Apreciei tanto a reação suscitada pela postagem alusiva ao aniversário do supremo Grigory Sokolov que não parei mais de golpear minha cabeça contra a parede (metaforicamente, claro) por nunca antes ter publicado qualquer coisa dele por aqui. Jamais me perdoarei a contento, sokolovmaníaco que pensava ser, de modo que minha reparação começa agora, com esta gravação dedicada somente a Ludwig, e continuará com a divulgação gradual de tudo que tenho, oficial e pirata, e que continua a chegar pelos contatos no submundo do fã-clube do petersburguês.
Aproveitei que chegou a hora do Op. 51 em nossa série e usei o bom pretexto para lhes alcançar esta gravação feita, nada surpreendemente, num recital em Verona. Curiosamente, Sokolov escolheu os dois despretensiosos rondós para abrir os trabalhos, guardando as peças de mais músculo para depois. Quando procuramos precedentes, e encontramos o monstro Radu Lupu, perguntamo-nos enfim o que leva dois dos maiores pianistas vivos, pupilos da escola soviética e legendariamente discretos, a fazê-lo. Enquanto boiava a buscar respostas, ocorreu-me que talvez sejam, entre todas as peças de Beethoven para piano, as mais apropriadas para iniciar um recital – breves, mas não abruptas como as tantas bagatelas; sem grandes gestos, nem intensos contrastes; e muito adequados, por isso, para atrair a atenção do público lavado em ansiosos fluidos antecipatórios e preparar a audiência para o que vem a seguir.
Antes das obras mais calibrosas, vem uma de minhas leituras preferidas do assanhado rondó a capriccio, Op. 129, que costuma ganhar um tratamento temperamental e ultravirtuosístico – certamente instigado pelo subtítulo apócrifo “A Fúria sobre o Tostão Perdido” -, e aqui é tratado com a habitual clareza sokolóvica e sabores bem adequados ao improviso que possivelmente tenha sido antes de posto no papel. Em seguida, a Op. 7, de que Beethoven tanto gostava e que chamou de “Grande Sonata”, ganha garbo e brilho sem a excessiva espumância com que a costumam tratar – mais uma senhorinha elegante do que uma socialite emergente, se assim me permitem comparar. Por fim, uma Op. 101 quase impossivelmente sofisticada e trabalhada no colorido, com a transparência e clareza do Bach de Sokolov irrompendo na irresistível apoteose contrapontística do final.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Dois Rondós para piano, Op. 51
Compostos entre 1795-1798
Publicados em 1802 (no. 2) e 1810 (no. 1)
1 – No. 1 em Dó maior
2 – No. 2 em Sol maior
Grande Sonata para piano em Mi bemol maior, Op. 7
Composta entre 1797-8
Publicada em 1798
Dedicada à condessa Babette von Keglevics
3 – Allegro molto e con brio
4 – Largo, con gran espressione
5 – Allegro
6 – Rondo: Poco allegretto e grazioso
Sonata para piano em Lá maior, Op. 101
Composta em 1816
Publicada em 1817
Dedicada à baronesa Dorothea Ertmann
7 – Etwas lebhaft, und mit der innigsten Empfindung. Allegretto, ma non troppo
8 – Lebhaft, marschmäßig. Vivace alla marcia
9 – Langsam und sehnsuchtsvoll. Adagio, ma non troppo, con affetto
10 – Geschwind, doch nicht zu sehr, und mit Entschlossenheit. Allegro
Grigory Sokolov, piano
Vassily