de novo, CDF Bach, MUITA gente (aliás, quase todo mundo) diz que Haydn é o pai do classicismo. Beethoven pensava assim também. Mas Haydn e Mozart viam em Karl Phillip Emmanuel Bach o grande mestre. Aliás, se Beethoven era clássico ou romântico, esse já é outro terreno, e bem espinhoso. Não dá pra comparar essa turma com a Segunda Escola de Viena, na qual eram todos contemporâneos e discípulos do sr. Arnold.
Só pra dar uma de chato e enriquecer a discussão. O melhor é simplesmente ouvir o Webern postado.
Também a escola de Manhein com os Stamitz e a primeira escola de Viena da qual o pai de Mozart fazia parte, foram ao lado de CPE BACH e Scarlatti as raízes do classicismo.Aliás ouvir os Stamitz e Mozart , me desculpem os Mozartianos, mas até parece plágio em alguns momentos….
Caro moses,
Se pensarmos assim, não creio que nem o próprio Schoenberg, que era raramente interpretado, teve influência alguma na primeira metade do século XX, aliás não lembro de ninguém influenciado por ele neste período (claro, tirando Webern e Berg). Logo, vendo as coisas com os olhos do século XXI, continuo com a tese que postei.
Sobre Haydn ser o pai do classicismo, não creio que muita gente diga isso. As principais características do classicismo ,como conhecemos hoje, toma forma completa e praticamente sem brechas com Mozart e Beethoven, que foram seus formadores também.
Caro C.D.F,
Eu entendo muito bem o seu ponto a respeito da importância do Webern no dodecafonismo. Realmente se relativizarmos a coisa nós chegaremos a conclusão de que nada foi inventado por ninguém e tudo decorre das influências de outros num dado compositor em um dado momento. Apesar disto, ainda creio que quem foi o único postulador das regras do dodecafônismo foi Schoenberg – mas concordo que seus discipulos, juntamente com ele, elevaram sua teoria à arte propriamente dita. Se pensarmos nos 12 sons consecutivos, nós podemos imaginar que o próprio Bach na sua Fuga no.24 do Cravo No1 tenha pensado em tal coisa (ainda que não como um sistema rígido de composição).
Eu ainda sou obrigado a discordar da equivalência dos termos serialismo e dodecafonismo, mas não quero soar pedante. Seu texto está claro e isso é indiscutível. Qualquer pessoa minimamente conhecedora deste assunto entenderá o seu ponto e isto é o que importa.
De resto, eu novamente te parabenizo pelo blog. Reafirmo que é uma mina de ouro recém descoberta por mim. Um grande abraço a todos!
Já estava lá em Bach! Concordo, nas entrelinhas
Dos fundamentos do classicismo musical: CPE Bach e Escola de Mannheim.
Do classicismo vienense: J. Haydn
Do classicismo vienense segundo a personalidade do compositor: Mozart e Beethoven.
E Scarlatti…onde entra ou não entra?
Amigo CDF, então “concordamos em discordar”, respeitosamente.
Mozart foi um conservador em termos de forma e linguagem, apesar de algumas poucas ousadias. Beethoven inovou, mas numa linguagem já romântica.
Você mesmo já apontou Berg e Webern, como discípulos de Schoenberg. Dfícil é apontar, na mesma época, dois grandes como esses, fora Stravinsky e Bartók. E mesmo esses sofreram assumidamente sua influência em determinados momentos.
Mas não estou tentando te convencer, ainda bem que as pessoas têm percepções diferentes, assim evoluímos.
Stravinski e Bartok tem na polirritmia o seu forte; Bach e cia já faziam isso ,usar vários ritmos, (obviamentes não tão assimétricos e complexos)como nas suites; Bartok e Stravinski fizeram isto , vários ritmos , na mesma música, agora ao mesmo tempo. Na verdade interrompem a trajetória da musica narrativa do período clássico-romântico que achava que o ritmo estava a cargo da harmonia e deveria ser simples para não atrapalhar, tanto a narrativa como mesmo esta harmonia,ritmos complexos dificultam o acasalamento com harmonia complexa, não é mesmo. O período clássico-romântico foi o da ”ditadura” da harmonia
Particularmente, gosto muito desse forum de discussões que as vezes se instaura no blog, geralmente traz grande enriquecimento cultural sobre o assunto em questão.
Thank for this great work. I love this place!
puxa, finalmente achei! E com link ativo!
Parabéns pelo trabalho.
Homenagem a Webern
É uma estranha terra com grandes árvores inclinadas
para o verão
uma cabeleira escurecida por um grito
a juventude de oiro do fálus
pensar que vai morrer às golfadas
reconheço este homem que me fita com interminável
doçura
o sangue a escoar-se pelos espelhos
era a música que trazia.
[Poema do Poeta português Eugénio de Andrade (1923-2005)]
Muito bonito.