#SCHMNN210 – Robert Schumann (1810-1856): Szenen aus Goethes «Faust», WoO 3 – Herreweghe

Encerramos nosso “Festival Schumann” com sua composição de mais largo escopo, a mais ambiciosa e talvez – mesmo imperfeita e desigual como é – sua obra-prima.

O imenso “Fausto” de Goethe, o ponto mais alto da literatura alemã, instigou desde sua publicação a imaginação de compositores. O próprio autor reconheceu, em sua correspondência, que muitas partes de sua obra “clamavam por música”. A primeira parte do “Fausto”, publicada em 1806, prestava-se bem para isso e, com algumas podas aqui e ali, tinha uma narrativa linear e recheada de heróis e antagonistas o bastante para ser levada aos palcos, como o fizeram Berlioz e Gounod em suas óperas. Já a esotérica segunda parte, publicada em 1831, foi solenemente ignorada por músicos e, embora instantaneamente considerada a obra-prima de Goethe, também ganhou uma reputação de pouco acessível em seu enorme escopo, narrativa não linear e personagens místicos.

Schumann – a quem nunca poderíamos acusar de falta de ousadia artística – resolveu encarar o himalaico desafio e começou, claro, pelo mais difícil. Assim, em 1844, compôs as cenas da transfiguração de Fausto, do final da segunda parte, numa imensa cantata que conjura todos os personagens das partes anteriores e que reúne algumas das páginas mais belas que escreveu. Seu feito é ainda mais notável quando nos damos conta de que, com a exceção da abordagem bem ligeira de Liszt em sua “Sinfonia Fausto”, essas palavras só seriam postas novamente em música por Gustav Mahler, já no século XX.

Na década que lhe restaria de carreira, Schumann voltaria ao texto no começo de 1849 para compor as cenas de 1 a 3 (os únicos trechos da primeira parte do “Fausto” que musicaria), a cena 4 no final do mesmo ano e, em 1850, as cenas 5 e 6. A abertura foi escrita por último e concluída em 1853, um ano antes do colapso que o levaria ao hospício. Não sabemos, pelos seus diários e correspondência, se ele planejava colocar a obra toda em música. Ao que tudo indica, no entanto, ele próprio não concebia essas cenas todas, escritas em diferentes momentos de sua vida, como partes de uma só grande obra, nem que as pretendesse escutar assim. A execução do todo, uma tradição que só se consolidou no século XX, não deixa de soar como uma vasta colcha de belíssimos retalhos. Da angustiada e algo crua abertura, no estilo bem típico de seus últimos anos, passando por trechos que soam como operetas (como o dueto no jardim de Martha), grande ópera (a aterrorizante cena na catedral), ópera romântica (a cena à meia-noite,  que tem todo drama que faltou a “Genoveva”, sua única ópera), intercalando melodias ora de sabor folclórico, ora reminiscentes de seus melhores Lieder, e culminando com a supracitada cantata final, que a um só tempo mostra sua reverência a Bach como também que não seria possível sem a Missa Solemnis de Beethoven, essa coleção de instantâneos da segunda metade da carreira do compositor forma uma imensa rapsódia que é, acredito, seu melhor testamento musical. E com essa leitura de Philippe Herreweghe, sempre elegante e atenta ao detalhe, e um belo time vocal, no qual destaco o maravilhoso baixo islandês Kristinn Sigmundsson como Mefistófeles, espero que ela encontre o lugar que creio merecer no carinho dos leitores-ouvintes, enquanto agradeço a atenção que dedicaram à individualíssima música de Schumann ao longo dessas três últimas semanas.

Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)

Szenen aus Goethes “Faust” (“Cenas do ‘Fausto’ de Goethe”), para solistas, coro e orquestra, WoO 3

1 – Abertura

PRIMEIRA PARTE

2 – No. 1: Szene im Garten (Gretchen, Faust, Mephistopheles, Marthe) –  “Du kanntest mich, o kleiner Engel, wieder”
3 – No. 2: Gretchen vor dem Bild der Mater Dolorosa (Gretchen) – “Ach neige, du Schmerzensreiche”
4 – No. 3: Szene in Dom (Böser Geist, Gretchen, Chor) – “Wie anders, Gretchen, war dir’s”

SEGUNDA PARTE

5 – No. 4: Sonnenaufgang (Ariel, Faust, Chor) – “Die ihr dies Haupt umschwebt im luft’gen Kreise”
6 – No. 5: Mitternacht (Mangel, Schuld, Sorge, Not, Faust) – “Ich heiße der Mangel”
7 – No. 6: Fausts Tod (Mephistopheles, Lemuren, Faust, Chor) – “Herbei, herbei! Herein, herein!”

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TERCEIRA PARTE

1 – No. 7, parte 1: Fausts Verklärung (Chor) – “Waldung, sie schwankt heran”
2 – No. 7, parte 2 (Pater Ecstaticus) – “Ewiger Wonnebrand”
3 – No. 7, parte 3: Fausts Verklärung (Pater Profundus, Pater Seraphicus, Selige Knaben) – “Wie Felsenabgrund mir zu Füßen”
4 – No. 7, parte 4 – Fausts Verklärung (Engel, Selige Knaben, Chor) – “Gerettet ist das edle Glied”
5 – No. 7, parte 5 – Fausts Verklärung (Doctor Marianus) -“Hier ist die Aussicht frei”
6 – No. 7, parte 6 – Fausts Verklärung (Doctor Marianus, Chor, Büsserinnen, Magna Peccatrix, Mulier Samaritana, Maria Aegyptiaca, Una Poenitentium, Selige Knaben, Mater Gloriosa) – “Dir, der Unberührbaren”
7 – No. 7, parte 7 –  Fausts Verklärung (Chorus Mysticus) – “Alles Vergängliche”

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Camilla Nylund, soprano (Gretchen, Not, Una Poenitentium)
Simone Nold, soprano (Sorge, Magna Peccatrix)
Ingeborg Danz, contralto (Mangel, Mater Gloriosa, Mulier Samaritana)
Louise Mott, contralto (Marthe, Schuld, Maria Aegyptiaca)
Hans-Peter Blochwitz, tenor (Ariel)
Christian Voigt, tenor (Pater Ecstaticus)
William Dazeley,
barítono (Faust, Doktor Marianus, Pater Seraphicus)
Kristinn Sigmundsson, baixo (Mephistopheles, Böser Geist, Pater Profundus)

Collegium Vocale
La Chapelle Royale
RIAS-Kammerchor
Orchestre des Champs-Élysées
Philippe Herreweghe, regência

Link para o libreto

Herreweghe brincando com o gerador de van de Graaf

Vassily

2 comments / Add your comment below

  1. Oi Vassily, parabéns por nos ter oferecido nesta incrível série de postagens textos tão bem escritos assim como obras fantásticas do mestre Schumann. Mais uma série com o selo PQPBach de qualidade !

    Fantástico ! Um grande abraço !

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