Subvertemos novamente a já pouquíssima ordem que há nesta série para publicar a singular composição de Beethoven que alude aos eventos celebrados pelos cristãos durante a semana santa: Christus am Ölberge (“Cristo no Monte das Oliveiras”), sua única experiência no gênero do oratório, que descreve a agonia de Jesus no Getsêmani.
Provavelmente idealizada e rascunhada durante sua tensa temporada em Heiligenstadt, foi composta a toque de caixa no prazo de duas semanas, um ritmo que nada impressionaria Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus, que escreveu uma sinfonia em quatro dias, mas sem dúvidas frenético para os enrolados padrões de Beethoven. Muito se conjeturou se sua implosão psíquica, que culminou no célebre testamento, aproximou-o sentimentalmente do tema do sofrimento de Cristo na véspera de seu calvário. A pressa em terminar o oratório, no entanto, explica-se sem conjeturas: pretendia estreá-lo, junto com a sinfonia no. 2 e o concerto no. 3 para piano e orquestra, do qual também tocaria o solo, num megaconcerto com suas obras no mui respeitado Theater an der Wien, cuja renda líquida escorreria para seu estropiado bolso. Mais ainda, tentava cumprir uma promessa feita a ninguém menos que Emanuel Schikaneder – fundador do Theater, amigo de Wolfgangus, libretista de Die Zauberflöte e o primeiro Papageno (a promessa verdadeira era de uma ópera, mas Fidelio, de gestação complicadíssima, ainda estava longe de ser parida). Como o credor muito esperava, e o devedor era um grande procrastinador, Beethoven correu o que pôde, e ainda assim passou a manhã do dia do concerto escrevendo as partes de trombone do oratório que seria estreado à tarde, além de tocar o solo do concerto entre a memória e a improvisação, posto que ainda não a colocara no papel.
Christus am Ölberge teve uma acolhida apenas razoável pelo público, suficiente para que fosse levado ao palco algumas vezes nos anos subsequentes. A crítica dividiu-se em reconhecer-lhe bons momentos e apontar-lhe a falta de dramaticidade, defeito letal para um oratório, inda mais sobre um tema que, sozinho, já transpira drama. O próprio compositor constrangeu-se com a primeira execução e pôs-se imediatamente a revisar a obra, insatisfeito principalmente com seu fraco libreto, escrito por um seu conhecido, Franz Xaver Huber. Quando de sua publicação, que aconteceu oito anos depois e a levou a receber o enganoso número de Op. 85, o editor conseguiu-lhe um novo libretista que se dedicou a melhorar o texto. Mesmo com as emendas, Beethoven não ficou satisfeito: colheu suas moedas de prata e renegou o oratório, que foi caindo em oblívio e, hoje, e raramente escutado.
Meus ouvidos modernos e xucros tendem a concordar com os críticos e estranhar o estilo operístico e italianizado, certamente influenciado por Salieri, com quem Beethoven estudara recentemente composição e declamação em italiano com a ambição de enriquecer com uma ópera no idioma. A escolha de uma voz de tenor para representar Jesus, em lugar da tradicional opção por um baixo ou barítono, acaba por dar um brilho pouco apropriado a passagens que esperaríamos, pelo enredo, mais austeras, e o dueto entre Jesus e o serafim (soprano) chega às raias de soar como uma cena de amor. Em que pesem essas ressalvas, Christus am Ölberge é o que de mais pascal temos para lhes oferecer de Beethoven, e esperamos que a regência do indestrutível Helmuth Rilling – responsável não só por uma, mas duas séries de gravações de todas as cantatas de Johann Sebastian Bach – lhes ilumine suas virtudes enquanto disfarça seus achaques.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Christus am Ölberge, oratório para solistas, coro e orquestra, Op. 85
Composto em 1803
Publicado em 1811
8 – Verkundet, Seraph, mir dein Mund
18 – Preiset ihn, ihr Engelchore
Keith Lewis, tenor (Jesus)
Maria Venuti, soprano (Serafim)
Michel Brodard, baixo (Pedro)
Gächinger Kantorei Stuttgart
Bach-Collegium Stuttgart
Helmuth Rilling, regência
#BTHVN250, por René Denon
Vassily
Muito bom post! Parabéns! Poste também a gravação de Bernhard Klee com Elisabeth Harwood Franz Crass e James King, sinfonica de Viena. Fabulosa!!! Muito obrigado!
P. S. Selo Deutsche Grammophon
Grato, Bernardo! Que bom que gostou da postagem. Levando em conta que é uma obra muito pouco gravada, não será difícil disponbilizar aqui todas suas gravações. Acredito que em breve teremos mais outras por aqui. Disponha sempre!
Olá, Vassily!
Helmuth ‘Highlander’ Rilling…
Abraços do
René
Salve, René!
Nossa, completamente – e ainda está entre nós!
Em homenagem à cascagrossice do moço, mudei o adjetivo lá de “incansável” para “indestrutível”
Abraço!