Ludwig van Beethoven (1770-1827) – As Sonatas para Piano – Stephen Kovacevich (9/9) #BTHVN250

Kovacevich encerra sua travessia com uma leitura elétrica das três últimas, visionárias sonatas. Quando parece que não lhe vai mais sobrar energia depois da fuga do final da Op. 110, ele começa a Op. 111 com toda pilha, cantarolando com o mesmo vigor com que toca – percebam que ele fica ultra-alegre cada vez que ataca os baixos -, e quem o acompanhou até aqui sabe o que esperar das variações que coroam toda série: brilho e expressividade, incluindo um proto-jazz especialmente pirotécnico.

O que vocês talvez não saibam é que a Warner, aquela marota distribuidora que tragou Philips e EMI e com elas o próprio Kovacevich, colocou bizarramente esta sonata sozinha no nono disco, fazendo-a – o que é ainda mais bizarro – seguir-se com as duas séries de bagatelas Opp. 119 e 126. Como nós adoramos Beethoven e sabemos o poder do Op. 111, transplantamos as “ninharias” para o disco anterior, deixando-as na mesma jaula da feroz Hammerklavier. Afinal de contas, nós lemos Thomas Mann, seu “Doutor Fausto” e, por termos aprendido a famosa lição do professor Kretzschmar, sabemos a única coisa que se pode seguir a seu segundo movimento…

“Um terceiro movimento? Um reinício depois desse adeus? Impossível! Acontecera que a sonata no segundo, no imenso segundo movimento, havia alcançado seu fim, um fim sem nenhum retorno. E, ao referir-se ‘à sonata’, não pensava apenas nessa, em dó menor, e sim na Sonata em si, na forma, no gênero artístico tradicional: ela mesma tinha sido levada ao seu término, cumprira seu destino, além do qual não existia caminho, anulara-se e dissolvera-se, despedira-se; o aceno de adeus, dado pelo motivo de ré-sol-sol, melodicamente consolado pelo dó sustenido, era despedida também nesse sentido, despedida grande como a peça, despedida da Sonata.”

… o silêncio, tão só.

ooOoo

Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)

Sonata para piano em Mi maior, Op. 109
Composta em 1820
Publicada em 1821
Dedicada a Maximiliane Brentano

1 – Vivace ma non troppo – Adagio espressivo
2 – Prestissimo
3 – Andante – molto cantabile ed espressivo
4 – Var. I – Molto espressivo
5 – Var. II – Leggermente
6 – Var. III – Allegro vivace
7 – Var. IV – Un poco meno andante
8 – Var. V – Allegro ma non troppo
9 – Var. VI – Tempo I del tema

Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 110
Composta em 1821
Publicada em 1822

10 – Moderato cantabile – Molto espressivo
11 – Allegro molto
12 – Adagio ma non troppo
13 – Adagio, ma non troppo – Arioso
14 – Fuga – Allegro ma non troppo
15 – L’istesso tempo di arioso
16 – L’istesso tempo della Fuga poi a poi di nuovo vivente

Sonata para piano em Dó menor, Op. 111
Composta em 1821-22
Publicada em 1823
Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustra

17 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
18 – Arietta – Adagio molto semplice e cantabile

Stephen Kovacevich, piano

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Retrato de família: Marthinha (com cara de quem preferia estar com seus gatos) e Stephen com sua filha, Stéphanie. A moça à direita, praticamente uma releitura asiática de Martha, é sua filha, a violista Lyda Chen-Argerich.

Vassily

4 comments / Add your comment below

  1. Querido Vassily!
    Só não baixei por já ter os CDs físicos. Excelente série de postagens. A cada manhã esperava abrir a página e ver quais seriam suas observações…
    Valeu!
    O que virá agora?
    Abração
    Mário Olivero

  2. Meu ritmo é bem lento — escuto recentemente o ciclo de Gulda, que reapareceu aqui já há algum tempo. De todo modo, sigo Mário Olivero e reconheço que essas postagens ajudam a estimular um olhar mais arguto em relação às sonatas e suas possibilidades de representações por meio de diferentes pianistas. Obrigado por mais uma integral

  3. Sou grato a vocês do blog, entre outras muitas coisas, por compartilhar um amplo leque de registros das sonatas. E como isto pode ser um mundo diverso, às vezes sutil e, por outras, conflitante. Quando comecei a conviver mais a fundo com este registro Kovacevich, estava em contato regular com os de Bavouzet e Gulda, ambos do blog. Era-me um choque, neste momento, partir para gravações de Gilels, Ashkenazy e Arrau. Porém, nos referidos casos, era uma espécie de questão de hábito: em pouco tempo passava também a apreciar tais gravações e, no instante de segunda escuta, achá-las imbatíveis, tal como, ao entrar em um rio, se estranha inicialmente a temperatura da água e, instantes depois, não se quer mais sair. Porém, quanto a Kovacevich, o hábito não conseguia furar as barreiras dos contrastes erigidos por vertentes interpretativas díspares. Pareciam-me, as diferenças de perspectiva sobre as obras, neste caso, demasiadamente contraditórias, talvez algumas das quais a ferir o espírito da expressividade. Ora, não entendo de questões técnicas! Mas, é perceptível, em especial, a questão do uso de pedal. Aquelas duas, Bavouzet e Gulda, traziam-me uma sonoridade extraordinária, sem peso, antes vertical do que grave, vigorosa, brilhante, esperta, sem entraves. E por outro lado em Kovacevich notava o que sentia ser uma espécie de poluição, falta de nitidez; em suma, o oposto daquilo do que tanto estimava. Talvez isto não passasse de preconceito estreito.  Desta forma, inicialmente senti muita resistência. O ponto de virada, a partir do qual passei a muito estimar esta integral, foi ter sido capturado pelo segundo movimento da op. 101, a marcha: apego-me agora àquela velha máxima de Kierkegaard, segundo a qual o mais importante sempre é a atmosfera. Sim, em muitos casos, Beethoven não evoca elegâncias, trejeitos de etiqueta, leveza e requinte. Por exemplo, aqui a genial leitura de Bavouzet, com sua limpidez, riqueza nos detalhes, não evoca uma atmosfera que remeta a uma marcha, a coisa soa muito bonita, rica e, também, impessoal. E eis, pois, o que mais passei a gostar nesta integral: não se depura a marca pessoal e humana da expressão e da sua representação, o que não esconde ruídos, contradições, turbulências. E não tem como não concordar contigo, Vassily, que a n. 28 é um dos pontos altos desta integral! Seja como for, a criação de Beethoven, com tal quadro rico de representação, levantado por esses artistas incríveis e diferentes, cresce ainda mais, e neste sentido o próprio Bavouzet tem muita razão ao afirmar que sempre serão necessárias novas gravações das sonatas. Agradeço novamente. 

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