Depois de compor uma dúzia de séries de variações para piano antes da virada de século, Beethoven retornou esparsamente ao gênero nas décadas seguintes. Deixara, afinal, de ser um aspirante a compositor-virtuose, para o qual os cavalos de batalha mais óbvios eram, além dos concertos, as variações sobre temas em voga na época. Quando voltou a escrevê-las, já era um compositor conhecido e, desgraçadamente, sua surdez progredira a ponto de considerar deixar os palcos e contemplar o suicídio – como deixa claro e pungente no chamado “Testamento de Heiligenstadt”, escrito no mesmo 1802 em que compôs as variações Opp. 34 e 35.
Seu retorno ao gênero, além de atender às crescentes necessidades pecuniárias, parece justificar-se pela busca de horizontes que a sonata-forma – cujas costuras ele já vinha inovativamente arrebentando em obras com as do Op. 31 – não contemplava tão facilmente. Diferentemente das variações da juventude, quase que puramente figurativas, as séries da década de buscam transformações rítmicas e harmônicas inspiradas pelos temas, ou por seus pequenos cacoetes. As variações Op. 34, por exemplo, sobre um tema em Fá maior, são todas em tonalidades diferentes, num ciclo de terças descendentes, até retornar ao Fá maior. No Op. 35, indubitavelmente a melhor série de variações que escreveu antes das visionárias “Diabelli”, Beethoven lança mão dum tema de baixo que aparentemente lhe era muito querido: além de usá-lo no finale da música para o balé Die Geschöpfe des Prometheus (Op. 43), ele está numa de suas doze contradanças (WoO 14) e retornaria no finale de sua revolucionária sinfonia no. 3, a Eroica, por cuja alcunha essas variações acabaram conhecidas. Mais adequado, no entanto, seria chamá-las de “Variações Prometheus”, como o próprio compositor sugeriu ao editor, uma vez que o balé tinha sido publicado no ano anterior, e a Eroica, publicada somente três anos depois, encontrava-se apenas no começo de sua prolongada gestação.
Completam o disco as relativamente convencionais variações Op. 76, baseada na “Marcha Turca” da música incidental para a peça Die Ruinen von Athen (Op. 113) e outras três séries de variações. A duas primeiras, que abrem a gravação, baseiam-se sobre temas ingleses (o hino God Save the King e a canção patriótica Rule, Britannia!) e possivelmente direcionavam-se a seu crescente séquito de fãs nas ilhas britânicas – e os dois temas, curiosamente, seriam utilizados novamente em sua espalhafatosa Wellingtons Sieg, Op. 91, que lhe foi uma usina de dinheiro.
A série restante, com trinta e duas variações, todas muito curtas e virtuosísticas sobre um tema em Dó menor, é uma das poucas obras significativas que Beethoven publicou sem atribuir um número de Opus – algo que fez sem titubear, por exemplo, com as muito menos inspiradas variações do Op. 76. Um compêndio de truques pianísticos, foram um sucesso instantâneo entre pianistas profissionais e diletantes, o que talvez contribuiu para que o compositor as encarasse com algum desdém. Algumas fontes bem confiáveis (nada do atochador Schindler, portanto) contam que Beethoven as ouviu executadas pela filha de Johann Streicher, conhecido fabricante de pianos e, talvez enfastiado com a interpretação da jovem amadora e impedido pelas circunstâncias de lhe dirigir qualquer resmungo, perguntou:
– De quem é isso?
– Suas – responderam-lhe.
– Minhas? Essas tolices são minhas?
– … sim.
– Oh, Beethoven… que JUMENTO tu eras…
ooOoo
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
1 – Sete variações para piano sobre “God Save the King”, em Dó maior, WoO 78
2 – Cinco variações para piano sobre “Rule, Britannia!”, em Ré maior, WoO 79
3 – Trinta e duas variações para piano sobre um tema original, em Dó menor, WoO 80
4 – Seis variações para piano sobre um tema original, em Fá maior, Op. 34
5 – Quinze variações e uma fuga para piano sobre um tema original, em Mi bemol maior, Op. 35, “Variações Eroica”
6 – Seis variações para piano sobre um tema original, em Ré maior, Op. 76
Rudolf Buchbinder, piano
#BTHVN250, por René Denon
Vassily